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ABC das Teorias de Mudança de Comportamento: Resenha crítica

ABC of Behaviour Theories: Critical review

RESUMO

Trata-se de resenha crítica – com foco para a educação médica – da obra de Michie et al., intitulada “ABC of Behaviour Change Theories: an essential resource for researchers, policy makers and practitioners”, publicada no Reino Unido pela Silverback Publishing no ano de 2014.

Comportamento; Ciências do Comportamento; Educação Médica

ABSTRACT

This is a critic review – focusing on medical education – on the work of Michie et al., entitled “ABC of Behaviour Change Theories: an essential resource for researchers, policy makers and practitioners” published in the UK by Silverback Publishing in 2014.

Behaviour; Behavioural Sciences; Medical Education

Neste trabalho, apresenta-se uma resenha crítica sobre a obra intitulada “ABC das Teorias de Mudança de Comportamento”11. Michie S, West R, Campbell R, Brown J, Gainforth H. ABC of Behaviour Change Theories. Reino Unido: Silverback Publishing; 2014. (tradução do autor), entendendo-se que esta pode servir como um valoroso recurso para ajudar no desenvolvimento de estudos para compreender os processos envolvidos na educação médica, uma vez que diversos problemas neste campo requerem mudanças de comportamentos – individuais ou coletivos. Como exemplos, podem-se citar mudanças na relação professor-aluno, na diversificação de métodos pedagógicos, na avaliação, no desenvolvimento e formação de identidade docente, na formação profissional, enfim, nos diversos comportamentos de docentes e discentes frente aos mais variados assuntos e contextos.

Trata-se de um compêndio que reúne as principais teorias de mudança de comportamento (TMC) descritas na literatura que explicam como ocorrem as mudanças no comportamento humano. O livro possui cinco capítulos intitulados: (i) TMC e suas aplicações, (ii) Identificação e caracterização das TMC, (iii) Observações gerais sobre as TMC, (iv) Descrição das TMC e (v) Uso da teoria para o desenvolvimento de intervenções: olhando para o futuro.

Os autores discutem o papel das TMC para a saúde pública. Argumenta-se que a carga de doenças no século 21 está muito relacionada aos comportamentos, tanto para as doenças não comunicáveis que envolvem comportamentos como fumar, consumir álcool, fazer atividade física e dieta, quanto para as comunicáveis – ressurgentes diante do advento das cepas antibiótico-resistentes – envolvendo comportamentos para prevenir a propagação. Também, os autores buscam responder a questões como: (i) o que é teoria, (ii) por que a teoria é importante e (iii) como tem sido utilizada.

Define-se teoria como “um conjunto de conceitos e/ou afirmações que especificam as relações entre fenômenos. A teoria fornece uma descrição organizada e sistemática acerca do que é conhecido, a fim de explicar e predizer fenômenos”11. Michie S, West R, Campbell R, Brown J, Gainforth H. ABC of Behaviour Change Theories. Reino Unido: Silverback Publishing; 2014. (p.36). Já o comportamento é definido como “qualquer ação de uma pessoa em resposta a eventos internos ou externos” (p.36). Tal ação pode ser classificada como explícita motora ou verbal, sendo diretamente mensurável, ou implícita: atividade não visível, mas que envolve músculos voluntários, sendo indiretamente mensurável; “comportamentos são eventos físicos que ocorrem no corpo e são controlados pelo cérebro” (p.36).

Alguns critérios são apresentados no sentido de qualificar uma teoria: a clareza dos constructos e das relações entre estes, a mensurabilidade e testabilidade dos constructos, caráter explicativo, descrição de mecanismos de mudança (causalidade), abertura à parcimônia, capacidade de generalização (por diferentes comportamentos, populações e contextos) e suporte empírico11. Michie S, West R, Campbell R, Brown J, Gainforth H. ABC of Behaviour Change Theories. Reino Unido: Silverback Publishing; 2014..

O processo pelo qual as TMC apresentadas no livro foram identificadas e catalogadas é descrito no capítulo 2, bem como o método utilizado para descrever as conexões entre elas. Tal processo envolveu revisão sistemática da literatura e foi supervisionado por um grupo consultivo de experts de diversas áreas, como Psicologia, Sociologia e Antropologia11. Michie S, West R, Campbell R, Brown J, Gainforth H. ABC of Behaviour Change Theories. Reino Unido: Silverback Publishing; 2014.. Um total de 83 TMC foram identificadas, sendo que a mais frequentemente encontrada na literatura foi o Modelo Transteórico de Mudança de Comportamento11. Michie S, West R, Campbell R, Brown J, Gainforth H. ABC of Behaviour Change Theories. Reino Unido: Silverback Publishing; 2014..

Os autores descrevem o modelo Transteórico de Mudança – de Prochaska e DiClemente22. Prochaska JO, DiClemente CC, Norcross JC. In search of how people change: Applications to addictive behaviors. Am. Psychol. 1992; 47(9):1102-1114., frequentemente conhecido como “estágios de mudança”, como um modelo em que se propõe que a mudança de comportamento de um indivíduo ocorre em estágios. Estes estágios envolvem pré-contemplação (não planeja mudar nos próximos seis meses), contemplação (pensa em mudar nos próximos seis meses, mas não no mês seguinte), preparação (se preparando para mudar já no próximo mês), ação (tentando mudar) e manutenção (mudou por pelo menos seis meses)11. Michie S, West R, Campbell R, Brown J, Gainforth H. ABC of Behaviour Change Theories. Reino Unido: Silverback Publishing; 2014.. Esta TMC já foi proposta como um modelo para ser implementado a fim de integrar a formação profissional na educação médica33. Archer R, Elder W, Hustedde C, Milam A, Joyce J. The theory of planned behaviour in medical education: a model for integrating professionalism training. Med. Educ. 2008; 42: 771–777.. Foi bastante encontrada, por exemplo, em uma revisão sistemática da literatura que buscou caracterizar a efetividade de intervenções curriculares para melhorar os comportamentos de estudantes de Medicina em relação ao aconselhamento de pacientes sobre comportamentos saudáveis44. Hauer KE, Carney PA, Chang A, Satterfield J. Behavior Change Counseling Curricula for Medical Trainees: A Systematic Review. Acad. Med. 2012; 87(7):956-968.. Outro exemplo de sua utilização: na realização de ações educativas para promover práticas clínicas baseadas em evidência entre profissionais de saúde55. Edwards H, Walsh A, Courtney M, Monaghan S, Wilson J, Young J. Promoting evidence-based childhood fever management through a peer education programme based on the theory of planned behaviour. J. Clin. Nurs. 2007; 16:1966-1979..

Além deste Modelo Transteórico de Mudança, outras TMC que foram frequentemente encontradas na literatura incluem a Teoria do Comportamento Planejado de Azjen66. Ajzen I. The theory of planned behavior. Org. behav. hum. decis. process. 1991; 50(2):179-211. e a Teoria Social Cognitiva de Bandura77. Bandura A. Social Foundations of Thought and Action: A Social Cognitive Theory. New Jersey, US: Prentice-Hall; 1986.. Porém, todas as 83 TMC identificadas são apresentadas em ordem alfabética no capítulo 4, que constitui a principal parte do livro. Uma delas – a TMC intitulada de COM-B system88. Michie S, Atkins L, West R. The Behaviour Change Wheel: a Guide to Designing Interventions. Reino Unido: Silverback Publishing; 2014. – já foi objeto de outra resenha crítica publicada anteriormente com foco para a educação médica99. Rios LE. Behaviour Change Wheel (BCW): Guia para Intervenções de Mudança de Comportamento. Rev. bras. educ. med. [online]. 2016; 40(1) [capturado 04 nov 2016]; 144-147. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-55022016000100144&lng=en&nrm=iso>.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
, a qual, portanto, recomenda-se como leitura complementar.

Então, o livro ABC das mudanças de comportamento funciona como uma espécie de catálogo onde o leitor tem a oportunidade de conhecer uma vasta diversidade de teorias que por sua vez oferecem vastas possibilidades de aplicações para o desenvolvimento de pesquisas experimentais e/ou observacionais. Após conhecer os principais constructos das teorias descritas no livro, o próximo passo é escolher aquela que mais serve para fundamentar determinada intervenção ou determinado estudo, explorando-se associações entre comportamentos e fatores determinantes. Independentemente da teoria escolhida, um estudo baseado em teoria tem um diferencial a mais para inovar e contribuir para a formação do conhecimento.

Por exemplo, uma das teorias descritas no livro, a PRIME Theory1010. West R, Brown J. Theory of Addiction. 2.ed. Oxford, UK: Wiley-Blackwell; 2013. – PRIME é o acrônimo para “Plans, Responses, Impulses, Motives, Evaluations” – tem sido especialmente direcionada para os estudos sobre comportamentos tabágicos, assim como o Modelo Transteórico. No entanto, como se trata de uma TMC (envolve capacidade de generalização), nada impede que seus constructos possam informar estudos no campo da educação médica. Diferentemente do Modelo Transteórico, a PRIME Theory propõe um sistema motivacional comportamental em que constructos como o desejo de mudança, os hábitos e reflexos estão mais próximos de influenciar o comportamento que as crenças (sobre o que é certo/bom ou errado/ruim) e os planos (intenções). Então, um exemplo de estudo baseado nesta teoria no campo da educação médica poderia explorar associações entre uma diversidade de fatores (gênero, idade, formação, etc.) e a motivação – desejos, crenças e intenções – para mudança de determinados comportamento, como aqueles citados no primeiro parágrafo deste texto.

Concluindo, percebe-se que o ABC das Teorias de Mudança de Comportamento representa um rico e didático compilado das TMC disponíveis, podendo ser, conforme se abordou brevemente, bastante útil aos pesquisadores da área da educação médica que desejam desenvolver estudos e intervenções baseadas em teoria para superar problemas envolvendo mudanças de comportamento.

REFERÊNCIAS

  • 1
    Michie S, West R, Campbell R, Brown J, Gainforth H. ABC of Behaviour Change Theories. Reino Unido: Silverback Publishing; 2014.
  • 2
    Prochaska JO, DiClemente CC, Norcross JC. In search of how people change: Applications to addictive behaviors. Am. Psychol. 1992; 47(9):1102-1114.
  • 3
    Archer R, Elder W, Hustedde C, Milam A, Joyce J. The theory of planned behaviour in medical education: a model for integrating professionalism training. Med. Educ. 2008; 42: 771–777.
  • 4
    Hauer KE, Carney PA, Chang A, Satterfield J. Behavior Change Counseling Curricula for Medical Trainees: A Systematic Review. Acad. Med. 2012; 87(7):956-968.
  • 5
    Edwards H, Walsh A, Courtney M, Monaghan S, Wilson J, Young J. Promoting evidence-based childhood fever management through a peer education programme based on the theory of planned behaviour. J. Clin. Nurs. 2007; 16:1966-1979.
  • 6
    Ajzen I. The theory of planned behavior. Org. behav. hum. decis. process. 1991; 50(2):179-211.
  • 7
    Bandura A. Social Foundations of Thought and Action: A Social Cognitive Theory. New Jersey, US: Prentice-Hall; 1986.
  • 8
    Michie S, Atkins L, West R. The Behaviour Change Wheel: a Guide to Designing Interventions. Reino Unido: Silverback Publishing; 2014.
  • 9
    Rios LE. Behaviour Change Wheel (BCW): Guia para Intervenções de Mudança de Comportamento. Rev. bras. educ. med. [online]. 2016; 40(1) [capturado 04 nov 2016]; 144-147. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-55022016000100144&lng=en&nrm=iso>.
    » http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-55022016000100144&lng=en&nrm=iso
  • 10
    West R, Brown J. Theory of Addiction. 2.ed. Oxford, UK: Wiley-Blackwell; 2013.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Apr-Jun 2017

Histórico

  • Recebido
    30 Jan 2017
  • Aceito
    12 Fev 2017
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