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Editorial

Vimos apresentar a nossos leitores a seção temática Teatro e Educação, em que contamos com o rigoroso auxílio da professora Chantale Lepage, da Université du Québec à Montréal, no Canadá, como editora convidada especialmente para o acompanhamento da avaliação dos artigos dessa seção.

O tema é candente para a área da Educação e, da mesma forma, para o campo artístico. Essa seção sobre teatro e educação procura, além de outras coisas, lembrar a importância do teatro na formação de crianças e jovens. Esse é talvez o objetivo principal dessa seção.

Afinal, do que se trata esse par? Tratar-se-ia de uma dupla improvável? A criação e a normatividade poderiam estar juntas no mesmo processo de ensino aprendizagem? Evidentemente, os professores, os artistas-pedagogos e os artistas em geral possuem um papel importante na educação artística e estética das crianças e jovens em idade escolar. Seja por intermédio do fazer ou do ver, o acesso à experiência do sensível é fundamental para a formação, proporcionando a oportunidade de visões interrogativas do mundo e de questionamentos distintos sobre os diferentes modos de vida e cidadania.

As questões sobre ensinar e aprender estão no cerne dessas discussões, mas também um tema que emerge com força no interior das práticas de Teatro e Educação é aqui debatido e problematizado: a mediação teatral.

Os efeitos da recepção em teatro transpassam largamente o território da disciplina teatral. A formação dos espectadores e o aumento do público que frequenta teatro podem dar seguimento a uma grande aventura humana.

Assim, a seção abre com o texto do filósofo Alain Kerlan, intitulado A Experiência Estética, uma Nova Conquista Democrática, no qual o autor defende a experiência estética como um espaço de liberdade que comporta desafios democráticos e políticos. Inspirado pelos escritos de Schiller, o autor examina a democratização cultural através de três extratos: a apropriação do patrimônio, o ver; a acessibilidade às práticas artísticas, o fazer; e a acessibilidade à experiência estética como experiência humana fundamental.

Por intermédio das ligações que se estabelecem entre educadores e artistas, ele nos convida a observar aquilo que aproxima a arte da educação, a fim de verificar os objetivos e as questões que ambos têm em comum e a interrogar a existência de um desequilíbrio entre o que é utilitário e a arte. Para o filósofo, a liberdade, a democracia e a educação para a cidadania passam pelo caminho da estética e pelas relações que os homens tecem com as obras. Nessa perspectiva, ele não considera a educação estética apenas como um complemento educativo.

Carole Marceau e Maud Gendron-Langevin se interrogam sobre as características de algumas propostas de formação na educação escolarizada - mais especificamente em projetos de teatro - e na comunidade. No artigo A Emergência de Vozes Distintas na Escola e na Comunidade: práticas singulares de teatro no Quebec, as autoras procuram saber se o teatro na educação escolarizada e na comunidade partilham dos mesmos objetivos, ainda que se trate de públicos e propostas de formação diferentes. Esses distintos ambientes educativos consideram a formação em teatro como uma finalidade ou como um meio para favorecer o desenvolvimento pessoal e social dos jovens? As autoras apresentam as especificidades desses diferentes ambientes e, sobretudo, seus pontos de convergência.

O artigo sublinha, ainda, a contribuição do estado canadense - que propõe alguns programas, visando apoiar esses distintos ambientes educativos - e suas implicações.

O terceiro texto da seção é assinado pela editora convidada, a professora Chantale Lepage, e chama-se Ter 20 Anos em 2015: uma experiência exemplar de mediação teatral. Segundo a autora, ao analisar o projeto que dá título ao trabalho, percebe-se a experiência do sensível, articulada com a abertura a outras realidades, à herança cultural, a uma apropriação pessoal e identitária e à experiência de deixar a marca de sua geração. Ter 20 Anos em 2015 é uma experiência de mediação cultural exemplar, que se distingue pela riqueza e complexidade dos dispositivos de acesso privilegiado ao teatro e à cultura que oferece aos jovens.

O texto relata a experiência de recepção das obras, as viagens e, igualmente, os encontros e os intercâmbios com pessoas notáveis. Ele mostra, ainda, como os jovens constroem coletivamente o sentido das obras e como refletem sobre o papel da arte e a função de artista na nossa sociedade. Para os jovens, trata-se de uma aventura como uma grande escola.

O trabalho da brasileira Maria Lúcia Souza Barros Pupo aparece como o quarto artigo da seção. Em Luzes sobre o Espectador: artistas e docentes em ação, ela examina as políticas públicas em cultura e educação que tratam da formação do espectador e visam favorecer o acesso às experiências estéticas e artísticas. A análise das iniciativas oriundas do meio artístico e da educação leva em conta a natureza dos projetos, os objetivos e as metodologias empregadas na sua execução.

A reflexão, inspirada, entre outros, em Jacques Rancière, interroga a relação espectador-obra e a postura do professor e do artista. Enfim, interessa a ela discutir a ida ao teatro, o ver, assim como a confrontação com o jogo, o fazer, levando em conta os dispositivos de mediação que propomos aos alunos.

Na perspectiva de dar a conhecer melhor a riqueza e diversidade da formação oferecida aos adolescentes de doze a dezoito anos, Francine Chaîné e Mariette Théberge apresentam duas escolas de formação especializadas em teatro.

Em Programas Especializados em Teatro: um caminho para si e para a arte na sociedade, elas mostram como a formação dos alunos contribui para uma formação das identidades e para a construção da visão de mundo. Ao longo do percurso escolar, segundo elas, os alunos experimentam diversos processos ligados à criação, à interpretação e à recepção de obras. A diversidade dos projetos e os tipos de engajamento solicitados constituem, para os alunos, uma via de acesso privilegiado de si mesmo, pois o teatro os leva a interrogarem-se sobre seus interesses, atitudes e relações com o outro, sobre os artistas, a arte e a sociedade através da experimentação de personagens e de situações dramáticas.

Por fim, o artigo de Lucie Villeneuve encerra essa rica seção sobre Teatro e Educação. O Percurso Estudantil do Festival Transamériques (FTA): uma experiência de mediação cultural marcante apresenta uma enquete realizada com adolescentes inscritos no projeto Percurso Estudantil do Festival Transamériques.

Dentro de uma parceria cultura-escola, os jovens do ensino médio são iniciados na criação contemporânea. Além de verem obras importantes em teatro e dança, eles são iniciados no processo de criação de alguns artistas, participando em intercâmbios com eles em ateliês práticos, em conferências etc. As atividades realizadas em sala de aula antes do festival procuram suscitar o interesse dos alunos e prepará-los para uma melhor recepção das obras, enriquecendo suas experiências como espectadores.

Para a autora, o percurso estudantil constitui um verdadeiro rito de passagem para os alunos: uma experiência que suscita o desejo de criar, de ser mais audacioso na criação, de explorar novas estéticas, de arriscar.

O que a seção procura mostrar é que o encontro entre Teatro e Educação nos obriga a uma constante ida e vinda entre experiência estética e experiência artística. As passagens entre ver e fazer são complementárias na formação dos alunos e trazem à tona as aprendizagens que ultrapassam as fronteiras do teatro, marcando a importância desse tipo de discussão.

Após essa seção de capa, como de hábito em nosso periódico, apresentamos a seção Outros Temas, com a seleção do que chega a nós sobre temáticas diversas.

Assim, temos três excelentes trabalhos a apresentar. O primeiro chama-se PARC (Performances de Arte Relacional como Cura): performance e somatic experiencing, da professora Tania Alice, que trata do relato e reflexão de performances realizadas pela própria autora.

O segundo, de autoria de Antonia Pereira Bezerra, chama-se Verdade na Cena, Verdade na Vida: Boal e Stanislavski, fazendo uma interessante comparação entre os trabalhos dos dois encenadores.

Por fim, o terceiro artigo, Energia da Presença, a Meta Principal do Treinamento do Ator, dos italianos Nicola Camurri e Christian Zecca, problematiza o conceito que dá título ao trabalho sob a perspectiva das neurociências.

Uma vez mais, oferecemos aos nossos leitores o resultado de um trabalho sério e dedicado, tanto da parte dos autores como de nossa própria parte, pois, em todo o processo de avaliação, edição e revisão, gastamos o tempo necessário para poder publicar o nosso melhor. Esperamos, assim, que a leitura seja proveitosa e potente.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Ago 2015
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