Acessibilidade / Reportar erro

Ensino de Clínica Médica - Curso Renovado de Laboratório Clínico

Introdução

O Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina de Botucatu, desde sua implantação em 1965, teve por objetivo didático a formação do clínico geral, apto a exercer suas atividades com os recursos disponíveis em nossa comunidade11. DUTRA DE OLIVEIRA, J. E. - Plano de ensino médico na Faculdade de Botucatu, em São Paulo. R. Ass. Med. Bras., 12:323-330, 1966.. Para a formação de especialistas em qualquer de suas disciplinas sempre optou por cursos de treinamentos pós-graduados (residência médica, cursos de especialização ou aperfeiçoamento), reservando para a formação de pessoal docente, mais recentemente, os cursos de pós-graduação (mestrado ou doutorado).

É forçoso reconhecer que no correr dos 12 anos de sua atuação, este Departamento vem reformulando os caminhos que têm conduzido ao objetivo básico, inúmeras vezes discutido, mas sempre, mantido. Assim, vários experimentos didáticos se efetuaram, gerando uma série de contribuições22. DUTRA DE OLIVEIRA, J. E. et alii - Uma experiência de ensino médico formativo na Faculdade de Botucatu. R. Ass. Med. Bras. , 13:406-408, 1967.),(33. MAGALDI, C. et alii - Internato de doenças tropicais e infecciosas e medicina preventiva. In: Anais da IX Reunido Anual da ABEM. Curitiba, 1971. pp. 179-187.),(44. MEIRA, D. A., ALMEIDA, M. M. S. & MONTELLI, A. C. - Curso formativo de doenças tropicais e infecciosas na Faculdade de Ciências Médicas e Biológicas de Botucatu. R. Oras. Pesq. Med. e Biol., 3:95-102, 1970.),(55. MONTELLI, A. C. & SOUZA, N. Ensino formativo e curso de laboratório clínico na Faculdade de Ciências Médicas e Biológicas de Botucatu. Ciência e Cultura, 19:709-711, 1967.),(77. MONTELLI, A. C. et alii - Avaliação do aproveitamento e critério de aprovação em internato de moléstias infecciosas e parasitárias. In: Anais da XII Reunião Anual da ABEM. São Paulo, 1974. p. 323-328. para o ensino de clínica médica, objetivando sempre colocar em prática princípios pedagógicos renovados e já aceitos em outras áreas do ensino das ciências. Os resultados obtidos vêm se encarregando de estimular novas reformulações é experiências na área do Departamento, bem como no âmbito de nossa Faculdade.

Imbuídos destes princípios e convictos da aplicabilidade do método formativo ou renovado66. MONTELLI, A. C. et alii - Ensino renovado em microbiologia e imunologia. O Biológico, 40: 131-138, 1974. no sentido da disciplina de Laboratório Clínico, foi que nos propusemos a estruturar e desenvolver no 2° semestre de 1976 o Curso que passamos a descrever, ministrado aos alunos do 4° ano médico da Faculdade de Medicina de Botucatu.

Para o desenvolvimento de uma sólida formação médica geral, sabe-se que ao lado dos conhecimentos semiológicos clínicos, cirúrgicos e epidemiológicos, uma série de outras disciplinas fornecem subsídios valiosos, que necessitam ser perfeitamente compreendidos e incorporados para facultar uma atuação médica mais consciente e efetiva. Nessa situação incluem os estudos relacionados ao Laboratório Clínico, que antes de se constituir em especialidade bem definida, deve fornecer durante o curso de graduação elementos básicos integrantes da formação geral do futuro médico. Com isso almejamos facilitar o processo do diagnóstico, fundamental no exercício da pr9fissão, e fornecer orientação segura sobre a indicação e a interpretação corretas de exames subsidiários de uso mais corrente em nosso meio.

Características gerais

O curso de Laboratório Clínico foi ministrado de agosto a dezembro de 1976 aos 90 alunos do 4° ano de medicina, diariamente no período da manhã. Para tanto, a classe foi dividida em 3 turmas (A, B, C) de 30 estudantes, para cada duma das quais, sob a forma de rodízio e 6 semanas, o curso se desenvolve (120 horas aula/turma).

Estruturamos o ensino basicamente em 3 grandes unidades, compreendendo a seguinte programação de aulas teóricas e práticas:

I. Bioquímica Clínica

Teoria:

  1. . Alterações da glicemia e das proteínas séricas.

  2. . Alterações dos lipídios séricos.

  3. . Alterações de Na, K e Ca séricos.

  4. . Alterações do pH sanguíneo.

  5. . Provas relacionadas às funções digestivas.

  6. . Exploração funcional do fígado

  7. . Provas funcionais renais.

Prática:

  1. . Exame de urina: características físicas e provas bioquímicas.

  2. . Sedimento urinário.

  3. . Coleta de sangue: glicemia.

  4. . Dosagem de colesterol sérico.

  5. . Proteínas totais e frações. Teste de labilidade protéica.

II. Hematologia

Teórica:

  1. Hematogênese.

  2. Fisiopatologia da série vermelha.

  3. Hemostasia e coagulação.

  4. Interpretação clínica do hemograma.

  5. Radiossensibilidade da série branca.

Prática:

  1. Eritrograma

  2. Leucograma

  3. Provas de coagulação

  4. Eletroforese de hemoglobina. Provas de falcização.

  5. Exame da medula óssea. Pesquisa de células L. E.

III. Microbiologia Clínica

Teoria:

  1. Diagnóstico laboratorial de Infecção: exames microbiológicos, sorológicos e reações intradérmicas.

  2. Indicação e Interpretação clínica do exame bacteriológico.

  3. Diagnóstico microbiológico das infecções intestinais, urinárias, respiratórias, meníngeas e septicêmicas.

  4. Interpretação clínica do antibiograma.

  5. Resistência bacteriana às drogas.

Prática:

  1. Exames microscópicos diretos: a fresco, Gram. Ziehl-Neelsen e colorações especiais.

  2. Cultura qualitativa-:secreções purulentas.

  3. Coprocultura.

  4. Urinocultura-quantitativa.

  5. Antibiograma.

Objetivos do Curso

Pretendendo mais que o puro aprendizado de técnicas laboratoriais, focalizamos nossa atenção no ensino da indicação precisa dos exames e dos fundamentos fisiopatológicos que alicerçam sua correta interpretação. Assim, foi necessário revisarmos durante o curso vários conceitos implicados em fisiologia, bioquímica, citologia, microbiologia e imunologia, para que o estudante pudesse integrar no final o novo conhecimento. Também procuramos, na medida do possível, estimular os alunos a prosseguir, após o curso, os seus estudos sobre a matéria, conscientizando-os sobre a importância da atualização de conhecimentos nesta área de ciência que vem sofrendo rápido desenvolvimento e que interessa a todos os ramos da especialidade médica.

Metodologia Didática

Como orientação geral do curso obedeceu às normas do ensino formativo11. DUTRA DE OLIVEIRA, J. E. - Plano de ensino médico na Faculdade de Botucatu, em São Paulo. R. Ass. Med. Bras., 12:323-330, 1966., cabendo ao estudante relevante papel em seu próprio aprendizado, assumindo responsabilidade, iniciativa e atuando dinamicamente em todas as atividades programadas. Dentro desta filosofia, procuramos fugir às aulas teóricas clássicas e não realizamos aferição do aproveitamento por notas.

Para que o estudante atingisse o aprendizado programado, estabelecemos o seguinte processo didático:

  1. Antes de cada Unidade do Curso (Bioquímica Clínica, Hematologia e Microbiologia Clínica) recomendamos o estudo prévio da matéria assinalada (em apostila, xerox de páginas de revistas ou de livros, reunidos em pastas e distribuí­ dos para cada grupo de 15 alunos) e adequadamente dosada.

  2. No primeiro dia de aula de cada unidade houve Teste de Verificação de Estudo (T.V.E.) com o objetivo de “cobrança” do “estudo prévio”.

  3. A seguir, foram desenvolvidas as programações teórica e prática, ao final das quais houve tempo reservado para estudo de revisão.

  4. No último dia de aula realizou-se o Teste de Avaliação do Aproveitamento (T.A.A.), abordando os pontos fundamentais de toda a matéria ministrada.

No primeiro contato com cada grupo de alunos, após exposição sobre a planificação do curso, distribuímos uma publicação contendo: bases da filosofia didática do curso, metodologia, avaliação do aproveitamento, programa letivo e a relação dos itens a serem estudados previamente à cada Unidade.

A parte conceitual do curso constou de 18 atividades teóricas, ministradas a turmas de 30 alunos: 7 temas de Bioquímica Clínica, 6 temas de Hematologia e 5 temas de Microbiologia Clínica. Para as aulas práticas os estudantes foram divididos em 2 subgrupos (de 7 ou 8 alunos), cada um dos quais rodizou durante 12 dias letivos pelas unidades do curso.

ATIVIDADES DIDÁTICAS

Seminários e Aulas Teóricas Dialogadas: foram as atividades envolvidas na parte conceitual do curso (com duração aproximada de 90 minutos), implicando sempre a participação dos alunos, já “iniciados” na matéria pelo estudo prévio ao TVE.

Aulas Práticas - De acordo com a natureza do conhecimento a ser ministrado, envolveram atividade individual ou em grupo ou foram demonstrativas; em número de 12 por alunos com duração de 90-120 minutos.

Teste de Verificação de Estudo (TVE): Em número de 3 realizados no início de cada Unidade e versando sobre pontos fundamentais da matéria assinalada para estudo. Compreenderam 5 testes ou questões de breve resposta, em cuja resolução foram dispendidos 10 minutos, havendo logo a seguir discussão em grupo sobre as mesmas.

Teste de Avaliação de Aproveitamento (TAA): Realizado ao término do Curso, consistiu de questões objetivas e testes formulados de modo a avaliar o aprendizado global d estudante.

Avaliação do Aproveitamento - A avaliação do aproveitamento baseou-se em graus de desempenho dos estudantes nos 3 TVE e no TAA, relacionados às 3 unidades: Bioquímica Clínica, Hematologia e Microbiologia Clínica e na freqüência às aulas práticas. A soma dos graus obtidos nessas atividades se constituíram em pontos conquistados e expressaram numericamente, a avaliação de seu aproveitamento.

As atividades consideradas no processo de avaliação, bem como o número máximo de pontos a elas creditados (total de 100), podem ser assim especificados:

a. Hematologia: TVE . . . . . . . . . . . . . 10 pontos TAA . . . . . . . . . . . . . 20 pontos d. Bioquímica: TVE . . . . . . . . . . . . . 10 pontos TAA . . . . . . . . . . . . . 20 pontos c. Microbiologia: TVE . . . . . . . . . . . . . 10 pontos TAA . . . . . . . . . . . . . 20 pontos d. Freqüência às aulas práticas 10 pontos Total . . . . . . . . . . . . . 100 pontos

O critério adotado para a obtenção dos pontos, de acordo com as faltas às aulas práticas, foi o seguinte:

N° de faltas Pontos conquistados 0 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10 1 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9 2 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8 3 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5 4 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3 5 ou + . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 0

Critério de Aprovação - A fim de satisfazer dispositivos legais, no final do Curso foi atribuída nota de aproveitamento baseada no total de pontos conquistados pelos estudantes, de acordo com o seguinte critério:

N° de pontos conquistados Nota de aproveitamento <30 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1,0 30 - 49 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3,0 50 - 69 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5,0 70 - 74 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7,0 75 - 84 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8,0 85 - 94 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9,0 95 - 100 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10,0

De acordo com a nota de aproveitamento os estudantes que:

  1. obtiveram nota de aproveitamento igual ou superior a 7 (sete) foram considerados aprovados:

  2. obtiveram nota de aproveitamento igual ou superior a 3 (três) e inferior a 7 (sete) realizaram exame final.

  3. obtiveram nota de aproveitamento inferior a 3 (três) foram considerados reprovados, com direito a exame de 2a época.

Avaliação do Curso - Ao término de todo o curso cada participante tem seu juízo formado sobre os diversos aspectos do mesmo. A experiência particular dos estudantes gera julgamentos, que somados e analisados em conjunto fornecem subsídios importantes ao corpo docente, no sentido de uma avaliação crítica do que foi proveitoso e deve ser mantido ou do que não foi satisfatório e necessita ser reformulado para o futuro curso.

Assim, solicitamos a cada estudante no final do curso que nos fornecesse sua opinião sincera e consciente sobre o mesmo, respondendo, sem se identificar, a um questionário de 14 itens (anexo 1), para cujas respostas fixamos em segmento de reta faixas relacionadas a conceitos (exemplo: bom, regular, mau).

Resultados e comentários - Na tabela 1 resumimos os resultados finais do curso. Observamos que mais de 80% dos estudantes obtiveram aprovação, embora 44,5% deles a tenham obtido após exame final.

ALUNOS FREQÜÊNCIA (n°) (%) Aprovados por média 34 38 Aprovados em exame final 40 44,5 Em segunda época 16 17,5 Total 90 100,0

A análise das respostas dos estudantes ao questionário de avaliação do curso mostrou, em linhas gerais, que:

  1. O grau de aproveitamento foi, predominantemente, regular.

  2. O grau de motivação no estudo da matéria não se modificou após o curso.

  3. Características do curso como organização, critério de avaliação de aproveitamento e atuação dos docentes sob o aspecto didático mereceram julgamento favorável.

  4. No seu conjunto o curso de Laboratório Clínico foi considerado de regular para bom.

Estes dados e os comentários feitos pelos estudantes no item 14 do anexo 1 nos levam a duas conclusões gerais: o “curso” foi julgado bom, mas o “aprendizado” apenas regular. O fato de apenas 38% dos alunos demonstrarem aprendizado satisfatório segundo nossos critérios e terem sido aprovados por média, concorda com a segunda conclusão e com a opinião geral dos docentes, o que vem reforçar a divergência entre as duas conclusões. Meditando sobre este fato e analisando o contexto universitário sob o qual o Curso de Laboratório Clínico se desenvolveu, somos forçados a reconhecer as dificuldades encontradas pelos estudantes para entender e satisfazer os propósitos de um curso renovado como este, uma vez que têm seu condicionamento ao ensino tradicional ainda reforçado pela maioria dos cursos curriculares da universidade.

Embora conscientes de possíveis imperfeições e de algumas dificuldades, julgamos ter sido esta uma experiência válida mesmo reconhecendo a “timidez” da renovação didática que encerra, quando comparada às valiosas contribuições da moderna tecnologia educacional.

A falta de preparo pedagógico da maioria dos professores universitários, até então, é uma limitação básica que se encontra para o empreendimento de experiências educacionais renovadoras em nosso meio. Mas, outros obstáculos a ela se somam, sobretudo relacionados à tradição do ensino e a dispositivos legais que regulamentam nossos cursos e critérios de avaliação do aproveitamento, restringindo em muito tais iniciativas. Mesmo assim, urge que se aceite o desafio, “para que mais tarde não fiquemos relegados a posições superadas e tradicionais no terreno internacional e com sentimentos de omissão perante nós mesmos”55. MONTELLI, A. C. & SOUZA, N. Ensino formativo e curso de laboratório clínico na Faculdade de Ciências Médicas e Biológicas de Botucatu. Ciência e Cultura, 19:709-711, 1967..

Referências Bibliográficas

  • 1
    DUTRA DE OLIVEIRA, J. E. - Plano de ensino médico na Faculdade de Botucatu, em São Paulo. R. Ass. Med. Bras, 12:323-330, 1966.
  • 2
    DUTRA DE OLIVEIRA, J. E. et alii - Uma experiência de ensino médico formativo na Faculdade de Botucatu. R. Ass. Med. Bras , 13:406-408, 1967.
  • 3
    MAGALDI, C. et alii - Internato de doenças tropicais e infecciosas e medicina preventiva. In: Anais da IX Reunido Anual da ABEM Curitiba, 1971. pp. 179-187.
  • 4
    MEIRA, D. A., ALMEIDA, M. M. S. & MONTELLI, A. C. - Curso formativo de doenças tropicais e infecciosas na Faculdade de Ciências Médicas e Biológicas de Botucatu. R. Oras. Pesq. Med. e Biol, 3:95-102, 1970.
  • 5
    MONTELLI, A. C. & SOUZA, N. Ensino formativo e curso de laboratório clínico na Faculdade de Ciências Médicas e Biológicas de Botucatu. Ciência e Cultura, 19:709-711, 1967.
  • 6
    MONTELLI, A. C. et alii - Ensino renovado em microbiologia e imunologia. O Biológico, 40: 131-138, 1974.
  • 7
    MONTELLI, A. C. et alii - Avaliação do aproveitamento e critério de aprovação em internato de moléstias infecciosas e parasitárias. In: Anais da XII Reunião Anual da ABEM. São Paulo, 1974. p. 323-328.

ANEXO I

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Mar 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 1978
Associação Brasileira de Educação Médica SCN - QD 02 - BL D - Torre A - Salas 1021 e 1023 | Asa Norte, Brasília | DF | CEP: 70712-903, Tel: (61) 3024-9978 / 3024-8013, Fax: +55 21 2260-6662 - Brasília - DF - Brazil
E-mail: rbem.abem@gmail.com