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Conhecimento de Alunos de Medicina do Centro Universitário do Estado do Pará sobre a Residência Médica

Knowledge about the Medical Residency among students of the Centro Universitário do Estado do Pará

RESUMO

A residência médica (RM) é um curso de pós-graduação cujo ensino se baseia principalmente na prática voltada a determinada especialidade. Ao decidir se especializar, o acadêmico de Medicina precisa entender como funciona o processo de seleção, o número de vagas, as fases, a necessidade de se matricular em um curso preparatório para residência, quais as especialidades de cada serviço, seus pontos negativos e positivos, entre outros aspectos. Dessa forma, este estudo tem como objetivo identificar o conhecimento de alunos de Medicina do Centro Universitário do Estado do Pará (CESUPA) sobre a residência médica, as principais fontes de informação a respeito do assunto e as lacunas nesse conhecimento. Foi realizado um estudo observacional do tipo transversal, exploratório, de caráter descritivo e analítico, com uso de um questionário próprio, com 259 acadêmicos do curso de Medicina do CESUPA. Observou-se que 99,6% dos participantes desejam cursar residência médica, tendo a maioria se declarado com baixo e médio conhecimento sobre o tema (49% e 42%, respectivamente). Mais de 60% já realizaram algum tipo de pesquisa sobre o assunto, sendo a internet a fonte de informações mais utilizada. Foi identificado que apenas 6,6% dos participantes sabem corretamente o número de fases obrigatórias do processo seletivo e 89,6% acham necessária a realização de curso preparatório. Conclui-se que ainda existem lacunas no conhecimento dos acadêmicos de Medicina a respeito dos programas de residência médica, devendo este assunto ser mais explorado no meio acadêmico mediante intervenções que possam ampliar os horizontes dos alunos, deixando-os mais aptos e críticos no momento de decidir onde irão fazer a residência médica e como irão se preparar para ela.

Internato e Residência; Estudantes de Medicina; Educação de Pós-Graduação em Medicina; Educação Médica; Especialização

ABSTRACT

Medical residency (MR) is a postgraduate course in which learning is based mainly on practice focused on a particular medical specialty. Once the medical student decides to become a specialist, it is important to understand how the selection process works, the number of vacancies available, the steps they need to go through, whether they need to enroll in a preparatory course for the residency, which specialties exist in each service, and the negative and positive aspects of each one, among other inherent aspects. This study aims to identify the knowledge of MR among medical students of the Centro Universitário do Estado do Pará (CESUPA), the main sources of information available on the subject, and their gaps in this knowledge. An observational cross-sectional, exploratory, descriptive, analytical study was carried out with 259 students of the Cesupa medical school. It was observed that 99.6% of the participants hoped to enroll in a medical residency, with the majority stating that they have low and medium knowledge about the subject (49% and 42% respectively). More than 60% had already done some research on the topic, the Internet being the most used source of information. Only 6.6% of participants correctly knew the number of mandatory steps in the selection process, and 89.6% considered it necessary to take a preparatory course. It is concluded there are still gaps in medical students’ knowledge about medical residency programs, and this subject should be further explored in the academic environment, through interventions that will broaden students’ horizons, enabling them to become more apt and critical when it comes to deciding where to take the MR, and how to prepare for it.

Internship and Residency; Medical Students; Medical Education Graduate; Medical Education; Specialization

INTRODUÇÃO

A residência médica (RM) é um curso de pós-graduação cujo ensino se baseia principalmente na prática voltada a determinada especialidade. Trata-se de um momento em que o médico pode aprimorar suas habilidades e destrezas, tornando-se especialista na área que escolheu para atuar11. Velho MTAC, Haeffner LB, Santos FG, Silva LC, Weinmann ARM. Residência médica em um hospital universitário: a visão dos residentes. Rev Bras Educ Med. 2012; 36(3): 351-7.. Os programas de RM foram criados nos Estados Unidos em 1848, sendo implantados no Brasil apenas na década de 1940, no Hospital de Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP)11. Velho MTAC, Haeffner LB, Santos FG, Silva LC, Weinmann ARM. Residência médica em um hospital universitário: a visão dos residentes. Rev Bras Educ Med. 2012; 36(3): 351-7.. Intitularam-se residência devido à dedicação integral dos médicos ao serviço, tornando-se uma verdadeira morada para estes. Isto reflete também a importância dos programas, que, seja por tradição ou necessidade de aperfeiçoamento, se tornam metas para muitos médicos recém-formados11. Velho MTAC, Haeffner LB, Santos FG, Silva LC, Weinmann ARM. Residência médica em um hospital universitário: a visão dos residentes. Rev Bras Educ Med. 2012; 36(3): 351-7..

A estrutura atual da RM no Brasil foi implementada em 1977 pelo Decreto nº 80.281, que criou a Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM), vinculada ao Ministério da Educação, para regulamentar os programas espalhados pelo País22. Scheffer MC, Biancarelli A, Cassenote A, Guilloux AGA, Miotto BA, Mainardi GM. Demografia Médica no Brasil 2018. São Paulo: Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo, Conselho Federal de Medicina, 2018.. Algumas alterações, ainda em fase de implementação, foram determinadas pela Lei Federal 12.871, promulgada em 2013, que instituiu o programa Mais Médicos22. Scheffer MC, Biancarelli A, Cassenote A, Guilloux AGA, Miotto BA, Mainardi GM. Demografia Médica no Brasil 2018. São Paulo: Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo, Conselho Federal de Medicina, 2018..

Em 2017, o Brasil tinha 35.187 médicos residentes, distribuídos em 6.574 programas de 790 instituições do País credenciadas pela CNRM. A distribuição desses profissionais foi desigual, com 58,5% deles concentrados na Região Sudeste, 16% na Região Sul, 14,2% na Região Nordeste, 7,2% na Região Centro-Oeste e apenas 4,1% na Região Norte22. Scheffer MC, Biancarelli A, Cassenote A, Guilloux AGA, Miotto BA, Mainardi GM. Demografia Médica no Brasil 2018. São Paulo: Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo, Conselho Federal de Medicina, 2018..

Segundo a Demografia Médica do Brasil de 2018, realizada pelo Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da USP com apoio do Conselho Federal de Medicina (CFM), cerca de 62% dos médicos brasileiros são especialistas, percentual que aumenta para 69% quando se restringe à faixa etária dos 31 aos 60 anos22. Scheffer MC, Biancarelli A, Cassenote A, Guilloux AGA, Miotto BA, Mainardi GM. Demografia Médica no Brasil 2018. São Paulo: Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo, Conselho Federal de Medicina, 2018.. Vale ressaltar que, apesar do aumento expressivo do número de escolas médicas privadas no Brasil, o crescimento do número de vagas de RM não foi síncrono, fatores que resultaram em um significativo aumento da concorrência por vagas nesses programas33. Hamamoto Filho PT, Zeferino, AMB. Cursinhos preparatórios para residência médica: reflexões sobre possíveis causas e consequências. Rev Bras Educ Med. 2011; 35(4): 550-6..

De acordo com a Resolução nº 2/2015 da CNRM, para ser aprovado em qualquer programa de RM o médico precisa se submeter a um processo seletivo constituído, obrigatoriamente, de uma prova escrita, com peso mínimo de 50%, sendo facultativa uma segunda fase, composta de prova prática, com peso de 40% a 50%, assim como a uma entrevista com peso de 10%44. Brasil. Ministério da Educação. Comissão Nacional de Residência Médica. Resolução CNRM nº 02 de 27 de agosto de 2015. Adequa a legislação da Comissão Nacional de Residência Médica ao art. 22 da Lei 12.871, de 22 de outubro de 2013, acerca do processo de seleção pública dos candidatos aos Programas de Residência Médica. Diário Oficial da União. Brasília, 28 ago. 2015; seção 1, p. 31.. Muitos cursos preparatórios (CP) para provas de RM surgiram para auxiliar o médico ou ainda o graduando a ser aprovado nesse tipo de seleção, cujo objetivo central é preparar os alunos para realizar boas provas. Para isso, são utilizados materiais didáticos estruturados de acordo com as tendências das últimas provas e a utilização de técnicas mnemônicas, semelhantes aos dos cursinhos pré-vestibulares, que, muitas vezes, priorizam a memorização em detrimento do raciocínio55. Chehuen Neto JA, Sirimarco MT, Choi CMK, Fava AS, Oliveira LRS, Cunha PHM. Cursinhos preparatórios para prova de residência médica: expectativas e opiniões. Rev Bras Educ Med. 2009; 33(2): 205-210..

Assim, quando o acadêmico de Medicina decide ser especialista, é importante que ele entenda como funciona o processo de seleção, o número de vagas, o número de fases, se é necessário se matricular em um curso preparatório para residência, quais as especialidades de cada serviço, seus pontos negativos e positivos, entre outros aspectos. A RM é um assunto que precisa ser discutido desde os primeiros anos do curso de Medicina, uma vez que se trata de uma importante decisão a ser tomada e amadurecida, tendo grande reflexo na vida futura dos acadêmicos que optarem por ser especialistas. Desta forma, o presente estudo pretende avaliar o conhecimento de alunos de Medicina do Centro Universitário do Estado do Pará (CESUPA) sobre a RM e as principais fontes de informação sobre o assunto, bem como identificar possíveis lacunas na aquisição de informações relacionadas à RM pelos estudantes de Medicina, estimulando uma abordagem inicial de forma precoce acerca do tema no ambiente acadêmico.

MÉTODO

Trata-se de um estudo observacional do tipo transversal, exploratório, de caráter descritivo e analítico, que pretende identificar e descrever o conhecimento de alunos de Medicina do Centro Universitário do Estado do Pará (CESUPA) sobre a RM. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do CESUPA sob parecer nº 2134187 (CAAE: 69668517.4.0000.5169).

A população-alvo do estudo, estimada em 270 estudantes, consistiu em alunos regularmente matriculados entre o segundo ano do ciclo básico e o último ano do ciclo clínico (do terceiro ao oitavo semestre do curso), tendo cada semestre, em média, 45 alunos nessa condição. De um tamanho amostral mínimo previsto de 162 respondentes, obtido por equação para amostra aleatória simples e população finita66. Fontelles MJ. Bioestatística aplicada à pesquisa experimental. São Paulo: LF Editorial; 2012 e considerando-se um erro de 0,05, alcançou-se uma amostra final de 259 estudantes, selecionados por amostragem estratificada entre os ciclos selecionados (segundo ano do ciclo básico, 3º e 4º semestres; primeiro ano do ciclo clínico, 5º e 6º semestres; segundo ano do ciclo clínico, 7º e 8º semestres). A opção por esses semestres objetivou avaliar a abordagem do tema durante toda a graduação e não apenas no final do curso de Medicina, e levou em conta questões logísticas na coleta de dados, uma vez que os alunos do internato são divididos em diferentes Serviços de saúde. Adotou-se como critério de exclusão desconsiderar os casos em que os questionários não estivessem completamente preenchidos.

Os dados foram coletados entre agosto e outubro de 2017, quando os alunos foram convidados a responder ao questionário de avaliação situacional a respeito do conhecimento sobre a RM. Trata-se de um instrumento semiestruturado, contendo perguntas com respostas fechadas e abertas, sendo estas complementares às primeiras, além de itens para a caracterização do perfil do respondente, como período em curso, gênero e idade. Os dados coletados foram transcritos para uma planilha Excel e aqueles referentes às características socioepidemiológicas foram tratados por meio de estatística descritiva e expressos sob a forma de média ± desvio padrão, intervalo de confiança de 95% e/ou de frequências absoluta e relativa, conforme o caso, e apresentados em tabelas e/ou gráficos.

O teste do Qui-Quadrado (Aderência) foi utilizado para comparar as frequências observadas entre as categorias (p. ex., diferentes respostas) de uma mesma variável (item da pergunta) em um único grupo (turma/período), e a independência entre as diferentes categorias de uma variável em dois ou mais grupos independentes (turmas) foi testada pelo teste G de Independência; em caso de significância estatística, a avaliação foi complementada pela Análise de Resíduos do Qui-Quadrado. Todos os testes foram executados com o auxílio do software BioEstat 5.477. Ayres M, Ayres Júnior M, Ayres DL, Santos AS. BioEstat 5.3: aplicações estatísticas nas áreas das ciências biológicas e médicas. Belém: MCT; IDSM; CNPq; 2007., e resultados com p ≤ 0,05 (bilateral) foram considerados significativos.

RESULTADOS

Participaram do estudo 259 alunos, não havendo exclusão prevista pelos critérios definidos, configurando uma taxa de resposta de 100%. A idade média dos participantes foi igual a 22,7 ± 4,0 anos, variando entre 18 e 48 anos (IC95%: 22,2 – 23,2), sendo 57,9% (150/259) do sexo feminino; 32,4% (84/259) dos respondentes cursavam o segundo ano do ciclo básico (terceiro e quarto períodos), 33,2% (86/259) dos alunos faziam o primeiro ano do ciclo clínico (quinto e sexto períodos) e 34,4% (89/259) dos participantes eram alunos do segundo ano do ciclo clínico (sétimo e oitavo períodos). A maioria dos alunos respondeu que pretende cursar residência médica (258/259, 99,6%; p < 0,0001), porém menos da metade revelou já saber em qual área pretende se especializar (123/259, 47,5%; p = 0,4559).

A Tabela 1 apresenta a distribuição dos participantes quanto à autopercepção do grau de conhecimento a respeito da RM e processo de ingresso. Nota-se que a maioria avalia ter ou baixo ou médio grau de conhecimento a respeito do tema (p < 0,0001). No entanto, quando a percepção do próprio grau de conhecimento foi comparada entre os alunos dos diferentes ciclos acadêmicos, não foi observada diferença significativa entre as turmas (p = 0,9631, Tabela 2). Questionados a respeito da busca ativa dessas informações, a maioria respondeu que a fazia (163/259; p < 0,0001), tendo-se observado que, entre os que relataram fazer a busca ativa, os alunos do segundo ano clínico eram a maioria, e dos que revelaram não fazer, a maior parte era constituída de alunos do segundo ano do ciclo básico (p = 0,0120, Tabela 3).

TABELA 1
Distribuição dos participantes quanto à autopercepção do grau de conhecimento a respeito da Residência Médica e processo de ingresso. Belém, 2017
TABELA 2
Distribuição dos participantes quanto à autopercepção do grau de conhecimento a respeito da Residência Médica e processo de ingresso segundo o ciclo acadêmico em curso. Belém, 2017
TABELA 3
Distribuição dos participantes quanto à busca ativa de informações a respeito da Residência Médica e processo de ingresso segundo o ciclo acadêmico em curso. Belém, 2017

Quanto às razões que os motivaram a procurar informações, a maioria dos alunos respondeu que a busca se deu em função do desejo de conhecer melhor os centros de referência para determinada especialidade, enquanto a minoria relatou ter buscado informações ou por não saber a especialidade que desejava ou por ter escutado amigos falando a respeito do assunto (p < 0,0001, Tabela 4). Essa mesma tendência no padrão de respostas foi observada quando as respostas dos alunos dos três ciclos acadêmicos foram comparadas, pois não se observou diferença significativa nas respostas em função dos grupos (p = 0,6170; resultados não mostrados).

TABELA 4
Distribuição dos participantes quanto à motivação para a busca ativa de informações a respeito da Residência Médica e processo de ingresso. Belém, 2017

No que diz respeito ao principal meio para a obtenção de conhecimentos a respeito da RM e processo de ingresso, a internet foi, isolada ou em conjunto com outra opção, a estratégia adotada pela maioria dos respondentes (p < 0,0001). Considerando cada fonte de informação, a internet isoladamente foi a mais utilizada, seguida pelos colegas e pela internet e mais uma outra fonte (p < 0,0001, Tabela 5).

TABELA 5
Distribuição dos participantes quanto à fonte utilizada para a busca ativa de informações a respeito da Residência Médica e processo de ingresso. Belém, 2017

Outro questionamento foi a respeito do número mínimo obrigatório de fases no processo seletivo para residência médica. Esta questão a minoria dos alunos acertou (6,6%, 17/259; p < 0,0001), respondendo haver no mínimo uma etapa (prova teórica); a mesma proporção de alunos respondeu “três etapas” ou que “não sabiam” a resposta (28,2%, 73/259, em ambos os casos); 23,2% (60/259) responderam que eram necessárias “duas etapas”; e 13,8% (36/259) acreditavam que “cada instituição fazia do seu jeito”, não existindo número mínimo. Comparando a proporção de respostas corretas e erradas entre os grupos, não foi observada diferença significativa em função do ciclo acadêmico em curso (p = 0,0558).

Os alunos foram ainda questionados se já haviam lido o edital de algum processo seletivo para a residência médica e se consideravam necessário fazer algum curso preparatório com essa finalidade. Em relação à primeira pergunta, a maioria respondeu que não havia lido esse tipo de edital (170/259, 65,6%; p < 0,0001); quanto ao curso preparatório, a maioria considerou necessário fazê-lo (232/259, 89,6%; p < 0,0001).

DISCUSSÃO

A RM tem importante papel na formação do médico especialista, uma vez que a complementa e facilita sua inserção no mercado de trabalho11. Velho MTAC, Haeffner LB, Santos FG, Silva LC, Weinmann ARM. Residência médica em um hospital universitário: a visão dos residentes. Rev Bras Educ Med. 2012; 36(3): 351-7.. Por possibilitar a aquisição do conhecimento de maneira teórico-prática em áreas médicas específicas, a RM costuma ser muito almejada pelo médico recém-formado. Isso também se constata nesta pesquisa, segundo a qual 99,6% dos participantes desejam prestar esse tipo de concurso. Dados semelhantes foram encontrados por Belarmino et al.88. Belarmino LNM, Martins MF, Franco MCA. Aspirações médicas: análise dos alunos do internato das instituições de ensino superior do estado do Pará. Rev Bras Educ Med. 2016; 40(4):685-693. em estudo realizado na mesma cidade em 2016, no qual 98,4% dos participantes declararam o desejo de entrar em um programa de RM.

Desde o final do século XIX, já existia uma tendência a buscar maiores níveis de especialização no Brasil, o que se intensificou com o passar do tempo e com o desenvolvimento científico99. Lampert JB. Dois séculos de escolas médicas no Brasil e a avaliação do ensino médico no panorama atual e perspectivas. Gaz Med Bahia. 2008; 78(1): 31-7.. A antiga Comissão Interinstitucional Nacional de Avaliação do Ensino Médico (CINAEM) também apontou que o conhecimento adquirido durante a graduação nas universidades de Medicina pelo País era insuficiente para a prática adequada da atividade médica, corroborando tão alta procura por programas de RM na tentativa de suprir essa lacuna e complementar o conhecimento1010. Cinaem. Comissão Interinstitucional Nacional de Avaliação do Ensino Médico. Avaliação do ensino médico no Brasil: Relatório Geral 1991-1997. Brasília, 1997.,1111. Oliveira NA, Meirelles RMS, Cury GC, Alves LA. Mudanças curriculares no ensino médico brasileiro: um debate crucial no contexto do Promed. Rev Bras Educ Med. 2008; 32(3): 333-346..

Diante desse cenário, espera-se que os estudantes de Medicina tenham ciência de como funciona o processo de seleção para esse tipo de pós-graduação. Todavia, a maioria dos acadêmicos pesquisados nunca havia lido um edital de RM, e, ao fazer uma autoavaliação em relação ao seu nível de conhecimento sobre o assunto, a maioria considerou ter baixo (49%) ou médio (42%) grau de conhecimento a respeito da RM e do processo de ingresso. Chehuen Neto et al.1212. Chehuen Neto JA, Sirimarco MT, Bicalho TC, Araújo FCC, Resende LO, Balbi GGM. Conhecimento dos estudantes de medicina sobre a avaliação curricular padronizada no processo seletivo da residência médica. Rev Med Minas Gerais. 2012; 22(3): 341-7., em estudo semelhante, encontraram valores próximos, com 42% e 47% dos participantes tendo se considerado com baixo e médio grau de conhecimento sobre a RM, respectivamente.

Embora seja esperado que o grau desta autopercepção aumente à medida que se aproxima o final da graduação, estatisticamente não houve diferença significativa entre as turmas do ciclo básico e clínico. Contudo, a maioria (40%) dos participantes que afirmou realizar busca ativa é composta por acadêmicos do segundo ano clínico, o que demonstra maior interesse destes pelo assunto. Na mesma perspectiva, supõe-se que entre os acadêmicos do internato (dois últimos anos do curso), não abordados nesta pesquisa, o nível de interesse e busca de informação sobre o assunto sejam maiores devido à proximidade da conclusão do curso e do momento de prestar concurso para programas de RM, fato que poderia influenciar os resultados encontrados.

A busca por maior entendimento sobre a RM é feita principalmente por meio da internet e de colegas, o que pode refletir a rasa abordagem do tema no ambiente acadêmico. O expressivo aumento da quantidade de médicos no mercado de trabalho nas últimas décadas22. Scheffer MC, Biancarelli A, Cassenote A, Guilloux AGA, Miotto BA, Mainardi GM. Demografia Médica no Brasil 2018. São Paulo: Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo, Conselho Federal de Medicina, 2018. gera maior competitividade e busca de melhor qualificação, o que pode estar associado à principal motivação dos estudantes em fazer busca ativa – conhecer melhor os centros de referência para determinada especialidade, resposta frequentemente observada nos três ciclos acadêmicos. É importante salientar também que mudanças recentes propostas pelo programa Mais Médicos à política nacional aplicada aos programas de RM podem ser um fator fomentador da busca de conhecimento, uma vez que tais alterações, se de fato implementadas, trarão mudanças importantes à vida prática do médico residente. São exemplos dessas alterações a obrigatoriedade de realização de um a dois anos de residência em Medicina de Família e Comunidade para residentes de determinadas especialidades médicas e a obrigatoriedade de oferta de vagas para RM equivalente ao número de egressos dos cursos de graduação em Medicina do ano anterior, como determinado pela Lei Federal 12.871.

Na preparação para qualquer concurso público, é fundamental saber como o processo seletivo é realizado, porém pouquíssimos participantes (6,6%) responderam corretamente o número de fases obrigatórias para o acesso a programas de RM. A grande maioria desconhece essa informação, havendo respondido de maneira equivocada ou negando o conhecimento. A Resolução nº 2/2015 da CNRM torna obrigatória uma prova escrita, com peso mínimo de 50%, uma prova prática opcional com peso entre 40% e 50% da nota total e análise curricular com peso equivalente a 10% da nota final. Realizar ou não as duas últimas etapas fica a critério de cada Instituição44. Brasil. Ministério da Educação. Comissão Nacional de Residência Médica. Resolução CNRM nº 02 de 27 de agosto de 2015. Adequa a legislação da Comissão Nacional de Residência Médica ao art. 22 da Lei 12.871, de 22 de outubro de 2013, acerca do processo de seleção pública dos candidatos aos Programas de Residência Médica. Diário Oficial da União. Brasília, 28 ago. 2015; seção 1, p. 31..

Esse modelo de avaliação tende a priorizar o conhecimento teórico ao permitir que a prova teórica tenha grande peso ou até seja o único método de avaliação. Isto pode gerar maior busca por cursos preparatórios para as provas de RM, que utilizam estratégias similares às de cursinhos pré-vestibular, com aulas semanais, organização em módulos, revisões próximas das provas e resolução de questões, entre outros aspectos demasiado objetivistas33. Hamamoto Filho PT, Zeferino, AMB. Cursinhos preparatórios para residência médica: reflexões sobre possíveis causas e consequências. Rev Bras Educ Med. 2011; 35(4): 550-6..

Assim, não surpreende que quase 90% dos participantes do estudo consideraram necessário frequentar cursos preparatórios para a RM. Chehuen Neto et al.55. Chehuen Neto JA, Sirimarco MT, Choi CMK, Fava AS, Oliveira LRS, Cunha PHM. Cursinhos preparatórios para prova de residência médica: expectativas e opiniões. Rev Bras Educ Med. 2009; 33(2): 205-210. corroboram o crescimento dessa tendência ao relatarem, em estudo realizado em 2009 com acadêmicos da Universidade Federal de Juiz de Fora, que 76,03% dos participantes desejavam se matricular em um curso preparatório55. Chehuen Neto JA, Sirimarco MT, Choi CMK, Fava AS, Oliveira LRS, Cunha PHM. Cursinhos preparatórios para prova de residência médica: expectativas e opiniões. Rev Bras Educ Med. 2009; 33(2): 205-210.. Para Nunes1313. Nunes MPT. Residência médica no Brasil: situação atual e perspectivas. Cadernos ABEM. 2004; 1: 30-2., o grande problema dessa constatação é o afastamento dos alunos dos estágios práticos próprios da graduação, tendo sua atenção maior voltada à aquisição de conhecimentos teóricos em detrimento de habilidades práticas e raciocínio clínico1313. Nunes MPT. Residência médica no Brasil: situação atual e perspectivas. Cadernos ABEM. 2004; 1: 30-2..

Entre as limitações do presente estudo, podem ser mencionadas a inexistência de um questionário validado para a investigação realizada, implicando a utilização de instrumento próprio, e a exclusão dos alunos do internato, o que, apesar de intencional, poderia tornar o estudo mais completo se não fosse aplicada.

Embora os participantes sejam de uma única Instituição de Ensino Superior, a amostra foi aleatória e superou o tamanho amostral mínimo estimado, fazendo com que os resultados sejam generalizáveis para a população-alvo. Além disso, a amostragem foi estratificada por ciclo, permitindo que cada um fosse representado no estudo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir do momento em que o acadêmico de medicina decide se tornar especialista, é importante que entenda como funciona o processo de seleção, o número de vagas, o número de fases, se é necessário se matricular em um curso preparatório para residência, quais as especialidades de cada serviço, seus pontos negativos e positivos, entre outros aspectos. Apesar de a RM fazer parte dos planos deste estudante, o assunto ainda precisa ser muito mais explorado no meio acadêmico.

Uma vez que estas lacunas sejam sanadas, poderão ser adotadas intervenções a fim de ampliar os horizontes dos alunos, deixando-os mais aptos e críticos no momento de decidir onde irão fazer a RM e como irão se preparar para isto, momentos propícios para difundir a ideia de que o ser humano deve sempre ser avaliado na sua integralidade, independentemente da especialidade médica escolhida.

REFERÊNCIAS

  • 1
    Velho MTAC, Haeffner LB, Santos FG, Silva LC, Weinmann ARM. Residência médica em um hospital universitário: a visão dos residentes. Rev Bras Educ Med. 2012; 36(3): 351-7.
  • 2
    Scheffer MC, Biancarelli A, Cassenote A, Guilloux AGA, Miotto BA, Mainardi GM. Demografia Médica no Brasil 2018. São Paulo: Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo, Conselho Federal de Medicina, 2018.
  • 3
    Hamamoto Filho PT, Zeferino, AMB. Cursinhos preparatórios para residência médica: reflexões sobre possíveis causas e consequências. Rev Bras Educ Med. 2011; 35(4): 550-6.
  • 4
    Brasil. Ministério da Educação. Comissão Nacional de Residência Médica. Resolução CNRM nº 02 de 27 de agosto de 2015. Adequa a legislação da Comissão Nacional de Residência Médica ao art. 22 da Lei 12.871, de 22 de outubro de 2013, acerca do processo de seleção pública dos candidatos aos Programas de Residência Médica. Diário Oficial da União. Brasília, 28 ago. 2015; seção 1, p. 31.
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    Chehuen Neto JA, Sirimarco MT, Choi CMK, Fava AS, Oliveira LRS, Cunha PHM. Cursinhos preparatórios para prova de residência médica: expectativas e opiniões. Rev Bras Educ Med. 2009; 33(2): 205-210.
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    Belarmino LNM, Martins MF, Franco MCA. Aspirações médicas: análise dos alunos do internato das instituições de ensino superior do estado do Pará. Rev Bras Educ Med. 2016; 40(4):685-693.
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  • 10
    Cinaem. Comissão Interinstitucional Nacional de Avaliação do Ensino Médico. Avaliação do ensino médico no Brasil: Relatório Geral 1991-1997. Brasília, 1997.
  • 11
    Oliveira NA, Meirelles RMS, Cury GC, Alves LA. Mudanças curriculares no ensino médico brasileiro: um debate crucial no contexto do Promed. Rev Bras Educ Med. 2008; 32(3): 333-346.
  • 12
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  • 13
    Nunes MPT. Residência médica no Brasil: situação atual e perspectivas. Cadernos ABEM. 2004; 1: 30-2.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Mar 2019

Histórico

  • Recebido
    27 Jun 2018
  • Aceito
    1 Ago 2018
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