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Considerações sobre o ensino médico no Brasil: consequências afetivo-emocionais nos estudantes

Considerations on medical education and its affective and emotional impact on medical students in Brazil

Resumos

Faz-se uma revisão não exaustiva da evolução do ensino médico no Brasil desde sua origem, passando pelas inúmeras reformas praticadas, que buscam melhorar a formação técnica dos estudantes. Chama-se a atenção para o fato de nessas reformas nunca terem sido referidas questões como o bem-estar e a saúde mental dos alunos. O curso de Medicina sempre foi considerado estressante, mas a preocupação com esse aspecto é recente na história. Alguns estudos tentam identificar a fase do curso mais estressante, e a maioria indica a primeira série do ciclo clínico. Outros tentam apontar os fatores mais responsáveis pelo estresse, buscando-os nas características dos alunos e do curso. São apontados os diagnósticos mais frequentes citados na literatura e sugestões para minimizar esse processo no âmbito das escolas médicas.

Estudantes de medicina; Escolas médicas; Educação médica


This article provides a non-exhaustive review of the evolution in medical education in Brazil since its origins, touching on the various curricular reforms that have sought to improve medical students' technical training. Interestingly, such reforms have never addressed the students' mental health and well-being. Medical training has always been considered stressful, but real concern over this aspect is recent. Some studies have attempted to identify the most stressful phase in medical education, and most point to the first year of clinical training. Others seek to identify the most important stress factors, among course-related and individual student characteristics. The study highlights the most frequent diagnoses cited in the literature and provides suggestions to minimize this process in the medical school setting.

Medicine students; Medical Schools; Medical education


REVISÃO

Considerações sobre o ensino médico no Brasil: consequências afetivo-emocionais nos estudantes

Considerations on medical education and its affective and emotional impact on medical students in Brazil

Maria Bernadete Gonçalves; Ana Maria Teresa Benevides-Pereira

Universidade Estadual de Maringá, Maringá, Paraná, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Maria Bernadete Gonçalves Rua Princesa Izabel, 1379 Zona 4 - Maringá CEP.: 87014-190 PR E-mail: bernadetegoncalves@gmail.com

RESUMO

Faz-se uma revisão não exaustiva da evolução do ensino médico no Brasil desde sua origem, passando pelas inúmeras reformas praticadas, que buscam melhorar a formação técnica dos estudantes. Chama-se a atenção para o fato de nessas reformas nunca terem sido referidas questões como o bem-estar e a saúde mental dos alunos. O curso de Medicina sempre foi considerado estressante, mas a preocupação com esse aspecto é recente na história. Alguns estudos tentam identificar a fase do curso mais estressante, e a maioria indica a primeira série do ciclo clínico. Outros tentam apontar os fatores mais responsáveis pelo estresse, buscando-os nas características dos alunos e do curso. São apontados os diagnósticos mais frequentes citados na literatura e sugestões para minimizar esse processo no âmbito das escolas médicas.

Palavras-chave: Estudantes de medicina; Escolas médicas; Educação médica

ABSTRACT

This article provides a non-exhaustive review of the evolution in medical education in Brazil since its origins, touching on the various curricular reforms that have sought to improve medical students' technical training. Interestingly, such reforms have never addressed the students' mental health and well-being. Medical training has always been considered stressful, but real concern over this aspect is recent. Some studies have attempted to identify the most stressful phase in medical education, and most point to the first year of clinical training. Others seek to identify the most important stress factors, among course-related and individual student characteristics. The study highlights the most frequent diagnoses cited in the literature and provides suggestions to minimize this process in the medical school setting.

Key words: Medicine students; Medical Schools; Medical education

INTRODUÇÃO

Este artigo não se trata de uma revisão exaustiva da questão do ensino médico no Brasil, mas de uma síntese de alguns artigos, uma chamada de atenção para alguns marcos desse processo, apontando os aspectos que os estudos sugerem ser determinantes ou desencadeantes de estresse entre os estudantes durante sua formação.

Inicialmente, discorre-se sobre o que tem sido a formação médica no País, com ênfase nas reformas ocorridas e possíveis repercussões no produto final, o médico. Na sequência, apresenta-se a questão do estresse e seus efeitos nos estudantes de Medicina, com o objetivo de chamar a atenção para o quanto as reformas nos cursos visavam apenas à questão técnico-profissional, de certa forma negligenciando o aspecto da saúde mental dos estudantes. A preocupação com esse problema é recente, se considerarmos a história e a evolução do ensino médico em nosso meio.

CONSIDERAÇÕES GERAIS

O ingresso nos cursos de Medicina no Brasil, sistematicamente, é precedido do exame vestibular, uma prova que inclui todo o conhecimento acumulado em 11 anos de estudos, desde a alfabetização. Esse exame não resgata o desempenho do aluno durante o ensino fundamental e médio, o que determina certa negligência por parte tanto dos alunos como das escolas. Desse modo, ao final do ensino médio ou paralelamente a ele, a maioria dos alunos com interesse em ser aprovado no vestibular passa a frequentar "cursinhos" preparatórios para o concurso. O processo preparatório para ingressar no curso de Medicina gera enorme desgaste e estresse, porque é no ambiente dos cursinhos que os jovens tomam consciência da concorrência que enfrentarão: Medicina é o curso mais pleiteado em todas as instituições onde são ofertadas vagas, independentemente da localização geográfica, da qualidade e da tradição da escola. Em julho de 2008, por exemplo, na Universidade Estadual de Maringá estão inscritos 204,2 candidatos por vaga1. O reflexo na saúde mental dos alunos é percebido logo no primeiro ano do curso, quando mostram rendimento precário nos estudos, tornam-se ansiosos, e muitas vezes já se iniciam os quadros de depressão2. As propostas de mudanças no processo de seleção não saem do papel por vários motivos, entre os quais a heterogeneidade do ensino ofertado nas escolas de ensino fundamental e médio, e as dificuldades operacionais de métodos alternativos ao vestibular.

Aspectos históricos da formação médica no Brasil

A seguir, faz-se uma síntese do histórico do ensino médico no Brasil, das várias reformas e readaptações, chamando-se a atenção para o fato de sempre se estar buscando a excelência técnica, por meio da importação ou criação de novos modelos curriculares e de metodologias de ensino. Também são relatadas as tendências dos últimos anos de avaliar o desempenho das escolas médicas e algumas propostas de mudanças.

O primeiro curso de Medicina no Brasil foi criado em fevereiro de 1808 em Salvador, após a chegada da família real portuguesa e do príncipe regente na Bahia. Em abril do mesmo ano, criou-se a Escola de Anatomia e Cirurgia no Rio de Janeiro. Essas escolas eram "escolas de cirurgia", pois formavam cirurgiões e não médicos, pois estes continuavam a se formar na Europa, sobretudo em Portugal. Esse foi o marco do início do ensino médico e do próprio ensino superior no País. O curso tinha duração de quatro anos, com frequência obrigatória, e os alunos, após se submeterem a exames, recebiam certidão de competência, sob juramento dos Santos Evangelhos, em se encarregar dignamente da saúde pública. Antes, a assistência à saúde era prestada pelos eminentes missionários da comitiva de Tomé de Souza que, no Brasil, atuavam também como médicos, boticários e enfermeiros; no século 18, existiam boticas (farmácias) ou hospitais instalados nos colégios dos jesuítas, em algumas vilas e cidades. A arte médico-cirúrgica era proveniente da Europa e se mesclava com as práticas nativas; era exercida por físicos, cirurgiões curiosos e feiticeiros, pelos indígenas, africanos e jesuítas com suas culturas.

Entre 1812 e 1815, ocorreram as primeiras reformas dessas duas escolas médicas, que passaram a ser chamadas Academias Médico-Cirúrgicas, e a duração dos cursos foi ampliada para cinco anos. Em 1822, com a passagem do Brasil a Reino e a consequente ruptura dos laços culturais e científicos, surgem os doutores das escolas nacionais. Em 1826, D Pedro I firma a lei que estabelece a autonomia dessas escolas, concedendo-lhes o direito de diplomar seus alunos3. Em 1832, as duas instituições são transformadas em Faculdades de Medicina, adotando as regras e programas da Escola Médica de Paris, com a duração de seis anos. Na realidade, historicamente, os cursos de Medicina já tinham a duração mínima de seis anos: em 1240, Frederico II teria conferido o direito de graduar médicos à escola de Salermo, num curso com cinco anos de duração e mais um ano de prática supervisionada em hospital-escola. Só o profissional com diploma poderia trabalhar4. Com a reforma, houve ampliação de cinco para 14 disciplinas, com presença obrigatória, e os alunos recebiam o título de "Doutor em Medicina, Pharmacêutico e Parteiro", ao concluírem o curso. O ensino era centrado na observação clínica, a despeito de focos isolados de outras características, como a ênfase na patologia local, que era dada na Bahia. A influência francesa foi marcante no ensino médico no Brasil: todo o material escolar - livros, métodos, regulamentos, programas, leituras - era importado daquela cultura, eminentemente teórica4.

Em 1854, foi definida uma "Congregação de Lentes" (professores catedráticos) para compor, com um diretor, a direção das faculdades. Essa reforma ratificou a duração de seis anos e preconizou a criação de laboratórios, entre outras questões estruturais dos cursos de Medicina. É importante lembrar que os professores "lentes" tinham honras e vencimento de desembargadores e o direito de aposentadoria aos 25 anos de magistério.

A adoção de métodos experimentais de investigação foi iniciada em 1866, com o estudo dos pesquisadores da Bahia. Antes, os médicos brasileiros apenas aplicavam o conhecimento repassado da Europa. Fato que chama a atenção é que somente com a reforma ocorrida em 1879 foi permitida a matrícula de mulheres nos cursos de Medicina, sendo que a primeira concluiu o curso em 1887 na Bahia3.

Em 1898, foi criada a Faculdade Livre de Medicina e Farmácia, em Porto Alegre (RS), portanto o terceiro curso de Medicina no Brasil, de forma que no início do século 20 tínhamos apenas três faculdades de Medicina no País.

O modelo pedagógico adotado até então era marcado pelo academicismo francês, e a pesquisa era influenciada pela escola alemã. As reformas sucessivas e o tempo fizeram com que este modelo fosse totalmente substituído pelo americano, hegemônico no início do século. Em 1908, Abraham Flexner, especialista em educação superior, após ter visitado 155 faculdades de Medicina nos EUA e Canadá, concluiu que apenas cinco delas tinham condições de formar médicos. Elaborou um relatório e recomendou reduzir o número e melhorar a qualidade das escolas, propondo um modelo de curso que foi adotado inicialmente nos Estados Unidos e logo em grande parte do mundo.

No Brasil, desde então, esse modelo tem sido seguido: os cursos de Medicina deveriam ser constituídos de três a quatro semestres exclusivamente para conhecimento científico do homem biológico (ciclo básico); quatro a seis semestres para o ensino da clínica (pediatria, ginecologia e obstetrícia, clínica médica, cirurgia, propedêutica e demais especialidades); e, finalmente, o treinamento em serviço sob supervisão dos docentes, o internato, com duração mínima de dois semestres.

Flexner determinava que o corpo docente tivesse dedicação integral ao ensino e à pesquisa, e esta seria rotina nos cursos de Medicina. Implantou o internato, a residência médica, a ligação entre faculdade de Medicina e hospital. Assim, foi concebido o hospital universitário para o ensino médico.

Um dos aspectos criticados no relatório é que o ensino médico concentraria sua ênfase na doença e não no doente, no indivíduo2. Além disso, não valorizava a assistência médico-ambulatorial, nem se referia à função social da escola médica. O ensino era essencialmente hospitalocêntrico, quando se reconhece hoje que pelo menos dois terços dos atendimentos médicos se resolvem em ambulatório, não necessitando de hospitalização.

As escolas médicas no Brasil eram isoladas até 1922, quando foi criada a primeira universidade brasileira. Em 1930, existiam no Brasil 12 escolas médicas, todas públicas. Entre 1930 e 1960, foram fundadas mais 19, em sua maioria públicas. Em 1964, existiam 37 cursos de Medicina, dos quais 81% eram públicos, sendo 24 em universidades federais e seis em estaduais. Nos dez anos seguintes, houve uma verdadeira explosão de escolas médicas, com uma tendência à concentração no Sul e Sudeste e uma inversão na relação público-privada4. Houve simultaneamente grande expansão do número de vagas nas escolas existentes.

Nos últimos dez anos, a situação tem se agravado com a criação de grande número de escolas, muitas sem condições de ministrar um curso com qualidade. A situação é tão dramática que é impossível determinar o número exato de escolas em funcionamento e o número de vagas oferecidas nos dias de hoje. As informações são bastante desencontradas: em fevereiro de 2005, havia 144 escolas médicas em atividade, 58 públicas e 86 privadas, com uma oferta de 12.227 vagas, sendo que 48 (33,33%) ainda não estavam reconhecidas. Do total de vagas, 5.430 (44,4%) são nas públicas e 6.797 (55,6%) nas privadas5. Chama a atenção o fato de a oferta de vagas nas escolas privadas ter crescido 98,91%, enquanto nas públicas apenas 15%5. Atualmente temos, no País, 175 escolas médicas em atividade, com uma oferta de 17.294 vagas para o primeiro ano. As escolas privadas já são maioria: 104, contra 44 federais, 24 estaduais e 3 municipais. Do total de vagas, 59,43% são oferecidas pelas escolas privadas. Para se ter uma ideia, 14 novos cursos foram abertos de 2007 até o presente. Considerando o número de cursos de Medicina em relação à população e comparando o Brasil com outros países, temos o maior número de cursos de Medicina do mundo. A China tem 150 escolas para uma população de 1,3 bilhão de habitantes; a Índia, 202 cursos e população de 1,07 bilhão de habitantes; os Estados Unidos da América, 125 cursos para 278 milhões de habitantes6.

Vários acontecimentos a partir da década de 1950 têm contribuído para o debate sobre reformas no ensino médico: a) a criação da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior (Capes) e do Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq) para melhorar o ensino superior e incentivar a pesquisa; b) a atuação das Fundações Rockfeller e Kellog em apoio a projetos na área da saúde; c) a incorporação de conceitos como medicina integral, preventiva, comunitária e, posteriormente, medicina da família - movimentos ou propostas que pleiteavam reorganizar o ensino médico brasileiro, inclusive discutindo sobre o profissional que a escola deveria formar.

A Reforma Universitária de 1968 resultou no fim das cátedras, que foram substituídas pelos departamentos, e propunha a organização do curso em ciclos, com vistas a diminuir a fragmentação da grade curricular. Isto porque, no Brasil, o ciclo básico foi implantado na maioria das escolas médicas de forma diferenciada, provocando uma dicotomia entre as disciplinas ali ministradas e as dos anos seguintes. Os conteúdos eram ministrados sem a preocupação em situá-los como integrantes do curso.

Com a implantação dos programas de Integração Docente Assistencial (IDA) definidos pela Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) nos anos 1980, procurou-se priorizar a atenção primária à saúde, tendo como meta "saúde para todos no ano 2000". Para isto, deveria haver uma articulação entre as instituições de educação e o sistema de saúde, levando a mudanças no currículo das faculdades de Medicina e demais áreas da saúde. Um dos aspectos importantes seria a integração do hospital universitário ao sistema de saúde e a possibilidade de os alunos terem seu campo de prática ampliado.

Os programas de IDA, embora reconhecidos como de valor inestimável para as escolas médicas e para o sistema de saúde, não foram praticados em sua plenitude, e as mudanças resultantes de sua implantação foram sutis.

Em 1985, surgiram os programas UNI, projetados para a América Latina e que definiram Uma Nova Iniciativa na formação de profissionais da saúde: união com a comunidade. Visava à integração escola x serviço x comunidade, reunindo os estudos epidemiológicos, a interdisciplinaridade, o trabalho em equipe multiprofissional e a utilização do serviço como cenário de ensino e aprendizagem. O projeto foi implementado em poucas escolas médicas, mas, embora com alguns avanços nas mudanças curriculares, a participação de docentes e profissionais da saúde ainda foi escassa.

A Federação Pan-Americana de Associações de Faculdades de Medicina (Fepafam) instituiu o projeto Educação Médica nas Américas (EMA), com o intuito de realizar uma análise da educação médica e traçar metas, considerando as mudanças sociais e os avanços tecnológicos dos últimos anos e definir, em linhas gerais, o perfil do médico para o século 21.

A declaração de Edimburgo, elaborada pela Comissão de Planejamento da Federação Mundial de Educação Médica, em 1988, trouxe numerosas recomendações para as escolas médicas, reportando-se às necessidades de estas formarem profissionais voltados para a realidade, e apontou alguns aspectos a serem discutidos: prioridades e estratégias educacionais, recursos necessários às escolas médicas, políticas de admissão aos cursos de Medicina, continuidade da formação médica e articulação entre as escolas e os serviços de saúde.

Em 1989, a Associação Médica Brasileira propôs algumas mudanças nos currículos dos cursos de Medicina, entre elas: evitar a fragmentação do currículo; promover a integração das disciplinas e a articulação dos ciclos básico e profissional; diversificar os ambientes de práticas de ensino. Recomendava a integração com a comunidade, a experiência prática precoce dos alunos nos serviços de saúde de complexidade crescente, supervisionada por docentes, além da utilização de outros cenários de prática.

O assunto voltou a ser palco de discussões na II Conferência Mundial de Educação Médica em Edimburgo, em 1993, assim como no Encontro Continental de Educação Médica, em 1994, em Punta Del Leste, no Uruguai. Além desses encontros, vários documentos relatam propostas de mudanças, adequações e planos estratégicos para melhorar o ensino médico, desde a segunda metade do século passado. Na prática, pouco tem sido feito, embora seja unânime a percepção de que o ensino precisa mudar.

Talvez o mais importante movimento no sentido de mobilizar a comunidade acadêmica e as sociedades de classes envolvidas com o ensino médico tenha sido o projeto da Comissão Interinstitucional Nacional de Avaliação do Ensino Médico (Cinaem), criado em 1991, com a participação de 11 entidades nacionais: Academia Nacional de Medicina, Associação Brasileira de Educação Médica, Associação Médica Brasileira, Sindicato Nacional dos Docentes de Ensino Superior, Associação Nacional dos Médicos Residentes, Conselho Federal de Medicina, Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras, Conselhos Regionais de Medicina dos estados do Rio de Janeiro e São Paulo, Direção Executiva Nacional dos Estudantes de Medicina e Federação Nacional dos Médicos. O projeto surgiu como uma alternativa à tentativa de impor um exame de ordem para o profissional formado, antes de iniciar a prática médica, nos moldes do que é realizado pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Visava à transformação do ensino médico e propunha avaliar a escola como um todo: a estrutura física, o corpo docente, o projeto pedagógico e os estudantes, durante toda a formação e não apenas ao final do curso. A avaliação atingiu um grande número de cursos, com adesão voluntária ao processo, e os resultados apontaram a necessidade de mudanças, intensificando o movimento de transformação das escolas médicas, processo ainda em andamento, permitindo grande variedade de experiências. O projeto Cinaem talvez tenha sido o movimento nacional que mais aglutinou pessoas interessadas em discutir o rumo que a educação médica deveria tomar a partir de então, tanto em número como em formação e experiência.

Desencadear um processo de mudanças não é fácil, sobretudo quando as idéias estão arraigadas e consagradas por longo tempo de inércia e pela convicção de que sempre se fez o que era recomendado, e os resultados, embora nunca avaliados formalmente, sempre foram considerados satisfatórios. O fato de uma escola dispor de situações estruturais adequadas para realizar seus projetos de formação - ou seja, contar com área física, docentes, dinheiro, serviços, etc. em número suficiente para construir bons indicadores sobre disponibilidade de recursos - não garante que o ensino será adequado e que o perfil do profissional que formará será "novo"7.

Faz-se necessário ir além dos recursos estruturais e pensar sobre os modos como os dispomos para 'produzir' os nossos médicos. Precisamos olhar para o modo como governamos os processos de ensino-aprendizagem e todas as variáveis que implicam na sua composição, como, por exemplo, as maneiras como os docentes se vinculam às práticas de ensino, suas adesões às necessidades dos alunos, os seus modos de agirem na produção dos serviços, entre outros7.

A partir do movimento Cinaem, novas ideias têm surgido ou ressurgido (como o PBL, descrito adiante) e tem-se tentado melhorar o ensino médico com a inclusão de conteúdos que atendam às novas demandas resultantes do progresso científico e tecnológico, do aumento de informações a serem transmitidas no mesmo período de tempo e da necessidade de incluir conhecimentos em áreas correlatas. Percebe-se também a falta de profissionais com visão holística do ser humano, na medida em que predominam os especialistas2.

A partir dessa análise, têm surgido várias propostas de mudança:

a) criação de um currículo nuclear voltado para a formação do médico geral;

b) associação, ao currículo "flexneriano", de conhecimentos em ciências sociais;

c) "currículo centrado no indivíduo" e não na doença;

d) integração entre as disciplinas do ciclo básico, clínico e internato;

e) inclusão de disciplinas das ciências humanas, como psicologia, sociologia e antropologia.

Com o surgimento da necessidade de desenvolver programas de preparo e atualização pedagógica para os docentes, várias escolas tentaram organizar o currículo em módulos de aparelhos e sistemas. A USP, por exemplo, tentou em duas ocasiões e abandonou a ideia por dificuldades operacionais2.

Várias escolas retomaram o Problem Based Learning (PBL), aprendizado baseado em problemas, que é, antes de tudo, uma metodologia de aprendizagem que vem sendo utilizada há décadas em alguns países e consiste, basicamente, em aprendizagem autoassistida, com a formação de pequenos grupos tutoriais e orientada para a comunidade. Nessa metodologia, a organização do conhecimento é feita sob três perspectivas - biológica, psicológica e populacional -, propondo o desenvolvimento de habilidades clínicas, de raciocínio crítico e da aprendizagem. A avaliação deve ser contínua e com a participação dos alunos e professores envolvidos no curso. No PBL os docentes desempenham funções variadas: tutor, facilitador, consultor, preceptor clínico, orientador, preceptor de laboratório, responsável por unidade de estudo, coordenador de turma e/ou pesquisador.

Quanto ao direcionamento para a educação médica, os pontos de consenso são vários, entre os quais: a centralização do ensino no estudante e na comunidade, rompendo com o hospitalocentrismo, sem alijar o hospital de sua importância no processo de formação, porém utilizando outros cenários de prática; o ensino baseado em problemas, utilizando-se casos reais ou fictícios, visando à integração de conteúdos e à garantia de uma aprendizagem efetiva, sistemática e baseada em evidência.

O modelo adotado há alguns anos pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais merece, a nosso ver, uma análise mais acurada. Tem a característica de expor os alunos desde o início do curso à prática ambulatorial e disciplinas "conjuntas" em que se agrupam conteúdos correlatos, além de um estágio na zona rural, no final do curso, durante o internato4. Um possível modelo a seguir, com o devido redimensionamento e as adaptações necessárias para atender às demandas não contempladas e às possibilidades de cada instituição.

Atualmente estamos vivendo mais um momento de reforma do ensino médico, cumprindo determinação do Ministério da Educação, que, por meio do Decreto 3.860, de julho de 2001, orienta a organização e avaliação dos cursos e instituições de ensino superior e adota as novas diretrizes curriculares. Para os cursos de Medicina, as diretrizes foram produto de um processo de construção coletiva, com a participação de representantes de todas as instituições de ensino superior, determinadas na proposição de mudanças no ensino, a fim de atender às novas demandas sociais e aos avanços tecnológicos.

As diretrizes curriculares vieram para substituir a Resolução nº 8, de 8 de outubro de 1969, do extinto Conselho Federal de Educação, documento que regia a educação médica no Brasil e fixava os conteúdos mínimos e a duração do curso, até então.

Neste relato, percebe-se que, desde a criação do primeiro curso de Medicina no Brasil, todas as propostas de reforma tinham o enfoque voltado para a questão metodológica, visando a melhor capacitação técnica dos formandos. Em nenhum momento é citada a questão da saúde mental dos estudantes, o que sugere que os educadores ou gestores das escolas médicas não tinham em mente essa preocupação ou pelo menos não era citada.

Nos próximos parágrafos, serão relatados os resultados de alguns estudos sobre a questão da saúde mental dos estudantes de Medicina, os diagnósticos mais frequentes, as possíveis fontes de estresse, incluindo abuso e maus-tratos durante a fase de estágio, a questão do erro médico e finalmente o suicídio. Para concluir, são apontadas algumas sugestões de conduta para minimizar a ocorrência desses problemas, extraídas de experiências em algumas universidades.

ESTRESSE E PSICOPATOLOGIA ENTRE ESTUDANTES DE MEDICINA

Revisando a literatura sobre a saúde mental do estudante universitário, tem-se que os primeiros relatos de programa específico para atender estudantes se referiam ao desenvolvido pelo dr. Stuart Paton, da Universidade de Princeton (EUA), em 1910, com o intuito de atender prioritariamente os alunos com algum sintoma psiquiátrico8. Na época, havia uma preocupação com o número de alunos que necessitavam de cuidados na área de saúde mental, de modo que as publicações, mostrando prevalência entre 4% e 20%, não discriminavam os tipos de problemas apresentados. Em 1932, um levantamento realizado nas faculdades americanas revelou que 21 escolas dispunham de algum tipo de serviço psiquiátrico ou de higiene mental, contando com um psiquiatra ou uma equipe de saúde mental para atender seu alunado; algumas realizavam cursos e sistemas de aconselhamento. Em 1956, na primeira Conferência Internacional sobre Saúde Mental do Estudante, realizada em Princeton, foi divulgado que, a cada ano, em torno de 8% do corpo discente nas universidades necessitava de ajuda psiquiátrica8.

Na Europa, nesse mesmo período, os relatos indicaram incidência semelhante, chamando a atenção para o fato de que em 1951, devido ao elevado índice de suicídios entre os alunos da graduação em Oxford - 11 vezes maior que na população geral de mesma faixa etária -, passou-se a dar atenção aos problemas desta população. Nesse mesmo ano, foi fundada uma associação com a finalidade de prestar assistência à saúde dos estudantes (British Student Health Association), por psiquiatras e outros médicos docentes do ensino superior. Na França, em 1955, foi criado o Comitê Universitário para a Saúde Mental e desde então foi iniciada a discussão sobre a necessidade de atenção médica e pedagógica à população universitária. A equipe multidisciplinar capaz de atender às necessidades desses alunos era composta de médico, psicoterapeuta, assistente social ou psicólogo para atuar em procedimentos individuais de psicoterapia e de contatos pedagógicos. Em 25 anos, numa universidade britânica, 2,5% dos alunos desenvolveram desordem psiquiátrica, sendo que 1% destes precisou de hospitalização (Salmon,1983, apud Millan et al.9,1999).

O primeiro serviço de higiene mental e psicologia clínica voltado ao atendimento de estudantes universitários no Brasil foi criado em 1957, junto à cadeira de Clínica Psiquiátrica da Faculdade de Medicina da Universidade do Recife. O objetivo era prestar assistência psicológica e psiquiátrica aos estudantes de toda a universidade, começando pelos de Medicina, ajudando a superar tensões e dificuldades a que estariam submetidos, incluindo as de natureza emocional (Loreto, 1958, apud Hahn et al.8,1999). A população universitária mais visada por esse tipo de estudo no Brasil sempre foi a de estudantes de Medicina, e a elevada prevalência de sintomas psiquiátricos entre eles tem sido bastante discutida. Tem-se alertado, inclusive, para o fato de que o número de casos talvez seja bem maior do que o divulgado. Embora existam trabalhos com amostras representativas, que indicam alto nível de estresse entre esses alunos, poucos são os estudos longitudinais sobre os possíveis precursores do processo que poderiam permitir prevenção e/ou intervenção10,11.

Resultados de uma pesquisa realizada entre os estudantes do quarto ano de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) em 1962 sugeriram a necessidade de criar centros de assistência e ajuda psicológica aos estudantes, a exemplo do que já se fazia nos meios universitários mais adiantados8.

Alunos do terceiro ano de uma escola médica no Mississipi apresentaram níveis clínicos de depressão em 23% do grupo e diversos distúrbios somáticos em 57% dos 69 alunos avaliados11. Entre eles, os que utilizavam mecanismos de enfrentamento diante das situações estressantes a fim de resolver e se engajar revelavam resultados melhores do que os alunos que não se empenhavam em solucionar seus problemas. Nesses casos se encontraram os mais elevados níveis de sintomas depressivos11.

Em universidades britânicas, a análise de 318 alunos do quarto ano médico revelou que as fontes mais citadas de estresse foram: falar com pacientes psiquiátricos, apresentar casos, lidar com a morte e o sofrimento e os efeitos na vida privada (relacionamentos, finanças, etc.)10.

O estudo de Rout (1991) mostrou que, quando os alunos do internato (quinto ou sexto ano) dormiam menor número de horas, sentiam-se mais cansados, mais desanimados, mais tristes e notavam o desenvolvimento de várias anormalidades psicofisiológicas, como depressão, dificuldade para pensar, irritabilidade, referencialidade, despersonalização e comprometimento da memória recente12.

DIAGNÓSTICOS MAIS FREQUENTES

Alguns trabalhos relatam que os diagnósticos mais comuns entre os estudantes de Medicina continuam a ser alcoolismo, drogadição e depressão. Uma revisão exaustiva sobre o assunto concluiu que os estudantes de Medicina apresentavam principalmente quadros depressivos e, em segundo lugar, ansiedade. Sua característica principal é a personalidade com perfil obsessivo. De modo geral, os quadros psicóticos são raros, e a procura por ajuda se dá por conflitos da adolescência, escolha profissional, faculdade, vida amorosa e familiar12.

Em artigo de revisão (Wolf et al., 1994 apud Rout12, 2001), é enfatizada a necessidade de incorporar os princípios da promoção da saúde e da prevenção da doença em todo o processo da educação médica, com o objetivo de evitar ou reduzir ao mínimo os casos de burnout. Essa síndrome, em que a exaustão emocional coexiste com a despersonalização e a reduzida realização profissional, representa uma maneira indesejável de reação ao estresse. Observa-se que os alunos apresentam dificuldades nas relações com os amigos e desorganização pessoal, entre outras características como a autocrítica muito elevada, fator importante na predição de sintomas de estresse. É necessário reconhecer os estudantes vulneráveis e trabalhar suas dificuldades, para diminuir os sintomas do estresse nos futuros médicos.

Alguns aspectos da personalidade foram apontados como moderadores dos efeitos do estresse: alto nível de compromisso, ter um locus de controle interno, sentido de segurança, tendência a encarar os transtornos como desafio e não como dificuldade, ou seja, uma personalidade resistente, resiliente. Há a sugestão de que esse tipo de personalidade venha a ser um fator importante na seleção de estudantes de Medicina12-15.

A pressão para cumprir todas as exigências do curso de Medicina, a extensa carga horária, a sobrecarga de informação, a visão idealizada da importância do médico e do estudante de Medicina podem levar os estudantes a inibir todas as suas iniciativas de gratificação e autoindulgência. Este comportamento pode se manifestar pela inibição de características como necessidade de brincar, jogar, sentir, bem como dar ênfase temporária a traços como a necessidade de ser rígido, mandar, realizar. A consequência psíquica da inibição do prazer pode ser patológica e estar relacionada a problemas tardios de abuso de substâncias psicoativas (drogas) e ao suicídio14.

ABUSO E MAUS-TRATOS DURANTE A FORMAÇÃO MÉDICA

Há evidências de que o processo de treinamento nas escolas médicas tem aspectos abusivos, caracterizados como assédio psicológico aos estudantes. É frequente a ocorrência de gritos, agressão física, importunação sexual pelo poder, partindo de profissionais médicos e de residentes, entre outros trabalhadores da equipe de saúde, durante o treinamento 16-18.

A prevalência de casos de assédio relatados é alta e essa experiência é fator de risco para sérios distúrbios psicopatológicos, podendo levar a insatisfação, alcoolismo, burnout e suicídio. Os resultados dos estudos nessa área não têm gerado implicações policiais porque as metodologias não possibilitam avaliar a consequência da experiência abusiva na saúde mental do abusado. Não há como diferenciar a psicopatologia preexistente da desencadeada durante a faculdade. Outras dificuldades seriam a falta de uma definição clara do que sejam maus-tratos e o fato de os relatos, em geral, serem retrospectivos, contando com a memória do acusador, podendo haver distorções geradas por lapsos. Não há mecanismo formal para relatar, investigar e conduzir estes casos.

Um estudo sobre a prevalência de abuso entre alunos de uma escola de Medicina nos EUA relata que 98,9% dos pesquisados perceberam algum tipo de maus-tratos durante os primeiros quatro anos do curso17. Ainda nos EUA, foi constatada uma prevalência de 71,8% de maus-tratos em estudo longitudinal realizado anualmente do primeiro ao quarto ano de outro curso17. Na Finlândia, uma pesquisa que envolveu alunos do terceiro e quarto anos do curso, realizada em duas escolas médicas, encontrou o mesmo índice em ambas, em torno de 75%18. Em todas as pesquisas, a maior prevalência foi de gritos e humilhações, e as fontes de abuso mais citadas foram dos residentes para os internos, que eram também os alvos preferidos dos docentes, enfermeiras e outros profissionais da equipe de trabalho. Ainda nesse mesmo estudo se observou que os abusadores menos citados foram os docentes do ciclo pré-clínico. Outros tipos de experiências abusivas citadas foram: piadas com teor sexual, discriminação sexual, tratamento preconceituoso em relação ao sexo, exclusão na formação de grupos de estágios informais (currículo paralelo), tentativa de avanço (assédio) sexual, agressão física, grosseria e hostilidade17,18. Os eventos associados ao sexo foram mais frequentes contra as mulheres.

De acordo com a literatura, a maioria dos casos de abuso ocorre no primeiro ano de clínica, quando os estudantes são humilhados na frente de seus pares. A ansiedade por esse contato com a clínica, aliada à insegurança natural de toda primeira experiência, gera decepção em alguns alunos. O abuso verbal, o mais frequente, é referido pelos alunos como proveniente de enfermeiras, médicos da equipe, docentes e mesmo pacientes. A questão da relação "médico-enfermeiro(a)" provavelmente tem conexão com o poder que esses profissionais podem exercer sobre os alunos, uma vez que o contato profissional entre a medicina e a enfermagem é historicamente difícil, e, nestes momentos, o da enfermagem pode exercer o controle sobre jovens médicos ou estudantes.

O tratamento abusivo resulta em diminuição do aprendizado, queda da autoestima e distúrbios psicológicos que variam de ansiedade e sintomas depressivos até problemas com bebidas alcoólicas17.

Os maus-tratos durante a vida escolar podem levar a interações desagradáveis e de animosidade (antipatia) em relação à profissão e podem contribuir para o sentimento de frustração, infelicidade, pessimismo, desumanização, moral baixa e cinismo, causando grande impacto na futura relação médico-paciente16.

Estima-se que as vítimas de abuso nas escolas médicas serão abusadores, reproduzindo o modelo de assédio praticado na infância: adultos, vítimas de assédio na infância, tendem a abusar de suas próprias crianças. Tal situação provavelmente é a que vem acontecendo, uma vez que os residentes tendem a repetir com os internos o que lhes foi imposto16-18.

O problema da "desumanização" do estudante de Medicina tem sido bastante discutido nos últimos anos, percebendo-se o aumento de atitudes céticas e a diminuição dos sentimentos humanísticos nos estudantes, num processo progressivo, desde o início do curso. A privação do sono durante o período de exames e durante o treinamento médico foi considerada pelos alunos como prejudicial e desnecessária à sua formação; para alguns, a sonolência prejudica sua habilidade para cuidar dos pacientes18.

É importante garantir aos estudandes um ambiente estimulante, saudável e humanístico, pois a essência da medicina está baseada na relação interpessoal e esta tem início no íntimo contato estudante-professor, o primeiro e mais significativo dentro da formação médica e o que contribui para a concepção da futura relação médico-paciente16. As atitudes cínicas de profissionais médicos frente ao problema do abuso são alarmantes, havendo necessidade de encontrar uma resposta. Para tornar isso possível, é fundamental que o tema seja mais difundido e amplamente debatido18.

Seria de grande valia a realização de estudos prospectivos, longitudinais, para avaliar pelo menos uma vez ao ano a ocorrência de abuso e, paralelamente, verificar sua ocorrência em outros cursos, para comparação18. Com pesquisas mais detalhadas poderíamos pensar em políticas efetivas de prevenção16.

ERRO MÉDICO COMO FONTE DE ESTRESSE ENTRE MÉDICOS E ESTUDANTES DE MEDICINA

Outra questão que deve ser mais discutida e mais bem trabalhada nos cursos de Medicina é o erro médico, definido como imperícia, imprudência ou negligência.

Os problemas no atendimento médico estão associados à precária estrutura física dos serviços de saúde, ao ensino deficitário e à baixa remuneração dos profissionais. Para a população geral e a mídia, erro, imperícia, imprudência, omissão de socorro, negligência, má-fé, maus-tratos e abuso, todos correspondem a erro médico19.

A cura faz parte de todo processo terapêutico que envolve o saber ouvir, o acompanhamento, a atenção, o apoio e a orientação. Um dos fatores mais importantes do tratamento é o médico se fazer presente, estar disponível para o doente e não só para a doença e sua cura. O médico aprende a vida inteira que nunca está pronto, que virá a ser cada dia mais eficiente se for capaz de aprender com os erros, que certamente serão inevitáveis19,20.

Os alunos precisam elaborar o conceito de erro médico, sob o risco de desenvolverem problemas de saúde caso não o façam corretamente. Podem desenvolver, por exemplo, quadros depressivos e ansiosos, culpando-se pelo que não sabem e sentindo-se paralisados pelo medo de errar, desenvolvendo sentimentos de desvalia e impotência, que muitas vezes os fazem pensar em abandonar o curso19-21.

É importante que o profissional de saúde seja capaz de admitir os erros, assim como suas próprias debilidades e as do paciente.

O SUICÍDIO ENTRE MÉDICOS E ESTUDANTES DE MEDICINA

Cerca de 95% dos indivíduos que cometem suicídio apresentam distúrbio psiquiátrico diagnosticado, sendo em 80% dos casos um distúrbio depressivo. Os profissionais mais propensos a cometer suicídio são os médicos, em especialidades como psiquiatria, anestesiologia e oftalmologia. Músicos, dentistas, advogados e psicólogos são outros profissionais de risco. No Reino Unido, em 1978, por meio da observação do registro geral, constatou-se que os doutores eram 3,5 vezes mais propensos ao suicídio do que a população geral. Nos EUA, os médicos, principalmente solteiros ou divorciados, se suicidam duas vezes mais. No período de treinamento (residência), as mulheres se suicidam mais, e a maioria delas também é solteira. Uma das razões presumíveis é a escolha equivocada da profissão22-30.

Os primeiros estudos acerca do suicídio e estudantes de Medicina surgiram no final da década de 196032. Entre eles, podemos citar o de Simon (1968), que, numa investigação retrospectiva em 62 escolas médicas americanas e três canadenses, encontrou coeficientes de quatro a cinco vezes maiores do que os da população geral. Esse estudo mostra coeficiente de 39/100.000/ano contra 9,4/100.000/ano na população geral, entre 1950-1955, e de 59/100.000 contra 12,3/100.000, entre 1960-1965. O suicídio entre os estudantes figura como a segunda causa de morte, sendo a primeira os acidentes30,31.

A análise dos suicídios ocorridos entre 1965 e 1985 na Universidade de São Paulo entre estudantes de Medicina mostrou que, dos oito casos registrados, três ocorreram com alunos classificados como os primeiros da classe; os outros estavam entre os bons ou médios, apenas um tinha dependências e faltava muito às aulas. A média de idade era de 23,1 anos e predominou o sexo masculino (seis casos). Como no estudo de Simon, o suicídio foi a segunda causa de morte, perdendo apenas para os acidentes. Nesse estudo, foram levantadas hipóteses sobre os fatores que poderiam estar relacionados com esses achados: doenças psiquiátricas (ansiedade e depressão); traços de personalidade; "contágio" escolar devido ao estresse, competição, individualismo, política institucional; sensação de impotência frente à morte e à doença; pressões sociais e familiares; ou aspectos ligados à situação pessoal (idade, estado civil, sexo, religião)31.

Estudos têm revelado que o grupo de alunos com alto risco de suicídio é o daqueles com melhor desempenho escolar. São pessoas mais exigentes e, assim, mais propensas a sofrer as pressões impostas por alguma falha acaso cometida14,30,32.

Existem evidências de que estudantes com inclinação para artes e literatura, antes de entrarem na medicina, são mais vulneráveis aos sinais e sintomas de estresse e expressam mais significativamente idéias suicidas do que aqueles que sempre tiveram inclinação para a carreira científica (Schwartz et al., 1978, apud Rout12, 2001).

Desses estudos surgem dúvidas se o processo de seguir os estudos em medicina exige a inibição das necessidades pessoais de gratificação e o sacrifício ao próprio prazer, e se isso estaria contribuindo para o desajuste psicológico do médico, que muitas vezes se expressa no abuso de substâncias e no suicídio.

SUGESTÕES DE CONDUTA PREVENTIVA E TRATAMENTO

A criação de grupos de apoio em algumas instituições de ensino com o objetivo de oferecer assistência psicológica aos estudantes de Medicina é ainda recente em nosso meio. Sua expansão tem sido proposta com o intuito de tentar diagnosticar precocemente os aspectos relacionados à personalidade e os comportamentos preocupantes, com o escopo de oferecer apoio e medidas preventivas aos estudantes considerados de risco. Não existe uma avaliação do desempenho desses grupos no sentido de medir seu impacto na morbidade por distúrbios psíquicos e mesmo no evento mais dramático, o suicídio. Já em 1962, chamava-se a atenção para esses problemas e se alertava para a necessidade de aprofundamento das pesquisas para apurar os motivos e os fatores que concorriam direta ou indiretamente para a sua ocorrência e a sugestão do emprego de psicoterapia associada a outras condutas, incluindo a criação de centros especializados para exames médico-psicológicos e para assistência psicológica aos estudantes (Pacheco, 1962 apud Arruda e Millan15, 1999).

Há muito se discute a questão da "vocação médica", que, muitas vezes, existe de forma espontânea, mas que com frequência é provocada pela família. No primeiro caso, observa-se que isso funciona como fator favorável na proteção contra os possíveis problemas psicológicos desses alunos. Sabe-se também que existem fatores "inconscientes" que influenciam a escolha da profissão médica; o desejo de ver, de reparar, de poder sempre esteve presente entre os aspirantes a médicos(as). O desejo de poder e a defesa contra a doença, o sofrimento e a morte podem ser a motivação latente. A fantasia de um ser onipotente, capaz de retardar, deter ou anular a ameaça de morte é inerente ao homem. Não conseguir lidar com esses mecanismos pode levar ao sentimento de culpa, à perda da idéia de onipotência (Bellodi, 1998, apud Millan2, 1999 e Arruda e Millan15, 1999).

Desenvolver estratégias de enfrentamento dos problemas pode ajudar a diminuir a consequência negativa do estresse entre os estudantes de Medicina11.

A Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), em 1983, após vários anos de estudos e premida pela necessidade de diagnosticar e interferir nos casos de distúrbios, criou um grupo de apoio e assistência psicológica ao aluno de Medicina (Graapal). Este grupo colocou em prática um centro que tem como objetivo a diminuição dos riscos de depressão e suicídio entre alunos de graduação e pós-graduação15. Outras instituições têm seguido o mesmo caminho, e os relatos dessas experiências são enriquecedores, como o de Bellodi33, 2007.

Sendo assim, para que haja uma real contribuição na formação médica, seria interessante34:

■ desenvolver estudos e pesquisas sobre a saúde psicológica do estudante de Medicina e do médico, a fim de detectar precocemente os grupos de risco;

■ realizar trabalhos com o objetivo de identificar os fatores estressantes nos anos de formação médica (graduação e residência médica);

■ implantar programas de qualidade para aperfeiçoar o sistema de capacitação profissional;

■ criar serviços de assistência médica e psicológica para estudantes e residentes;

■ sensibilizar os estudantes, residentes e profissionais em atividade quanto aos riscos de desenvolver distúrbios emocionais e disfunções profissionais, que podem trazer consequências dolorosas para o seu bem-estar, para os seus familiares e para os pacientes.

Realizamos uma pesquisa com estudantes de Medicina de uma escola do interior do Paraná, acompanhando-os do primeiro ao último ano do curso. A ideia inicial era analisar os possíveis transtornos emocionais apresentados e correlacionar os dados com o desenvolvimento dos alunos no decorrer do curso, tentando captar os momentos de maior estresse. O relato completo está no prelo e logo será publicado35, porém alguns dados do trabalho merecem ser citados aqui, como o fato de que a maioria dos universitários tinha sua vida social restrita à família e à própria universidade. Cabe lembrar que poder contar com pessoas com as quais é possível dividir dúvidas e/ou opiniões e obter suporte, incentivo ou contribuição é tido como um elemento importante de proteção contra o estresse e o burnout, ajudando a retardá-los e até a detê-los 36,37. A falta de tempo livre, que possibilitaria aos alunos se dedicar a outras atividades ou mesmo fazer maior reflexão sobre as disciplinas cursadas, bem como cultivar a relação entre eles, foi o maior fator de dificuldade apontado pelos estudantes nesse trabalho35 e tem sido indicado também por outros autores2. As dificuldades de relacionamento com professores foram uma variável indicada como relevante na construção do conhecimento10,16.

Com o transcorrer dos anos, observou-se que os alunos puderam adquirir segurança e confiança em seu futuro profissional, evidenciando que as dificuldades apontadas puderam ser superadas, sendo que o terceiro e o quarto anos do curso foram assinalados como os mais sofridos35. Nossos resultados estão de acordo com estudos semelhantes, descritos na literatura, nos quais também foi verificado que, além do primeiro ano do curso, os mais estressantes são o terceiro e o quarto10,11. Portanto, e frisando o que já foi explicitado, fica o desafio, para as escolas médicas, de avaliar o que pode ser feito para minimizar as fontes de estresse nas séries citadas pelos alunos, aproveitando para rever as práticas docentes durante todo o desenrolar do curso de Medicina.

Recebido em: 02/04/2008

Reencaminhado em: 05/06/2008

Aprovado em: 04/12/2008

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES?

Ana Maria T. Bernevides-Pereira participou de toro o processo de discussão do projeto, revisão da literatura e revisão da versão final encaminhada para publicação. Maria Bernadete Gonçalves participou de todo o processo de discussão do projeto, revisão da literatura e foi responsável pela redação final do artigo.

CONFLITO DE INTERESSES

Declarou não haver

Projeto desenvolvido na Univercidade Estadual de Maringá (UEM); Processo no 345/06 PPG.

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  • Endereço para correspondência:

    Maria Bernadete Gonçalves
    Rua Princesa Izabel, 1379
    Zona 4 - Maringá
    CEP.: 87014-190 PR
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      23 Nov 2009
    • Data do Fascículo
      Set 2009

    Histórico

    • Aceito
      04 Dez 2008
    • Revisado
      05 Jun 2008
    • Recebido
      02 Abr 2008
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