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A Formação Médica como Fator de Êxito do Sistema Nacional de Saúde.

Postulados

  1. O atual currículo médico não enseja ao estudante a formação adequada às condições do meio em que o profissional deve atuar.

  2. Tanto no ciclo básico como no profissional, a fragmentação e a sobrecarga de matérias e disciplinas indispõem os alunos à aprendizagem sistematizada.

  3. O ensino, em ambos os ciclos, é predominantemente teórico, com mínimo aprendizado prático, prejudicando-se o melhor aproveitamento do Internato.

  4. A tendência à especialização, que desponta no Internato e que se realiza na Residência Médica, induz o profissional a disputar um mercado de trabalho ilusório.

  5. A preocupação com o ensino organicista, voltado à restauração da saúde, conduz o estudante e o futuro profissional ao divórcio com a realidade brasileira.

  6. A despeito da orientação da Organização Mundial de Saúde, a rede hospitalar pública e privada ainda resiste às atividades de promoção e proteção da saúde, em virtude da distorção do perfil da medicina que é ensinada.

  7. Com a integração de serviços regionais, a integração docente-assistencial poderá estender-se, progressivamente, às unidades do subsistema e, desse modo, será implantado, racionalmente, o Sistema Nacional de Saúde.

Demonstração

  1. O atual currículo médico não enseja ao estudante a formação adequada às condições do meio em que o profissional deve atuar.
    1. O Brasil é um país em desenvolvimento de baixa renda per capita, possuindo um território de extensão continental e acentuado desequilíbrio regional. É um arquipélago de problemas sócio-econômicos, que condicionam seu quadro nosológico.

    2. Calcula-se que há um dispêndio de 4% de produto bruto nacional em serviços de saúde. A maior parte desses recursos é movimentada pela Previdência Social, que tem a seu cargo os cuidados médicos individuais, ou seja, a restauração da saúde.

    3. Diante da insignificância de instituições oficiais, o sistema previdenciário vê-se na contingência de alimentar a rede hospitalar privada, que sustenta o sistema de restauração da saúde.

    4. Dada a inelasticidade de recursos, já se observa uma tendência reversiva, no sentido de adequar o sistema previdenciário à realidade nacional.

    5. A rede hospitalar privada começa a reagir a essa tendência, antes mesmo que ela se concretize em orientação geral.

    6. A formação inadequada do profissional concorre, decisivamente, para fortalecer essa resistência.

    7. Os programas básicos de promoção e proteção da saúde são ainda tímidos, porque estão na dependência da integração inter-setorial na adoção de uma corajosa política de saúde, sob a coordenação do Conselho de Desenvolvimento Social.

    8. É necessário, portanto, articular o processo formador ao processo utilizador, reformulando-se o currículo médico, sincronizando-o com o sistema de saúde de que o Brasil precisa.

  2. Tanto no ciclo básico, como no de graduação, a fragmentação e a sobrecarga de matérias e disciplinas indispõem os alunos à aprendizagem sistematizada.
    1. A Comissão de Ensino Médico do MEC/DAU salienta, ao concluir o Doc. N° 2: “As transformações sociais e o progresso da ciência modificaram, por completo, não só as perspectivas da assistência à coletividade, senão mesmo o próprio conceito de saúde. As idéias de prevenção de doença e promoção de saúde constituem objetivos essenciais na formação profissional. Não será mais justificável formar médicos de acordo com os esquemas tradicionais, baseado no caráter paternalista das instituições assistenciais e no sentido individualista da chamada medicina curativa”.

    2. A despeito da inclusão no ciclo básico do Estudo da Saúde Coletiva, matéria desdobrada nas disciplinas de Introdução à Saúde Comunitária, Epidemiologia, Bioestatística, Ciências da Conduta e Demografia Médica, verifica-se certa confusão metodológica no ensino de algumas matérias, com desintegração disciplinar, sobrecarregando-se o estudante com um volume de informações que não serão utilizadas no ciclo profissional, em prejuízo de sua formação.

    3. Essa distorção metodológica dificulta a adaptação do aluno no início do ciclo profissional, induzindo-o a decepcionar-se com o curso médico.

  3. O ensino, em ambos os ciclos, é predominantemente teórico, prejudicando-se o melhor aproveitamento do Internato.
    1. 3.1- O fato é verificável nos hospitais de ensino e evidente nas escolas médicas que deles não dispõem e que, em razão disso, se socorrem de pequenos hospitais comunitários, sem condições para a prática do ensino.

    2. 3.2- A teorização se deve, em grande parte, à reforma universitária, que extinguiu as cátedras e que ainda não conseguiu implantar as unidades departamentais.

    3. 3.3- Registra a Comissão de Ensino Médico, no Doc. n° 2: “Para a formação do médico, os programas de aulas doutrinárias, de conferências ou de seminários, contribuem muito menos que a experiência obtida no convívio com os professores, enquanto cuidam de pacientes nos ambulatórios e nas enfermarias. Mais explicitamente, a componente essencial da formação do estudante de medicina reside nas características do atendimento dos pacientes no ambiente hospitalar, do qual participa na qualidade de estagiário ou de interno”

    4. 3.4- Essa componente só se verifica no Internato, que é de 12 meses e que, a prevalecer o atual ensino teórico, deveria ser de 24 meses, pois é nele que o estudante se realiza, recuperando o tempo perdido.

  4. 4- A tendência à especialização, que desponta no Internato e que se realiza na Residência Médica, induz o profissional a disputar um mercado de trabalho ilusório.
    1. 4.1- O excesso de teorização e o regime de Internato em um ano angustiam o estudante, já preocupado desde cedo em escolher uma especialidade. Essa preocupação acentua-se na Residência Médica, que somente agora, vai ser reorientada, em face de recente ato governamental.

    2. 4.2- A formação do médico generalista concorrerá para acabar com o mercado de ilusão e orientará o profissional para ser utilizado de acordo com as necessidades dos serviços de saúde. A especialização passará a ser constituída das verdadeiras vocações.

  5. 5- preocupação com o ensino organicista, voltado à restauração da saúde, conduz o estudante e o futuro profissional ao divórcio com a realidade brasileira.
    1. 5.1- Vivemos sob a influência de uma medicina que os próprios países ricos já estão questionando. O ensino organicista concorre para a mercantilização da medicina, concentrando os profissionais nos grandes centros urbanos.

    2. 5.2- A criação de clinicas, policlínicas, casas de saúde, hospitais especializados é a industrialização da doença, sob o patrocínio financeiro da previdência social.

    3. 5.3- A carência de profissionais e postos de saúde no hinnerland é a resultante desse divórcio, enquanto nas megalópolis aumenta o proletariado universitário.

  6. 6- A despeito da orientação da Organização Mundial de Saúde, a rede hospitalar pública e privada ainda resiste às atividades de promoção e proteção da saúde, em virtude da distorção da medicina que é ensinada.
    1. 6.1- Eis o conceito da O.M.S. “Hospital é parte integrante de uma organização médica e social cuja missão consiste em proporcionar à população uma assistência médico-sanitária completa, tanto curativa como preventiva, e cujos serviços externos se irradiam até o âmbito familiar; o hospital é também um centro de formação de pessoal médico-sanitário e de investigação bio-social”.

    2. 6.2- Redefinidos os objetivos do hospital universitário, reorganizado de acordo com as modernas técnicas de administração hospitalar, cumpre desenvolver mecanismos para aproveitar toda a rede hospitalar, de instituições públicas e privadas, para a extensão do ensino médico.

    3. 6.3- Entende a Comissão de Ensino Médico (Doc. n° 2) que a formação do médico deve ser feita, não apenas nos hospitais universitários, mas também em outras unidades do sistema de saúde, como os hospitais comunitários, os serviços de emergência, os hospitais especializados, as unidades sanitárias, como centros e postos de saúde.

    4. 6.4- O treinamento de Internos e Residentes deve ampliar seu campo às instituições oficiais, que seriam incorporadas à rede de hospitais de ensino.

    5. 6.5- Acentua, finalmente, o Doc. n° 2: “A articulação dos hospitais universitários com as demais unidades do sistema de saúde é um imperativo, quer para o ensino médico, quer para a assistência à coletividade. Tal articulação deverá ser prevista em planos de âmbito nacional e regional. Obviamente, pressupõe-se a necessidade da implantação de uma política de saúde, sem a qual não é possível a coordenação do sistema utilizador, que é o de saúde, com o produtor, que é o de educação, através da formação de recursos humanos”.

  7. 7- Com a integração dos serviços regionais, a integração docente-assistencial poderá estender­se progressivamente, às unidades do subsistema e, desse modo, será implantado, racionalmente, o Sistema Nacional de Saúde.
    1. 7.1- Enquanto não se consolidar a integração inter e intra-setorial, estabelecendo-se uma política nacional de saúde bem coordenada, não há possibilidade de sincronização entre os dois processos: produtor (educação) e utilizador (saúde).

    2. 7.2- A integração regional dos serviços de saúde, com o ensino­médico extensivo a todas unidades, será uma decorrência daquela medida vestibular.

    3. 7.3- A integração docente-assistencial será, então, a coroação do processo.

    4. 7.4- Não se deve, portanto, subestimar a soma de dificuldades na implantação do Sistema Nacional de Saúde, no qual os hospitais universitários terão posição de liderança.

Considerações finais

Os serviços de saúde no Brasil constituem um arquipélago. As ações são exercitadas e os recursos são consumidos desordenadamente. A coordenação será a chave do sucesso do sistema a ser implantado.

Na União Soviética a integração é monolítica. Segundo relatório de técnicos da O.M.S., “a U.R.S.S. é, provavelmente, o primeiro país do mundo a estabelecer a unificação dos cuidados médicos, no sentido de fazer com que o tratamento e a prevenção sejam fases de um mesmo trabalho e no de tornar ambos acessíveis e sem custo algum para toda a população. A integração completa desses serviços se efetua nos hospitais, nas seções de convalescentes desses hospitais, nas clínicas do hospital, nos postos de primeiros socorros, nos centros de proteção materno-infantil, nos postos de feldscher- parteira, nas estações sanitário-epidemiológicas e nas demais instituições afins “(A Integração Sanitária-Reinaldo Ramos)”. O Ministério da Saúde centraliza o ensino médico e a utilização dos profissionais.

Na Inglaterra, os hospitais pertencem ao S.N.S. Serviço Nacional de Saúde, que proporciona a todas as pessoas, independentemente de recursos, cuidados médicos completos (ob. cit.).

Nos Estados Unidos, na França, na Alemanha Ocidental, prevalece o sistema de seguros privados e sociais, não ocorrendo a integração de serviços (ob. cit.).

Temos de convir que o Brasil tem de elaborar seu próprio sistema, à custa de sua própria experiência, harmonizando as atividades de assistência, ensino e pesquisa dentro do quadro das entidades mórbidas prevalentes em cada região.

Conclusão

Coordenação → Integração inter-setorial → Coordenação → Integração intra-setorial → Coordenação → Integração regional → Coordenação → Integração docente-assistencial → Coordenação, eis a fórmula para o êxito do sistema brasileiro.

Referências Bibliográficas

  • 1
    MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CULTURA. Departamento de Assuntos Universitários. Comissão de Ensino Médico. - Ensino médico no Brasil - documento n° 2 - Ensino médico e instituições de saúde. Brasília, 1974. 34 f.
  • 2
    PORTO, A. Jarbas - A participação do hospital na formação do médico e no treinamento pós-graduado. R. Med. HSE, 28 (2):169-175; 1976.
  • 3
    RAMOS, Reinaldo - A integração sanitária (teoria e prática). R. SISESP, 1-2, 1973.
  • 4
    UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE. - Catálogo geral 1977.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Mar 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 1978
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