Correlação entre os domínios de competência do tutor e o desempenho estudantil: estudo transversal

Correlation between tutor domains of competency and student performance: a cross-sectional study

Resumo:

Introdução:

Na aprendizagem baseada em problemas, o tutor atua como facilitador, e, nesse contexto, as congruências social e cognitiva e o conhecimento do conteúdo são considerados aspectos fundamentais para o exercício dessa função.

Objetivo:

Este estudo teve como objetivo verificar o perfil de domínios de competências do tutor e a correlação com o desempenho do estudante.

Método:

Trata-se de um estudo transversal realizado de 2016 a 2017 com tutores e estudantes de Medicina da Faculdade Pernambucana de Saúde. Utilizou-se o coeficiente de Spearman para verificar a correlação do perfil de domínios de competência do tutor com o rendimento geral.

Resultado:

Participaram do estudo 34 tutores e 533 estudantes. Identificaram-se três domínios de competência nas frequências: congruência cognitiva em 88,7%, congruência social em 93,6% e conhecimento de conteúdo em 98,9%. Não foi observada correlação entre os domínios de competência e rendimento.

Conclusão:

Especula-se que esse achado se deva à falta de controle das variáveis de confundimento.

Palavras-chave:
Tutor; Tutoria; Avaliação

Abstract:

Introduction:

Problem-Based Learning involves the tutor acting as a facilitator, where social and cognitive congruence, as well as knowledge of the content are considered essential factors for the exercise.

Objective:

To verify tutors’ domains of competency and their correlation to student performance.

Method:

Cross-sectional study conducted between February 2016 and 2017, with tutors and medical students from the Pernambuco School of Health. Correspondence analysis based on Spearman’s correlation coefficient was used to ascertain the correlation between the tutor domains of competency profile and the overall performance.

Results:

The study included 34 tutors and 533 students, three domains of competency were identified within the frequencies: cognitive congruence in 88.7%, social congruence in 93.6% and content knowledge in 98.9%. No correlation was found between the domains of competency and performance.

Conclusion:

This finding is thought to be due to the lack of control of confounding variables.

Keywords:
Tutor; Tutoring; Evaluation

INTRODUÇÃO

A aprendizagem baseada em problemas (ABP) é uma proposta pedagógica que consiste no ensino centrado no estudante, cujas bases se apoiam no construtivismo, no estudo autodirigido, na colaboração e na contextualização. O currículo dos cursos que utilizam ABP, geralmente, é dividido em módulos ou unidades temáticas que integram conhecimento básico e clínico. Seu intuito é proporcionar uma aprendizagem significativa, aproximando os estudantes da realidade ao trabalhar problemas que serão vivenciados durante a prática profissional^1),(2.

A motivação intrínseca do estudante é um fator crucial que afeta diretamente o resultado do processo de ensino e aprendizagem. Um estudo quantitativo realizado com alunos do terceiro ano de um curso de Medicina de Pequim utilizou um instrumento que valida o pensamento crítico em estudantes da metodologia ABP. Esse estudo evidenciou que 54% dos estudantes possuíam um pensamento crítico nos grupos tutoriais³.

Na ABP, o tutor deixa de ser mero transmissor de conhecimento e assume o papel de facilitador do processo de ensino e aprendizagem, estimulando os estudantes a trabalhar juntos, de modo a desenvolver a autonomia e o pensamento crítico. Essa função de suporte é descrita como scaffolding, ou seja, andaime. Os estudantes assumem crescente responsabilidade e, com a mediação do tutor, passam a gerenciar o próprio processo de aprendizagem, que deve ocorrer de forma contínua, autônoma, crítica e ao longo da vida^4)-(6.

Schmidt et al.⁷ propuseram a teoria do desempenho do tutor com base nas congruências, por meio de um modelo de equação estrutural, e mostraram como elas se relacionam com o desempenho do estudante. De acordo com Schmidt et al.⁷, o conceito-chave desse processo é a congruência cognitiva, condição necessária para a efetividade do tutor. Se o tutor não for capaz de se comunicar de acordo com o nível de compreensão dos estudantes em relação ao tema discutido, a contribuição dele para o aprendizado será limitada. A congruência cognitiva inclui a sensibilidade do tutor quanto à percepção das dificuldades dos estudantes ao longo do processo de aprendizagem, além de saber quando e como intervir na discussão.

Segundo ainda Schmidt et al.⁷, um tutor pode será considerado efetivo apenas se possuir conhecimento do conteúdo a ser facilitado e interesse autêntico pela vida e pelo aprendizado de seus estudantes. Sem um interesse genuíno e pessoal pelo estudante, o processo de aprendizagem o tutor não terá condição adequada de apoiar os discentes a superar os obstáculos para o alcance dos seus objetivos. O conhecimento do conteúdo e as qualidades interpessoais são condições necessárias para que a congruência cognitiva ocorra⁸.

Portanto, as características de um tutor efetivo devem abranger três domínios de competência: congruência social, congruência cognitiva e conhecimento do conteúdo, considerados fundamentais para o exercício da função de facilitador. A congruência cognitiva é a capacidade do tutor de se ajustar ao nível dos estudantes de tal forma que compreendam as suas colocações e seus questionamentos, propiciando uma comunicação efetiva. A congruência social refere-se à capacidade do tutor de criar um bom ambiente de interação entre os participantes, possibilitando o fluxo livre de ideias. O conhecimento de conteúdo é fundamental e permite que o tutor tenha habilidade para acompanhar e estimular a discussão, contribuindo para a elaboração e articulação de ideais e para o melhor desempenho dos estudantes⁸.

Quanto à percepção sobre as características do tutor que o fazem bom ou mau facilitador, um estudo qualitativo realizado em 2014 com dez mil estudantes da Escola Politécnica de Singapura procurou identificar qualidades específicas referidas pelos participantes e suas relações com as congruências que definem o perfil do tutor. Para a congruência social, identificaram-se os seguintes aspectos: personalidade de facilitador, relação com os estudantes, profissionalismo, motivação dos estudantes e ambiente de aprendizagem. Para a congruência cognitiva, identificaram-se os seguintes fatores: suporte ao aprendizado e habilidade de comunicação. No caso do conhecimento de conteúdo, indicaram-se a experiência e a capacidade de incrementar o aprendizado. Além disso, na percepção dos estudantes, a congruência social foi apontada como a principal característica para um bom facilitador, considerando os pressupostos da ABP⁹.

De modo geral, pelas publicações sobre o tema, na avaliação da efetividade do tutor em relação à aprendizagem do estudante, não se observaram diferenças significativas entre o tutor com expertise (especialista) e o tutor sem essa qualidade (não especialista). Reforça-se a ideia de que mais importante do que a expertise no conteúdo, ou seja, a profundidade do conhecimento sobre o tema a ser facilitado, seja a habilidade do tutor na condução da dinâmica do grupo, sua competência no processo de facilitação. Deve ser pontuado, no entanto, que o conhecimento do conteúdo e a habilidade como elemento facilitador no grupo tutorial são interligados e não excludentes entre si, e enfatiza-se a importância do desenvolvimento docente para a atuação na metodologia da ABP^10)-(15.

O presente estudo partiu do princípio de que as características do tutor influenciam, de modo decisivo, o processo de ensino aprendizagem na ABP. Este estudo teve como objetivo conhecer os perfis sociodemográfico, acadêmico e de domínios de competência do tutor, na expectativa de contribuir com subsídios para implementar estratégias de capacitação mais efetivas para a sua qualificação e melhor desempenho.

MÉTODO

Realizou-se um estudo descritivo transversal com componente analítico, envolvendo tutores e estudantes do curso de Medicina da Faculdade Pernambucana de Saúde (FPS). Foram incluídos tutores e estudantes que participaram de pelo menos 75,0% dos encontros dos módulos avaliados. Cada tutor foi avaliado, durante a realização de dois módulos, por cerca de 16 estudantes. Essas avaliações foram realizadas por diferentes estudantes em cada uma das ocasiões e no antepenúltimo encontro de cada módulo. A coleta de dados ocorreu no período entre fevereiro de 2016 e fevereiro de 2017.

A FPS utiliza como metodologia ativa de ensino aprendizagem a ABP. O curso de Medicina apresenta cerca de 137 estudantes por ano, divididos em duas turmas com cerca de 68 estudantes cada. Cada período é composto por quatro módulos com aproximadamente 34 problemas. Os grupos tutoriais seguem os sete passos que ocorrem em dois momentos presenciais por semana: 1. identificar termos desconhecidos no texto que dificultem a compreensão geral dele, 2. definição do problema do caso, 3. tempestade de ideias, 4. revisão dos passos anteriores para a organização das ideias e hipóteses geradas, 5. definição dos objetivos de aprendizagem (encontro 1), 6. estudo dirigido e 7. discussão de fechamento do caso (encontro 2). Para registro dos dados, aplicou-se um questionário elaborado com base nas variáveis selecionadas para o estudo e contidas nos objetivos específicos para a definição dos perfis sociodemográfico e acadêmico dos tutores (material suplementar).

Para a definição do perfil do tutor pelos estudantes, utilizou-se o “Questionário para avaliação dos domínios de competência do tutor”, instrumento pré-validado e adaptado transculturalmente por Martins¹⁶. O questionário é composto por dez itens, sendo três relacionados à congruência social (itens 1, 4 e 6), cinco referentes à congruência cognitiva (itens 3, 5, 7, 8 e 9) e dois sobre conhecimento de conteúdo (itens 2 e 10). Esse instrumento foi elaborado como escala Likert com cinco níveis de respostas: 1. discordo totalmente, 2. discordo, 3. nem discordo nem concordo, 4. concordo e 5. concordo totalmente (material suplementar).

Os desfechos avaliados no estudo atual que compõem o desempenho do estudante foram os seguintes: o rendimento geral no módulo (RGM), obtido por meio da média ponderada do teste cognitivo realizado ao final da cada módulo (peso 5), a autoavaliação do estudante (peso 1) e a avaliação dos pares (peso 1) ao final de cada módulo, e a avaliação do estudante pelo tutor ao final de cada encontro (peso 3), na qual se consideram estes critérios: pontualidade, conhecimento prévio sobre o assunto do caso, clareza na exposição de ideias e exercício da função no grupo (coordenador, secretário, membro e interação harmoniosa com o grupo). Considerou-se ainda o tempo de estudo dirigido (TED) que se refere ao tempo utilizado para estudo individual entre os dois encontros que envolvem a abertura e o fechamento de cada caso problema sendo apontado pelo próprio estudante.

Após coleta dos dados, construiu-se em dupla a entrada de banco de dados por meio programa Excel 2007. Para a análise de consistência dos dados, utilizou-se o Data Compare, módulo do Epi Info versão 3.5.1. Para a análise dos dados, foi utilizado o Stata versão 12.1 SE. Obtiveram-se medidas de tendência central e dispersão (mediana e seus quartis) para as varáveis contínuas e verificaram-se as distribuições de frequência para as variáveis categóricas (percentual).

O escore de cada domínio de competência foi definido pela média aritmética do conjunto de respostas dos itens constituintes de cada um deles. Posteriormente, como forma de melhorar a análise, foram atribuídos graus aos escores encontrados. Como não se identificaram critérios previamente definidos, os graus foram estabelecidos da seguinte forma: inicialmente adotaram-se como um dos pontos de corte valores ≤ 3,0, que seriam compatíveis com a ausência da congruência analisada, e, acima desse valor (> 3,0), seria considerada a identificação da congruência analisada. A partir daí, considerou-se o intervalo entre os valores de > 3,0 a 5,0 (congruência presente), e estabeleceram-se três faixas, a intervalos aproximadamente regulares de 0,66, definindo-se os seguintes graus: 0 = ausente (médias das respostas ≤ 3,0), 1 = grau baixo (média das respostas > 3,0 e ≤ 3,6), 2 = grau moderado (> 3,6 e ≤4,3) e 3 = grau alto (> 4,3).

Para a verificação da correlação entre os domínios de competência do tutor com o RGM e com o TED, verificou-se a correlação de Spearman, considerando todos os valores das congruências e todos os valores do RGM e TED. O nível de significância adotado foi de 5,0%.

O projeto foi encaminhado ao Comitê de Ética da FPS e aprovado sob o número 5151.7315.8.0000.5569, e a coleta dos dados somente teve início após a aprovação e liberação do referido comitê.

RESULTADOS

Para verificação das condições sociodemográficas e acadêmicas, incluíram-se 47 dos 49 tutores (95,9%) dos quatro primeiros anos do curso de Medicina da FPS. Já para a avaliação do perfil do tutor, em relação aos domínios de competência (congruências social e cognitiva, e conhecimento de conteúdo), foram incluídos 34 tutores (69,4%), sendo 13 do terceiro período, 12 do quinto e nove do sétimo. Cada um deles foi avaliado em dois grupos tutoriais por cerca de oito diferentes estudantes em cada um deles. Logo, cada tutor foi avaliado por aproximadamente 16 estudantes, e, no total, incluíram-se para a análise 533 avaliações.

No que diz respeito às características sociodemográficas dos tutores, observou-se que a maioria era do sexo feminino (55,3%). A idade variou de 28 a 67 anos com mediana de 39 anos (intervalo interquartil = 34 anos a 49 anos). Quanto às características acadêmicas, verificou-se que o tempo desde a conclusão do curso médico até o momento da entrevista variou de três a 42 anos, com uma mediana de 12 anos (intervalo interquartil = oito a 23 anos). Mais de 60,0% dos tutores eram clínicos e pediatras (38,3% e 25,5% respectivamente); 25,5%, ginecologistas e obstetras; e 10,6%, cirurgiões e anestesistas (Tabela 1).

Tabela 1
Distribuição da frequência dos tutores da Faculdade Pernambucana de Saúde segundo o sexo, o estado civil, a existência ou não de filhos e a renda mensal. Dados coletados de fevereiro de 2016 a fevereiro de 2017.

Variáveis	N	%
Sexo
Feminino	21	55,3%
Masculino	26	44,7%
Estado civil
Solteiro	13	27,6%
Casado	25	53,1%
Outros	09	19,1%
Possui filhos
Sim	25	53,1%
Não	22	46,8%
Idade
Entre 30 e 40 anos	12	25,5%
Acima de 40 anos	23	48,9%

Dos 47 entrevistados, 22 apresentavam título de especialista (46,8%), 34,0% eram mestres e 17,0% tinham doutorado. Mais da metade dos tutores relataram a publicação de trabalhos científicos (76,6%). A quantidade de publicações variou de um a 19 trabalhos, com a mediana de quatro (intervalo interquartil = dois a oito trabalhos científicos publicados).

O tempo de exercício na função de tutor na metodologia ativa variou de seis meses a 11 anos, com uma mediana de três anos (intervalo interquartil = um ano a 11 anos). A maioria dos tutores realizou capacitação em formação de tutor para a ABP (97,8%), e a última capacitação variou de dois meses a oito anos, com mediana de um ano (intervalo interquartil = um ano a dois anos). Por fim, o tempo despendido pelos tutores semanalmente para a preparação e participação no grupo tutorial variou de uma a 28 horas com mediana de sete horas (intervalo interquartil = quatro a 10 horas). As 533 avaliações dos estudantes identificaram os três domínios de competência nos tutores com as seguintes frequências: congruência cognitiva em 88,7% das vezes, congruência social em 93,6% e conhecimento de conteúdo em 98,9% delas. No entanto, todas as avaliações foram classificadas como grau baixo. Não houve correlação entre os domínios de competência com o RGM e do TED (Figura 1).

Figura 1
Diagramas de dispersão do Rendimento Geral no Módulo (RGM) e do Tempo de Estudo Dirigido (TED) versus Congruência Social (CS), Congruência Cognitiva (CCOG) e Conhecimento de Conteúdo (CCO).

DISCUSSÃO

A pesquisa buscou verificar os perfis sociodemográfico, acadêmico e de domínios de competência do tutor e sua correlação com o desempenho do estudante, com o objetivo de identificar falhas que permitam o desenvolvimento de estratégias que contribuam para o aprimoramento do exercício da função de tutor e a melhora de seu desempenho. Vale ressaltar que, para a verificação das condições sociodemográficas e acadêmicas, foram incluídos 95,9% dos tutores dos quatro primeiros anos do curso de Medicina. Já para a avaliação do perfil do tutor, em relação aos domínios de competência, incluíram-se 69,4% dos tutores.

O grupo avaliado no estudo atual quanto às características sociodemográficas mostrou um tutor com o seguinte perfil: do sexo feminino (55,3%) e com mediana de 39 anos. Esse perfil foi semelhante ao encontrado no estudo Demografia médica no Brasil 2015, realizado pelo Conselho Federal de Medicina, pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) e pelo Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp). Esse estudo coletou os dados sociodemográficos e acadêmicos de 432.870 médicos em todo o Brasil, observando idade média de 45,7 anos, com predomínio do sexo feminino abaixo da faixa etária de 29 anos (56,2%) em relação aos homens (43,8%)¹⁷.

O aumento da participação das mulheres na profissão médica, portanto, não é fenômeno recente e não acontece apenas no Brasil. Segundo a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), a qual engloba 25 países da Europa, três da Ásia, dois da Oceania, três da América do Norte e um da América do Sul, a proporção de mulheres médicas cresceu entre 1990 e 2005, passando de 28,7% para 38,3%, considerando o total de médicos¹⁸.

Dos 47 tutores avaliados, 46,8% tinham o título de especialista, 34,0% eram mestres e 17,0% tinham doutorado. Em relação à especialização, um estudo envolvendo médicos em todo território brasileiro publicado em 2015 encontrou percentuais de 70,0% de especialistas¹⁷. O nível de titulação encontrado no presente estudo pode ser considerado adequado, uma vez que, considerando os percentuais de cada uma delas, no total foi observado que em 97,8% dos casos os tutores tinham titulação¹².

No estudo atual, a maioria dos tutores afirmou ter publicado artigos científicos (76,6%) com mediana de quatro artigos por tutor. Esse achado, por sua vez, foi considerado condizente com a condição de profissionais de hospital-escola e atividade de docência.

Quase a totalidade dos tutores foi capacitada em ABP (97,8%), sendo a mediana desse tempo de 24 meses. A capacitação do docente torna-se uma ferramenta imprescindível para o exercício da função de tutor. É importante frisar que, para o exercício da função de tutor, existe a demanda para a mudança de atitude, sobretudo do papel de professor para o de facilitador.

Foi encontrada mediana de tempo de três anos de manutenção no exercício da função de tutor, sendo considerada como baixa permanência, pois, no momento da coleta de dados, a instituição de ensino superior tinha dez anos de existência. Esse achado pode estar relacionada a diversos fatores, como sobrecarga de trabalho, esforço despendido para exercício da função, remuneração percebida como insuficiente e dificuldade de adaptação à metodologia. Além disso, pode favorecer a existência de um grupo de tutores que, embora apresentem experiência profissional, têm pouca vivência na metodologia, exigindo maiores esforços de capacitação.

Todos os tutores participam do curso de Formação de Tutor em ABP aplicado pelo Comitê de Desenvolvimento Docente (CDD). Esse curso é realizado duas vezes por ano, e os critérios para a inclusão dos participantes são: tutores novos, os capacitados há mais de cinco anos e aqueles que apresentem alguma dificuldade no exercício de sua função. O curso de Formação de Tutor em ABP da FPS foi desenhado no modelo de ensino híbrido, com carga horária de 34 horas, sendo 12 horas presenciais e 22 horas em ensino a distância (EaD). Nesse curso, trabalham as congruências social e cognitiva e as formas adequadas de intervenção do tutor em ABP, incluindo incidentes críticos. Além disso, no dia a dia o tutor é acompanhado por seu coordenador que fornece suporte para que possa exercer com qualidade e efetividade o seu papel como facilitador.

Além do curso de Formação de Tutor, o CDD oferece os cursos de Feedback do Tutor aos estudantes individual e coletivo, Elaboração de Problema em ABP e Elaboração de Questões para Teste Cognitivo de Múltipla Escolha. Atualmente, encontram-se em fase de elaboração os cursos de desenvolvimento específico das congruências cognitiva e social, elaboração de mapas conceituais, curso para a participação do tutor no fórum, ferramenta do nosso ambiente virtual de aprendizagem (AVA).

Quanto à classificação do perfil do tutor em relação aos três domínios de competência, embora as três congruências tenham sido classificadas em grau baixo, considera-se bastante relevância o fato de todas elas terem sido identificadas nos tutores avaliados. No entanto, pontua-se a necessidade de capacitação permanente para o exercício da função de tutor, sobretudo em relação ao desenvolvimento das três congruências analisadas, independentemente do tempo da sua atuação. A capacitação para o tutor deve merecer atenção especial, sobretudo para os tutores mais jovens e aqueles com mais experiência, para evitar os desvios na atuação como tutor¹⁹. Um estudo qualitativo realizado na Alemanha em 2017, que entrevistou 29 estudantes, concluiu que a congruência social é definida como um ambiente descontraído e de comportamento empático, enquanto a congruência cognitiva é uma base de conhecimento efetivo²⁰.

Um estudo realizado em 2018 avaliou as três congruências em um curso on-line. De acordo com esse estudo, o conhecimento de conteúdo na metodologia ABP tem um impacto significativo no sucesso da aprendizagem, pois o tutor com expertise tem a capacidade de criar e fornecer subsídios para uma aprendizagem mais sólida²¹.

No estudo atual, não foram encontradas correlações entre os domínios de competência e o desempenho do estudante avaliado pelo TED e pelo RGM. Especula-se que uma das razões seria o fato de não terem sido devidamente controladas as variáveis de confundimento.

Atualmente, sugere-se, para a avaliação do desempenho do tutor, a utilização de estudos que incluam as variáveis ditas de contexto, ou seja, a qualidade do caso utilizado para a discussão no grupo tutorial, o nível de conhecimento prévio dos estudantes, a estrutura do currículo, a estrutura de implementação para a ABP da faculdade, entre outras²².

Um estudo realizado em Singapura, em 2011, evidenciou que a congruência social do tutor influenciou de maneira significativa no desempenho dos estudantes, o qual foi avaliado pela habilidade de descrever e elaborar a relação entre conceitos relevantes²³. Em uma revisão sistemática publicada em março de 2020, constatou-se que a congruência social foi enaltecida no que diz respeito à aprendizagem entre pares. Salienta-se ainda no estudo que tanto a congruência cognitiva quanto a social têm influência direta nos quesitos desempenho do grupo tutorial e motivação para estudar. O estudo aponta ainda que a congruência cognitiva implica que os tutores entendem melhor as situações enfrentadas pelos estudantes dentro do grupo tutorial²⁴.

Um estudo quantitativo realizado com tutores e estudantes do curso de Medicina, com o objetivo de verificar a estabilidade do perfil do tutor em relação às congruências, constatou que a avaliação do tutor em três momentos diferentes seria suficiente para generalizar o seu comportamento. No entanto, também é referido na literatura que, na avaliação do perfil do tutor, devem ser consideradas variáveis de contexto como qualidade do problema, estrutura em ABP do curso, nível de conhecimento prévio dos estudantes, estrutura do currículo e funcionamento do grupo tutorial²⁵.

Um estudo de 2014 realizado na Universidade Federal de Roraima observou que a congruência social, isoladamente, foi associada a um melhor desempenho dos estudantes, avaliado pela elaboração de mapas conceituais. O conhecimento de conteúdo isoladamente não exerceu influência no desempenho dos grupos, mas, quando associado às congruências cognitiva e social, proporcionou os melhores resultados. Portanto, apontou-se que o equilíbrio entre os domínios de efetividade do tutor garante qualidade ao processo de aprendizagem¹⁶.

Outro estudo também realizado em Singapura em 2015, com o objetivo de avaliar o efeito do perfil do tutor em relação às congruências (conhecimento de conteúdo, social e cognitiva) e o desempenho dos estudantes, buscou controlar o nível de conhecimento prévio discentes. Os alunos foram divididos em três subgrupos (academicamente fortes, academicamente medianos e academicamente fracos), conforme avaliação anterior, correspondendo ao coeficiente geral de rendimento do período precedente à realização do estudo²⁶.

Os resultados desse estudo mostraram, por meio da análise de covariância, que as três congruências apresentaram efeito significativo no RGM dos estudantes quando considerados em conjunto. No entanto, quando avaliados pelos subgrupos, observaram-se diferenças significativas entre as três congruências e o RGM apenas no grupo de estudantes considerados academicamente medianos. Os resultados sugerem que a influência do perfil do tutor no desempenho dos estudantes depende das habilidades acadêmicas destes²³.

Embora no presente estudo não tenham sido verificadas correlações entre as três congruências estudadas e o desempenho dos estudantes, ressalta-se a importância do desenvolvimento desses domínios de competência para a facilitação nos grupos tutoriais e a efetividade do aprendizado. Alguns estudos apontaram que, na verdade, a influência no desempenho dos estudantes se daria pela integração das três congruências, e não por cada uma de forma isolada^{4),(9),(16),(17}.

As informações trazidas quanto ao perfil geral do tutor podem, potencialmente, ser de grande valia para aprimorar as estratégias de capacitação dos tutores e a sua gestão. Sugere-se a realização de estudos que incluam as variáveis de contexto para que sejam esclarecidos de forma mais eficaz o papel dos domínios de competência do tutor e o desempenho do estudante.

CONCLUSÕES

Como principal conclusão do estudo atual, pontua-se que os tutores avaliados apresentaram os três domínios de competência: mais de 80,0% em congruência cognitiva e mais de 90,0% na congruência social e no conhecimento de conteúdo. Esses achados são bastante positivos, pois apontam que os tutores apresentavam o perfil esperado para uma boa atuação como facilitadores do processo de aprendizagem na ABP. Não foi verificada correlação entre as três congruências e o desempenho do estudante, considerando o RGM e o TED. Uma das explicações possíveis para esse achado seria a falta de controle das variáveis de confundimento. Enfatiza-se a necessidade de capacitação permanente para o exercício da função de tutor.

REFERÊNCIAS

• ¹
  Borges MC, Chachá SGF, Quintana SM, Freitas LCC, Rodrigues MLV. Aprendizado baseado em problemas. Medicina (Ribeirão Preto). 2014;47(3):301-7.
• ²
  Organisation for Economic Co-operation and Development. Panorama de la santé 2013: les indicateurs de l’OCDE. Paris: Éditions OCDE; 2013 [acesso em 9 abr 2017]. Disponível em: Disponível em: http://dx.doi.org/10.1787/health_glance 2013fr
  » http://dx.doi.org/10.1787/health_glance 2013fr
• ³
  Pu D, Ni J, Song D, Zhang W, Wang Y, Wu L, et al. Influence of critical thinking disposition on the learning efficiency of problem-based learning in undergraduate medical students. BMC Med Educ. 2019;19(1):1-8.
• ⁴
  Barreto PAN. A avaliação do tutor realizada pelos discentes no curso de Medicina da Unimontes [dissertação]. São Paulo: Universidade Federal de São Paulo; 2011.
• ⁵
  Leary H, Walker A, Shelton BE, Fitt MH. Exploring the relationships between tutor background, tutor training, and student learning: a problem based learning meta-analysis. Inter Jour Prob Lear. 2013;7(1):40-66.
• ⁶
  Dolmans DH, Gijselaers WH, Moust JH, de Grave WS, Wolfhagen IH, van der Vleuten CP. Trends in research on the tutor in problem based learning: conclusions and implications for educational practice and research. Med Teach. 2002;24(2):173-80.
• ⁷
  Schmidt HG, Moust JHC. What makes a tutor effective? A structural-equations modeling approach to learning in problem-based curricula. Acad Med. 1995;70(87):708-14.
• ⁸
  Chng E, Yew EHJ, Schimidt HG. Effects of tutor related behaviours on the process of problem based learning. Adv Health Sci Educ Theory Pract. 2011;16(4):491-503.
• ⁹
  Chng E, Yew EHJ, Schimdt HG. To what extent do tutor related behaviours influence student learning in PBL? Adv Health Sci Educ Theory Pract . 2015;20(1):5-21.
• ¹⁰
  Leary H, Walker A, Shelton BE, Fitt MH. Exploring the relationships beetween tutor background, tutor training, and student learning: a problem-based learning meta-analysis. Interdiscip J Probl Learn. 2013;7(1):3-15.
• ¹¹
  Dolmans DHJM, Janssen-Noordman A, Wolfhagen HAP. Can students differentiate between PBL tutors with different tutoring deficiencies? Med Teach . 2006;28(6):e156-61.
• ¹²
  Turan S, Elcin M, Odabasi O, Ward K, Sayek I. Evaluating the role of tutors in problem-based learning sessions. Procedia Soc Behav Sci. 2009;1(1):5-8.
• ¹³
  De Grave W, Moust J, Hommes J. The role of the tutor in a problem based learning curriculum. Maastricht University, Netherlands; 2014.
• ¹⁴
  Martins AC, Falbo Neto G, Silva FAM da. Características do tutor efetivo em ABP: uma revisão de literatura. Rev Bras Educ Med. 2018;42(1):105-14.
• ¹⁵
  Park SE, Susarla SM, Cox CK, Da Silva J, Howell TH. Do tutor expertise and experience influence student performance in a problem-based curriculum? J Dent Educ. 2007;716:819-24.
• ¹⁶
  Martins ASC. Como as características do tutor se relacionam com o processo de aprendizagem no grupo tutorial em ABP? Estudo longitudinal baseado em mapas conceituais. Roraima: Departamento de Medicina da Universidade Federal de Roraima; 2014.
• ¹⁷
  Ertmer PA, Newby TJ. Behaviorism, cognitivism, constructivism: comparing critical features from an international design perspective. Performance Improvement Quartely. 1993;6(4):50-72.
• ¹⁸
  Grave WD, Moust J, Hommes J. The role of the tutor: in a problem based learning curriculum. Maastricht: Maastricht University; 2003.
• ¹⁹
  Hmelo-Silver CE, DeSimone C. Problem-based learning: an instructional model of collaborative learning. In: Silver CEH, editor. The international book of collaborative learning. New York: Routledge; 2013. p. 550.
• ²⁰
  Loda T, Erschens R, Nikendei C, Zipfel S, Herrmann-Werner A. Qualitative analysis of cognitive and social congruence in peer-assisted learning: the perspectives of medical students, student tutors and lecturers. Med Educ Online. 2020;25(1):1-9.
• ²¹
  Watson SL, Koehler AA, Ertmer P, Kim WR, Rico R. An expert instructor’s use of social congruence, cognitive congruence, and expertise in an online case-based instructional design course. Interdiscip J Probl Learn . 2017;12(1):1-21.
• ²²
  Schmidt HG, Moust JH. What makes a tutor effective? A structural equations modeling approach to learning in problem-based curricula. Acad Med.1995;70(8):708-14.
• ²³
  Yew HJ, Young JY. Student perceptions of facilitator’s social congruence in problem-based learning. Instr Sci. 2014;42(5):795-815.
• ²⁴
  Loda T, Erschens R, Loenneker H, Keifenheim KE, Nikendei C, Junne F, et al. Cognitive and social congruence in peer-assisted learning: a scoping review. PLoS One. 2019;14(9):1-15.
• ²⁵
  Williams JC, Alwis WAM, Rotgans JI. Are tutor behaviors in problem-based learning stable? A generalizability study of social congruence, expertise and cognitive congruence. Adv Heal Sci Educ. 2011;16(4):505-15.
• ²⁶
  Scheffer M, Biancarelli A, Cassenote A. Demografia médica no Brasil 2015. São Paulo: Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da USP; 2015.

• 2
  Avaliado pelo processo de double blind review.

• FINANCIAMENTO

  Declaramos não haver financiamento.

Editado por

Editora-chefe: Daniela Chiesa. Editora associada: Rosiane Viana Zuza Diniz.

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  16 Ago 2021
• Data do Fascículo
  2021

Histórico

• Recebido
  17 Jun 2020
• Aceito
  06 Jul 2021