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Análise das Percepções de Internos, Residentes e Preceptores por meio do Método de Avaliação Mini-CEX (Mini-Clinical Evaluation Exercise)

Resumo:

Introdução:

O Mini-CEX é um método de avaliação que abrange os seguintes domínios: anamnese, exame físico, aconselhamento, julgamento clínico, organização e profissionalismo. Foi testado e validado para utilização em qualquer cenário de prática. Com sua característica de fornecer feedback após uma avaliação clínica, o Mini-CEX também serve como um método de formação para guiar o desenvolvimento profissional de formandos e formadores, promovendo maior retenção de conhecimento no corpo discente e fornecendo, continuamente, informações para que o estudante perceba o quão distante está dos objetivos almejados. O objetivo deste estudo foi verificar a percepção de internos, residentes e preceptores da clínica médica (CM) sobre instrumento Mini-CEX.

Método:

Trata-se de um estudo qualitativo realizado pela técnica de grupo focal no período de fevereiro a julho de 2017. Participaram 20 internos, 13 residentes e cinco preceptores de CM. Constituíram-se seis grupos focais, dois com os internos, dois com residentes e dois com docentes, com perguntas semiestruturadas que identificaram as percepções, por meio da metodologia empregada, na qualidade da avaliação e eventuais repercussões para o processo de ensino-aprendizagem.

Resultados:

No grupo focal dos internos, o momento de feedback da avaliação foi considerado essencial para o processo de aprendizado embora a avaliação a beira-leito tenha se mostrado tensa pela presença do tutor. Os residentes relataram que a avaliação foi válida, pois os levou a revisar alguns pontos da literatura médica, além de estimular o raciocínio clinico diante de uma situação real. Os preceptores validaram a importância do feedback para os avaliados e identificaram a avaliação a beira-leito como momento de melhor análise das individualidades.

Conclusão:

Por meio das percepções dos grupos em foco, identificamos o Mini-CEX como ferramenta fundamental para o processo de ensino-aprendizagem de todos os envolvidos e a necessidade de estruturação do momento de feedback para um resultado mais eficaz. Durante a avaliação a beira-leito, foi identificado o estímulo ao raciocínio clínico como ponto positivo e o estranhamento, a ansiedade e a tensão como pontos negativos.

Palavras-chave:
Mini-CEX; Feedback; Educação em Saúde; Avaliação em Saúde; Internato; Residência

Abstract:

Introduction:

Mini-CEX is an evaluation method that covers the domains: anamnesis, physical examination, counseling, clinical judgment, organization, and professionalism. It has been tested and validated for use in any practice scenario. With its characteristic of providing feedback after a clinical assessment, the Mini-CEX can also be used as a training method to guide the professional development of students and teachers, promoting greater knowledge retention in undergraduate students and continuously providing information for students to realize how far they are from the desired objectives. The aim of this study was to assess the perception of interns, residents, and preceptors of Internal Medicine (IM) regarding the Mini-CEX instrument.

Methods:

Qualitative study, using the focus group technique, carried out from February to July 2017. Twenty interns, thirteen residents, and five IM preceptors participated. It consisted of six focus groups, two with interns, two with residents, and two with preceptors, using semi-structured questions that identified perceptions, through the methodology used, on the quality of the evaluation and possible repercussions for the teaching-learning process.

Results:

In the focus group of interns, the feedback moment of the assessment was considered essential for the learning process, although the bedside assessment was tense due to the preceptor’s presence. The residents reported that the evaluation was a valid one, as it led them to review some points in the medical literature, in addition to stimulating clinical reasoning in the face of a real situation. The preceptors validated the importance of the feedback for those who were evaluated and identified the bedside assessment as a moment for the best analysis of the individualities.

Conclusion:

Through the perceptions of the groups in focus, the mini-CEX was identified as a fundamental instrument for the teaching and learning process of all those involved and the need to structure the moment of feedback aiming to attain a more effective result. During the bedside assessment, the stimulus to clinical reasoning was identified as a positive point and the strangeness, anxiety, and tension as negative points.

Keywords:
Mini-CEX; Feedback; Health Education; Health Assessment; Internship; Residency

INTRODUÇÃO

A avaliação do estudante e do médico residente representa uma etapa de fundamental relevância no processo educacional, pois permite a obtenção de informações sobre o aprendizado e a metodologia de ensino utilizada, o que auxilia na tomada de decisões11. Megale L, Gontijo ED, Motta JC. Avaliação de competência clínica em estudantes de medicina pelo Miniexercício Clínico Avaliativo (Miniex). Rev. bras. educ. med. 2009;33(2):166-75..

Entre as ferramentas de avaliação orientadas para diferentes competências, a observação direta no local de trabalho tem desempenhado um papel importante no processo das reformas educacionais ao guiar programas de treinamento e de melhoria de qualidade do ensino22. Liao KC, Pu SJ, Liu MS, Yang CW, Kuo HP. Development and implementation of a mini-Clinical Evaluation Exercise (mini-CEX) program to assess the clinical competencies of internal medicine residents: from faculty development to curriculum evaluation. BMC med. educ. 2013;13:31..

O Mini-Clinical Evaluation Exercise (Mini-CEX) foi introduzido pelo Conselho Americano de Medicina Interna inicialmente como um método de avaliação prática para os médicos de pós-graduação33. Norcini JJ, Blank LL, Arnold GK, Kimball HR. The mini-CEX (clinical evaluation exercise): a preliminary investigation. Ann. Intern. Med. 1995;123(10):795-9.. Posteriormente, passou a ter seu uso validado com médicos em todas as etapas da formação, nas mais diversas especialidades e contextos clínicos: ambulatorial, hospitalar ou sala de emergência44. Malhotra S, Hatala R, Courneya CA. Internal medicine residents’ perceptions of the Mini-Clinical Evaluation Exercise. Med. teach. 2008;30(4):414-9..

O método consiste na observação direta de uma etapa do atendimento real, de duração de cerca de 30 minutos, permitindo a avaliação de um ou mais dos seguintes domínios: anamnese, exame físico, aconselhamento, julgamento clínico, organização/eficiência e profissionalismo. Permite uma análise focada que prioriza o diagnóstico e tratamento no contexto da clínica prática55. Norcini JJ, Blank LL, Duffy FD, Fortna GS. The mini-CEX: a method for assessing clinical skills. Ann. intern. med. 2003;138(6):476-81.. Além disso, um escore global sobre a impressão de desempenho do aluno pode ser atribuído66. Rogausch A, Beyeler C, Montagne S, Jucker-Kupper P, Berendonk C, Huwendiek S, et al. The influence of students’ prior clinical skills and context characteristics on mini-CEX scores in clerkships - a multilevel analysis. BMC med. educ . 2015;15:208..

Uma vez que o método prevê o feedback estruturado após cada observação feita, o Mini-CEX também serve como um método de formação para guiar o desenvolvimento profissional de formandos e formadores. Pesquisas anteriores sobre o Mini-CEX concentram-se na validade, confiabilidade e viabilidade do instrumento não apenas para avaliar as habilidades clínicas dos residentes, mas também para estudar o impacto do feedback eficaz para promover a aprendizagem e o aperfeiçoamento77. Cook DA, Beckman TJ, Mandrekar JN, Pankratz VS. Internal structure of mini-CEX scores for internal medicine residents: factor analysis and generalizability. Advances in Health Sciences Education. 2010;15(5):633-45..

Por avaliar apenas um fragmento do atendimento, pode ser repetido em outros contextos, com avaliadores diferentes, a fim de oferecer novas oportunidades de avaliação ao estudante e análise de domínios diferentes, além de permitir a exposição a diferentes pontos de vista de outros avaliadores por meio dos feedback55. Norcini JJ, Blank LL, Duffy FD, Fortna GS. The mini-CEX: a method for assessing clinical skills. Ann. intern. med. 2003;138(6):476-81..

Em nosso país, as avaliações a beira-leito com aprendizes ocorrem de modo não sistematizado, o que justifica a necessidade de avaliação objetiva do treinamento em serviço do aprendiz ao longo do estágio, bem como de capacitação de preceptores em metodologia ativa de ensino, de modo a promover maior retenção de conhecimento no corpo discente.

Baseado nessa temática, o presente estudo se propõe a avaliar a percepção de discentes, residentes e docentes sobre o instrumento de avaliação Mini-CEX, durante rodízio em clínica médica (CM) em um hospital de ensino localizado em Fortaleza, no Ceará.

METODOLOGIA

Realizou-se uma pesquisa de campo com abordagem qualitativa no Hospital Geral Dr. Waldemar de Alcântara (HGWA), localizado na cidade de Fortaleza, no Ceará.

Foram convidados todos os alunos do internato devidamente matriculados, docentes do Centro Universitário Christus (CUW) e residentes de CM do HGWA.

Participaram do estudo 20 internos, 13 residentes e cinco preceptores das enfermarias de CM do HGWA (Fluxograma 1). Esse estágio constitui-se em um período de 30 dias consecutivos nas enfermarias de CM I, II e III, com carga horária total de 60 horas semanais para os residentes e de 40 horas semanais para os internos.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Centro Universitário Christus, nº 1.881.091/2016. A coleta dos dados foi realizada de fevereiro a julho de 2017, após a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido pelos participantes.

Os riscos da pesquisa foram classificados como mínimos, e o estudo obedeceu à Resolução nº 466/2012, tendo como benefício a melhoria na qualidade do ensino-aprendizagem dos envolvidos nesta pesquisa.

Numa primeira fase da pesquisa, houve reunião com docentes do internato de CM do HGWA para apresentação do instrumento e capacitação para sua aplicação.

Num segundo momento, referente ao segundo e ao quarto mês da pesquisa, os docentes aplicaram o método de avaliação nos internos de CM. Durante o terceiro e o quinto mês, aplicou-se o mesmo instrumento nos residentes de CM como forma de avaliação a beira-leito. Cada aprendiz foi avaliado duas vezes, por meio do Mini-CEX, durante o mês da pesquisa, pelo mesmo avaliador. Essas avaliações tiveram caráter formativo, não contribuindo para a atribuição de nota referente ao período letivo.

Nos meses da pesquisa, os aprendizes também foram avaliados pelos docentes pelo modo convencional, não sistematizado, sendo-lhes atribuída nota de zero a dez.

Os grupos focais foram conduzidos pela primeira autora. Organizaram-se seis grupos focais: dois com os internos, dois com residentes e dois com docentes. Com perguntas semiestruturadas, avaliaram-se a percepção da metodologia empregada na qualidade da avaliação e eventuais repercussões para o processo de ensino-aprendizagem (ver Fluxograma 1).

Na perspectiva de extrair os significados dos atores envolvidos no estudo, tomamos a análise temática de conteúdo de Bardin como referencial teórico88. Pizzani L, Lopes JF, Manzini MG, Martinez CMS. A contribuição da análise de conteúdo nos estudos na área da Educação Especial e sua interface com a prematuridade. Rev. Educ. Espec. 2014;27(49):459-70.), (99. Bardin L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70; 2009.), (1010. Minayo MCS. Análise qualitativa: teoria, passos e fidedignidade. Ciênc. Saúde Colet. 2012;17(3): 621-6..

Após a realização das entrevistas e o levantamento de principais contextos, foram conduzidas as interpretações, inter-relacionando-as com o quadro teórico desenhado inicialmente, sugeridas pela leitura do material1010. Minayo MCS. Análise qualitativa: teoria, passos e fidedignidade. Ciênc. Saúde Colet. 2012;17(3): 621-6..

RESULTADOS E DISCUSSÂO

Após a conclusão das etapas de análise de conteúdo, construímos as categorias e subcategorias apresentadas nos quadros 1, 2 e 3.

Da comparativa do conjunto de grupos realizados, observamos comportamentos diversos em relação aos grupos de internos e residentes.

Quadro 1
Categorias e subcategorias de internos
Quadro 2
Categorias e subcategorias de residentes
Quadro 3
Categorias e subcategorias de preceptores

Em relação ao feedback recebido

De acordo com grupo de internos, foi a primeira vez que tiveram contato com o Mini-CEX, no qual se incluía um tempo de feedback. Os avaliados consideraram de modo sólido e frequente o fato de não terem recebido feedbacks efetivos, sugerindo que estes não foram bem estruturados. Isso é exemplificado nos seguintes recortes:

Em relação ao feedback eu acho que, assim, pelo menos na vez que eu fiz, acho que foi improdutivo o feedback, porque o que o avaliador achou que eu falhei, ele não corrigiu, entendeu? Ficou assim “você fez isso, poderia ter feito isso”, mas eu acho que seria muito mais válido se o feedback fosse “eu acho que a tua forma de abordar a queixa principal poderia entrar mais a fundo em isso aqui, fazer desse jeito [...]”, sugerir, ensinar, e não apenas marcar no papel, quanto você acerta, quanto vai ser suficiente [...] (Interno 1).

Eu não achei proveitoso. Eu achei que foi um “pergunta e resposta”, que basicamente serviu para o orientador avaliar se, no julgamento dele, eu era insuficiente, moderado ou bom, mas para mim, como retorno, foi inútil! (Interno 2).

Já no grupo de residentes, o feedback foi considerado válido, visto que gerou a revisão de alguns pontos que haviam sido esquecidos:

Eu acho que é muito válida, a questão do feedback mesmo, detalhar esse tipo de coisa que às vezes é muito básico, às vezes muito óbvio, mas que a gente acaba deixando passar (Residente 4).

É, eu acho que o que mais valeu a pena foi o feedback no final, de ele apontar “você deveria ter perguntado isso, você deveria ter feito isso”. Eu acho que o feedback foi bem válido (Residente 3).

Na fala dos preceptores, destaca-se também a importância dada ao feedback, levando o aluno à busca do conhecimento que não havia adquirido anteriormente.

O que foi muito elogiado foi o feedback, os internos gostam, os residentes também, [...] é uma oportunidade de você ver que, às vezes, você não está fazendo o feedback. [...] Aquilo meio que formaliza e padroniza o que você deveria lembrar. (Preceptor 2).

Algumas das pessoas em que eu apliquei, percebi um movimento de busca, no sentido de “eu fiz o primeiro Mini-CEX e percebi que falhei nesse sentido, esqueci este aspecto e deixei de fazer isso. Voltei para o livro e revi. Na hora que eu for fazer o segundo Mini-CEX eu preciso corrigir isso aqui”, achei isso bem interessante [...] (Preceptor 1).

Essa compreensão dos autores é identificada nas entrevistas dos residentes quando se referem ao feedback como um instrumento que, normalmente, proporciona um ganho de aprendizado e, por isso, torna-se essencial para o crescimento do aluno diante da análise do seu desempenho diário.

De acordo com Zeferino, Domingues e Amaral1111. Zeferino AMB, Domingues RCL, Amaral E. Feedback como estratégia de aprendizado no ensino médico. Rev. bras. educ. med . 2007;31(2):176-9., aprender a partir do feedback requer que este seja fornecido de forma construtiva e positiva, colaborando para que o aprendiz reflita criticamente e elabore um plano de melhoria em prática. Com esse sentido, os internos relatam ter gostado do feedback. Concordam que é a melhor parte do instrumento Mini-CEX, mas apontam a necessidade de os feedbacks serem bem estruturados para que possam se tornar efetivos no ganho de aprendizagem, como se observa nas falas apresentadas a seguir, durante proposição reflexiva sobre a condição clínica observada ou na orientação de melhoria, respectivamente:

A parte que eu achei melhor foi a hora do feedback, em que ele perguntou assim: “Qual seria sua conduta? Qual seria seu tratamento?”. Porque a gente já está “careca” de saber como é que se faz toda a coleta [da anamnese], a questão da HDA. Mas tomar conduta, tratamento [...] não. Porque na maioria das vezes você já recebe a conduta na mão, já tem um paciente de um residente ou de um staff e você não pensa como poderia ser melhor fazer aquela conduta (Interno 6).

O que é bom é que eles apontam: “Tem que ter melhora nisso”. Alguns erros que falaram, [...] que com o tempo a gente pega alguns vícios, então é bom para voltarmos, assim [...] foi muito bom (Residente 1).

O feedback da avaliação [...] é o que nos faz crescer como profissional. Sempre precisamos desse feedback, é com isso que descobrimos quais são nossas falhas. É uma avaliação importante. A percepção de ensino e aprendizagem, eu acho assim, eu não sou avaliada, realmente, fazendo o histórico clínico, conduzindo uma entrevista com o paciente [...] geralmente não sou avaliada. Então acho importante ser avaliada nesse momento, me ajuda organizar minha mente e isso traz muito pra mim. Então como eu disse, é importante para que eu me avalie como também para o preceptor me avaliar (Residente 11).

Dar feedback, segundo Zeferino, Domingues e Amaral1111. Zeferino AMB, Domingues RCL, Amaral E. Feedback como estratégia de aprendizado no ensino médico. Rev. bras. educ. med . 2007;31(2):176-9., exige habilidade, compreensão do processo e criação de um ambiente propício e de uma relação de confiança. Não há como informar ao aluno que a sua hipótese diagnóstica estava errada ou que ele não colheu todos os dados necessários durante a história clínica sem causar uma sensação de desapontamento ou frustração. Deve-se ressaltar sempre que essa informação é essencial e não pode ser omitida.

Bohnacker-Bruce1212. Bohnacker-Bruce S. Effective feedback: the student perspective. Capture. 2013;4(1):25-36. realizou estudo interessante do ponto de vista da satisfação e do engajamento de estudantes com feedback e concluiu que os avaliados se relacionam diretamente com feedback individual, embora apenas uma minoria tenha essa oportunidade.

Evidencia-se, nas entrevistas dos internos, um apoio a essa assertiva, visto que consideram o feedback uma importante ferramenta de aprendizagem e, sobretudo, reforçam a importância de fornecê-lo de forma eficaz:

Eu acho que não faz o menor sentido fazer um Mini-CEX desse e não ter um feedback. E aí? O que foi que eu errei? Para mim, como aluna, é a parte principal para avaliar o que eu estou errando, o que eu devo estudar sobre o caso, sobre uma conduta [...] (Interno 8).

O feedback foi a melhor parte. Ele te devolve, literalmente, coisas que foram percebidas em você que são positivas e coisas que você deve acrescentar em outro momento. Isso tende a melhorar longitudinalmente (Residente 9).

O feedback é importante até para o crescimento pessoal de quem está sendo avaliado, do que tem que melhorar, quais são suas falhas e suas qualidades (Residente 2).

Watling, Driessen, Vleuten, Vanstone e Lingard1313. Watling C, Driessen E, Vleuten CPM van der, Vanstone M, Lingard L. Beyong individualism: professional culture and its influence on feedback. Med. educ. 2013;47(6):585-94. esclarecem que os estudantes de Medicina gostam de feedbacks tanto positivos quanto negativos. No entanto, nos comentários negativos, ressaltaram a importância de serem acompanhados por um plano de ação para melhoria.

Conforme sugerem Sargeant, Mann, Vleuten e Metsemakers1414. Sargeant JM, Mann KV, Vleuten CP van der, Metsemakers JF. Reflection: a link between receiving and using assessment feedback. Adv in Health Sci Educ Theory Pract. 2009;14(3):399-410., a principal qualidade para o aluno receber feedback é a capacidade de refletir sobre a autoavaliação e a autopercepção de seu desempenho e desenvolver o feedback interno. Essa condição, para os autores, facilitará a aceitação do feedback externo.

Sobre a condição de receber feedback, Borges, Miranda, Santana e Bollela1515. Borges MC, Miranda CH, Santana RC, Bollela VR. Avaliação formativa e feedback como ferramenta de aprendizado na formação de profissionais da saúde. Medicina (Ribeirão Preto). 2014; 47(3):324-31. complementam que, quando somente os pontos negativos da atuação do aluno são destacados, cria-se um ambiente hostil e, normalmente, é enfatizada a superioridade do professor, ou seja, quando não há espaço para o diálogo, reforça-se então a alça inibidora do professor sobre o aluno. O feedback, na compreensão dos autores, exige interação entre ambos e tem como ponto fundamental o diálogo desprovido de preconceitos, sempre presente no processo de ensino-aprendizagem.

Fortes evidências, identificadas na literatura e nas falas dos participantes deste estudo, sugerem que a qualidade do feedback impacta a aprendizagem dos alunos, talvez mais do que qualquer outro aspecto do processo de ensino. Nesse sentido, percebemos que há a necessidade de melhores práticas associadas a dar e receber feedback, assim como nossos entrevistados sugeriram também comportamentos alternativos.

Segundo os entrevistados, a qualidade do feedback oferecido interferiu de forma importante na receptividade e aceitação da mensagem.

Então ele me deu um feedback, eu não sinto que super acrescentou toda a minha formação, entendeu? Mas, talvez, se eu tivesse pegado um caso mais complicado, que eu tivesse um pouco mais de dificuldade, entendeu? Acho que teria ajudado (Interno 10).

Da forma como foi aplicado eu acho que não teve tanta relevância, acho que teria que mudar um pouco [...] (Residente 10).

Deve ser revisitado esse aperfeiçoamento de quem aplica o feedback, [...] que é sempre um momento que eu acho também difícil, pois tem que adaptar, às vezes, a personalidade do aluno ou da forma que o mesmo encara o feedback, e às vezes você tem que perceber nos primeiros minutos da conversa como que é a reação (Preceptor 3).

Na pesquisa de Watling, Driessen, Vleuten, Vanstone e Lingard1313. Watling C, Driessen E, Vleuten CPM van der, Vanstone M, Lingard L. Beyong individualism: professional culture and its influence on feedback. Med. educ. 2013;47(6):585-94., os participantes do estudo ressaltaram a maior frequência de devolutivas vagas e não específicas da medicina. Em qualquer contexto de aprendizado, feedbacks com tais características são depreciados por aqueles os recebem. Os autores sugeriram que, na medicina, seria interessante estipular tarefas desafiadoras com metas claras e consequentes feedbacks alinhados.

Borges, Miranda, Santana e Bollela1515. Borges MC, Miranda CH, Santana RC, Bollela VR. Avaliação formativa e feedback como ferramenta de aprendizado na formação de profissionais da saúde. Medicina (Ribeirão Preto). 2014; 47(3):324-31. ressaltam que, em relação à frequência, as boas práticas em termos de avaliação formativa recomendam que o feedback seja fornecido regularmente, de modo a oferecer oportunidades para o estudante refletir e rever suas práticas ainda durante a experiência educacional. Além de frequente, deve ter qualidade.

Neste estudo, os participantes apontaram necessidade de haver maior frequência de feedbacks, além de questionarem o momento em que é oferecido durante o estágio:

Porque a gente passa um mês inteiro lá com os preceptores e a gente só recebe feedback no final do mês. Então, é a possibilidade de a gente ter um outro feedback durante este intercurso. Mas, na prática, eu acho que o nosso pensamento fica um pouco mais rápido [no fim do estágio] (Residente 6).

O feedback da avaliação [...] é o que nos faz crescer como profissional. Sempre precisamos desse feedback, é com isso que descobrimos quais são nossas falhas. É uma avaliação importante. A percepção de ensino e aprendizagem, eu acho assim, eu não sou avaliada, realmente, fazendo o histórico clínico, conduzindo uma entrevista com o paciente [...] geralmente não sou avaliada. Então acho importante ser avaliada nesse momento, me ajuda organizar minha mente e isso traz muito pra mim. Então como eu disse, é importante para que eu me avalie como também para o preceptor me avaliar (Residente 11).

Percebe-se, nas entrevistas, que os discentes reconhecem os feedbacks como uma ferramenta que possibilita a melhora e o desempenho de suas condutas, na execução de exame físico e nas habilidades clínicas de uma forma geral, pois, na medida do possível, quando são identificados os pontos fracos deles, essa condição contribui para a possibilidade de alternativas de superação.

Avaliação a beira-leito

Nessa categoria, os internos e residentes relatam que não tinham experiência de avaliação com o preceptor a beira-leito. Muitas vezes, em virtude do tempo, essa prática não acontecia.

A gente nunca tinha feito isso antes (Interno 5).

Escutando a gente conversar com o paciente não. A gente colhia a história separado e depois repassava, mas na mesma hora não (Interno 1).

Foi a primeira vez que eu fiz uma coisa desse jeito no internato. Tinha tido algo parecido no posto de saúde (Interno 11).

Eu gostei. Também não tinha contato com essa metodologia, [...] por na faculdade não ter esse tipo de avaliação. É estranho ter alguém te avaliando (Residente 2).

Eles estão ali com você como parceiro. A gente vai colher a história junto com o paciente, porque no dia a dia você não consegue fazer isso com todos os pacientes não (Preceptor 4).

Alguns internos e residentes comentam que se sentiram pressionados diante da presença do preceptor a beira-leito, gerando uma sensação de ansiedade que os levava a se comportar de maneira diferente do habitual na sua prática diária.

Normalmente, antes de falar com o paciente eu lavo as mãos. Mas você sabendo que está sendo avaliado, e que se não lavar as mãos vai perder ponto, você acaba se esquecendo, porque traz a sensação da ansiedade da prova em si. Então eu acho que não é benéfico para o aluno [ter] o preceptor do lado do aluno na [...] [coleta da] anamnese (Interno 5).

Porque na hora eu fiquei muito mais tensa, esqueci o que ia perguntar. Às vezes perguntava e não absorvia a resposta. Então, para mim, foi muito ruim essa questão de ele estar ali ao meu lado na hora (Interno 2).

Claro que numa avaliação, [...] a pessoa que está sendo avaliada, tem, querendo ou não, aquele “estresse”, né? Porque gera toda a expectativa, a ansiedade [...]. E o preceptor, na hora em que está avaliando, tem que perceber isso: se a pessoa está à vontade ou não com a prática (Residente 9)

Eu confesso que acho meio esquisito. Não sei se é porque na minha formação eu nunca passei por isso, mas eu sempre acho meio fake, sabe? Então eu acho que, logo no começo, o próprio paciente fica meio tenso. Passei por algumas situações que ele ficou [...]. O interno tentando fazer a anamnese e o paciente, várias vezes, começava contando para o interno e se virava para mim para continuar contando, no instante em que ele estava com dificuldade de “puxar o foco” do paciente. O interno fica nervoso. Mesmo sabendo que não vai valer nota, ele fica tenso (Preceptor 1).

A avaliação a beira-leito permite observação direta e possibilidade de feedback imediato, agregando valor positivo à formação do aprendiz, uma vez que engloba os três requisitos básicos da avaliação: 1. o conteúdo do programa, de acordo com as competências esperadas, alinhado com a prática; 2. oferta de feedback ao estudante durante ou logo após a avaliação; 3. utilização da avaliação como orientação para atingir os resultados desejados1616. Norcini J, Burch V. Workplace-based assessment as an educational tool: AMEE Guide nº 31. Med. teach . 2007;29(9-10):855-71.

Eu acho que essa questão de levar para a beira do leito é muito válida. Porque, às vezes, até a nossa anamnese, o nosso exame físico [...] é abordado de uma maneira que [...] complementa alguma coisa. Às vezes a gente fica muito no vício, né? (Residente 5).

CONCLUSÃO

De acordo com os dados analisados neste estudo, pode-se afirmar que, para o grupo de internos, o momento de feedback do processo de avaliação foi considerado essencial, especialmente por ser raramente realizado de maneira individual no dia a dia. Entretanto, os internos consideraram que o feedback não foi bem estruturado e, por isso, pouco proveitoso. Sobre a avaliação a beira-leito, relataram uma experiência interessante e inédita apesar de alguns terem referido desconforto e tensão ao serem avaliados diante do preceptor. Destacaram como positivo o curto tempo de execução da ferramenta e sugeriram melhor capacitação dos tutores para um feedback mais estruturado e efetivo.

Os residentes concordaram com os internos no que diz respeito à importância do momento de feedback, pois essa informação permite que eles revisem os pontos esquecidos e aponta os pontos de melhora. Quanto à avaliação a beira-leito, ressaltaram o estímulo ao raciocínio clínico diante de uma situação prática, apesar de esse momento não ter sido padronizado para todos os residentes. Foi ponto comum a sugestão de melhor capacitação dos preceptores para uso do instrumento. Sugeriram ainda padronização do tempo de avaliação e a utilização de casos mais longos e complexos, específicos aos residentes, com maior enfoque no ensino-aprendizagem e não na avaliação.

No grupo de preceptores, a avaliação a beira-leito foi destacada como uma oportunidade de melhor análise das individualidades. Quanto ao feedback, ratificou-se a percepção positiva para os avaliados como ferramenta valiosa de aprendizagem, embora não considerada simples, uma vez que tem que ser adaptada a cada aluno. Identificou-se uma dificuldade em relação ao cumprimento do tempo estipulado para aplicação do instrumento, principalmente por aqueles que não tinham experiência prévia com ele, e, por isso, sugeriu-se melhor capacitação. Os tutores entenderam ainda que maiores percepções positivas viriam da aplicação de instrumentos diferentes para os diferentes grupos em questão.

Fluxograma 1
Participantes e design do projeto

REFERENCES

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Jul 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    21 Maio 2020
  • Aceito
    10 Jun 2020
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