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Penúltima Lição

("MAN AHPLAMNI HARFAN, KUNTO LAHÚ AH'BDAN")

Após 28 anos de ininterruptas atividades docentes, há apenas três anos em Uberaba, tive a honra de ser padrinho da 38a turma do Curso Médico. Na ocasião do convite, lembrei-me do provérbio árabe que exprime os sentimentos de gratidão e de respeito devidos, mesmo a quem apenas nos ministrou a mais pequenina das lições: "Aquele que me ensinou uma letra, me tomou seu eterno devedor". Esta joia filosófica inspirou-me a tornar pública minha eterna gratidão.

À Faculdade de Medicina do Triângulo Mineiro, que, com carinho e respeito, nos orgulhamos de chamá-la "Nossa Escola" - oficina onde se moldam, solidificam e são buriladas as qualidades profissionais e o caráter dos alunos. Aos professores, antigos e recentes, pelos ensinamentos que bem nos ministraram no decorrer de 36 anos de estudo da Medicina. Aos pacientes, direta ou indiretamente, que tornaram possível a aquisição de nossos conhecimentos práticos no exercício profissional, graças a uma inter-relação positivamente construtiva no campo das relações humanas. Finalmente, aos nossos alunos, internos e residentes - a quem acompanhamos diariamente, num intercâmbio ensino-aprendizagem - de quem recebemos o estímulo para o retorno às fontes de atualização. De modo especial aos formandos de 1996, afilhados para sempre, pela inédita honra de paraninfar a turma.

Acreditando que um processo educativo permanente deva ser aplicado em todas as ocasiões propícias, inclusive em uma solenidade de colação de grau, gostaria de salientar alguns pontos que devem merecer especial atenção no decorrer de sua vida profissional. Em primeiro lugar, e para que possa ficar definitivamente gravado na consciência coletiva, repetiremos o grande mestre Miguel Couto, ao tratar sobre o amor à Medicina: "A matrícula em um curso de Medicina pode ser fruto de um cálculo, de um sonho, de um palpite e talvez de positiva vocação; mas o verdadeiro amor à Medicina só nasce e cresce ao lado dos doentes, quando a piedade pelo sofrimento nos invade o coração e dele se apodera; quando a luta entre a ciência e a moléstia nos empolga e toda nossa alma vibra ante essa Juta. Aquele que for fechado a essas paixões, renuncie logo ao exercício de uma arte em que há de ser um supérfluo, um vencido, um ú1créduloe, ao final, um maldizente".

Em segundo lugar, um lembrete sobro o Compromisso social, que é de todo e qualquer médico, mas em especial dos que se formam em faculdades públicas. Que cuidem dos pacientes com atenção e respeito, aliviando seus sofrimentos e tratando as enfermidades com o melhor empenho, utilizando os recursos técnicos adequados, mas ponderando a relação custo-benefício em todo e qualquer alo médico. Sabe-se que é melhor, menos caro, prevenir que remediar; porém, quando imprescindíveis, os tratamentos hospitalares têm, obrigatoriamente, que ser remunerados condignamente. Infelizmente, poucas autoridades decisórias no setor saúde têm colocado essa teoria em prática. Os resultados dessa falta de vontade política para solucionar adequadamente os problemas da assistência médica nos serviços públicos de saúde, frequentemente têm sido sombrios para a população, vergonhosos para a classe médica e catastróficos para a relação médico-paciente.

Em terceiro lugar, um comentário sobre o tema Responsabilidade civil do médico. Hoje, como sempre, considera-se indispensável seguir à risca todos os preceitos do nosso Código de Ética, seja antes, durante ou depois de um ato médico. Tornam-se cada vez mais graves as consequências materiais e morais de problemas jurídicos que passaram a envolver o relacionamento médico-paciente nos últimos tempos. Os fatos levam a crer que se o próprio "Pai da Medicina" - Dr. Hipócrates - pudesse clinicar nos dias atuais, por maior perfeição técnico-científica que aplicasse na assistência aos pacientes, não teria ga­rantida a tranquilidade do dever cumprido. Não seria exagero afirmar que, ele mesmo exercendo a profissão dentro da atual conjuntura, poderia ser alvo de uma dessas empresas que oferecem aos médicos um seguro contra processos éticos, enquanto patrocinam ações de pacientes contra o chamado "erro médico". Além de dedicação aos pacientes, comprovada por anotações precisas nos prontuários, é importante manter-se cientificamente atualizado.

Considerando que a última lição há de ser sempre aquela que receberemos do amanhã, agradecemos aos afilhados pela penúltima lição que deles recebemos sobre a definição de professor. Para a pergunta "O senhor é professor"?; a resposta mais adequada deveria ser: "Assim, meus alunos me reconhecem!" ...

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • 1
    ANAYA Y MUCHNIK, M. La sabiduría del doctor Hipócrates. Madrid: Ed. Aguamarina, 1994. 56p.
  • 2
    RICE, F. A. & SAIO, M. F. Eastern Arabic. Beirut: Ed. Khayat's, 1960. 400p.
  • 3
    SANTOS, V. M. O Mestre Miguel Couto. Boletim do CRM. DF, Ano I (1):79-80, 1977.
  • 1
    *Extraído do discurso de paraninfo da 38a turma do Curso Médico da Faculdade de Medicina do Triângulo Mineiro, Uberaba - MG.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Nov 2020
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 1997
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