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Aspirações Médicas: Análise dos Alunos do Internato das Instituições de Ensino Superior do Estado do Pará

Medical Aspirations: Analysis of Medical Students Boarding at Higher Education Institutions of Para

RESUMO

Este estudo tem como objetivo analisar a aspiração profissional dos alunos do internato de medicina das instituições de ensino superior do Estado do Pará. Foi realizado um estudo comparativo, prospectivo e analítico com 255 alunos, por meio de protocolos próprios, que contêm informações sobre as intenções dos futuros médicos. Observou-se que 100% desejam se especializar, sendo que para 85,9% dos estudantes da instituição privada e 76,5% das instituições públicas o primeiro objetivo após o término do curso é a residência médica. As principais especialidades escolhidas foram, em ordem decrescente: Cirurgia Geral, Pediatria e Oftalmologia. Um percentual significativo dos participantes pretende seguir a carreira docente e 67,4% e 70% dos alunos das instituições privada e pública, respectivamente, almejam ingressar no mestrado e doutorado. Conclui-se que a maioria dos estudantes das IES do Pará pretende se especializar por meio da residência médica, mestrado/doutorado e seguir a carreira docente, sendo motivados, principalmente, pela afinidade com a área escolhida, estimulados pelos professores das áreas afins.

Estudantes de Medicina; Internato; Educação Médica; Especialização

ABSTRACT

The study aims to analyze the professional aspiration of students in medical internships from Higher Education Institutions (HEI) of Para. A comparative, prospective and analytical study was conducted with 255 students using a survey which gathered information about the intentions of the future physicians. It was found that 100% of the students want to specialize, and for 85.9% of students from private institutions and 76.5% from public institutions, the primary aim after concluding the course is to complete a medical residency. The most popular specialties were, in descending order: general surgery, pediatrics and ophthalmology. A significant percentage of the participants intend to follow a teaching career and 67.4% and 70% of students from private and public institutions, respectively, aim to continue to study for a Masters Degree and PhD. In conclusion, most higher education medical students in Para intend to specialize by means of residency, MD/PhD and follow a teaching career, being primarily motivated by their affinity to the chosen area.

Student Medical; Internship; Education Medical; Specialization

INTRODUÇÃO

A ampliação do número de médicos formados no país e sua relação com a organização do setor de saúde são palco de debates no âmbito interno das escolas médicas e no Ministério da Educação do Brasil (MEC). Organizações internacionais, como a Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), e entidades como a Associação Brasileira de Educação Médica (Abem) têm manifestado grande preocupação com o ensino médico. Na tentativa de melhoria da graduação em medicina, há mais de duas décadas discussões e transformações foram realizadas, porém na maioria das universidades o processo de ensino não mudou11. Muller PR. Residência Médica: a lógica de um processo de formação. Porto Alegre; 2010. Mestrado [Dissertação] - Universidade Federal do Rio Grande do Sul.,22. Fiorotti KP, Rossoni RR, Miranda AE. Perfil do Estudante de Medicina da Universidade Federal do Espírito Santo, 2007. Rev. Bras. Educ. Med. 2010;34(3).,33. Trindade LMDF, Vieira MJ. Curso de Medicina: Motivações e expectativas de estudantes iniciais. Rev. bras. educ. med.2009;33(4)..

O Pará é o Estado mais populoso da região Norte. Suas dimensões continentais e dificuldades de acesso fazem com que as desigualdades sociais sejam evidentes44. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo 2014 - Pará. [capturado 29 maio 2015]. Disponível em: www.ibge.gov.br/estadosat/perfil.php?silga=pa.
www.ibge.gov.br/estadosat/perfil.php?sil...
. No ano de 2016 estão cadastrados 7.469 médicos ativos no Conselho Regional de Medicina (CRM), porém a grande maioria está concentrada na região metropolitana da capital, Belém55. Conselho Regional de Medicina do Estado do Pará. Distribuição de médicos por município no Pará, 2016.[capturado 27 janeiro 2016]. Disponível em: http://www.cremepa.org.br/cidadao/estatisticas_de_medicos/distribuicao_por_municipios_para/distribuicao_municipios_para.php
http://www.cremepa.org.br/cidadao/estati...
.

Atualmente, quatro instituições de ensino superior apresentam curso de medicina no Pará, sendo duas públicas e duas privadas. A Universidade Federal do Pará (UFPA) oferece 150 vagas anuais apenas na capital. A Universidade do Estado do Pará (Uepa) oferece 160 vagas, sendo 100 na capital, 40 no município de Santarém (Oeste do Estado) e 20 no município de Marabá (Sudeste do Estado). O Centro Universitário do Pará (Cesupa) oferece 100 vagas anuais, e a escola mais recente é a Faculdade da Amazônia (Famaz), que iniciou suas atividades em outubro de 201466. Brasil. Ministério da Educação. Instituições de Ensino Superior e Cursos Cadastrados 2016 - Pará. [capturado 27 janeiro 2016]. Disponível em: http://emec.mec.gov.br/
http://emec.mec.gov.br/...
. A medicina é uma das poucas profissões com ampla variedade de possibilidades no mercado de trabalho, o que torna essa escolha uma tarefa difícil. Vários fatores estão envolvidos nas decisões profissionais, e, além disso, situações conflituosas entre as expectativas dos estudantes e a realidade vivenciada durante o curso podem moldar a escolha da especialidade a seguir77. Goldacre MJ, Goldacre R, Lambert TW. Doctors who considered but did not pursue specific clinical specialties as careers: questionnaire surveys. J R Soc. Med.2012;105(4).

8. Cruz José Arnaldo Shiomi, Natascha Silva Sandy, Tiago Ribeiro Vannucchi, Éder Maxwell Gouveia, Carlo Camargo Passerotti, Homero Bruschini, et al. Fatores determinantes para a escolha da especialidade médica no Brasil. Rev. Med.2010;89(1).

9. Pêgo-Fernandes PM, Bibas BJ. Medical specialties and the job Market. São Paulo Med. J.2011;129(1).

10. Fukuda Y, Arada T. Gender differences in specialty preference and mismatch with real needs in Japanese medical students. BMC Med. Educ. 2010.
-1111. Souza IG, Silva CP, Caldas CAM. Especialidade Médica: Escolhas e Influências. Rev.Bras.Educ.Med.2014;38(1)..

A medicina generalista, a Atenção Básica e a medicina da família não são mais áreas atraentes para o graduando de medicina. As razões desse desinteresse, provavelmente, são falta de prestígio, baixa remuneração e tendência a superespecialização, fatores encontrados também em outros países. Portanto, não se trata de exclusividade da medicina brasileira1212. Dikici MF, Yaris F, Topsever P, Filiz TM, Gurel FS, Cubukcu M, et al. Factors Affecting Choice of Specialty Among First-year Medical Students of Four Universities in Different Regions of Turkey. Croat Med. J.2008;49..

Com relação a escolha das especialidades, estudos apontam que um estilo de vida caracterizado por tempo livre para práticas de lazer, família e atividades para recreação, com controle do total de horas semanais gastas com responsabilidades profissionais, é um critério de seleção para a escolha da área. Os alunos estão mais inclinados a escolher especialidades que tenham menor número de horas de prática de trabalho por semana, permitindo tempo adequado ao exercício de atividades de lazer. Esses aspectos do estilo de vida parecem ser os que mais influenciam, mais até mesmo que as influências tradicionais, como remuneração e prestígio. Esses critérios de seleção motivam os futuros médicos a não optar por especialidades generalistas, como Medicina Interna, Pediatria, Cirurgia Geral, Ginecologia e Obstetrícia99. Pêgo-Fernandes PM, Bibas BJ. Medical specialties and the job Market. São Paulo Med. J.2011;129(1).,1111. Souza IG, Silva CP, Caldas CAM. Especialidade Médica: Escolhas e Influências. Rev.Bras.Educ.Med.2014;38(1)..

Desse modo, há uma distribuição desigual entre especialidades médicas e áreas geográficas, em âmbito nacional e internacional. Essa má distribuição configura um problema urgente no sistema de saúde, necessitando de medidas imediatas em educação e saúde para controlar a situação1313. Fukuda Y, Arada T. Gender differences in specialty preference and mismatch with real needs in Japanese medical students. BMC Med. Educ. 2010..

Com o intuito de discutir as implicações a respeito da distribuição desigual de médicos entre as especialidades e as carreiras profissionais a serem seguidas, é fundamental elucidar o motivo de tais preferências. Assim, a presente pesquisa tem como objetivos analisar a aspiração profissional dos alunos do internato de medicina das instituições de ensino superior do Pará, determinando as principais especialidades médicas almejadas; o primeiro objetivo dos médicos após o término do curso; o interesse pela carreira acadêmica; a realização de pós-graduação; e os principais fatores que influenciaram as escolhas profissionais.

MÉTODOS

O presente projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade do Estado do Pará, registrado no Sistema Nacional de Controle Ético de Pesquisas com Seres Humanos com o número 37414014.0.0000.5174.

Foi realizado um estudo comparativo, prospectivo e analítico, em três instituições de ensino superior do Pará. Os dados foram coletados por meio de protocolos próprios, aprovados pelo orientador da pesquisa, que contêm informações sobre as intenções profissionais dos alunos do internato de medicina das instituições de ensino superior do Pará.

A coleta dos dados foi realizada nas dependências do Centro de Ciências Biológicas e da Saúde da Uepa, na UFPA e no Cesupa, onde os alunos do curso de medicina se encontraram em dezembro de 2014. A amostra prevista foi de 255 alunos, sendo 85 de cada instituição, baseada no cálculo do tamanho amostral para um universo de 600 alunos, que corresponde a 100 alunos do quinto ano e 100 do sexto ano de cada instituição, que é a média dos alunos matriculados no internato anualmente no curso de medicina de cada instituição na capital do Estado do Pará.

Foram incluídos todos os alunos devidamente matriculados que cursavam o quinto ou sexto ano e que demonstraram desejo de participar da pesquisa, após assinatura do TCLE.

Foram excluídos aqueles que não estavam matriculados no quinto ou sexto ano do curso de medicina e os protocolos preenchidos com dados insuficientes ou inadequadamente, inviabilizando, assim, que os pesquisadores alcancem as metas traçadas para o estudo em questão.

Por meio dos protocolos foram coletados dados epidemiológicos relacionados a gênero, idade e estado civil dos participantes, além de dados referentes ao perfil profissional, como informações sobre a pretensão de obter especialização, residência médica escolhida e se o participante já descartou outras especialidades cogitadas fortemente. Foram coletadas também outras informações: se há anseio por seguir na carreira como docente, em que tipo de instituição pretende atuar, qual o primeiro objetivo após o término do curso e os fatores que influenciaram as escolhas profissionais. Por ser um estudo com dados categóricos nominais e variáveis qualitativas, o que dificulta a análise dos dados, as respostas foram de múltipla escolha, podendo o participante marcar mais de uma opção, se necessário, para evitar as respostas subjetivas escritas.

Foi utilizado o programa Microsoft Office Excel 2010 para armazenamento dos dados e formulação de gráficos e/ou tabelas. De acordo com a natureza das variáveis e por meio do programa Bioestat 5.0, foram aplicadas análises estatísticas comparativas, sendo informados os valores percentuais e absolutos, enquanto as variáveis numéricas foram expressas como média ± desvio-padrão (DP).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A relação dos médicos com a organização do setor de saúde, bem como a adequação do perfil deste profissional às necessidades de saúde da população vêm sendo palco de debates no âmbito interno das escolas médicas e no Ministério da Educação11. Muller PR. Residência Médica: a lógica de um processo de formação. Porto Alegre; 2010. Mestrado [Dissertação] - Universidade Federal do Rio Grande do Sul..

Um dos temas que tem sido objeto de estudos é a escolha da especialidade médica, pois esta é a principal determinante da força de trabalho e irá influenciar como, onde e quando o atendimento médico será exercido1414. Takeda Y, Morio K, Snell L, Otaki J, Takahashi M, Kai I. Characteristic profiles among students and junior doctors with specific career preferences. BMC Med. Educ. 2013..

Diversos fatores influenciam a escolha profissional, desde a opção por estudar medicina, até a decisão da especialidade a ser seguida. Estas motivações podem ser tanto intrínsecas (gênero, idade, identificação pessoal), quanto extrínsecas (influência familiar, status social, qualidade de vida, oportunidades de carreira, renda)88. Cruz José Arnaldo Shiomi, Natascha Silva Sandy, Tiago Ribeiro Vannucchi, Éder Maxwell Gouveia, Carlo Camargo Passerotti, Homero Bruschini, et al. Fatores determinantes para a escolha da especialidade médica no Brasil. Rev. Med.2010;89(1)..

A educação brasileira, com a Reforma Universitária de 1968, vivenciou um crescimento forte no setor privado, e o ensino médico não ficou imune ao processo. Constatou-se um aumento expressivo do número de escolas médicas privadas no Brasil, especialmente a partir da década de 1990. Segundo dados do MEC, hoje no Brasil existem mais faculdades de medicina que nos Estados Unidos e na China. São 197 cursos de medicina em atividade no país, sendo 18 na região Norte3131. Dunn KE, Rakes GC. Teaching teachers: an investigation of beliefs in teacher education students. Learning Envoirmemnt Research 2011;14(1):39-58.. Entretanto, esse crescimento não foi acompanhado proporcionalmente de um aumento do número de vagas de residência médica (RM). A combinação desses fatos, inevitavelmente, levou a um significativo aumento da concorrência por vagas de RM, o que constituiu um ambiente propício a proliferação de cursos preparatórios (CP)1515. Hamamoto Filho PT, Zeferino AMB. Cursinhos preparatórios para residência médica: reflexões sobre possíveis causas e consequências. Rev. Bra. Educ. Med.2011;35(4):550-56..

Na Tabela 1 identifica-se uma incidência significativa dos estudantes (78,8%) que realizaram curso preparatório para a residência médica. A RM tem a dupla função de complementar a formação do médico e oferecer a especialização como possibilidade de melhor inserção no mercado de trabalho. Para os médicos recém-formados que ingressam na RM, esta representa um momento especial de sua formação, no qual combinam os conhecimentos teóricos com a experiência clínica que adquirem como profissionais1515. Hamamoto Filho PT, Zeferino AMB. Cursinhos preparatórios para residência médica: reflexões sobre possíveis causas e consequências. Rev. Bra. Educ. Med.2011;35(4):550-56.,1616. Feuerwrker L. Mudanças na educação médica e residência médica no Brasil. Interface Comun Saúde Educ.1998;2(3):51-71..

TABELA 1
Motivações para escolha ou desistência da especialização dos alunos do internato do curso de medicina das IES do Pará no ano de 2014

O modelo de prova que prioriza o conhecimento teórico, aplicado na maioria das instituições do país, distancia, crescentemente, os estudantes das atividades clínicas regulares da prática profissional durante o internato, pois esses se preocupam mais em cumprir o cronograma proposto pelos CP no preparo para as provas de RM, em detrimento das habilidades e competências a serem adquiridas para a plena formação do médico exigida pelas universidades. Assim, deixam de estudar com base nos casos clínicos que atendem nas atividades curriculares práticas diárias e se voltam a leitura de apostilas e a resolução de questões teóricas dos CP1515. Hamamoto Filho PT, Zeferino AMB. Cursinhos preparatórios para residência médica: reflexões sobre possíveis causas e consequências. Rev. Bra. Educ. Med.2011;35(4):550-56.,1717. Goldwasser R, Fonseca V, Lobo MS, Coelho A, Santos EG, Pereira SMP. Seleção para residência médica da Universidade Federal do Rio de Janeiro: percepção dos candidatos sobre o modelo de prova. Rev Bras Educ Med.2009;33(1):115-21..

Outra constatação é a de que os materiais de estudo deixam de ser os clássicos livros de medicina, bem como artigos científicos, diretrizes e consensos, passando a ser as apostilas desses cursos. A preferência por esse material é óbvia: informação bastante concisa, objetiva, direcionada e com forte apelo visual, além da articulação com questões de prova com assuntos correlatos ao estudo1515. Hamamoto Filho PT, Zeferino AMB. Cursinhos preparatórios para residência médica: reflexões sobre possíveis causas e consequências. Rev. Bra. Educ. Med.2011;35(4):550-56.,1717. Goldwasser R, Fonseca V, Lobo MS, Coelho A, Santos EG, Pereira SMP. Seleção para residência médica da Universidade Federal do Rio de Janeiro: percepção dos candidatos sobre o modelo de prova. Rev Bras Educ Med.2009;33(1):115-21.,1818. Goldwasser R. A prova prática no processo de seleção do concurso de residência médica. Rev Bras Educ Med.2006;30(3):115-24.. As ações da iniciativa privada se contrapõem ao modelo universitário das novas diretrizes do MEC, em que os estudantes devem ser estimulados a buscar o próprio conhecimento, pois os CP prezam a memorização em detrimento do raciocínio clínico1919. Chehuen JAN, Sirimarco MT, Choi CMK, Fava AS, Oliveira LRS, Cunha PHM. Cursinhos preparatórios para residência médica: expectativas e opiniões. Rev Bras Educ Med. 2009;33(2):205-11..

Os processos pedagógicos precisam recorrer ao debate e à reflexão, com docentes assumindo o papel de incitadores e facilitadores, e estudantes se responsabilizando por seu aprendizado, compreendendo o sentido e a utilidade do que aprendem, recorrendo as informações e, nesse percurso, desenvolvendo habilidades e competências necessárias a um profissional capaz de alterar seu meio. É preciso também articular mudanças do próprio mundo de trabalho. Na formação médica, devem-se estabelecer políticas específicas para a RM, pensando-se estrategicamente em sua ampliação, ou seja, em programas e número de vagas de acordo com as necessidades sociais e regionais, avaliando-se processos e critérios para acesso1515. Hamamoto Filho PT, Zeferino AMB. Cursinhos preparatórios para residência médica: reflexões sobre possíveis causas e consequências. Rev. Bra. Educ. Med.2011;35(4):550-56..

Além disso, as universidades, o corpo docente e as lideranças estudantis devem empreender esforços para trazer os alunos de volta as atividades clínicas do internato, ao estudo crítico, ao desenvolvimento de habilidades e competências que apenas a prática médica confere, para mostrar que a verdadeira medicina não se aprende com resolução de questões de prova, mas na resolução de problemas vivenciados na prática clínica diária, especialidade do internato1515. Hamamoto Filho PT, Zeferino AMB. Cursinhos preparatórios para residência médica: reflexões sobre possíveis causas e consequências. Rev. Bra. Educ. Med.2011;35(4):550-56..

As RM representam um dos principais modos de especialização, tendência mundial em todos os ramos, e assumem grandes proporções na medicina, com propensão a especialização excessiva1212. Dikici MF, Yaris F, Topsever P, Filiz TM, Gurel FS, Cubukcu M, et al. Factors Affecting Choice of Specialty Among First-year Medical Students of Four Universities in Different Regions of Turkey. Croat Med. J.2008;49.. Com os internos das instituições de ensino superior do Pará não é diferente: 100% dos pesquisados pretende obter uma especialização, sendo que, desses, 98,4% deseja consegui-la por meio da residência médica (Tabela 1). Dados semelhantes foram encontrados em um estudo que envolveu quatro universidades na Turquia1212. Dikici MF, Yaris F, Topsever P, Filiz TM, Gurel FS, Cubukcu M, et al. Factors Affecting Choice of Specialty Among First-year Medical Students of Four Universities in Different Regions of Turkey. Croat Med. J.2008;49..

Os futuros médicos tendem a tomar a decisão de qual especialidade seguir geralmente no terceiro ou quarto ano de graduação, após terem tido contato com as diversas áreas da medicina2020. Mendes AS. Os estudantes de medicina: expectativas na escolha da especialidade. Lisboa; 2010. Mestrado [Dissertação] - Instituto Universitário de Lisboa.. Esse fato é condizente com a resposta dos alunos do quinto e sexto ano, ao afirmarem ter certeza da especialidade escolhida (56,5%) (Tabela 1). O mesmo foi observado pelo estudo de Souza et al.1111. Souza IG, Silva CP, Caldas CAM. Especialidade Médica: Escolhas e Influências. Rev.Bras.Educ.Med.2014;38(1). realizado no Cesupa, cujos alunos do sexto ano tinham um índice de certeza de 80,7%.

Inúmeros são os motivos que influenciam a escolha da especialidade médica, como afinidade, estilo de vida, influência dos docentes, alto rendimento financeiro futuro, tempo curto de residência, influência familiar e necessidade financeira. A faixa etária e o estado civil também contribuem na motivação da escolha. Os alunos do primeiro ano tomam suas decisões por afinidade. Entretanto, os alunos do último ano consideram o elevado rendimento financeiro o principal fator na escolha da especialidade médica1111. Souza IG, Silva CP, Caldas CAM. Especialidade Médica: Escolhas e Influências. Rev.Bras.Educ.Med.2014;38(1)..

Tem-se observado uma tendência a escolher áreas que proporcionem aos profissionais um estilo de vida confortável, mais saudável, conceito definido como especialidades que permitem ao médico controlar o número de horas dedicadas ao trabalho, sendo classificadas nove especialidades nesse grupo: Medicina de Emergência, Radiologia, Oftalmologia, Anestesiologia, Neurologia, Otorrinolaringologia, Patologia, Psiquiatria e Dermatologia2121. Schatwz RW, Jarecky RK, Strodel WE, Haley JV, Young B, Griffen WOJ. Controllable lifestyle: a new factor in career choice by medical students. Acad. Med. 1989;64(10).. Nesse trabalho, a afinidade foi o principal fator que influenciou a escolha da especialidade médica. O estilo de vida foi classificado como o segundo fator mais importante (Tabela 1). Os professores apresentaram o poder de influenciar, tanto positiva quanto negativamente, de maneira a aproximar ou afastar um aluno de determinada especialidade. Segundo Tavares2222. Tavares FM. As contribuições da Medicina Psicossomática à formação médica. Rev. bras. educ. med.2005;29(1)., o professor é fundamental para a formação da identidade profissional do aluno, assim como a postura que adotará na prática profissional, valorizando a relação médico-paciente. A relação professor-aluno mantém íntima afinidade com a relação médico-paciente, pois o professor atua como um modelo para o aluno por meio de suas atitudes e comportamentos, o que futuramente pode se refletir na relação do médico recém-formado com seus pacientes.

Nos resultados desse estudo, o professor não foi o principal fator que influenciou a escolha do aluno, mas ganhou certo destaque (34,1%) (Tabela 1). Dessa forma, é possível perceber que o professor é a pessoa que mais influencia as escolhas do aluno, ele está acima da influência familiar (9,8%). Por esse motivo, os docentes deveriam se preocupar muito mais com a relação professor-aluno, de modo a não repassar apenas o conteúdo teórico das matérias ministradas, mas também sua experiência de vida profissional e, se possível, pessoal, além de estarem sempre disponíveis para aconselhar o aluno no que lhes for solicitado, pelas grandes incertezas vivenciadas na graduação.

Contudo, mesmo antes de ingressarem na universidade, muitos estudantes já trazem consigo uma visão do médico que gostariam de ser e da especialidade que pretendem seguir, em decorrência da vivência pessoal, cultural e por influência de imagens construídas pelos meios de comunicação2323. Salgado JA. Contribuição ao estudo da relação entre realidade de saúde e o ensino médico. Minas Gerais; 1981. Doutorado [Tese] - Universidade Federal de Minas Gerais.. Entretanto, surgem situações conflituosas entre as expectativas dos estudantes e a realidade vivenciada durante o curso que podem moldar cada indivíduo na escolha da especialidade a seguir1111. Souza IG, Silva CP, Caldas CAM. Especialidade Médica: Escolhas e Influências. Rev.Bras.Educ.Med.2014;38(1)..

No estudo, constatou-se que a maioria dos alunos do internato (73,7%) (Tabela 1) chegou a descartar uma especialidade que havia cogitado fortemente durante a graduação. Este fato demonstra a importância do papel do professor em auxiliar o aluno, desde o primeiro ano da graduação, na árdua tarefa de escolher a especialidade a ser seguida. Segundo Cruz et al.88. Cruz José Arnaldo Shiomi, Natascha Silva Sandy, Tiago Ribeiro Vannucchi, Éder Maxwell Gouveia, Carlo Camargo Passerotti, Homero Bruschini, et al. Fatores determinantes para a escolha da especialidade médica no Brasil. Rev. Med.2010;89(1)., há características da escola médica que podem influenciar essa escolha, como corpo docente, currículo e origem dos fundos de pesquisa. O alto índice de desistência de certas especialidades, anteriormente almejadas, é encontrado na literatura88. Cruz José Arnaldo Shiomi, Natascha Silva Sandy, Tiago Ribeiro Vannucchi, Éder Maxwell Gouveia, Carlo Camargo Passerotti, Homero Bruschini, et al. Fatores determinantes para a escolha da especialidade médica no Brasil. Rev. Med.2010;89(1).,1111. Souza IG, Silva CP, Caldas CAM. Especialidade Médica: Escolhas e Influências. Rev.Bras.Educ.Med.2014;38(1)., o que reforça a ideia de que o estudante precisa de bastante orientação no momento adequado de fazer suas escolhas.

Os motivos relatados que justificaram a desistência de determinada especialidade são os mais diversos, como: descoberta de falta de afinidade, pouca qualidade de vida, tempo prolongado de residência, baixo rendimento financeiro inicial, satisfação financeira tardia, influência familiar, entre outros. Houve uma incidência significativa de alunos que descartaram uma especialidade por descobrirem falta de afinidade com a mesma (61,2%), enquanto 49,5% alegaram que a pouca qualidade de vida foi o motivo da desistência (Tabela 1), semelhante ao dado encontrado por Cruz et al.88. Cruz José Arnaldo Shiomi, Natascha Silva Sandy, Tiago Ribeiro Vannucchi, Éder Maxwell Gouveia, Carlo Camargo Passerotti, Homero Bruschini, et al. Fatores determinantes para a escolha da especialidade médica no Brasil. Rev. Med.2010;89(1). em pesquisa realizada com estudantes de todo o Brasil.

Ainda com a Reforma Universitária, o conteúdo curricular das escolas médicas se ajustou ao modelo flexneriano, que tornou obrigatório o ensino centrado no hospital e oficializou a separação entre ciclo básico e profissional. Essa reformulação modernizou o ensino médico, ao propor uma formação com base científica, mas também com efeitos colaterais negativos, imprimindo características demasiado mecanicistas, biologicistas e individualizantes2424. Nogueira MI. As mudanças na educação médica brasileira em perspectiva: reflexões sobre a emergência de um novo estilo de pensamento. 2009;33(2):262-270..

Atualmente, em âmbito nacional, no mercado de trabalho médico existe uma distribuição heterogênea entre o número de vagas oferecidas por especialidade, o número de especialistas em cada área, os tipos de empregos e os benefícios oferecidos2525. Lucchetti ALG, Lucchetti G.Mercado de trabalho médico no estado de São Paulo: análise das ofertas de empregos contidas no site “Banco de Empregos Médicos”. Rev. Soc. Bras. Clin. Med.2014;12(2)., e o número de vagas na residência médica para determinada especialidade não segue as necessidades do mercado de trabalho em cada localidade. Esses fatores contribuem para que haja excessivo contingente médico em algumas especialidades, enquanto em outras a falta de médicos é expressiva99. Pêgo-Fernandes PM, Bibas BJ. Medical specialties and the job Market. São Paulo Med. J.2011;129(1)..

Especialidades como Medicina da Família, Pediatria, Cirurgia Geral, Ginecologia e Obstetrícia são cada vez menos requisitadas pelos estudantes de medicina99. Pêgo-Fernandes PM, Bibas BJ. Medical specialties and the job Market. São Paulo Med. J.2011;129(1).,1212. Dikici MF, Yaris F, Topsever P, Filiz TM, Gurel FS, Cubukcu M, et al. Factors Affecting Choice of Specialty Among First-year Medical Students of Four Universities in Different Regions of Turkey. Croat Med. J.2008;49.,2626. Ferreira RA, Peret Filho LA, Goulart EMA, Valadão MMA. O estudante de medicina da Universidade Federal de Minas Gerais: perfil e tendências. Rev. Ass. Med. Brasil. 2000; 46(3).. Na presente pesquisa, as três especialidades mais almejadas são Cirurgia Geral (11,4%), Pediatria (7,5%) e Oftalmologia (7,1%), o que diverge do padrão de escolha atual, que aponta as especialidades generalistas como as duas mais requisitadas pelos futuros médicos do Pará, destacando-se também a Clínica Médica (5,5%) e a Ginecologia e Obstetrícia (4,3%) (Tabela 2). Esse dado revela que, no Estado do Pará, a medicina básica ainda é valorizada, algo muito positivo, pois abrange áreas de extrema importância, necessárias ao cuidado da população. Provavelmente, os docentes que ministram essas disciplinas estão incentivando os alunos positivamente na escolha da especialidade generalista de forma definitiva.

TABELA 2
Prevalência das especializações escolhidas pelos alunos do internato do curso de Medicina das IES do Pará no ano de 2014

Contudo, essa não é a realidade da maioria dos estados brasileiros e, apesar dos esforços do MS e do MEC em formar médicos generalistas, a sociedade é especialista. Tal cenário só tenderá a mudar quando se compreender a importância do médico generalista e as autoridades governamentais valorizarem este profissional1111. Souza IG, Silva CP, Caldas CAM. Especialidade Médica: Escolhas e Influências. Rev.Bras.Educ.Med.2014;38(1)..

De acordo com um estudo da Comissão Interinstitucional Nacional de Avaliação do Ensino Médico (Cinaem)2727. Cinaem. Comissão Interinstitucional Nacional de Avaliação do Ensino Médico. Avaliação do esino médico no Brasil: relatório geral 1991-1997. Brasília, 1997., os recém-graduados em medicina no Brasil terminam o curso com apenas metade dos conhecimentos que deveriam ter, e a residência médica passou a ser a continuidade natural da graduação. Isto confirma o resultado encontrado nesta pesquisa, na qual para uma parcela significativa dos estudantes o primeiro objetivo após o término do curso de Medicina é o ingresso na residência médica (Tabela 3).

TABELA 3
Primeiro objetivo após o término do curso dos alunos do internato do curso de Medicina das IES do Pará no ano de 2014

Um estudo realizado pelo Departamento de Medicina Preventiva e Social, da Faculdade de Medicina da Unicamp2828. Departamento de Medicina Preventiva e Social. Educação médica, hospitais universitários e o Sistema Único de Saúde. Cad. Saúde Pública. Faculdade de Medicina da UNICAMP.1999;15(1)., demonstrou que 86% da carga horária dos estágios práticos dos cursos médicos se desenvolvem em hospitais universitários (HU), enquanto apenas 14% da formação médica ocorria em centros de saúde ou em outras modalidades de serviços do SUS, ou seja, durante quase toda a fase de formação clínica, incluindo a de internato, os alunos são treinados dentro do ambiente hospitalar, ou seja, longe da comunidade.

A falta de compromisso social de muitas escolas com a atenção à saúde da população, os precários conhecimentos e habilidades dos egressos das escolas médicas para o trabalho na Atenção Primária em Saúde e a ausência de um enfoque de promoção da saúde e prevenção das doenças em nível individual, familiar e comunitário desde o início da formação médica são problemas fundamentais da formação médica nos países latino-americanos2929. Organizacion Pan-Americana de la Salud. La formación en medicina orientada hacia la atención primaria en salud: area de sistemas y servicios de lá salud. Washington: DC, 2008., que, consequentemente, se refletem nas escolhas profissionais, como se pode observar na Tabela 3. Apesar de ser a segunda opção mais escolhida ao término do curso, a Atenção Básica ainda se distancia muito por se especializar após a conclusão do curso.

A realidade desfavorável à saúde coletiva provocou a criação do Programa de Valorização da Atenção Básica (Provab), que busca prover profissionais de saúde para as localidades necessitadas, destacando-se as seguintes ofertas do programa: pontuação de 10% nas provas de RM após avaliação do profissional e atividades estruturadas de educação a distância e supervisão3030. Carvalho MS, Sousa MF. Como o Brasil tem enfrentado o tema provimento de médicos? Interface 2013; 17(47).. O Provab é apenas o primeiro passo para incentivar os profissionais da saúde a escolherem a Atenção Básica, porém ainda são necessários mais programas de valorização desses profissionais para que a sociedade médica compreenda a importância do profissional generalista e da Atenção Básica de Saúde.

As investigações referentes à docência universitária no campo da saúde ainda são escassas. Alguns estudos, porém, têm feito avançar as reflexões na área. Segundo a pesquisa de Dunn e Rakes3131. Dunn KE, Rakes GC. Teaching teachers: an investigation of beliefs in teacher education students. Learning Envoirmemnt Research 2011;14(1):39-58., o desenvolvimento da escolha profissional docente recebe influência de dois tipos de fatores: pessoais e institucionais. O contexto pessoal inclui a família, disposição, interesse pessoal e as experiências vividas ao longo da graduação. No plano organizacional, alguns elementos exercem influência no desenvolvimento profissional: legislação, estilo de gestão, confiança social, expectativas sociais, organizações profissionais e sindicatos3131. Dunn KE, Rakes GC. Teaching teachers: an investigation of beliefs in teacher education students. Learning Envoirmemnt Research 2011;14(1):39-58..

Nesse contexto de docência universitária, os professores de medicina, além de terem uma postura pedagógica adequada e abordagem didática, devem repassar aos estudantes conhecimentos básicos e lhes dar condições de desenvolver habilidades para lidar com os desafios da sociedade atual. Além disso, devem torná-los aptos a compreender criticamente os conhecimentos, com propriedade suficiente para transformá-los e reconstruí-los, e também conscientizá-los sobre as necessidades da comunidade e contribuir para a formação de uma escala de valores que presida a execução de suas atividades3232. Gonçalves EL. O processo ensino-aprendizagem em medicina. In: Gonçalves EL. Médicos e ensino da medicina no Brasil. São Paulo: Edusp; 2002. p.183-237.,3333. Pimenta SG. Formação de professores: identidade e saberes da docência. In: Pimenta SG. (Org.). Saberes pedagógicos e atividade docente. 4. ed. São Paulo: Cortez; 2005..

No presente estudo, 58% dos internos do curso de Medicina pretendem seguir a carreira docente, um resultado extremamente positivo (Tabela 4). Entre os fatores que influenciam essa escolha, 64,2% dos alunos apontam a afinidade com o meio acadêmico e científico, representada pela vivência com estudantes e com a pesquisa científica. Segundo Bueno88. Cruz José Arnaldo Shiomi, Natascha Silva Sandy, Tiago Ribeiro Vannucchi, Éder Maxwell Gouveia, Carlo Camargo Passerotti, Homero Bruschini, et al. Fatores determinantes para a escolha da especialidade médica no Brasil. Rev. Med.2010;89(1)., por meio da educação é que o homem irá se tornar alguém insatisfeito com o que sabe, e esse contato com a pratica acadêmica requer a busca incessante do conhecimento.

TABELA 4
Motivações para seguir a carreira docente dos alunos do internato do curso de Medicina das IES do Pará no ano de 2014

A evidência de uma falha e a necessidade de responder as indagações remetem às deficiências, e estas revelam a incompletude, o que instiga a procura de soluções3434. Foresti RA. Médico: ser ou não ser professor? Implicações para a conduta médica e a profissionalidade docente. Santa Catarina; 2012. Mestrado [Dissertação] - Universidade do Vale do Itajaí., o que concorda também com os achados da pesquisa de Sales e Chamon3535. Sales ACM, Chamon EMQO. Escolha da carreira e processo de construção da identidade profissional docente. Educ. Rev 2011; 27(3):183-210. em que o fator determinante para a escolha da profissão é a busca da aprendizagem constante. Assim, a escolha da carreira docente pode estar associada mais as privações do que propriamente as aptidões, como também mostra este estudo, em que apenas 37,8% dos alunos atribuem como fator de influência a aptidão para ministrar aula, ainda que as habilidades muitas vezes facultem ver com maior clareza as deficiências. Em virtude de todos esses fatos, pode-se concluir que os processos de ensinar e aprender estimulam um ao outro, “ensinar é a metade de aprender”3434. Foresti RA. Médico: ser ou não ser professor? Implicações para a conduta médica e a profissionalidade docente. Santa Catarina; 2012. Mestrado [Dissertação] - Universidade do Vale do Itajaí..

A influência positiva dos docentes foi importante nesse estudo, estando em segundo lugar entre os fatores que determinam a escolha da docência. Segundo Volpato3636. Volpato G. Marcas de profissionais liberais que se tornaram professores-referência. R. bras. Est. Pedag. 2009; 90(225):333-351., tanto a didática quanto a metodologia de ensino, atitudes, qualidades pessoais do professor, interesse particular do aluno e, principalmente, o domínio sobre o conhecimento tornam o professor um profissional de referência. Na medicina, como juízo de valor, foi acrescentado “amor e dedicação aos pacientes”. Isto reafirma o importante papel do professor como grande influenciador na conduta e escolha da futura especialidade dos alunos3737. Tavares FM. As contribuições da Medicina Psicossomática à formação médica. Rev. bras. educ. med. 2005; 29(1)..

Outro aspecto latente são as consequências da visão de desvalorização que cerca o exercício do magistério. As pressões exercidas junto aos profissionais da educação têm gerado muitas inquietações, principalmente sobre as responsabilidades atribuídas ao educador, questões salariais e condições de trabalho3535. Sales ACM, Chamon EMQO. Escolha da carreira e processo de construção da identidade profissional docente. Educ. Rev 2011; 27(3):183-210.. Nesta pesquisa, aparentemente, a falta de valorização da profissão não afeta a motivação ou a determinação dos sujeitos em seguir a carreira docente, pois quase a totalidade dos alunos associou sua escolha a outros fatores que não são reconhecimento profissional ou salário. No entanto, não podem ser desconsiderados os reflexos e a influência desse fator na imagem dos profissionais da área.

Nesta pesquisa, os alunos, principalmente os das instituições públicas, têm como projeto realizar pós-graduação (mestrado e doutorado) (Tabela 5), uma vez que a continuidade dos estudos e a necessidade permanente de atualização são exigências impostas pela realidade social a todo profissional – não apenas como critérios para ingresso na universidade, mas para todos os que têm a necessidade de ingressar em um mercado de trabalho tão concorrido e sabem que, para isto, precisam estar bem preparados3838. Abreu EF, Alencar HM. Projetos de vida e profissional: um estudo com universitários da área da saúde. Psicol. educ. 2012; 35..

TABELA 5
Pretensão de realizar mestrado e/ou doutorado dos alunos do internato do curso de Medicina das IES do Pará no ano de 2014

Para Moraes3939. Moraes T. Pós-graduação é diferencial competitivo. Revista Ietec. 2010; 34:1-2., a graduação não é mais um diferencial competitivo há muito tempo, e o mercado oferece àqueles que não têm pós-graduação poucas possibilidades de progredir na profissão ou os predestina a ocupar posições operacionais. Isto porque, ao concluir o curso superior, o profissional precisa seguir aprimorando seus conhecimentos se quiser acompanhar a evolução solicitada pelo mercado de trabalho, em virtude da cobrança de atualizações práticas, decorrentes da ampliação e aprofundamento da bagagem teórica.

Desta forma, a pós-graduação é uma consequência para aqueles que têm projetos de ascender na carreira e de trilhar caminhos de maiores possibilidades de empregabilidade, além de possibilitar a habilitação e a pontuação em concursos públicos, sobretudo na carreira do magistério superior3838. Abreu EF, Alencar HM. Projetos de vida e profissional: um estudo com universitários da área da saúde. Psicol. educ. 2012; 35..

Esta pesquisa evidenciou alguns pontos relevantes na escolha dos estudantes de medicina. Vale ressaltar a importância da responsabilidade do docente na influência das opções dos futuros profissionais médicos do Estado do Pará, servindo de alerta à classe de professores das IES abordadas.

CONCLUSÃO

A maioria dos estudantes optou pela realização de curso preparatório para a residência médica (RM), devido ao aumento do número de médicos formados. Entretanto, não houve aumento de vagas nos programas de RM, surgindo um ambiente de concorrência importante para a obtenção de uma vaga.

As três especialidades mais almejadas são, em ordem decrescente, Cirurgia Geral, Pediatria e Oftalmologia, o que demonstra que o Pará diverge do panorama nacional, em que as especialidades generalistas são as mais procuradas. Independentemente da instituição de ensino superior, quase a totalidade dos alunos têm como primeiro objetivo, após o término do curso, ingressar na residência médica, devido a forte tendência que os internos têm para obter especialização. Esse resultado é reflexo da grande carga horária dos estágios práticos dos cursos médicos, que se desenvolvem em hospitais universitários (HU), enquanto apenas 14% da formação médica ocorrem em centros de saúde ou em outras modalidades de serviços do SUS, como a Atenção Básica.

O principal motivo para a escolha da especialidade foi a afinidade, seguida da influência dos docentes. Este fato corrobora a importância do papel do professor em auxiliar o aluno, desde o primeiro ano da graduação, na árdua tarefa de escolher a especialidade. Entretanto, um grande percentual dos estudantes já descartou alguma especialidade anterior, principalmente por descobrir falta de afinidade. A maioria pretende seguir a carreira docente, sendo o principal fator de influência nesta escolha a afinidade com o meio acadêmico e científico, devido principalmente a busca incessante por conhecimento. Assim, a escolha da carreira docente certamente está associada aos ideais e a vontade de ensinar medicina.

Quanto à pós-graduação, também a maior parte dos estudantes optou por ela, destacando-se os alunos das IES públicas. Este resultado mostra que a continuidade dos estudos e a atualização permanente são exigências impostas pela realidade social a todo profissional, não apenas como critérios para ingresso na universidade, mas para todos os que têm necessidade de ingressar no mercado de trabalho.

Esta pesquisa foi baseada em intenções, que podem ser mudadas pelos pesquisados, por isso os resultados podem sofrer alterações na prática. As escolhas de um profissional estão relacionadas a sua personalidade e às interações com o meio em que vive. No presente estudo, foram citados diversos fatores externos que poderiam influenciar as decisões dos futuros médicos. Estudos futuros deverão incluir testes vocacionais específicos e de personalidade no intuito de pesquisar os fatores intrínsecos que mais influenciam as decisões finais de escolhas tão importantes.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Oct-Dec 2016

Histórico

  • Recebido
    30 Jun 2015
  • Aceito
    12 Jan 2016
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