CONTRIBUIÇÃO À ELABORAÇÃO DE DIRETRIZES PARA O ENSINO DE PEDIATRIA NO CURSO DE GRADUAÇÃO TENDO EM VISTA A PRÁTICA DE MEDICINA GERAL

Introdução

Nos países em desenvolvimento como o nosso, onde a população infantil é majoritária, considerando-se como pertencentes a ela as pessoas de 0 a 19 anos, o estudo da Pediatria no curso médico é de capital importância, ainda mais quando se leva em consideração as elevadas taxas de natalidade e de mortalidade infantil.

O conteúdo disciplinar deve permitir a aquisição de conhecimentos básicos sobre crescimento e desenvolvimento, como promover sua normalidade e como prevenir, ou corrigir, os eventuais desvios. Ênfase especial será dada às condições mais comuns na prática pediátrica, maiores responsáveis pelas taxas de mortalidade e de morbidade na população infantil.

Conteúdo

A Pediatria é considerada uma grande área da Medicina, na qual se estudam basicamente o crescimento e desenvolvimento humanos. Não é considerada uma especialidade e sim Clínica Geral aplicada a indivíduos em fase de desenvolvimento, o que limita seu campo de ação ao período que vai da fecundação à adolescência. São seus objetivos:

• a criança, em seu conceito global, ecológico, como indivíduo vivendo em sociedade, com suas interações com o ambiente e com sua capacidade de adaptação;

• a saúde, como um estado de bem estar físico, psíquico e social;

• a doença compreendida como um processo multicausal com aspectos físicos, psíquicos, econômicos, sociais e culturais.

A Pediatria é indivisível já que enfoca a criança como um ser global. Em algumas oportunidades, entretanto, com fins didáticos e assistenciais, são enfatizados aspectos preventivos, curativos, ou sociais da Pediatria que, por serem na maioria das vezes coexistentes, devem ser ensinados e cuidados de uma maneira integrada para se evitar a distorção da compreensão do todo (Pediatria Integral). Em função deste conceito, ao ser iniciado o ensino da Pediatria na Universidade de Brasília, nos idos de 1967, a disciplina foi denominada Medicina Integral de Crianças.

O ensino da Pediatria deve sempre preocupar-se em conscientizar os alunos que a importância do aspecto coletivo do caso clínico muitas vezes supera o individual. Como exemplo, no manejo das diarréias, torna-se imperativo a extensão dos comentários aos fatores ambientais, lembrando que o desconhecimento destes tomará qualquer medida a ser tomada pouco eficiente.

Por último o ensino da Pediatria deverá possibilitar aos alunos o conhecimento; a) das necessidades da população; b) dos vários níveis da aplicação das ações de saúde para que se possa atuar positivamente promovendo a saúda prevenindo as doenças, e recuperando ou reabilitando os enfermos; c) da importância de regionalização e da hierarquização da prestação de serviços na área da saúde; d) da limitação dos recursos financeiros e, consequentemente, dos recursos humanos e materiais à disposição dos serviços de saúde nos países em desenvolvimento e a importância da racionalização de sua utilização; e) dos princípios que regem a metodologia cientifica.

Ensino Curricular da Pediatria

O ensino da Pediatria deve ser realizado através de disciplinas distribuídas em duas áreas que denominamos de integração e de concentração. Na primeira, o pediatra participado ensino como membro de uma equipe coordenada por professores de disciplinas de outras áreas do conhecimento, ou por ele próprio, porém não obrigatoriamente. Na segunda, a coordenação cabe a um dos docentes da Pediatria.

Ares de Integração

Tradicionalmente nas escolas de medicina existe um conjunto de disciplinas em que se ministram ensinamentos somente aplicáveis à medicina de adultos, distanciados da medicina infantil. Como exemplo podemos citar a Anatomia, a Patologia Geral, a Histologia, a Biofísica, a Bioquímica no ciclo básico e a Hematologia, a Endocrinologia, a Cardiologia, a Pneumologia e Nefrologia, a Cirurgia, e pasmem, a Propedêutica Clínica e Cirúrgica no ciclo clínico.

Torna-se necessária, para não se dizer obrigatória, uma modificação desta situação de maneira que seja permitida a participação de pediatras devidamente capacitados no ensino das mesmas.

Na Universidade de Brasília conseguimos esta integração durante longos anos com resultados altamente positivos para o ensino em geral e, em especial, para a formação em medicina infantil dos médicos egressos naquela época da Faculdade de Ciências da Saúde. Infelizmente, esta experiência curricular interrompeu-se.

Área de Concentração

Com fins didáticos podemos dividir o ensino curricular da Pediatria em três disciplinas: Neonatologia, Crescimento e Desenvolvimento ou Puericultura e Clínica Pediátrica. O ideal seria o ensino simultâneo das três disciplinas coma Obstetrícia, num programa que chamaríamos de “Assistência Materno-Infantil”. Tivemos oportunidade durante alguns anos, na Universidade de Brasília, como Professor Titular de Pediatria, de desenvolver este programa que, entre inúmeros vantagens tem uma que por si só o justificaria: o trabalho integrado dos obstetras e pediatras, coisa dificilmente alcançável com o ensino isolado das disciplinas.

Antes de se iniciar o ensino de qualquer destas disciplinas os alunos deverão receber um programa escrito onde são definidos os objetivos a serem atingidos, a metodologia educacional, o conteúdo, o cronograma, a forma e periodicidade das avaliações.

Os objetivos terminais abaixo explicitados resultaram de um estudo por nós feito, durante vários meses, da demanda em consultórios, enfermarias, pronto socorro, diferentes locais de prestação de serviços. O conhecimento deles possibilitará ao futuro médico atender bem, a 80% das situações encontradas na prática pediátrica diária.

1. PEDIATRIA - Crescimento e desenvolvimento

Modelos assistenciais: consultórios de puericultura, de crescimento e desenvolvimento ou mesmo de pediatria, localizados em hospitais ou centros de saúde.

1.1 Objetivos gerais

Conhecer as condições normais de crescimento e desenvolvimento e as condições que possam desviá-la da normalidade assim como as formas de prevenção e correção destes desvios.

1.2 Objetivos terminais

Ao final do curso, o aluno deverá estar apto a:

• conhecer, valorizar e utilizar as medidas antropométricas de uso corrente em Pediatria, bem como conhecer os fatores intrínsecos e extrínsecos capazes de influir sobre elas;

• avaliar de forma simplificada o desenvolvimento psicomotor (DENVER, GESELL);

• conhecer auxogramas e saber utilizá-los;

• conhecer a importância dos dados sociais, como obtê-los, selecioná-los e utilizá-los:

• conhecer as peculiaridades semiológicas dos indivíduos em crescimento e desenvolvimento;

• avaliar o estado nutricional da criança e como corrigir os desvios.

1.3. Conteúdo programático

• Metodologia dos estudos de crescimento e desenvolvimento;

• antropometria;

• crescimento e desenvolvimento normais; alimentação natural;

• alimentação artificial;

• educação sanitária;

• higiene mental;

• prevenção de acidentes;

• prevenção de infecções (imunizações).

2. PEDIATRIA - Neonatologia

Modelos de assistência: sala de partos, alojamento conjunto, berçários. Deve ser ensinada integrada à Obstetrícia.

2.1 Objetivo Geral

Assistência ao recém-nascido normal e conduta nos problemas mais comuns do período neonatal.

2.2 Objetivos Terminais

Ao final do curso, o aluno deverá estar apto a:

• definir os conceitos de nascido vivo, de mortalidade fetal, de mortalidade neonatal e de mortalidade perinatal; classificar os recém-nascidos de acordo com o critério cronológico e o ponderai;

• assistir aos recém-nascidos na sala de partos;

• conhecer as peculiaridades semiológicas dos recém-nascidos;

• conhecer as normas gerais para proteger os recém-nascidos das infecções;

• conhecer as indicações e contra-indicações dos medica­ mentos no período neonatal;

• obter e interpretar os dados semiológicos necessários ao diagnósticos da situações mais comuns em Neonatologia (anamnese e exame físico);

• assistir ao recém-nascido normal e aos pretermos;

• compreender a importância do relacionamento mãe-filho-família;

• valorizar o trabalho integrado dos membros da equipe de saúde para um bom atendimento aos recém-nascidos; reconhecer, orientar ou tratar os casos de:

  • icterícias;

  • infecções;

  • síndromes hemorrágicas;

  • síndromes anêmicas;

  • insuficiência respiratória;

  • distúrbios metabólicos;

  • distúrbios hidro-eletrolígicos e ácido-básicos;

  • insuficiência cardíaca.

3. PEDIATRIA - Clínica Pediátrico

Modelos de assistências: enfermarias, consultórios de pediatria, pronto socorro.

3.1 Objetivos Gerais

Assistência aos problemas mais comuns da criança.

3.2 Objetivos Terminais

Espera-se que ao final do curso o aluno seja capaz de:

• interrogar a criança ou seu responsável;

• realizar exame físico e interpretar os dados obtidos pelos exames complementares;

• interpretar os exames mais comumente utilizados em Pediatria;

• compreender a necessidade do trabalho em equipe;

• compreender a importância da relação criança-mãe-família;

• executar técnicas de colheita de material para exames complementares usuais;

• dar orientação diagnóstica e terapêutica em casos de:

  • febre, tosse, diarréias;

  • anorexia, enurese;

  • fimose, hérnia, hidrocele;

  • escabbiose, estrufulose, dermatomicose, impetigo;

  • sarampo, rubeola, escarlatina, varicela, parotidites, coqueluche, hepatite;

  • otite média, resfriado comum, amigdalite, adenoidite, faringite, sinusite e asma brônquica;

  • parasitoses intestinalis;

  • desnutrição protêico-calórica;

  • desidratação;

  • malária;

  • meningites;

  • infecções pulmonares;

  • infecções urinárias;

  • tuberculoses;

  • bronquiolites;

  • glomerulonefrites;

  • febre reumática;

  • tumores abdominais na infência.

• colher sangue, urina e fezes para exames complementares.

As três disciplinas da área de concentração poderão ser ensinadas juntas ou isoladamente. Neste último caso voltamos a insistir na necessidade de ser a Neonatologia ministrada juntamente com a disciplina de Obstetrícia.

Além do sugerido seria de toda conveniência a participação do aluno em programas de Saúde Familiar, o que lhe permitiria uma visão melhor da família como unidade de atenção médica e lhe daria uma maior profundidade de conhecimentos para participar de ações que visem à melhoria da saúde do grupo materno-infantil.

Outras duas atividades que se possível, deveriam estar agregadas aos programas de Pediatria são as desenvolvidas em centros ou postos de saúde para a familiaridade com as práticas de saúde pública e aquelas desenvolvidas em centros de desenvolvimento social, onde lhe seria possibilitada a vivência dos problemas sociais, do estudo de viabilidade das soluções propostas, da definição de prioridades e de participação na elaboração e execução de projetos de desenvolvimento comunitário. Isto lhe daria também instrumental para que pudesse mobilizar a comunidade onde fosse trabalhar para que ela compreendesse que cada elemento que a compõe deve se sentir responsável por sua própria saúde.

Por último, porém não menos importante, deverá participar de programas de investigação principalmente naquelas em que se utiliza o método epidemiológico.

Metodologia

1. Planejamento da instrução

A instrução baseia-se não somente em oferecer oportunidade para aquisição de conhecimentos como, também, para aquisição de habilitação e atitudes profissionais, a fim de que possa desempenhar funções do ponto de vista individual ou coletivo.

O desenvolvimento gradual das aptidões, variáveis de indivíduo a indivíduo obriga, embora se tenha um planejamento básico, exige certa flexibilidade na execução dos programas. O aprendizado caracterizar-se-á, de preferência, pela indicação aos alunos dos métodos a empregar para que seja atingido, com o máximo de eficiência, o objetivo colimado e pelo estabelecimento de responsabilidades crescentes que os tornarão aptos a resolver tanto os problemas cujas soluções exijam trabalhos de investigação, como os de baixa complexidade.

2. Aplicação da instrução

Será feita principalmente através de estímulo à aprendizagem independente. Os cursos serão ministrados sob a forma de treinamento em serviço, em regime de tempo integral e dedicação exclusiva, complementados por atividades em pequenos grupos (demonstração, seminários, discussões clínicas), atividades em grandes grupos (aulas teóricas, mesas redondas. reuniões clínicas, clínico-patológicas, clínico-radiológicas, psiquiatria infantil), atividades personalizadas (estudo bibliográfico, instrução programada, instrução assistida).

Referências Bibliográficas

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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  30 Jun 2021
• Data do Fascículo
  Jan-Dec 1991