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Performance Leite Derramado: desafiando as imagens de controle

Performance Lait renversé: défier les images de controle

RESUMO

O artigo propõe analisar a performance Leite Derramado (2013) da artista Ana Musidora a partir da representação da mãe preta. Para isso, investiga-se conceito de imagens de controle, da socióloga estadunidense Patricia Hill Collins, e as imagens invocadas para definir a mulher negra no Brasil, da antropóloga Lélia Gonzalez. Reflete-se como Leite Derramado explora camadas críticas sobre as imagens/representações históricas ordenadas segundo os valores patriarcais e escravocratas em torno das mulheres negras.

Palavras-chave:
Imagens de Controle; Representações; Performance Negra; Estéticas Descolonizadas; Mulheres Negras

RÉSUMÉ

L article propose d'analyser la performance Lait renversé (2013) de l'artiste Ana Musidora à partir de la représentation de la mère. J'étudie le concept d'images de contrôle, défini par la sociologue américaine Patricia Hill Collins, ainsi que les images invoquées pour définir une femme noire au Brésil, par l'anthropologue Lélia Gonzalez. Je cherche à mettre en lumière comment Lait renversé explore différentes couches d’analyse critique d'images et de représentations historiques de femmes noires ordonnancées selon les valeurs patriarcales et esclavagistes.

Mots-clés:
Images de contrôle; Représentations; Performances Noires; Esthétique Décolonisée; Femme Noire

ABSTRACT

The article proposes to analyze the performance Leite Derramado (2013) by artist Ana Musidora from the perspective of the representation of the Black mother. In this regard, we investigate the concept of controlling images by American sociologist Patricia Hill Collins and the images invoked to define black women in Brazil, by Anthropologist Lélia Gonzalez. We reflect on how Leite Derramado explores critical layers on the images/historical representations sorted according to patriarchal and slavocratic values on Black women.

Keywords:
Controlling Images; Representations; Black Performance; Decolonized Aesthetics; Black Women

Introdução

Intelectuais negras têm debatido como os discursos masculinos produzidos pela ordem do patriarcado branco1 1 Em Memórias da Plantação: episódios de racismo cotidiano (2019), Grada Kilomba complexifica a noção de patriarcado a partir das categorias de raça e de gênero. Segundo a autora, “[...] a noção clássica de patriarcado a diferentes situações coloniais é igualmente insatisfatória por não explicar o porquê de homens negros não usufruírem dos benefícios do patriarcado branco. [...]. Os homens negros, escreve bell hooks, ‘poderiam juntar-se a mulheres negras e brancas para protestar contra a opressão de homens brancos desviando a atenção para longe de seu sexismo, de seu apoio ao patriarcado e de sua exploração sexista de mulheres’ (Carby, 1997, p. 87-88). Ainda assim, o sistema patriarcal no âmbito das diferenças raciais é mais complexo, assim como a posição de homens negros e de mulheres negras dentro do patriarcado racial. [...]. Barbara Smith (1983, p. 275) escreve: Nossa situação como pessoas negras exige que tenhamos solidariedade acerca da questão da raça, algo que mulheres brancas certamente não precisam ter com homens brancos, a menos que seja por solidariedade negativa como opressoras e opressores raciais. Nós lutamos juntas com homens negros contra o racismo, enquanto lutamos contra homens negros a respeito do sexismo” (Kilomba, 2019, p. 105, grifos da autora). e escravagista foram responsáveis por modelar regimes de visibilidade racista aplicados às mulheres negras. Destinados a mantê-las em lugares designados e subordinados dentro da estrutura social, refletindo os interesses e as visões de mundo de uma hegemonia branca e masculina. É preciso lutar por novas ordens de representação e novos regimes de visibilidade que contestem todas as imagens de controle instituídas em decorrência dos estereótipos raciais (Collins, 2019COLLINS, Patricia Hill. Pensamento Feminista Negro Conhecimento, consciência e a política do empoderamento. Tradução de Jamille Pinheiro Dias. São Paulo: Boitempo, 2019.; Gonzalez, 1984GONZALEZ, Lélia. Racismo e sexismo na cultura brasileira. Revista Ciências Sociais Hoje, São Paulo, Anpocs, p. 223-244, 1984.). Este artigo tem por objetivo analisar a performance Leite Derramado (2013), da artista Ana Musidora, a partir da representação de mãe preta.

Inicialmente, discute-se o conceito de imagens de controle, explicando algumas das principais representações de mulher negra que o conceito abarca, partindo dos estudos da socióloga e feminista estadunidense Patricia Hill Collins. Em seguida, recorre-se às imagens invocadas para definir a mulher negra no Brasil, pautado nos estudos da antropóloga mineira Lélia Gonzalez. No segundo momento, discute-se aspectos da performance Leite Derramado (2013), da artista Ana Musidora: como o seu programa de ação, o título da performance e suas escolhas estéticas problematizam a figura da mãe preta como um exemplo de mulher submissa, símbolo de fidelidade incondicional e do servilismo absoluto à classe senhorial escravagista.

Por fim, reflete-se sobre como a performance Leite Derramado explora as camadas críticas das imagens/representações históricas ordenadas, segundo os valores patriarcais e escravocratas, auxiliando a desmantelar os discursos da colonialidade e do racismo vigentes, desde a escravatura, em torno das mulheres negras.

Imagens de controle

No livro Pensamento feminista negro: conhecimento, consciência e a política do empoderamento (2019), a teórica feminista e socióloga estadunidense Patricia Hill Collins destaca a categoria imagens de controle como um dos temas principais do pensamento feminista negro. São imagens racializadas formuladas a partir de uma definição externa sobre a condição da mulher negra que atua na perpetuação da escravidão em termos ideológicos de dominação, ignorando a complexidade de sua existência e suas infinitas possiblidades de ser. Essas imagens são perpassadas de estereótipos negativos em seu interior, que reatualizam os arquivos coloniais e escravagistas sobre as capacidades da mulher negra. Por isso, como orienta a autora, é preciso examinar as novas formas de controle, em um contexto transnacional, no qual a comercialização de imagens no mercado internacional tem sido cada vez mais importante.

Collins (2019, p. 140)COLLINS, Patricia Hill. Pensamento Feminista Negro Conhecimento, consciência e a política do empoderamento. Tradução de Jamille Pinheiro Dias. São Paulo: Boitempo, 2019. afirma que a ideologia dominante no período da escravidão “[...] estimulou a criação de várias imagens de controle interrelacionadas e socialmente construídas da condição da mulher negra que refletiam o interesse do grupo dominante em manter a subordinação das mulheres negras”. Essas imagens são estratégias de manutenção de privilégios econômicos e sociais de determinados grupos porque desempenham um papel crucial na definição e no controle do poder político e social aos quais têm acesso indivíduos e grupos sociais marginalizados (hooks, 2019hooks, bell. Olhares negros: raça e representação. São Paulo: Elefante, 2019.). É tanto que elas “[...] têm como função fazer com que o racismo, o sexismo, a pobreza e outras formas de injustiça social pareçam naturais, normais e inevitáveis na vida cotidiana” (Collins 2019, p. 136COLLINS, Patricia Hill. Pensamento Feminista Negro Conhecimento, consciência e a política do empoderamento. Tradução de Jamille Pinheiro Dias. São Paulo: Boitempo, 2019.).

Para desenvolver o argumento sobre as imagens de controle, Collins parte da noção da objetificação da mulher negra como o Outro, o que a mantém em condição de subordinada. Essa posição, que justifica ideologicamente a opressão de raça, gênero, classe e sexualidade das mulheres negras, está atravessada pela lógica do pensamento binário. Conforme a autora, esse pensamento caracteriza pessoas, coisas e ideias segundo as diferenças que existem entre elas, distinção que é definida em termos opostos. Implica em relações de inferioridade e superioridade, em vínculos hierárquicos, pois, “[...] no pensamento binário, um elemento é objetificado como Outro e visto como objeto a ser manipulado e controlado” (Collins, 2019, p. 137COLLINS, Patricia Hill. Pensamento Feminista Negro Conhecimento, consciência e a política do empoderamento. Tradução de Jamille Pinheiro Dias. São Paulo: Boitempo, 2019.).

O sistema de dominação sempre envolve tentativas de objetificar o grupo subordinado como forma de controle, exploração e vigilância dos corpos. Pois, se como sujeito a pessoa tem o direito de definir a sua própria realidade, descrever e nomear a sua história, na posição de objeto “[...] a realidade da pessoa é definida por outras, sua identidade é criada por outras, sua história é nomeada apenas de maneiras que definem sua relação com pessoas consideradas sujeitos” (Collins, 2019, p. 138COLLINS, Patricia Hill. Pensamento Feminista Negro Conhecimento, consciência e a política do empoderamento. Tradução de Jamille Pinheiro Dias. São Paulo: Boitempo, 2019.).

A mammy é a primeira imagem de controle descrita pela autora e difundida nos Estados Unidos, sendo, no contexto brasileiro, semelhante à figura de mãe preta. Trata-se da imagem de serviçal fiel e obediente, responsável pelo cuidado dos brancos e que, “[...] ao amar, alimentar e cuidar dos filhos e das ‘famílias’ brancas melhor que os seus, a mammy simboliza as percepções do grupo dominante sobre a relação ideal das mulheres negras com o poder da elite masculina branca” (Collins, 2019, p. 140COLLINS, Patricia Hill. Pensamento Feminista Negro Conhecimento, consciência e a política do empoderamento. Tradução de Jamille Pinheiro Dias. São Paulo: Boitempo, 2019., grifos da autora). É aquela que deixou sua prole para cuidar dos filhos dos brancos.

Ela não serve para ocupar posições de liderança, os melhores postos e pretensões de trabalho nas estruturas brancas de poder. Estamos diante de uma imagem “[...] criada para justificar a exploração econômica das escravizadas domésticas e mantida para explicar o confinamento das mulheres negras ao serviço doméstico” (Collins, 2019, p. 140COLLINS, Patricia Hill. Pensamento Feminista Negro Conhecimento, consciência e a política do empoderamento. Tradução de Jamille Pinheiro Dias. São Paulo: Boitempo, 2019.). É representada, frequentemente, como uma mulher negra, gorda, de pele escura e que não tem companheiro, não tem família própria, não tem sexualidade e não tem uma história particular, pois vive a partir das famílias brancas. O objetivo ideológico dessa imagem é a submissão e a lógica de fixação das mulheres ao trabalho doméstico.

Se a mammy é a imagem da mãe negra boa nas famílias brancas, a segunda imagem de controle é caracterizada como a figura materna nas famílias negras: a matriarca negra. Essa imagem é utilizada para justificar a persistência da pobreza entre as pessoas negras. Collins cita que, no relatório do governo estadunidense intitulado The Negro Family: The Case for National Action (1965), a tese do matriarcado negro argumentava que as mulheres negras americanas não cumpriam suas funções femininas tradicionais em casa, de modo que contribuíam para os problemas sociais na sociedade civil negra. Ou seja, as mães não conseguiam supervisionar seus filhos e filhas por passarem muito tempo fora de casa trabalhando, contribuindo para o fracasso escolar das crianças. Da perspectiva do grupo dominante, ela simboliza “[...] uma mammy fracassada, um estigma negativo aplicado às afroamericanas que ousassem rejeitar a imagem de serviçais submissas e diligentes” (Collins, 2019, p. 145COLLINS, Patricia Hill. Pensamento Feminista Negro Conhecimento, consciência e a política do empoderamento. Tradução de Jamille Pinheiro Dias. São Paulo: Boitempo, 2019., grifos da autora). A imagem dissimula a atenção para os problemas e as desigualdades políticas e econômicas que caracterizam cada vez mais o desenvolvimento do capitalismo global, sugerindo que qualquer pessoa pode sair da pobreza se for criada por bons valores.

Essa imagem é utilizada com a função de responsabilizar e culpabilizar as mulheres negras, essencialmente as mães negras, pelas condições de precariedade e miserabilidade das populações negras, por não estarem em casa se dedicando aos(as) seus(suas) filhos(as) e os(as) ensinando os devidos valores para o desenvolvimento de sua cidadania. Deslocar o problema da vulnerabilidade estrutural, em que as populações negras se encontram para as mulheres negras, é uma narrativa e justificativa confortável para eximir o Estado da responsabilidade de reparação social em relação às populações negras nas sociedades estruturalmente racistas e sexistas.

Trata-se de uma imagem bastante importante para explicar a persistência do cenário social das pessoas negras. Ao pressupor que a pobreza negra nos Estados Unidos é transmitida intergeracionalmente por meio de valores que os pais ensinam aos filhos, a ideologia dominante sugere que as crianças negras não recebem a mesma atenção e o mesmo cuidado que supostamente são dedicadas as crianças brancas de classe média (Collins, 2019, p. 146-147COLLINS, Patricia Hill. Pensamento Feminista Negro Conhecimento, consciência e a política do empoderamento. Tradução de Jamille Pinheiro Dias. São Paulo: Boitempo, 2019.).

A terceira imagem descrita pela autora é a da mãe dependente do Estado, também qualificada como mãe negra ruim e mammy fracassada. O estereótipo surgiu quando as mulheres negras estadunidenses adquiriram poder político e exigiram equidade no acesso aos serviços do Estado. Configura-se como uma imagem de controle com um viés de classe, desenvolvida para mulheres negras pobres da classe trabalhadora que fazem uso dos benefícios sociais aos quais têm direito por lei. Por fazer uso dos programas de assistência social do Estado, dos subsídios públicos, “[...] ela é retratada como uma pessoa acomodada, satisfeita com os auxílios concedidos pelo governo, que foge do trabalho e transmite valores negativos para os descendentes” (Collins, 2019, p. 152COLLINS, Patricia Hill. Pensamento Feminista Negro Conhecimento, consciência e a política do empoderamento. Tradução de Jamille Pinheiro Dias. São Paulo: Boitempo, 2019.). Para a autora, criar uma imagem de controle representada como mãe solo, preguiçosa, dependente do estado e “[...] estigmatizá-la como causadora de sua própria pobreza e da pobreza das comunidades afroamericanas desloca o ângulo de visão das fontes estruturais da pobreza e culpa” (Collins, 2019, p. 152COLLINS, Patricia Hill. Pensamento Feminista Negro Conhecimento, consciência e a política do empoderamento. Tradução de Jamille Pinheiro Dias. São Paulo: Boitempo, 2019.).

A quarta e última imagem descrita pela autora é a da Jezebel, a prostituta ou a hoochie, correspondendo à figura da mulata no Brasil. Trata-se de representações da sexualidade feminina negra como desviante. Símbolos detentores de um apetite sexual excessivo, uma selvagem sexual, mais próxima dos animais do que outros seres humanos. São imagens que apresentam a sexualidade negra como um sinal natural de inferioridade racial, construída e retroalimentada pelo patriarcado branco. “A imagem da Jezebel surgiu na época da escravidão, quando as mulheres negras eram tratadas, segundo Jewelle Gomez, como ‘amas de leite sexualmente agressivas’” (Collins, 2019, p. 155COLLINS, Patricia Hill. Pensamento Feminista Negro Conhecimento, consciência e a política do empoderamento. Tradução de Jamille Pinheiro Dias. São Paulo: Boitempo, 2019.). A primeira função dessa imagem, de acordo com Collins, era relegar todas as mulheres negras à categoria de mulheres sexualmente agressivas, fornecendo uma justificava que autorizava os frequentes ataques sexuais de homens brancos relatados pelas mulheres negras escravizadas. Para a autora, se as mulheres negras eram retratadas como detentoras de um apetite sexual excessivo, o resultado seria o aumento da sua fecundidade. O que acontecia a partir do estupro infligido pelo proprietário branco, autorizado pelos estereótipos negativos no imaginário coletivo acerca da sua existência no mundo.

Ao impedir o cuidado que as mulheres afro-americanas poderiam dedicar às filhas e filhos delas – o que fortalecia as redes familiares negras – e obrigá-las a trabalhar no campo, a ser ‘amas de leite’ das crianças brancas e a cuidar emocionadamente deles, os brancos proprietários de escravos vincularam as imagens de controle da Jezebel e da mammy à exploração econômica inerente à instituição da escravidão (Collins, 2019, p. 155COLLINS, Patricia Hill. Pensamento Feminista Negro Conhecimento, consciência e a política do empoderamento. Tradução de Jamille Pinheiro Dias. São Paulo: Boitempo, 2019., grifos da autora).

Embora o conceito de imagens de controle seja cunhado por Patricia Hill Collins, essa categoria analítica já estava, desde meados dos anos 1980, muito presente nas discussões suscitadas por Lélia Gonzalez acerca das imagens invocadas para definir a mulher negra, moldando tudo o que se refere às atividades domésticas, artísticas, servis e sexuais.

No texto Racismo e sexismo na cultura brasileira (1984), a intelectual analisou que, dentro da sociedade brasileira, a imagem da mulher negra está confinada às figuras da mulata, doméstica e mãe preta. Essas três imagens estariam na origem da palavra mucama. Lélia detectou que as funções desse termo, proveniente da linguagem quimbunda, são apresentadas segundo o dicionário Aurélio da Língua Portuguesa apenas como prestação de serviços domésticos realizados por mulheres negras na condição de escravizadas. Oculta-se a função de que também eram responsáveis pela prestação de serviços sexuais, submetidas à violência sexual constante por homens brancos, tornando-as objeto de sua lascívia.

Segundo Lélia, o ocultamento de uma das funções da mucama não se realizou por completo, haja vista que a exploração sexual da mulher negra se atualiza na imagem da mulata que permanece em nosso cotidiano, “[...] com sua malemolência perturbadora. E o momento privilegiado em que sua presença se torna manifesta é justamente o da exaltação mítica da mulata nesse entre parênteses que é o carnaval” (Gonzalez, 1984, p. 230GONZALEZ, Lélia. Racismo e sexismo na cultura brasileira. Revista Ciências Sociais Hoje, São Paulo, Anpocs, p. 223-244, 1984.). Nas palavras descritas pela autora, sobre os comentaristas da festa do carnaval, percebemos a objetificação, a fragmentação corporal e os “olhares aqueles direcionados as mercadorias” contidos em relação ao corpo negro feminino:

Todos sob o comando do ritmo das baterias e do rebolado das mulatas que, dizem alguns, não estão no mapa. ‘Olha aquele grupo do carro alegórico, ali. Que coxas, rapaz’. ‘Veja aquela passista que vem vindo; que bunda, meu Deus! Olha como ela mexe a barriguinha. Vai ser gostosa assim lá em casa, tesão’. ‘Elas me deixam louco, bicho’. E lá vão elas, rebolantes e sorridentes rainhas, distribuindo beijos como se fossem bênçãos para seus ávidos súditos nesse feérico espetáculo […] (Gonzalez, 1984, p. 227GONZALEZ, Lélia. Racismo e sexismo na cultura brasileira. Revista Ciências Sociais Hoje, São Paulo, Anpocs, p. 223-244, 1984.).

Em relação à imagem da doméstica, segundo Lélia, nada mais é do que a mucama permitida, aquela que também é autorizada pelo sistema colonial. Ela está cotidianamente no papel de organização e cuidado da casa da família branca burguesa ou pequeno-burguesa. Ela é “[...] a da prestação de bens e serviços, ou seja, o burro de carga que carrega sua família e a dos outros nas costas”. Segundo Lélia Gonzalez (1984, p. 230)GONZALEZ, Lélia. Racismo e sexismo na cultura brasileira. Revista Ciências Sociais Hoje, São Paulo, Anpocs, p. 223-244, 1984.:

Daí, ela ser o lado oposto da exaltação; porque está no cotidiano. E é nesse cotidiano que podemos constatar que somos vistas como domésticas. Melhor exemplo disso são os casos de discriminação de mulheres negras da classe média, cada vez mais crescentes. Não adianta serem ‘educadas’ ou estarem ‘bem vestidas’ (afinal, ‘boa aparência’, como vemos nos anúncios de emprego é uma categoria ‘branca’, unicamente atribuível a ‘brancas’ ou ‘clarinhas’). Os porteiros dos edifícios obrigam-nos a entrar pela porta de serviço, obedecendo instruções dos síndicos brancos (os mesmos que as ‘comem com os olhos’ no carnaval ou nos ôba-ôba da vida).

A terceira figura apontada por Lélia é a da mãe preta. Ama de leite, responsável por exercer funções maternas, pelos cuidados, socialização das crianças brancas e pelos trabalhos domésticos das famílias senhoriais. É o momento em que, no imaginário branco racista, as mulheres negras são vistas como uma imagem positiva de bondade e ternura por serem obrigadas a amamentar as crianças brancas da casa grande. Para Lélia, a mãe preta não seria nem um exemplo de mulher submissa, dedicada e amorosa, símbolo de “fidelidade incondicional” e do “servilismo absoluto à classe senhorial” (Roncador, 2011, p. 130RONCADOR, Sônia. O mito da mãe preta e o imaginário literário de raça e mestiçagem cultural. Estudos de Literatura brasileira contemporânea, Brasília, n. 31, p. 129-152, 2011. Disponível em: https://periodicos.unb.br/index.php/estudos/article/view/9437. Acesso em: 26 maio 2022.
https://periodicos.unb.br/index.php/estu...
), como foi representada pelo olhar da supremacia branca, como também não foi a “traidora da raça como querem alguns negros muito apressados em seu julgamento” (Gonzalez, 1984, p. 235GONZALEZ, Lélia. Racismo e sexismo na cultura brasileira. Revista Ciências Sociais Hoje, São Paulo, Anpocs, p. 223-244, 1984.). É preciso considerar que a mãe preta desenvolveu formas de resistência singular em seu cotidiano. Uma noção de resistência passiva, pois, ao exercer as funções maternais e as referências educativas, culturais e simbólicos que, inicialmente, formam-nos e estão mediadas pela relação mãe-filhos(as), ela foi responsável, de forma consciente ou inconsciente, por passar as categorias das culturas negro-africanas de que era representante para as crianças brancas. Foi quem africanizou o português falado no Brasil (transformando-o em “pretuguês”) e, por consequência, na cultura brasileira, “[...] a gente entende porque, hoje, ninguém quer saber mais de babá preta, só vale portuguesa. Só que é um pouco tarde, né? A rasteira já está dada” (Gonzalez, 1984, p. 236GONZALEZ, Lélia. Racismo e sexismo na cultura brasileira. Revista Ciências Sociais Hoje, São Paulo, Anpocs, p. 223-244, 1984.).

A tragédia das imagens de controle é que elas subtraem a pluralidade do que é ser mulher negra, reduzindo-a aos sentidos demasiadamente rígidos colocados como universais. Se o que nos faz humano é sermos plurais, tais imagens subalternizam e destituem a humanidade das mulheres negras, visto que as aprisionam em significados e sentidos prévios, controlando-as de várias formas e interditando suas outras possibilidades de ser e estar no mundo. Elas informam o papel e o lugar social que elas podem ocupar dentro da estrutura social, fundamental para a reafirmação do pertencimento dos grupos hegemônicos e manutenção das hierarquias sociais. Como afirma Patricia Hill Collins (2019, p. 136)COLLINS, Patricia Hill. Pensamento Feminista Negro Conhecimento, consciência e a política do empoderamento. Tradução de Jamille Pinheiro Dias. São Paulo: Boitempo, 2019.:

[...] como os ‘Outros’ da sociedade, aqueles nunca poderão ser realmente parte dela, os estranhos ameaçam a ordem moral e social. Ao mesmo tempo, são fundamentais para sua sobrevivência, porque os indivíduos que estão à margem são os que explicitam os limites da sociedade. As afro-americanas, por não pertenceram, colocam em evidência o significado do pertencimento.

As imagens de controle, como um dispositivo de poder, limitam a participação das pessoas na vida política, assim como o exercício da cidadania para a negritude. Essas imagens fazem parte de uma ideologia generalizada de dominação socioeconômica que reflete os interesses das elites brancas, o interesse que tem em produzir processos de desumanização, inferiorização e ridicularização a essas mulheres e a proporcionarem que pessoas lidas socialmente como brancas tornem-se sujeitos/agentes aptos a decidir e participar na vida pública e no governo. Em contraposição, as mulheres negras são excluídas do mercado de trabalho, da educação formal, da representação política e de diversos âmbitos da sociedade.

Desafiar as imagens de controle a partir da performance tem sido o tema de diferentes artistas negras no Brasil. Entre elas: Ana Musidora, Priscila Rezende, Olivya Bynum, Renata Felinto, Val Souza, Ana Flavia Cavalcanti, Tina Melo e Luanah Cruz. A título da diversidade e das subjetividades múltiplas que cada performance proporciona, um aspecto comum entre elas, que merece ser destacado, é o entrecruzamento entre corpo, estética e política, produzindo reflexões críticas sobre as opressões interseccionais (raça, gênero, sexualidade, classe) dirigidas à mulher negra. Nesta exposição, pretendo analisar como a imagem de controle de mãe preta é abordada na performance Leite Derramado (2013), de Ana Musidora.

Ana Musidora: Leite derramado

Musidora é artista visual e gestora cultural, formada, no ano de 2016, em Comunicação das Artes do Corpo com habilitação em Dança pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), especialista em Gestão Cultural Contemporânea: da Ampliação do Repertório Poético à Construção de Equipes Colaborativas pelo Itaú Cultural, em 2020. Além da formação em práticas corporais orientais, como Seita-ho, Tai Chi (Do In e Pai Lin), Butô, Moxa e, posteriormente, na performance como linguagem: “Experiências que me sensibilizaram para o estudo da presença radical dos corpos negros em manifestações artística”, permitindo orientar processos criativos para Intervenções Urbanas em Atos (#PratoàModaDaCasa, Restaurante Senzala) e Manifestação de Rua (Coletiva 8M na Quebrada) (Musidora, 2020MUSIDORA, Ana. Entrevista com Ana Musidora. Entrevistador: Rodrigo Severo. São Paulo, 2020.). Bem como é idealizadora, curadora e produtora dos projetos PistasParaUmaEducaçãoNãoBinária – um conjunto de oficinas criativas para sensibilização poética dos corpos trans – e Arqueologia Viva do Corpo Mítico, orientação de processos criativos para corpos-instalação.

A artista realiza estudos na interseção entre dança e performance, investigando as memórias do seu corpo como possibilidade de cura e de desconstrução de narrativas hegemônicas em relação à mulher negra. “Tudo que trago para a cena e para o gesto são elementos que provocam/tensionam o deslocamento da percepção visual, sensorial, racial e de gênero” (Musidora, 2020MUSIDORA, Ana. Entrevista com Ana Musidora. Entrevistador: Rodrigo Severo. São Paulo, 2020.).

Para a artista, a performance é um campo aberto em que é possível compor a partir de diversas referências, envisionando a reinvenção de novas existências, novas visões de mundo, “outras formas que não nos cabe”. Uma nova forma de comunicação para ela, pois o teatro e a dança não deram conta da sua existência como mulher negra e periférica. A sua arte mostra um forte desejo por uma estética voltada para a própria realidade, contemporânea e concreta, de como as mulheres negras são ainda percebidas em funções aprisionantes dentro da sociedade. Nesse sentido, a performance lhe é importante por “[...] deslocar signos/sentidos estabelecidos, tudo aquilo que foi naturalizado por regimes estéticos, a domesticação/assimilação da beleza nos espaços de educação formal em dança, a humanidade exclusiva dos corpos brancos, ‘imunes’ à violência” (Musidora, 2020MUSIDORA, Ana. Entrevista com Ana Musidora. Entrevistador: Rodrigo Severo. São Paulo, 2020.).

Em seu entendimento, a performance negra está fundamentada numa presença radical do corpo que, conectado a realidades historicamente marginalizadas, torna-se espaço de (re)existência negra que desafia a hegemonia cultural. Segundo a artista, a sua experiência com essa linguagem artística não tem a ver com a representação como máscara ficcional ou representar a própria história, mas é sobre as possibilidades de “[...] mudanças reais e concretas que trazemos/viabilizamos para nossas comunidades, quando nos deslocamos do lugar de subalternizados reservados na casa-grande” (Musidora, 2020MUSIDORA, Ana. Entrevista com Ana Musidora. Entrevistador: Rodrigo Severo. São Paulo, 2020.).

Temas como trabalho, fetiche, sexualidade e prazer, que atravessam a sua experiência social de mulher negra, serão pautados no seu processo de criação em performance, buscando estratégias imagéticas para romper com os lugares subalternos direcionados aos corpos racializados. “Comecei a trabalhar aos 15 anos como recepcionista, e neste deslocar entre centros e periferias, fui entendendo quem era meu corpo na casa-grande” (Musidora, 2020MUSIDORA, Ana. Entrevista com Ana Musidora. Entrevistador: Rodrigo Severo. São Paulo, 2020.).

Para a artista, se as imagens foram fundamentais para a constituição dos estereótipos e o lócus subalterno das mulheres negras, elas também podem ser utilizadas como categoria de transformação e libertação dos imaginários atávicos. Uma das imagens de controle da condição da mulher negra brasileira fixada pelo olhar colonial é a mãe preta ou ama de leite. Essa imagem está dentro do registro positivo por representar as expectativas das elites brancas escravocratas em relação às mulheres negras: a servidão perpétua. Precisamente essa imagem é problematizada por Ana Musidora na performance Leite Derramado (2013).

O seu agenciamento estético é partir das políticas de invisibilidade, das dores silenciadas e sorrateiras incutidas na realidade histórica de mulheres destituídas da posse do seu próprio corpo, que tinham a obrigação de nutrir com o seu leite materno as crianças brancas dos seus algozes. Realidade escondida por trás de representações monolíticas regidas por relações de poder na manutenção das desigualdades de gênero, raça e classe.

Antes de tudo é preciso dizer que falo de mulheres destituídas de seu corpo, de suas afetividades, forçadas a abandonarem seus filhos para nutrir uma relação de amor e cuidados com filhos e famílias dos senhores de engenho. Não temos relatos destas mulheres na história oficial do Brasil, apenas registros da narrativa dominante por meio de fotografias (retratos-souvenir), eternizando no imaginário popular brasileiro o estereótipo de um amor subalterno, que reitera e atualiza a farsa do amor à servidão compulsória dentro de um sistema escravocrata, apaziguando a complexidade das relações inter-raciais e de gênero nos processos de racialização dos corpos (Musidora, 2017MUSIDORA, Ana. Portfólio da performance Leite Derramado. São Paulo, 2017.).

Na performance Leite Derramado (2013), Musidora disputa memórias e narrativas visuais contra/com as imagens autorizadas pelo sistema colonial referente à condição da mulher negra, possibilitando reflexões acerca da escravidão e das relações de gênero na história do Brasil. Ela produz, nessa performance, camadas críticas que rompem com os laços de romantização e a lógica do mito da aceitação da subordinação incutida na imagem de mãe preta. “Em Leite derramado eu falo da invenção do amor nas relações interraciais, de como aprendemos a ser amados com violência e subalternidade nesta estrutura. E como este paradigma media a todo momento as relações de afeto, trabalho e amizade dos corpos racializados” (Musidora, 2020MUSIDORA, Ana. Entrevista com Ana Musidora. Entrevistador: Rodrigo Severo. São Paulo, 2020.). A artista descreve o programa de ação de Leite Derramada (2013) da seguinte forma:

Recebo o público já instalada no espaço trajada em um cenário-figurino. Eu mesma monto este corpo-instalação, a partir de metros de tecido (costumo usar cetim e voal branco para trazer uma textura leitosa) vou modelando e sobrepondo os panos estruturando a forma de um rio caudaloso. É uma espécie de saiote gigante que despenca desde o meu baixo ventre, ocultando as pernas. Da cintura para cima crio algo como se fosse a parte de cima de um ‘vestido’, utilizando uma renda (branca também) que cobre todo o rosto. Quando as pessoas chegam têm essa primeira imagem, estou sentada na posição de cócoras acima do público. Sobre esta instalação aplico objetos que remetem à memória da minha família, fotografias, oração da minha avó feita à santa Ana, pérolas, concha, quartinha, figa, pedras de seixo. As pessoas entram e eu permaneço imóvel até que se instaure uma atmosfera inicial do silêncio. Tenho alguns bolsos improvisados na instalação onde guardo os objetos que vou utilizar durante a ação. De cabeça baixa, com a mão direita e o auxílio de uma tesoura abro um corte no tecido que vai do baixo ventre à garganta, expondo meu tronco. Ainda com a mão direito pego o seio esquerdo, afastando o tecido que ainda o cobre, deixando-o à mostra, como no gesto de amamentar. Retiro 9 agulhas de um bolso e perfuro a pele da auréola 9x; depois faço o mesmo gesto de amamentar com o outro seio, pego um botão de pérola, uma agulha de sutura e costuro o botão no seio direito. Feito esta ação, recito um poema que escrevi:

um ventre livre carrega amor condicional/ amor da preta do peito mutilado cego que ainda amamenta o filho que chora e mãe preta não vê por todo despeito por todo leite derramado empedrado saqueado injetado na tua medula – boca que blasfema, teu sangue não nega! nem cala a revolta do ventre das tetas blacks armadas inundando tudo de leite Após a leitura do poema, repouso estática e em silêncio até que todos saiam (Musidora, 2020MUSIDORA, Ana. Entrevista com Ana Musidora. Entrevistador: Rodrigo Severo. São Paulo, 2020.).

O processo de criação do trabalho começou com uma pesquisa iconográfica de retratos-souvenirs de ama de leite, analisando a construção da imagem da mulher negra autorizada pelo sistema colonial, imagens que viralizaram no imaginário social brasileiro. Posteriormente, a artista montou um banco de dados com as produções artísticas que remetiam à imagem da mãe preta para construir a performance. Nela, também utiliza registros fotográficos pertencentes ao seu arquivo pessoal, objetos pessoais e de membros da sua família, assim como de sua própria maternidade para construir gestos de desobediência em relação aos imaginários coloniais. O seu questionamento é: “[...] se estas mulheres das imagens pudessem atravessar as molduras, a fotografia, o toque, o tempo e a matéria o que diriam sobre as relações de trabalho e seus ‘supostos donos”? (Musidora, 2020MUSIDORA, Ana. Entrevista com Ana Musidora. Entrevistador: Rodrigo Severo. São Paulo, 2020.).

O título da performance remete à expressão popular não adianta chorar sobre o leite derramado, que circula no imaginário social brasileiro e significa que não vale a pena lamentar por algo que já passou, algo ruim que já aconteceu. Só que, na estética proposta por Ana Musidora, adianta sim reivindicar e lançar disputas de imaginários, de narrativas visuais sobre as amas de leite ou da mãe preta, visto que essas representações não elucidam o ponto de vista das e para as mulheres negras (Collins, 2019COLLINS, Patricia Hill. Pensamento Feminista Negro Conhecimento, consciência e a política do empoderamento. Tradução de Jamille Pinheiro Dias. São Paulo: Boitempo, 2019.), mas o ponto de vista dos homens brancos da casa-grande sobre a condição feminina da mulher negra. Associada como símbolo de lealdade/passividade e servilismo absoluto à classe senhorial, está intimamente interligada a fatores políticos e econômicos da sociedade patriarcal escravocrata. Nesta, tanto a violência da maternidade negra negada quanto a crueldade da prática da maternidade transferida são sistematicamente negligenciadas.

As imagens construídas sobre ama de leite com as crianças brancas foram largamente produzidas em todo o Brasil desde meados do século XIX. Elas representam o olhar branco dos viajantes estrangeiros daquela época e de artistas e literatos cultuados, sendo apresentadas na forma de dramaturgia, prosa e poesia, em gravuras, fotografias, em telas a óleo ou aquarela, impressas na pedra, no metal e no papel como símbolos de uma relação íntima e harmoniosa entre senhores e mulheres escravizadas.

A historiadora Maria Elizabeth Ribeiro Carneiro, em sua pesquisa sobre ser ama de leite na sociedade carioca oitocentista, lembra que as imagens de ama de leite, apesar de aparecerem em diferentes materialidades, formas e gêneros, na expressão romântica, realista, simbolista ou modernista, não foram encontradas na produção literária e bibliográfica de mulheres escritoras do período. Para Carneiro (2006, p. 15-16)CARNEIRO, Maria Elizabeth Ribeiro. Procura-se “preta, com muito bom leite, prendada e carinhosa”: uma cartografia das amas-de-leite na sociedade carioca (1850-1888). 2006. Tese (Doutorado em História) – Programa de Pósgraduação, Universidade de Brasília, Brasília 2006.:

[as] Amas-de-leite são imagens/representações histórica e socialmente construídas: identidades designadas, exibidas e significadas sobre corpos que eram cativos, isto é, corpos que não eram seus, e estavam em condição de aleitar. Portanto, amas-de-leite enunciam corpos femininos, procriadores, aleitadores e escravizados, reconhecidos por nutrirem não seus próprios filhos, mas os filhos de famílias proprietárias. São corpos de mulheres geralmente africanas ou delas descendentes, no período etário que possibilita a lactação e que, como propriedades que eram, foram nomeados em razão da possibilidade do usufruto do trabalho compulsório em relação a outros corpos – proprietários, locadores, locatários –, na prática do aleitamento classificado pelo saber médico que nascia como ‘mercenário’.

Procurando a imagem da ama de leite, da mãe preta nas obras de Gilberto Freyre, Caio Prado, Emília Viotti da Costa entre outros, Carneiro analisa que a utilização dessas imagens racializadas entra como elemento narrativo instrumental para qualificar a existência de uma ideologia de suavização da escravidão, isto é, o sistema escravocrata teria sido mais “harmônico”, “brando” “ameno” ou “benigno” no Brasil. A autora declara:

Agora como figura, a ‘ama negra’ é invocada, como se incorporasse e explicitasse, nela, as experiências múltiplas – talvez nem sempre tão boas e ternas – das escravas na atividade do cuidado maternal. Mulheres destituídas de expressão própria ou política, desprovidas de seus corpos e destinos, que, também no discurso de viés marxista, reaparecem em imagem singular, acentuando a feição ‘amaciadora’ dos embates da vida – de classe, raça e etnia [...]. Com cheiro de quitutes, a imagem negra de mulher mãe figura no palco minado pelos conflitos de classe e derrama afetividade no imaginário, tornando mais leve e mais suave o peso e o jugo da escravidão na memória social (Carneiro, 2002, p. 44-45CARNEIRO, Maria Elizabeth Ribeiro. “Procuram-se amas-de-leite na historiografia da escravidão: da ‘suavidade do leite preto’ ao ‘fardo’ dos homens brancos”. Em tempo de histórias, Brasília, v. 5, p. 29-63, 2002.).

Rafaela de Andrade Deiab (2006)DEIAB, Rafaela de Andrade. A mãe-preta na literatura brasileira: a ambiguidade como construção social (1880-1950). 2006. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) – Programa de Pós-graduação, Universidade de São Paulo, São Paulo 2006., ao investigar a representação social da mãe preta nas produções literárias do Brasil no período de 1880 a 1950, identifica que escrever entre finais do Segundo Reinado e início da República era um privilégio de poucos, ou seja, de uma elite intelectual majoritariamente branca que inicia a produção dessas representações. Nos textos literários explorados pela autora, ser mãe preta significa ser a “mãe afetiva”, “mãe de criação”, “mãe de leite”, mas nunca “mãe natural”, visto que esse “é um termo que tem contrapartida no filho branco, que pela descontinuidade de cores no fenótipo, não era filho de seu próprio ventre” (Deiab, 2006, p. 112DEIAB, Rafaela de Andrade. A mãe-preta na literatura brasileira: a ambiguidade como construção social (1880-1950). 2006. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) – Programa de Pós-graduação, Universidade de São Paulo, São Paulo 2006.). Por isso, a imagem de mãe preta é sempre associada ao núcleo familiar branco e patriarcal.

Segundo Deiab (2006, p. 52)DEIAB, Rafaela de Andrade. A mãe-preta na literatura brasileira: a ambiguidade como construção social (1880-1950). 2006. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) – Programa de Pós-graduação, Universidade de São Paulo, São Paulo 2006., “[...] as versões literárias da mãe-preta não são auto-representações, mas sim construções de uma elite letrada, branca e eminentemente masculina”. Falar de elite, como lembra o jornalista e sociólogo Muniz Sodré (2015, p. 276)SODRÉ, Muniz. Claros e escuros: identidade, povo e mídia no Brasil. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 2015., “[...] é designar os grupos e as instituições com acesso diferenciado a mecanismos geradores de poder”. Ou seja, os descendentes privilegiados do patrimonialismo europeu no Brasil, que funcionam como uma espécie de “[...] ‘grupo’ técnico de imaginação, responsável pela absorção, reelaboração e retransmissão de um imaginário coletivo atuante nas representações sociais” (Sodré, 2015, p. 278SODRÉ, Muniz. Claros e escuros: identidade, povo e mídia no Brasil. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 2015.). Trata-se dos mesmos integrantes das classes dominantes, das grandes famílias patriarcais brasileiras que, num passado muito recente, foram a camada senhorial e possuíam pessoas escravizadas.

A mãe preta se configura como um símbolo de nostalgia senhorial nas memórias de infância presentes em diversas obras literárias e artísticas do Modernismo, tais como aquelas de Tarsila do Amaral, Lasar Segall, Alfredo Volpi, Di Cavalcanti, assim como nos poemas de Cassiano Ricardo, Raul Bopp, Manuel Bandeira, Jorge de Lima (Roncador, 2011RONCADOR, Sônia. O mito da mãe preta e o imaginário literário de raça e mestiçagem cultural. Estudos de Literatura brasileira contemporânea, Brasília, n. 31, p. 129-152, 2011. Disponível em: https://periodicos.unb.br/index.php/estudos/article/view/9437. Acesso em: 26 maio 2022.
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). É o compromisso dos autores e artistas com sua classe de origem, o apego aos valores da aristocracia do passado ainda presente em suas obras. Tem-se um compromisso natural com o status quo. Estamos falando do monopólio de representações criadas por pessoas brancas sobre as pessoas negras. Ou seja, o privilégio epistêmico dos homens brancos ocidentais de produzir conhecimento hegemônico excludente sobre os múltiplos corpos e realidades, definindo o que é verdade, o que é a realidade e o que é melhor para as demais existências (Grosfoguel, 2016GROSFOGUEL, Ramón. A estrutura do conhecimento nas universidades ocidentalizadas: racismo/sexismo epistêmico e os quatro genocídios/epistemicídios do longo século XVI. Sociedade e Estado, Brasília, v. 31, n. 1, p. 25-49, 2016. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/S0102-69922016000100003. Acesso em: 02 fev. 2020.
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).

Mãe preta é uma representação, remanescente da escravidão, que produz efeitos essencialistas, reducionistas e de naturalização, sendo fundada na fantasia, na projeção e idealização das mulheres negras confinadas à função de serventes maternais da retrógrada família senhorial que compõe o alfabeto simbólico de poder do patriarcado escravista de ontem e de hoje.

Nesse contexto, Maria Elizabeth Ribeiro Carneiro (2006)CARNEIRO, Maria Elizabeth Ribeiro. Procura-se “preta, com muito bom leite, prendada e carinhosa”: uma cartografia das amas-de-leite na sociedade carioca (1850-1888). 2006. Tese (Doutorado em História) – Programa de Pósgraduação, Universidade de Brasília, Brasília 2006. afirma que, por meio das imagens produzidas e disseminadas no Brasil após a Independência e, particularmente, no Segundo Reinado, a sociedade escravagista e patriarcal do Brasil Monárquico pretendia construir um imaginário, sobre si e sobre a história do país, assim como acerca das amas de leite, tais como eram retratadas, dispositivo que também atuaria como forma de “potência unificadora” do imaginário social brasileiro idealizado. São imagens embebidas de noções etnocêntricas, naturalistas, cientificistas ou deterministas em relação às pessoas negras, nas quais as amas de leite “[...] servem, portanto, para compor o alfabeto iconográfico que configura e serve de guia para as ações e trocas cotidianas na sociedade tropical, monárquica e escravocrata” (Carneiro, 2006, p. 345-346CARNEIRO, Maria Elizabeth Ribeiro. Procura-se “preta, com muito bom leite, prendada e carinhosa”: uma cartografia das amas-de-leite na sociedade carioca (1850-1888). 2006. Tese (Doutorado em História) – Programa de Pósgraduação, Universidade de Brasília, Brasília 2006.).

Rafaela de Andrade Deiab (2006)DEIAB, Rafaela de Andrade. A mãe-preta na literatura brasileira: a ambiguidade como construção social (1880-1950). 2006. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) – Programa de Pós-graduação, Universidade de São Paulo, São Paulo 2006. sustenta a hipótese de que a figura da mãe preta, seja como memória oficial, seja como memória popular ou do senso comum, “[...] permite fazer as pazes com recente passado escravocrata que, se não podia ser esquecido, podia ao menos ser lembrado em sua faceta mais íntima, afetiva e também dilacerante” (Deiab, 2006, p. 24DEIAB, Rafaela de Andrade. A mãe-preta na literatura brasileira: a ambiguidade como construção social (1880-1950). 2006. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) – Programa de Pós-graduação, Universidade de São Paulo, São Paulo 2006.). Conforme aponta a autora, a memória em torno dessas imagens racializadas incorporadas nas produções literárias dependeu de algumas “lembranças e diversos esquecimentos”, porque o processo de construção dessa memória implica em uma seleção que reelabora determinadas imagens (permeadas por afetividade, santidade, gratidão) em detrimento de outras (que evocam violência, conflito). Dentro deste debate, a escritora Toni Morrison (2019)MORRISON, Toni. A origem dos outros: seis ensaios sobre racismo e literatura. São Paulo: Companhia das Letras, 2019. adiciona um ponto fundamental. De acordo com a sua perspectiva, grandes “[...] são as tentativas literárias de ‘romantizar’ a escravidão, de torná-la aceitável, preferível até, humanizando-a e até mesmo valorizando-a” (Morrison, 2019, p. 32MORRISON, Toni. A origem dos outros: seis ensaios sobre racismo e literatura. São Paulo: Companhia das Letras, 2019.). É por meio da romantização da escravidão que não se questionava, não se refletia sobre sua moralidade, o seu juízo moral, mas apenas a aceitava-se como um fato, algo natural. A partir desse olhar, a imagem da mãe preta é usada para o estabelecimento de verdadeiros laços afetivos entre posições hierarquicamente tão distintas, ocultando uma cultura de violência, opressão e exploração constitutiva do patriarcado escravocrata.

Não se trata de uma representação da ancestralidade que fortalece as mulheres negras, mas sim de uma das imagens de controle forjadas sobre as mulheres negras, sendo central para sua desumanização e para a exploração do seu trabalho (Collins, 2019COLLINS, Patricia Hill. Pensamento Feminista Negro Conhecimento, consciência e a política do empoderamento. Tradução de Jamille Pinheiro Dias. São Paulo: Boitempo, 2019.) ao ser tomada como realidade. A imagem de mãe preta ou ama de leite, articulada pelo discurso branco, aciona uma camisa de força em relação à condição da mulher negra e desconsidera uma multiplicidade de experiências de mulheres de origem africana ou afrodescendentes que foram escravizadas no Brasil, construindo uma identidade feminina e negra fixa imersa nas relações da escravidão a serviço da construção de corpos úteis, dóceis e do ideal de amor materno (Carneiro, 2006CARNEIRO, Maria Elizabeth Ribeiro. Procura-se “preta, com muito bom leite, prendada e carinhosa”: uma cartografia das amas-de-leite na sociedade carioca (1850-1888). 2006. Tese (Doutorado em História) – Programa de Pósgraduação, Universidade de Brasília, Brasília 2006.). Estamos falando de um corpo cujo valor pela branquitude é dado por sua capacidade para o aleitamento e pela predisposição para o trabalho árduo e doméstico. É tanto que, nas imagens de mulheres negras escravizadas retratadas em pinturas ao lado de pequenas crianças brancas, elas, na maioria dos casos, não têm a sua identidade preservada, como nome, sobrenome, idade ou origem, ao contrário das crianças brancas, que estão quase sempre identificadas.

São imagens distorcidas que entram como mecanismo para deslegitimar o papel de resistência/agência das mulheres negras à escravidão. Elas nunca foram passivas, omissas, dóceis, vitimizadas como algumas visões tentaram retratá-las. A filósofa Angela Davis lembra que, desafiando o contexto de extrema violência e desumanização da instituição da escravidão, as mulheres negras foram capazes de desenvolver estratégias de luta, resistência e agência contra a escravidão. Envenenamento dos algozes, ações de sabotagem, rebeliões, revoltas, fugas, infanticídios, abortos, suicídios e ações mais sutis, como aprender a ler e a escrever de forma clandestina, bem como a transmissão desse conhecimento aos demais, são interpretados como alguns atos de heroísmo que mantiveram uma oposição incansável à desumanidade completa do sistema escravista.

Vale repetir: as mulheres negras eram iguais a seus companheiros na opressão que sofriam; eram socialmente iguais a eles no interior da comunidade escrava; e resistiam à escravidão com o mesmo ardor que eles. Essa era uma das grandes ironias do sistema escravagista: por meio da submissão das mulheres à exploração mais cruel possível, exploração esta que não fazia distinção de sexo, criavam-se as bases sobre as quais as mulheres negras não apenas afirmavam sua condição de igualdade em suas relações sociais, como também expressavam essa igualdade em atos de resistência (Davis, 2016, p. 35-36DAVIS, Angela. Mulheres, raça e classe. Tradução de Heci Regina Candiani. São Paulo: Boitempo, 2016.).

Diante do exposto, por que e para quem faz sentido essa representação da mulher negra em perspectiva subserviente, de doação extrema e de maternidade dedicada à criança branca da família senhorial? Trata-se de uma imagem bastante importante porque representa a relação ideal da mulher negra com a branquitude: calorosas, carinhosas, submissas, fiéis e obedientes, amadas e queridas pela família branca. Ou seja, representa o imaginário branco do que é ser mulher negra. Assim, são imagens que mantêm a subjugação das pessoas negras. Trata-se de regimes de imagens que se reatualizam e que se prestam a manter o Outro sendo outro. Ainda que não exista mais escravidão, é pela lógica racista que se perpetuam as pessoas presas nas imagens fundantes. Porque isso responde a uma matemática do controle e dominação dos corpos negros. O dominador continua sendo dominador e, mais do que isso, permanece com aparatos culturais que justificam porque ele está naquele lugar. Estamos falando, mais uma vez, de uma imagem que reitera o lugar do outro e reforça as estruturas excludentes e racistas na sociedade brasileira, moldada pela estratégia racial do branco, colonial, europeu. Como afirma Maria Carneiro (2003, p. 4)CARNEIRO, Maria Elizabeth Ribeiro. “Corpos que nutrem: mulheres procuradas e oferecidas para aluguel e venda na capital federal da Corte Imperial”. Em Tempo de Histórias, Brasília, v. 7, n. 6, p. 15-46, 2003., estamos diante de uma “projeção insistente, negativa, invertida, porém necessária para a sustentação daquela parcela cidadã” que se reconhecia como corpos brancos, masculinos, proprietários “e sobrevivia de seus proventos, seus ‘bens e lavouras’”, sobretudo do trabalho de pessoas escravizadas.

Imagem 1
Performance Leite Derramado.

Ana Musidora recupera a imagem de controle da mãe preta com uma inteligência crítica, com um refinamento político e com embasamento histórico para produzir imagens altamente sofisticadas que a borram e fazemna explodir, pois mostra, pela sua pele, o que escondem, deturpam e silenciam as representações autorizadas pelo sistema colonial: “[...] ‘seres desqualificados’ como pessoas, mas qualificados para prestarem serviços, inclusive o de amamentar, como boas ‘matrizes’, produtoras do bom leite” (Carneiro, 2006, p. 360CARNEIRO, Maria Elizabeth Ribeiro. Procura-se “preta, com muito bom leite, prendada e carinhosa”: uma cartografia das amas-de-leite na sociedade carioca (1850-1888). 2006. Tese (Doutorado em História) – Programa de Pósgraduação, Universidade de Brasília, Brasília 2006.).

Sem abrir mão da complexidade e ambiguidade da sua estética, Ana Musidora rejeita a representação de clichês coloniais, uma vez que nada em cena traz docilidade e ternura. A opção estética rompe com a atmosfera de bondade e ternura, utilizando o procedimento da perfuração corporal como um dos pontos centrais de sua ação performativa. Ao perfurar a auréola do seio esquerdo com nove agulhas e costurar uma pérola branca no mamilo direito, instituindo zonas de instabilidades e um silêncio profundo no público, possibilita o revirar dos arquivos coloniais, como diria a própria artista, com o “imaginário de amor pelo ato de servir”, rompendo com a narrativa de amor subalterno dentro das relações inter-raciais. As ações produzidas evidenciam, para aqueles que não querem ver, a objetificação negrofeminina, o trabalho compulsório, a natureza brutal e racista do sistema escravocrata. Invocam, através da experiência poética, histórias de dores pouco conhecidas, de mulheres que tiverem suas vozes silenciadas, invisibilizadas e encobertas pelos imaginários brancos de mãe preta. Ver a artista perfurar os seios com as agulhas é uma estratégia estética que refuta a ideia da mãe preta como o exemplo da harmonia racial no Brasil, de romantização dessas imagens por partes das famílias brancas, para revelar, pela experiência artística, que mãe preta também vivia os efeitos da dominação racial.

De um ponto de vista, a opção estética dos panos brancos no chão, formando um rio leitoso, pode ser entendida como uma metáfora da quantidade de leite extraído do corpo negro feminino para nutrir as crianças brancas. Tal extração é evidenciada, como veremos logo mais, nos anúncios de jornais de aluguel e venda de amas de leite escravizadas no Rio de Janeiro Imperial, nos quais apareciam constantemente as expressões “com muito bom leite”, ou “tendo muito bom leite”. Por outro lado, também é possível pensar o rio leitoso, como afirma Lélia Gonzalez, resistência passiva, ou seja, como a organização de formas de resistência a partir de práticas cotidianas. Tais mulheres, afinal, posicionadas como as mães responsáveis pela criação e educação das crianças brancas, transmitiram-lhes as categorias das culturas negro-africanas de que eram representantes, imprimindo na sua fala marcas da africanização e transformando o português falado no Brasil em pretuguês. Ou seja, esse rio de leite pode ser também pensado como a marca central da presença africana no tecido cultural brasileiro.

Leite Derramado perfura a nostalgia das famílias senhoriais quando colocam a mulher negra na chave da subordinação, no lugar do Outro, em posição de inferioridade, de desqualificada localização social e de invisibilidade da sua subjetividade. O trabalho leva-nos a pensar sobre a negociação desumana dos corpos negros femininos na fase de lactação. Maria Elizabeth Ribeiro Carneiro (2006)CARNEIRO, Maria Elizabeth Ribeiro. Procura-se “preta, com muito bom leite, prendada e carinhosa”: uma cartografia das amas-de-leite na sociedade carioca (1850-1888). 2006. Tese (Doutorado em História) – Programa de Pósgraduação, Universidade de Brasília, Brasília 2006. analisa uma série de anúncios de compra, venda e aluguel de pessoas escravizadas, em meio à oferta e procura de bens móveis e imóveis, publicados diariamente nas páginas do Jornal do Commercio que circulava no Rio de Janeiro, capital do Império, e nos quais as amas de leite apareciam sucessivamente. Observam-se, nos anúncios, que categorias como idade, a condição de lactante, a saúde e a cor/raça aparecem como alguns requisitos fundamentais para a compra ou aluguel de mulheres para o serviço de nutrir os rebentos da família patriarcal branca: “[...] Aluga-se para ama de leite, uma escrava parda muito moça, sadia e morigerada, sem a cria, nascida há dous mezes; trata-se no armazém da rua da Alfândega n. 29 A. 9 [...]” (Jornal do Commercio, 1869 apud Carneiro, 2006, p. 218CARNEIRO, Maria Elizabeth Ribeiro. Procura-se “preta, com muito bom leite, prendada e carinhosa”: uma cartografia das amas-de-leite na sociedade carioca (1850-1888). 2006. Tese (Doutorado em História) – Programa de Pósgraduação, Universidade de Brasília, Brasília 2006.). Noutro trecho lê-se “[...] Aluga-se uma ama, pardinha, de 16 annos, com muito bom leite, na rua Cosme Velho n. 26, Bica da Rainha (Larangeiras)” (Jornal do Commercio, 1872 apud Carneiro, 2006, p. 221CARNEIRO, Maria Elizabeth Ribeiro. Procura-se “preta, com muito bom leite, prendada e carinhosa”: uma cartografia das amas-de-leite na sociedade carioca (1850-1888). 2006. Tese (Doutorado em História) – Programa de Pósgraduação, Universidade de Brasília, Brasília 2006.). Bem como, por fim:

[...] Aluga-se uma boa escrava para ama, tendo muito bom leite, muito sadia e do primeiro parto: esta escrava, além de servir de ama, é também prendada e sabe perfeitamente engommar, lavar, coser, cozinhar e bem arranjar uma casa; para ver e tratar, na rua do Bom Jardim n. 12H. [...] (Jornal do Commercio, 1872 apud Carneiro, 2006, p. 223CARNEIRO, Maria Elizabeth Ribeiro. Procura-se “preta, com muito bom leite, prendada e carinhosa”: uma cartografia das amas-de-leite na sociedade carioca (1850-1888). 2006. Tese (Doutorado em História) – Programa de Pósgraduação, Universidade de Brasília, Brasília 2006.).

Como visto acima, os anúncios do jornal apontam para duas direções, contudo resultam numa mesma visão. Nota-se que, de um lado, sequer mencionam a existência do bebê do próprio ventre da ama de leite e, do outro lado, enfatizam “sem a cria”, resultando na negação da maternidade do próprio filho natural. O que revela que a separação brutal e cruel das escravizadas do convívio da criança2 2 A partir do estudo sobre as amas de leite da sociedade carioca oitocentista, a historiadora Maria Elizabeth Ribeiro Carneiro (2006) lembra que os proprietários poderiam ser eles mesmos os pais daquelas crianças enjeitadas, assim como de muitas crianças escravizadas. Para a autora, como o nascimento fora do matrimônio era moral e socialmente condenável, principalmente, mas não exclusivamente, no mundo dos livres com posses, é que algumas das crianças abandonadas pudessem ser consideradas bastardas e, por conta de condições econômicas ou morais, e também por ordem do senhor e pai, acabassem depositadas na Roda dos Expostos. recém-nascida constituía uma estratégia dos senhores proprietários, interessados em aumentar seus ganhos e negócios com o aluguel dessas mulheres como amas. Isso porque os locadores estavam dispostos a pagar o triplo do valor pelos serviços temporários e exclusivos da ama de leite sem o seu bebê natural. A exploração econômica da capacidade de aleitamento da ama negra conferia ao seu proprietário uma posição diferenciada e superior, porque lhe possibilitava usufruir um negócio bem mais rentável. Os senhores aproveitavam o período de lactação das escravizadas para alugá-las a mais de uma família. Seus corpos foram produtores de rendas para proprietários, locadores e intermediários de seus serviços e acúmulo de riqueza da supremacia branca no Brasil.

Leite Derramado performa a maternidade abnegada da mulher negra, que implicou no seu próprio sacrifício, na condição de escravizada, e na privação dos afetos e cuidados de mãe de suas próprias crianças negras, provocados pelo afastamento forçado para criar os filhos e filhas da “pátria brasileira3 3 Rafaela de Andrade Deiab (2006), investigando a representação social da mãe preta no poema de Cyro Costa, entre entre outros, analisa interpretações dessa imagem conectadas à figura de Nossa Senhora Aparecida. “Também preta e mãe, sobretudo mãe sacrificada pelo holocausto de seu próprio filho para salvar a humanidade, é a padroeira da pátria livre e mestiça, ou seja, a pátria brasileira” (Deiab, 2006, p. 140). Com relação ao assunto, ver Deiab (2006). ”. Musidora performa a história de mulheres que foram privadas de sua maternidade para exercerem outra, como mães de leite dos filhos e filhas de seus proprietários e locadores, visto que, para ter condições de aleitamento da criança branca, era necessário que a mulher negra tivesse engravidado, tendo, portanto, também um filho natural. Tais crianças, quando não morriam, muitas vezes eram vendidas ou oferecidas para serem criadas, mediante o aluguel da mãe, ou encaminhadas por elas ou por seus proprietários para a Roda dos Expostos, um dispositivo disponível na qual recém-nascidos eram deixados em instituições de assistência que abrigavam essas crianças abandonadas. A sua performance revela, como afirmou Rafaela Deiab (2006)DEIAB, Rafaela de Andrade. A mãe-preta na literatura brasileira: a ambiguidade como construção social (1880-1950). 2006. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) – Programa de Pós-graduação, Universidade de São Paulo, São Paulo 2006., que a figura da ama de leite não implica apenas numa exaltação da relação afetiva com o filho branco do senhor, mas num alerta para a crueldade a que ela era submetida ao ser apartada de seu próprio filho natural. No seu discurso estético, Ana Musidora elucida as palavras das historiadoras Elizabeth K. C. de Magalhães e Sonia Maria Giacomini, ao declarar que:

A existência das mães pretas revela mais uma faceta da expropriação da senzala pela casa grande, cujas consequências inevitáveis foram a negação da maternidade escrava e a mortalidade de seus filhos. Para que a escrava se transformasse em mãe-preta da criança branca, foi-lhe bloqueada a possibilidade de ser mãe de seu filho preto. A proliferação de nhonhôs implicava o abandono e a morte dos moleques. Desta forma, ao incorporar a negra ao ciclo reprodutivo da família branca, a escravidão reafirmava a impossibilidade para os escravos de constituírem seu próprio espaço reprodutivo (Magalhães; Giacomini, 1983, p. 80MAGALHÃES, Elizabeth K. C.; GIACOMINI, Sônia Maria. A escravizada ama-deleite: anjo ou demônio? In: BARROSO, Carmem; COSTA, Albertina de Oliveira (Org.). Mulher, mulheres. São Paulo: Cortez; FCC/DPE, 1983. P. 73-88.).

O rosto de Musidora, coberto de renda branca, remete justamente ao corpo da mulher reduzido à produção do seu leite materno, à objetificação dos corpos femininos negros. Na condição de “mulher-mercadoria, mãode-obra anunciada” (Carneiro, 2003CARNEIRO, Maria Elizabeth Ribeiro. “Corpos que nutrem: mulheres procuradas e oferecidas para aluguel e venda na capital federal da Corte Imperial”. Em Tempo de Histórias, Brasília, v. 7, n. 6, p. 15-46, 2003.), de corpos desqualificados socialmente para os padrões europeus e burgueses de “civilidade”, as amas eram submetidas ao trabalho compulsório, aos mandos e desmandos de seus proprietários e locadores, que as utilizavam de múltiplas formas. Além de “[...] corpos aleitadores de seus filhos ou corpos usados/abusados para satisfação sexual; como corpos desfrutados que ora deviam ser escondidos, ora propriedades que se precisava exibir, para explicitar a condição proprietária” (Carneiro, 2003, p. 7CARNEIRO, Maria Elizabeth Ribeiro. “Corpos que nutrem: mulheres procuradas e oferecidas para aluguel e venda na capital federal da Corte Imperial”. Em Tempo de Histórias, Brasília, v. 7, n. 6, p. 15-46, 2003.).

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Performance Leite Derramado.

O trabalho desmantela as imagens e as narrativas hegemônicas, produzidas dentro do um ponto de vista da casa-grande, que colocam as mulheres negras em lugares subalternos, perturbando a imagem da mãe negra como um símbolo da escravidão mais benigna existente no Brasil. Desmascara-se um dos símbolos de romantização da violência e dominação racial brasileira, o estereótipo do amor servil difundido na imagem da icônica mãe preta, que minimiza a violência da escravidão na memória social e atua como forma de controle do corpo, da saúde e da maternidade das mulheres negras. Desfazse, a partir da estética, essa imagem de controle que mantém as mulheres negras presas ao trabalho doméstico, evidenciando as palavras da feminista Lélia Gonzalez (2020, p. 54)GONZALEZ, Lélia. Por um Feminismo Afro-Latino-Americano: Ensaios, Intervenções e Diálogos. Rio Janeiro: Zahar, 2020., ao declarar que “[...] não aceitamos tais estereótipos como reflexos ‘fiéis’ de uma realidade vivida com tanta dor e humilhação”.

Certamente, essa estética traz à tona a violência e a exploração inscritas na relação entre a ama escravizada e a criança branca, colocando em xeque as visões nostálgicas do falacioso carinho e devoção de mulheres escravizadas a seus senhores brancos, no interior de uma escravidão doméstica, idealmente adocicada e benevolente, que teria ocorrido no espaço interno da casa-grande. Visão que mascara tensões e violências inerentes à escravidão, humilhações, agressões físicas e verbais por parte de seus algozes, ataques sexuais, estupros que resultavam em gravidez indesejável, formas de vigilância, ausência de privacidade, negação do direito da maternidade, impossibilidade de constituir seus próprios laços afetivos e reprodutivos.

Imagem 3
Performance Leite Derramado.

Considerações finais

Leite Derramado, como declarou Diana Taylor (2013, p. 261)TAYLOR, Diana. O arquivo e o repertório: performance e memória cultural nas Américas. Tradução de Eliana Lourenço de Lima. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2013., “[...] funciona na transmissão da memória traumática, inspirando-se em um arquivo e repertório de imagens culturais compartilhadas, ao mesmo tempo que os transforma”. A performance, aqui, produz imagens de contestação que absorvem os estereótipos maternos no interior das famílias brancas, suscitando olhares e perspectivas autocríticas, por meio do campo artístico, sobre as imagens de controle do passado e do presente sobre a condição da mulher negra. Diante disso, as suas imagens, autenticamente pensadas por e para mulheres negras, podem ser entendidas como uma possibilidade de criação de novas imagens e imaginários que contribuem para a constituição de uma história brasileira sob a perspectiva feminina negra, pois, como lembra a artista visual Rosana Paulino (2016, p. 9)PAULINO, Rosana. Diálogos Ausentes, Vozes Presentes. São Paulo: Itaú Cultural, 2016. Disponível em: http://d3nv1jy4u7zmsc.cloudfront.net/wpcontent/uploads/2016/12/di%C3%A1logosausentes_rosanapaulino-rev.pdf. Acesso em 24 jan. 2021.
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:

Imagens não são elementos mortos. Elas participam ativamente da construção dos locais sociais ocupados pelos indivíduos. Neste caso – analogamente ao preceito homeopático segundo o qual ‘semelhante cura semelhante’ –, podemos pensar que, metaforicamente, ‘imagens curam imagens’, considerando-se que o olhar que lançamos às pessoas e aos objetos os imbui de características as mais diversas, boas ou más. Estereótipos são criados ou reforçados quando somos diariamente bombardeados por imagens que corporificam preconceitos e lugares instituídos. Repensar esses lugares implica repensar as imagens que fundaram simbolicamente o país [...].

É, portanto, por intermédio da realização do programa performativo de Ana Musidora que o próprio processo de descolonização é acionado. Visto que sua estética possibilita lançar novas questões e reflexões críticas sobre as imagens/representações históricas, ordenadas segundo os valores patriarcais e escravocratas, auxilia a desmantelar os discursos do colonialismo e da escravatura brasileiro em torno das mulheres negras. É assim que Musidora decoloniza os imaginários brancos construídos e identificados com o passado colonial, mas que ainda habitam e circulam o cenário social brasileiro, gerando tensões necessárias para o debate das questões raciais. Para finalizar, afirma-se que as imagens produzidas em sua performance, como menciona a escritora brasileira Conceição Evaristo, não são para “‘ninar os da casa grande’ e sim para incomodá-los em seus sonos injustos” (Evaristo, 2007, p. 21EVARISTO, Conceição. Da grafia-desenho de minha mãe um dos lugares de minha escrita. In: ALEXANDRE, Marcos Antônio (Org.). Representações performáticas brasileiras: teorias, práticas e suas interfaces. Belo Horizonte: Maz-za, 2007. P. 16-21.).

Notas

  • 1
    Em Memórias da Plantação: episódios de racismo cotidiano (2019), Grada Kilomba complexifica a noção de patriarcado a partir das categorias de raça e de gênero. Segundo a autora, “[...] a noção clássica de patriarcado a diferentes situações coloniais é igualmente insatisfatória por não explicar o porquê de homens negros não usufruírem dos benefícios do patriarcado branco. [...]. Os homens negros, escreve bell hooks, ‘poderiam juntar-se a mulheres negras e brancas para protestar contra a opressão de homens brancos desviando a atenção para longe de seu sexismo, de seu apoio ao patriarcado e de sua exploração sexista de mulheres’ (Carby, 1997, p. 87-88). Ainda assim, o sistema patriarcal no âmbito das diferenças raciais é mais complexo, assim como a posição de homens negros e de mulheres negras dentro do patriarcado racial. [...]. Barbara Smith (1983, p. 275) escreve: Nossa situação como pessoas negras exige que tenhamos solidariedade acerca da questão da raça, algo que mulheres brancas certamente não precisam ter com homens brancos, a menos que seja por solidariedade negativa como opressoras e opressores raciais. Nós lutamos juntas com homens negros contra o racismo, enquanto lutamos contra homens negros a respeito do sexismo” (Kilomba, 2019, p. 105KILOMBA, Grada. Memórias da plantação: episódios do racismo cotidiano. Rio de Janeiro: Cobogó, 2019., grifos da autora).
  • 2
    A partir do estudo sobre as amas de leite da sociedade carioca oitocentista, a historiadora Maria Elizabeth Ribeiro Carneiro (2006)CARNEIRO, Maria Elizabeth Ribeiro. Procura-se “preta, com muito bom leite, prendada e carinhosa”: uma cartografia das amas-de-leite na sociedade carioca (1850-1888). 2006. Tese (Doutorado em História) – Programa de Pósgraduação, Universidade de Brasília, Brasília 2006. lembra que os proprietários poderiam ser eles mesmos os pais daquelas crianças enjeitadas, assim como de muitas crianças escravizadas. Para a autora, como o nascimento fora do matrimônio era moral e socialmente condenável, principalmente, mas não exclusivamente, no mundo dos livres com posses, é que algumas das crianças abandonadas pudessem ser consideradas bastardas e, por conta de condições econômicas ou morais, e também por ordem do senhor e pai, acabassem depositadas na Roda dos Expostos.
  • 3
    Rafaela de Andrade Deiab (2006)DEIAB, Rafaela de Andrade. A mãe-preta na literatura brasileira: a ambiguidade como construção social (1880-1950). 2006. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) – Programa de Pós-graduação, Universidade de São Paulo, São Paulo 2006., investigando a representação social da mãe preta no poema de Cyro Costa, entre entre outros, analisa interpretações dessa imagem conectadas à figura de Nossa Senhora Aparecida. “Também preta e mãe, sobretudo mãe sacrificada pelo holocausto de seu próprio filho para salvar a humanidade, é a padroeira da pátria livre e mestiça, ou seja, a pátria brasileira” (Deiab, 2006, p. 140DEIAB, Rafaela de Andrade. A mãe-preta na literatura brasileira: a ambiguidade como construção social (1880-1950). 2006. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) – Programa de Pós-graduação, Universidade de São Paulo, São Paulo 2006.). Com relação ao assunto, ver Deiab (2006)DEIAB, Rafaela de Andrade. A mãe-preta na literatura brasileira: a ambiguidade como construção social (1880-1950). 2006. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) – Programa de Pós-graduação, Universidade de São Paulo, São Paulo 2006..
  • Este texto inédito também se encontra publicado em inglês neste número do periódico.

Referências

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  • CARNEIRO, Maria Elizabeth Ribeiro. Procura-se “preta, com muito bom leite, prendada e carinhosa”: uma cartografia das amas-de-leite na sociedade carioca (1850-1888). 2006. Tese (Doutorado em História) – Programa de Pósgraduação, Universidade de Brasília, Brasília 2006.
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Editado por

Editora responsável: Celina Nunes de Alcântara

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Out 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    31 Jan 2022
  • Aceito
    06 Jun 2022
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