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Atividades Práticas Dirigem Escolha de Disciplinas Eletivas no Curso Médico

Practical Skills Orient the Choice of Elective Courses during Undergraduate Medical Education

Resumo:

A Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo iniciou um novo currículo em 1998. O conteúdo nuclear manteve assuntos tradicionais do ensino médico, enquanto disciplinas eletivas aprofundam os mesmos assuntos, temas novos ou não médicos. Esta investigação avaliou as condições de oferta de cursos eletivos. Os corsos de 2002 que não receberam inscrições, bem como aqueles com elevada procura tiveram seus professores convidados para uma entrevista semi-estruturada. Os objetivos dos cursos, o processo de preparo do tema, as razoes para sua oferta e a forma de avaliação foram investigados. Os estudantes responderam a um questionário sobre suas razões para escolher uma optativa. Vinte e três professores, de cursos sem inscrição e 13 com cursos muito procurados compareceram. Não foi encontrada diferença para o número de créditos oferecidos. A baixa procura pode ser associada com revisões, enquanto a alta procura com a oferta de atividades práticas. As interpretações para sucesso ou fracasso foram as mesmas para estas duas categorias. Estudantes escolheram seus opcionais pelo número de créditos oferecidos. O currículo eletivo é mais procurado para cursos com atividades práticas.

Palavras-chave:
Currículo; Educação Médica; Pesquisa Qualitativa

Abstract:

The University of Sao Paulo Medical School introduced a new curriculum in 1998. The core curriculum maintains the traditional courses, while elective courses cover these same subjects in greater depth as wel1 as including new or non-medical themes. This prospective study aimed to evaluate the supply of elective courses at the school The electives offered in 2002 in which no students enrolled, as well as highly-booked electives had their professors invited to a semi-structured interview. The elective courses' objectives, preparatory processes, motivahng factors, and grading methodologies were all investigated. Students answered a questionnaire on their reasons for choosing given elective courses. Twenty-three professors of courses with enrollment ranging from zero to 13 students attended the interviews. There was no difference regarding the credits offered. Lower enrollment was related to review courses, and higher enrolment was observed in courses offering practical skills. The intetpretations for passing or failing wer the same for the two categories. Students choose electives because of the higher number of credits offered Elective courses receive higher enrollment when they offer practical skills.

Key-words:
Curricula; Medical, Education; Qualitative Research

INTRODUÇÃO

As faculdades de medicina reformulam constantemente seus currículos de graduação, impulsionadas por vários motivos, internos ou deconentes de mudanças sociais. Os currículos desenvolvidos devem refletir as necessidades do cuidado em saúde, mas também os novos conceitos do campo da educação11. World Federation for Medical Education. Proceedings of the World Summit on Medical Education. Edit by Walton H. Med Educ 1994; 28 (suppl 1).. A Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) iniciou um novo currículo para seu curso médico em 1998. Fundamentado no conceito de um currículo nuclear com disciplinas obrigatórias, associado a módulos eletivos, também chamados opcionais, este currículo direcionou a faculdade ao exercício de criar suas disciplinas optativas. A Faculdade de Medicina manteve no nuclear o ensino de todas as áreas tradicionalmente oferecidas, porém foram comprimidas no tempo na nova estrutura. As opcionais foram utilizadas para criar oportunidades de estudo e ensino aprofundados dos mesmos temas tradicionais ou de temas inovadores e mais abrangentes em saúde.

Considerando os apontamentos originais de Harden, o currículo da FMUSP pode ser visto como um modelo intermitente. Neste, a relação entre as disciplinas obrigatórias ocorre em pontos fixos do currículo. Porém, há pouca correlação ou continuidade direta das opcionais com as disciplinas obrigatórias22. Anderson J. Core plus options or special study modules: where do we stand? Med Educ 1994; 28:160-164..

Na grade curricular da FMUSP, a proporção de tempo disponibilizada para o ensino das opcionais situa-se em torno de 30% durante os quatro anos iniciais do curso médico, onde se concentram temas básicos e clínicos. No entanto, nos anos finais do internato, 5° e 6° anos, não há disponibilidade para opcionais.

As optativas trazem as possibilidadesde inovação e originalidade ao curso de medicina. Também permitem aos estudantes procurar, de acordo com seus próprios interesses, temas para sua formação médica, além de prepará-los para a educação continuada33. Macnaughton RF. Special s tudy modules: an opportunity not to be missed. Med Educ 1997;31: 49-51.. Considerando estes fatores, a medicina da USP permitiu o aparecimento de muitos cursos sob o selo de optativas desde a introdução de seu novo currículo em 1998.

O objetivo deste estudo foi avaliar o sistema de optativas considerando as condições de ofertas aos alunos de graduação.

MÉTODOS

A investigação foi concebida como prospectiva. Entre as disciplinas optativas, os cursos oferecidos no ano de 2002 foram considerados para análise. Aqueles que não receberam matrículas, bem como os que receberam mais de 70% de matrícula tiveram seus professores convidados para uma entrevista. Este critério foi considerado pelos investigadorescomo um padrão de fracasso ou sucesso dos cursos, respectivarnente. Os planos de ensino ou as ementas dos cursos não foram previamente considerados para o mesmo critério de seleção para entrevistas.

A entrevista foi conduzida como semi-estruturada. Os professores puderam oferecer suas opiniões a respeito do novocurrículo. Eles foram convidados a interpretar os objetivos de um curso optativo, o processo de escolha para a oferta de sua disciplina, as razões para essa escolha, a forma de avaliação de seu curso, as categorias de sua optativa (médica, relacionada à medicina, não médica) e sua interpretação dos motivos de os estudantes escolherem ou não essa disciplina.

No ano anterior de 2001, os estudantes responderam um questionário aplicado pelo Centro Acadêmico Oswaldo Cruz sobre a graduação na Faculdade de Medicina. Entre as perguntas desse instrumento, havia a seguinte questão: "Sabendo que o número de créditos de cada optativa é proporcional à carga horária, o que você prefere fazer?". Os dados foram analisados de forma descritiva e avaliados pelo teste exato de Fisher entre disciplinas com zero ou alta procura.

RESULTADOS

A Faculdade de Medicina da USP registrou 338 disciplinas oferecidas como optativas. Destas, 309 se originavam da Faculdade de Medicina (FM) e outras 31 advinham de outros institutos da Universidade. Entre as 246 disciplinas oferecidas como optativas pela FM, 210 foram classificadas como eletivas propriamente, uma vez que períodos para iniciação científica ou prática médica compunham esse total.

Durante o ano de 2002, 151 disciplinas eletivas foram oferecidas. Entre estas, e segundo o critério adotado, 65 tiveram seus professores convidados (43%). Compareceram somente 23 responsáveis por eletivas que não tiveram matrícula de alunos (47%), denominadas "zero procura", e 13 professores de eletivas que tiveram mais de 70% de suas vagas preenchidas (81%), denominadas "alta procura". Não houvediferenças para o número de créditos oferecidos pelas disciplinas. Como espe­ rado, quanto menor o pré-requisito, maior o número de ma trí­ culas, uma vez que o número de alunos aptos a freqüen tar a d isciplina poderia ser maior. Ambas as disciplinas, zero ou alta procura, foram escolhidas como temas e desenhadas confor­ me os interesses de seus professores responsáveis.

As oportunidades de atividades práticas se relacionaram aos cursos de alta procura, enquanto as propostas de aprofundamento de temas do curso nuclear se relacionaram às disciplinas com zero procura, de modo significativo. Nenhum dos entrevistados considerou o novo currículo como má experiência. Entre as razões elencadas como positivas, foram citadas: a diversidade, a autonomia do estudante e o treinamento para educação continuada. As eletivas com alta procura estavam associadas com a prática do professor, como ambulatórios ou en fermarias . Por outro lado, aquelas com zero procura se associavam com propostas de revisão ou aprofundamento de temas das disciplinas obrigatórias (Tabela 1).

TABELA 1
Resultados das entrevistas para cursos com zero ou alta procura (2002).

As categorias sugeridas foram as mesmas para todas as eletivas, de acordo com a interpretação de seus professores, todas classificadas como médicas. A avaliação aplicada foi basicamente a mesma entre as eletivas, atribuindo conceito pela freqüência de presença dos estudantes.

Os professores considera ram corno principal razão para o sucesso de sua disciplina optativa a promoção da mesma entre os estudantes. Já os professores de cursos com zero procura consideraram a proposta de aprofundar um tema de especialidade médica como motivo para baixas matrículas. Paradoxalmente, os professores das disciplinas com alta procura também associaram sua especialidade como motivo de sucesso, além das oportunidades práticas. É interessante notar que nenhum dos professores considerou o conteúdo das disciplinas, seus objetivos, créditos, distribuição horária ou didática como um problema para torná-las interessantes aos estudantes. Na amostra do questionário de 2001, com 41% de respostas (423 respondentes en tre 1.037 matriculados), os estudantes apontaram como principal motivação para escolher uma eletiva os créditos que ela oferecia (Tabela 2).

TABELA 2
Motivos apontados pelos alunos na escolha de uma optativa

DISCUSSÃO

Neste estudo, as optativas mais procuradas pelos estudantes foram aquelas relacionadas ao desenvolvimento de habilidades práticas. A baixa integ ração com o currículo nuclear e o limitado cuidado na definição de objetivos e conteúd os não foram diferentes entre os cursos muito ou pouco procurados. Os alunos escolhem suas optativas preferencialmente direcionados pelo número de créditos oferecidos.

Embora seja um conceito antigo, o debate sobre o sistema de disciplinas optativas pode ser revisto, principalmente considerando se tais oportunidades contribuem para aumentar o número de especialistas ou generalistas22. Anderson J. Core plus options or special study modules: where do we stand? Med Educ 1994; 28:160-164.,33. Macnaughton RF. Special s tudy modules: an opportunity not to be missed. Med Educ 1997;31: 49-51.,44. Martin D. The Debate over Electives - 1899. Acad Med 1995; 70: 960.. Os resultados deste estudo não respondem esta questão, mas é interessante notar o paradoxo entre cursos sem procura e com elevada matrícula. Em ambas as disciplinas, seus coordenadores interpretam sua identidade com uma especialidade corno motivo dessa procura. Contraditório como tal, os professores consideraram sua especialidade médica como uma forte razão para oferecer uma disciplin·a eletiva. Mas os resultados sugerem que tal proximidade não garante o interesse dos alunos, mesmo considerando que na amostra a participação nas en trevistas tenha sido maior para o grupo de professores de disciplinas de alta procura.

O curso de medicina tem um propósito bastante vocacional. Há, assim, uma clara intenção de dar ao estudante uma interpretação realista da prática médica. Eddleston e Booton consideraram as disciplinas eletivas como um meio de permitir que os estudantes desenvolvam seus próprios projetos, mesmo na experiência de uma especialização bastante específicas55. Eddleston A, Booton P. The undergraduate medical course. Med Educ 1997;31 (suppl 1): 7-9.. Os resultados aqui apresentad os parecem confirmar tal proposta, uma vez que o desenvolvimento de habilidades esteve associado com o sucesso de disciplinas optativas. Este achado pode indicar o que tem sido denominado currículo oculto. Os estudantes com interesses específicos podem buscar formação nessas áreas, porém sem a regulamentação da Instituição. As disciplinas optativas podem oferecer uma pista dessas vocações distintas.

O conteúdo deste segmento "oculto" do currículo de um curso regular pode ser considerado neutro, dado que pode reforçar ou diluir as metas educacionais da Instituição. No entanto, por tal característica de desigualdade de oportunidades, pode afetar seriamente o desenvolvimento moral ou profissional do estudante66. Hundert EM, Hafferty F, Chris takis D. Opening Plenary Session. Characteristics of the Informal Curriculum and Trainee's Ethical Choices. Acad Med 1996; 71: 624-642.. Este estudo sugere que os estudantes se interessam por cursos práticos como forma de desenvolver suas habilidades desejadas ou mesmo alcançar seus propósitos vocacionais.

As optativas devem ser vistas como um método proposto paraestimular o pensamento crítico, buscar e analisar informações, complementar o currículo nuclear em amplitude e ainda despertar necessidades de treinamento em auto-aprendizado. O uso combinado de disciplinas obrigatórias e eletivas contribui para o alcance de um bem estabelecido objetivo77. Harden RM, Davis MH, Crosby FR. The new Dundee medical curriculum: a whole that is greater than the sum of the parts. Med Educ 1997; 31: 264-271.. No entanto, a baixa integraçã o entre as propostas, bem como a ausência de objetivos e conteúdos claramente descritos nos cursos observados nesta amostra podem ser vistas como um obstáculo para que estudantes respondam às suas vocações.

O conceito mais importante sugerido para discussão está na necessidade de objetivos e conteúdos claramente dispostos, bem como a integração entre os segmentos de disciplinas obrigatórias e optativas . A falta destes é, para os autores, uma situação de real perigo ao desenvolvimentode um verdadeiro currículo eletivo. As informações sobre objetivos e conteúdos, quando precárias, reduzem as oportunidades dos estudantes. Ou seja, a oferta de uma especialidade pode alcançar os já interessad os nela, mas podem desorientar aqueles que questionam se tal eletiva poderia oferecer informações suficientes para clarear sua vocação.

É interessante notar que estudantes declararam escolher suas optativas pelos altos créditos oferecidos . Considerando que, na amostra observada, o número de créditos não diferiu entre os grupos de zero ou alta procura, as declarações dos estudan tes reforçam a idéia de que haja risco para as oportunidades quando não se têm com clareza conteúdos e objetivos. Ou seja,os estudantes podem escolher uma optativa para preencher necessidades de créditos, mas sem uma definição clara se tal curso irá se relacionar às suas expectativas.

Assim, dada a possível baixa integração com o currículo nuclear e os limitados cuidados com objetivos e conteúdos, as optativas podem se tornar um módulo sem lugar definido no currículoe ainda pouco auxiliar na orientação profissional de um estudante de medicina88. Vieira JE, Bellodi PL, Marcondes E, Martins MA. Practical skills are most popular elective choice. Med Educ 2004,38: 1015-1016.. O mercado de créditos pode sobrepujar a autonomia do aluno, uma vez que este poderia se expor a resultados inesperados em sua escolha por optativas sem informações precisas de objetivos e conteúdos. Desta forma, opta pela condicionante simples de eliminar os créditos necessários ou exigidos.

Concluindo, as disciplinas optativas têm maior procura com ofer ta de atividades práticas. A fraca integração com disciplinasobrigatórias bem como a pouca disposição de objetivos e conteúdos não se mostraram diferentes entre disciplinas optativas pouco ou muito procuradas . Desta maneira, é possível que os estudantes se vejam recompensados ao procurarem optativas de acordo com o maior número de créditos .

REFERÊNCIAS

  • 1
    World Federation for Medical Education. Proceedings of the World Summit on Medical Education. Edit by Walton H. Med Educ 1994; 28 (suppl 1).
  • 2
    Anderson J. Core plus options or special study modules: where do we stand? Med Educ 1994; 28:160-164.
  • 3
    Macnaughton RF. Special s tudy modules: an opportunity not to be missed. Med Educ 1997;31: 49-51.
  • 4
    Martin D. The Debate over Electives - 1899. Acad Med 1995; 70: 960.
  • 5
    Eddleston A, Booton P. The undergraduate medical course. Med Educ 1997;31 (suppl 1): 7-9.
  • 6
    Hundert EM, Hafferty F, Chris takis D. Opening Plenary Session. Characteristics of the Informal Curriculum and Trainee's Ethical Choices. Acad Med 1996; 71: 624-642.
  • 7
    Harden RM, Davis MH, Crosby FR. The new Dundee medical curriculum: a whole that is greater than the sum of the parts. Med Educ 1997; 31: 264-271.
  • 8
    Vieira JE, Bellodi PL, Marcondes E, Martins MA. Practical skills are most popular elective choice. Med Educ 2004,38: 1015-1016.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Abr 2020
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2005
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