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Einstein e a educação

Einstein and the education

RESENHA

Einstein e a educação

Einstein and the education

Rodrigo Siqueira-BatistaI; José Abdalla Helayël-NetoII

ICentro Universitário Serra Órgãos, Rio de Janeiro, Brasil; Centro Federal de Educação Tecnológica de Química de Nilópolis, Rio de Janeiro, Brasil

IICentro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF). Coordenação de Física Experimental de Altas Energias (LAFEX); Centro Federal de Educação Tecnológica de Química de Nilópolis, Rio de Janeiro, Brasil

Resenha de: Medeiros A, Medeiros C. Einstein e a Educação. São Paulo: Livraria da Física; 2006

Não basta ensinar ao homem uma especialidade porque ele se tornará assim, uma máquina utilizável, mas não uma personalidade. É necessário que adquira um sentimento, um senso prático daquilo que vale a pena ser empreendido, daquilo que é belo, do que é moralmente correto. A não ser assim, ele se assemelhará, com seus conhecimentos profissionais, mais a um cão ensinado do que a uma criatura harmoniosamente desenvolvida.

Albert Einstein

Albert Einstein é, indubitavelmente, um dos maiores nomes da história da ciência, tendo formulado a Teoria da Relatividade - restrita e geral - e colaborado decisivamente para o desenvolvimento da Teoria Quântica - seu primeiro trabalho sobre o quantum, "sugerindo que radiação eletromagnética na região de alta freqüência poderia ser pensada como quanta de luz",1 foi decisivo neste sentido -, ainda que, ulteriormente, se tornasse um crítico contumaz dos desenvolvimentos dados à teoria, pela Escola de Copenhague.

A despeito de suas decisivas contribuições à ciência do século XX, Einstein também é reconhecido como notável humanista, construindo uma profunda reflexão sobre a "natureza" do conhecimento, a vida ético-política e os processos de educação.

É neste domínio que adquire grande importância o livro Einstein e a educação,2 dos professores Alexandre Medeiros e Cleide Medeiros, publicado, pela Editora Livraria da Física, em 2006. A obra - solidamente alicerçada em ampla bibliografia, constituída por mais de 200 títulos - traz, ao longo de seus 15 capítulos, significativos aspectos da trajetória intelectual de Einstein, enfatizando a seminal vertente pedagógica do seu pensamento.

Os primeiros cinco capítulos - A educação primária do pequeno Albert em Munique (cap. 1), A educação secundária do jovem Einstein no Luitpold Gymnasium (cap. 2), A educação de Einstein na Escola deAarau (cap. 3), Einstein como estudante na Escola Politécnica de Zurique (cap. 4) e Einstein versus Weber (cap. 5) - apresentam aspectos da vida estudantil do físico, na escola e na universidade. Já neste período destacavam-se:

1. Sua aversão pelo aprendizado baseado na pura memorização mecânica - aspecto típico da tradicional educação alemã da época e bastante encontradiço, ainda hoje, nos bancos escolares brasileiros (como, por exemplo, em muitas instituições nas quais se ensina medicina no país...).

2. Seu grande poder de concentração - especialmente relacionado à música: os concertos de Bach e as sonatas de Mozart constituíam-se fecundo manancial de inspiração.

3. Sua excelência como estudante - aspecto não reconhecido por muitos biógrafos, os quais, muitas vezes, insistem em caracterizar Einstein como um mau aluno...

4. Sua independência intelectual - mais claramente manifesta no seu período de graduação na Eidgenössische Technische Hochschule (ETH), a Escola Politécnica de Zurique.

Os capítulos intermediários -As tentativas de ser professor (cap. 6), A Academia Olímpia, o escritório de patentes e a Universidade de Berna (cap. 7), Einstein como professor na Universidade de Zurique (cap. 8), Da curta estada em Praga ao retorno a Zurique (cap. 9) e A longa estada em Berlim (cap. 10) - narram a sua epopéia na docência, abrangendo desde os primeiros anos após a conclusão do curso de graduação -com as malfadas tentativas de conseguir um posto na academia, nas quais muito pesaram os desentendimentos com Heinrich Weber -, passando por sua colocação, como técnico, em um escritório de patentes em Berna - considerado, pelo próprio Einstein, como fundamental no seu desenvolvimento intelectual -, até sua aceitação como privatdozent na Universidade de Berna (em 1908) e a definitiva consagração, como grande docente e pesquisador.

Os capítulos finais - Imaginação, humildade e bom humor (cap. 11), Influências sobre as concepções educacionais de Einstein e de Dewey (cap. 12), Sintonias entre os ideários educacionais de Einstein e Dewey (cap. 13), A educação e a busca da liberdade e da justiça social (cap. 14) e Einstein e a questão didática (cap. 15) - centram-se mais na apresentação das características do Einstein-professor - marcadamente sua humildade e o seu bom humor - e dos principais elementos teóricos de seu pensamento educacional, especialmente as interseções conceituais com a pedagogia de Dewey.

É possível que uma das grandes virtudes do livro, além da escrita clara e da consistência teórica, seja mostrar a principal característica da libertária pedagogia einsteiniana: o tácito repúdio ao autoritarismo da escola germânica - o que se tornou explícito, por exemplo, na decisão de abandonar o Luitpold Gymnasium, sua escola secundária, pela acérrima discordância em relação aos seus métodos de ensino - e o profundo respeito pelo livre desenvolvimento do educando - valorizando sua curiosidade, autonomia e criatividade como grandes sustentáculos do processo educacional -, algo apreendido na Escola de Aarau, na Suíça, sob influência do pensamento de Pestalozzi - pedagogo profundamente inspirado em Rousseau e Kant -, como ressaltado pelo próprio Einstein:

[...] pelo seu espírito liberal e pela simples seriedade dos seus professores, que não estava baseada em nenhuma autoridade externa, essa escola deixou em mim impressões inesquecíveis. A comparação com os seis anos de escolaridade no autoritário Gymnasium alemão me fez entender claramente a superioridade de uma educação voltada para a livre ação e para a responsabilidade social em relação a uma outrafundada na autoridade e na ambição. [Albert Einstein apud Medeiros & Medeiros, 2006:35]2

Esta perspectiva parece ser particularmente útil para as atuais discussões no âmbito do ensino médico, na medida em que se reconhece a obsolescência de procedimentos "pedagógicos" ainda vigentes, centrados na mera transmissão de conhecimento, nos quais o docente assume um papel de "inculcador de conteúdos", cabendo ao discente tornar-se um repetidor dos mesmos, em uma atitude passiva e reprodutora (mormente por ocasião da avaliação, na qual é cobrada a matéria ministrada...).3 Neste sentido, um dos comentários de Einstein, transcritos no livro, parece se referir ipsis litteris a tal situação, ainda bastante presente na escola médica brasileira:

[...] por vezes, vemos na escola simplesmente o instrumento para a transmissão de certa quantidade máxima de conhecimento para a geração em crescimento. Mas, isso não é correto. O conhecimento é morto; a escola, no entanto, serve aos vivos. Ela deve desenvolver nos indivíduos jovens as qualidades e as capacidades que são valiosas para o bem-estar da comunidade. [Albert Einstein apud Medeiros & Medeiros, 2006:201]2

Ao se considerar, de modo einsteiniano, que o ensinar exige respeito à autonomia e à dignidade de cada sujeito - especialmente no âmago de uma abordagem progressiva, alicerce para uma educação que leva em consideração o indivíduo como um ser que constrói a sua própria história -, vale a pena repensar o papel dos diferentes atores envolvidos no ensino de medicina -especialmente do aparelho escolar -, no sentido de formar profissionais mais aptos à construção de consistentes respostas às demandas e às transformações da sociedade.3,4,5. Neste sentido, é salutar, aos debates em educação médica, o escopo de Einstein e a educação, nas próprias palavras de seus autores: servir de inspiração para todos aqueles que vêem na educação um meio para a construção de uma sociedade melhor, mais justa e mais humana.

Recebido em: 16/11/2007

Aprovado em: 22/12/2007

  • 1. Stachel J. 1905 e tudo o mais. Rev Bras Ens Fís 2004; 27(1):5-9.
  • 2. Medeiros A, Medeiros C. Einstein e a educação. São Paulo: Livraria da Física; 2006.
  • 3. Venturelli J. Educación médica: nuevos enfoques, metas y métodos. 2. ed. Washington, DC: Organización Panamericana de la Salud/Organización Mundial de la Salud; 2003.
  • 4. Marins JJN, Rego S, Lampert JB, Araújo JGC. Educação médica em transformação: instrumentos para a construção de novas realidades. São Paulo: Hucitec; Rio de Janeiro: ABEM; 2004.
  • 5. Rego S, Gomes AP, Siqueira-Batista R. Humano demasiado humano: bioética e humanização como temas transversais na educação médica. Cadernos da ABEM 2007; 3:24-33.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Jun 2008
  • Data do Fascículo
    Jun 2008
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