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Prática Artística: notas de dentro - Um Pra Um - Passeios Ruminantes de Vera Mantero & convidados

Pratique Artistique: remarques du dedans - Un pour un - Promenades Ruminantes par Vera Mantero & des invites

Resumo:

O artigo propõe-se a discutir a força crítica do projeto Mais Pra Menos Que Pra Mais (2014) e da performance Um Pra Um - Passeios Ruminantes (2014), ambas da coreógrafa portuguesa Vera Mantero. Para tanto, parte-se como metodologia do conceito do antropólogo Tim Ingold, conhecer de dentro, e da participação da autora no projeto como performer. Da análise do processo, discute-se, a saber: suas forças coreopolíticas, sua temporalidade projetiva e uma noção do artista como curador de si próprio. Conclui-se que, apesar das tensões entre a arte e a lógica de produção, o trabalho oferece diversos elementos no qual residem sua força: como pensar a política na arte, as noções de colaboração, proximidade, comunidade, autoaprendizagem e responsabilidade, que se distanciam de abstrações vazias.

Palavras-chave:
Crítica; Conhecer de Dentro; Participação; Vera Mantero; Performance

Résumé:

L’article se propose à discuter la force critique du projet Plus en moin qu’en plus (2014) et de la performance Un pour un - promenades ruminantes (2014), conçus par la chorégraphe portugaise Vera Mantero. En tant que méthodologie, on est parti du concept connaitre dés l’intérieur développé par l’anthropologue Tim Ingold et de la participation de l’auteure au projet comme performer. À propos de l’analyse du proccès, on discute notamment: ses forces choréopolitiques, sa temporalité projective et une notion de l’artiste comme un conservateur de lui-même. La conclusion c’est que malgré la tension entre l’art et la logique de production, le travail offre quelques élément dans lesquels sa force réside: comment penser la politique dans l’art, les notions de collaboration, proximité, communauté, auto-apprentissage et responsabilité, qui s’éloignent des abstractions vides.

Mots-clés:
Critique; Connaitre dés l’Intérieur; Participation; Vera Mantero; Performance

Abstract:

The article aims to discuss the critical force of the Rather Less Than More Project (2014) and the performance One for One - Ruminative Walks (2014) by Portuguese choreographer Vera Mantero. To this end, we began by utilizing the concept methodology knowing from the inside by the anthropologist Tim Ingold, and Maíra Santos’ participation in the project as a performer. From an analysis of the process, the following is discussed: its choreopolitical forces, its projective temporality and a notion of the artist as a curator of him/herself. It is concluded that despite the tensions between art and the logic of production, the work provides several elements in which its force resides: a reflection on politics in art, notions of collaboration, proximity, community, self-learning and responsibility, which distance themselves from empty abstractions.

Keywords:
Critique; Knowing from the Inside; Participation; Vera Mantero; Performance

Introdução

Mais Pra Menos Que Pra Mais - projeto-performance-instalação (2014) foi um evento de cinco dias dirigido por Vera Mantero, realizado em Portugal, Lisboa1 1 Vera Mantero é professora, bailarina e coreógrafa portuguesa. Foi precursora da chamada Nova Dança Portuguesa, movimento que surge nos anos 1980, conhecido no âmbito europeu por suas práticas experimentais da dança teatral. . O evento aconteceu entre o teatro da Fundação Culturgest2 2 A Culturgest é uma fundação de direito privado, instituída pela Caixa Geral de Depósitos, considerada a maior instituição bancária de Portugal. e o teatro Municipal Maria Matos, situados na zona central da cidade. Ele abrangeu hortas, performances, um congresso de agricultura urbana, concertos, workshops, instalações, experimentações sonoras, visitas guiadas, mostra de documentários, piquenique ao anoitecer e dança. A história desse projeto passa por inquietações poéticas e de cunho ecológico, encontros, parcerias e ação. Da ação, o improvável: da feitura de um evento gratuito com arte e formação, à criação de um imaginário agrícola citadino que deu a conhecer espaços da cidade e dos teatros, e de fato espalhou jardins de permacultura no centro de Lisboa.

Notas de dentro, título que compõe o presente artigo, é uma alusão direta ao conceito conhecer de dentro, do antropólogo britânico Tim Ingold3 3 Knowing from the inside, título que pode ser traduzido para o português por conhecer de dentro, abre sua obra Making: Anthropology, archaeology, art and architecture. Knowing from the inside, é também um projeto do qual Ingold participa. Ver em: <https://www.knowingfromtheinside.org>. Acesso em: 21 maio 2020. . Pois foi a participação como performer em Um Pra Um - Passeios Ruminantes -, uma das várias ações do projeto Mais Pra Menos Que Pra Mais (2014), e também a participação voluntária na implementação de uma horta em permacultura, outra parte do projeto, que me possibilitaram conhecer de dentro o trabalho de Vera Mantero. O conceito ingoldiano diz respeito sobretudo a uma ideia metodológica de combinar à antropologia uma atitude de pensar a vida humana. Essa ideia, ligada ao conceito de Ingold (2013a), consiste em tratar o aprendizado como algo que se diferencia de uma simples apuração dos fatos sobre o mundo e se aproxima de uma atitude de interação. Como veremos a seguir, conhecer de dentro envolve as seguintes ideias: aprender a aprender; marcar diferenças entre a antropologia e a etnografia; conceber a observação participante, conceito caro à antropologia, mediante uma inversão que dê primazia à participação, para que ela se torne uma participante observação (participant observation). E, além disso, ter uma conduta de pensamento denominada arte da investigação na qual o que está em jogo é a relação entre o pensar e o fazer.

Como objetivo principal deste artigo, procurei descobrir em que consistiria a força crítica de Mais Pra Menos Que Pra Mais (2014), obra que me pareceu estar diante da tensão entre arte e lógica de produção. Gostaria, entretanto, de dar ênfase especial ao processo de criação Um Pra Um - Passeios Ruminantes para discutir a ideia de fazer realmente por dentro, como diria Ingold, direção que só pôde tomar forma porque minha participação como performer alterou minha posição no tabuleiro da pesquisa4 4 Este artigo é fruto de minha pesquisa de doutorado realizada nos contextos da dança em Lisboa/Portugal e Berlim/Alemanha. Projeto: Doutorado Pleno no Exterior (CAPES/Brasil). Ver Santos (2019). . Nesse sentido, abordo o aspecto político desses projetos com base no conceito de Coreopolítica, de André Lepecki, partindo de sugestões da obra de Mantero. Assim como a direção dessa coreógrafa, a ideia do meu processo de criação passou por agenciamentos entre memória, corpo e coletivo, pela percepção de que somos curadores de nós mesmos e, desse modo, copiamos e colamos coisas que guardamos em nossos arquivos pessoais. Sobretudo a ideia de que existe uma tensão entre as forças criativas e a lógica institucional que lhes dá condições de existência.

Um Pra Um - Passeios Ruminantes: notas de dentro do trabalho no campo da prática artística

A atuação da pesquisadora no trabalho de campo exigiu um grande envolvimento. Mais que isso: forçou-me a uma plena imersão. Essa costuma ser de fato a “condição para se fazer pesquisa de/em arte” (Strazzacappa, 2014STRAZZACAPPA, Márcia. Imersões poéticas como processos de formação do artista-docente. ARJ ARJ-Art Research Journal, ABRACE, UFRN, v. 1, n. 2, p. 96-111, jul./dez. 2014. , p. 97). Pois as pesquisas em arte se definem pela própria prática do pesquisador, sua compreensão acerca do processo que foi incorporado e seus produtos.

Sylvie Fortin (2009FORTIN, Sylvie. Contribuições possíveis da etnografia e da auto-etnografia para a pesquisa na prática artística. Revista Cena, Porto Alegre, UFRGS, n. 7, p. 77-88, fev. 2009. ) afirma que o terreno da prática artística corresponde aos teatros, estúdios, ateliês, salas de aula, o que faz do trabalho de campo etnográfico um método a ser utilizado na pesquisa em prática artística. A abordagem para esta pesquisa originou-se de uma perspectiva duplamente insider, já que estive a meio-caminho entre a pesquisadora e a bailarina, pertenci às comunidades de dança estudadas e assumi, portanto, a perspectiva de alguém que conheceu por dentro o mundo da dança enquanto realizava um trabalho de campo em casa (Jackson, 1987JACKSON, Anthony. Anthropology at Home. London: Tavistock, 1987. ). Além disso, como forma de contornar o abismo da perspectiva outsider - que insiste na separação entre observação e participação -, busquei me aproximar da antropologia de Tim Ingold. O aprofundamento da leitura dos textos de Tim Ingold indicava a necessidade de repensar a própria noção de campo como algo que permitisse falar de dentro ou ao menos que não exigisse que saíssemos para nos referir a ele desde fora.

Para Ingold (2013aINGOLD, Tim. Making: Anthropology, archaeology, art and architecture. London: Routledge, 2013a.; 2015a), no processo de observação participante, ou melhor, na participante observação, a postura de aprender a aprender tem um papel essencial. Ela requer pôr em dúvida, sacudir tudo o que poderia impor uma forma antecipada ou predeterminada às observações. A chamada observação participante não se constitui, segundo Ingold, como uma técnica de coleta de dados, nem tampouco como algo limitado à antropologia. O fundamental dessa metodologia de pesquisa é o “[...] reconhecimento de que devemos nosso próprio ser ao mundo que procuramos conhecer. Em poucas palavras, a participante observação seria uma forma de conhecer de dentro” (Ingold, 2013a, p. 5, ênfase do autor, tradução nossa).

Ligado ao conhecer de dentro está também a ideia de Aprender a aprender, frase de Ingold (2013aINGOLD, Tim. Making: Anthropology, archaeology, art and architecture. London: Routledge, 2013a.) que vem de um conhecimento profundo dos Saami, caçadores lapões, quando o pesquisador realizou seus trabalhos etnográficos no extremo norte da Europa. Com os Saami ele aprendeu que é “[...] observando, ouvindo e sentindo - prestando atenção ao que o mundo tem a nos dizer - que aprendemos” (Ingold, 2015a, e-book). Nesse sentido, para Ingold (2015a, e-book), mover, conhecer e descrever são facetas paralelas - “movendo é que conhecemos, movendo é que descrevemos”. A pista que segui na presente investigação foi pensar maneiras diferentes de conhecer em união as coisas em seus processos de pensamento (Ingold, 2013a; 2015a). A composição de diários em diálogo com algumas imagens e fotografias também foram formas de engajamento e de postura ativa na pesquisa.

Para Ingold (2013aINGOLD, Tim. Making: Anthropology, archaeology, art and architecture. London: Routledge, 2013a.; 2015a), antropologia e etnografia são empreendimentos de tipos muito distintos5 5 “Isso não quer dizer que uma seja mais importante que a outra, ou mais honrosa. […] Trata-se simplesmente de negar que são a mesma coisa” (Ingold, 2015a, e-book). . Enquanto a etnografia teria uma preocupação com a precisão descritiva, com a documentação e com a “orientação temporal retrospectiva” (2015a, e-book)6 6 Ingold (2015a, e-book) vai nos dizer que “[...] arte e etnografia não combinam muito. A primeira compromete os compromissos da etnografia com a precisão descritiva; a última foge do imediatismo do envolvimento observacional da arte”. , a antropologia, assim como a prática artística, teria um “caráter especulativo, experimental e aberto”, permeado pela “dinâmica prospectiva”, que vai ao encontro do “engajamento observacional da arte” (Ingold, 2013a, p. 8, tradução nossa). A fim de priorizar nesta pesquisa uma implicação no mundo vivido, nas possibilidades de vida humana que estiveram ao nosso alcance, escolhemos, a exemplo de Ingold, substituir a ideia da antropologia como “estudo de” por um “estudo com” pessoas, no qual aprendemos também a partir delas (Ingold, 2013a; 2015a).

Ao escolhermos como campo o estúdio, os teatros, os baldios, o espaço entre os teatros, tentamos fugir de uma concepção de trabalho de campo que estivesse atrelada seja à etnografia, seja à antropologia ancorada na análise comparativa, para que pudéssemos conduzir sua prática com base no diálogo participativo.

Outro ponto de vista desta pesquisa foi pensar o fluxo entre arte e conceito, evitando separar a relação entre arte e teoria em dois extremos. Isso também está ligado ao conceito ingoldiano de arte da investigação, que consiste na relação entre o pensar e o fazer. Ou, parafraseando Ingold (2013aINGOLD, Tim. Making: Anthropology, archaeology, art and architecture. London: Routledge, 2013a.), supõe acompanhar e responder continuamente aos fluxos dos materiais de trabalho que, por sua vez, estão sempre avançando em tempo real. Assim, esse método permitiria privilegiar o trânsito entre dança e quadro teórico para conectá-los, encontrar ressonâncias e observar o processo como recíproco.

Foi por meio do trabalho com a horta que comecei meu processo criativo. Isso ocorreu um pouco antes que eu soubesse qual seria exatamente meu papel como artista no projeto de Mantero. De qualquer forma, comecei a habitar esse baldio, onde mais tarde seriam instalados a horta e seus arredores, sujei-me de terra, conversei com as pessoas, peguei na enxada, carreguei pedra e plantei. Como nos lembra Flusser (2014FLUSSER, Vilén. Gestures. Minneapolis; London: University of Minnesota Press, 2014., p. 104, tradução nossa), a agricultura também é uma “abertura ao gesto de espera”: preparar a terra, cavar buracos, cobrir as sementes com terra e esperar. Há uma qualidade nessa espera. Trata-se de uma espera “atenta, preventiva, protetiva” (Flusser, 2014, p. 101). Portanto, parte do meu processo criativo e inspiração poética foi me envolver no tempo do cultivo tentando domar a terra com uma agricultura alternativa (Figura 1).

Figura 1
Início da implementação da horta no sistema de permacultura, Projeto Mais Pra Menos Que Pra Mais (2014). Baldio junto à via férrea, bairro Entrecampos, Lisboa, 2014

O processo com Vera Mantero, em Lisboa, consistiu em três encontros e trocas de e-mails. Nesses encontros, nós, performers, imaginamos situações e sobretudo conversamos. Conversamos sobre como poderíamos transformar os meios de locomoção e as formas de consumo, esboçamos ideias para uma vida mais sustentável, discutimos a relação entre campo e cidade, entre muitos outros assuntos. Para Ingold (2017INGOLD, Tim. Correspondences. Aberdeen: University of Aberdeen, 2017., p. 97), as conversas seriam a essência do “conhecer de dentro”, pois estão sempre abertas, em processo, levam constantemente a novos desdobramentos. Por serem dialógicas, por se darem entre pessoas, elas permitem que o conhecimento emerja continuamente. Ele frisa ainda que a conversa é uma atividade contínua, como a vida e o conhecimento, e que, na qualidade de processo, elas podem sempre continuar, são abertas, não necessitam de uma conclusão que as finalize. Foi assim que o trabalho foi se moldando, numa mistura de histórias e narrativas. Dava-se ali uma troca de experiência de vida e ideias estéticas para o trabalho.

Os encontros foram promovidos para pensarmos e decidirmos juntos o que viria a ser a própria performance. A ideia principal seria a de passear com o espectador entre as hortas. Mantero queria que tentássemos dar tempo para que o público pudesse contemplar e, por conseguinte, entrar em diferentes estados. Esses estados também poderiam ser obtidos por um trabalho que focalizasse a experiência sensorial, por exemplo: deixar as pessoas deitarem na terra, cavarem buracos, plantarem, ficarem de olhos fechados, imaginarem hortas onde não havia horta alguma. Havia espaço para que propuséssemos ações. Mantero nos colocava ao seu lado para pensar o que seriam essas dramaturgias caminhantes afinal. Ela nos conta que esse trabalho cresceu de uma série de questionamentos semelhantes aos que irromperam em nossa conversa. Diz-nos que foi sobretudo a conferência da britânica Carolyn Steel (2013STEEL, Carolyn. Palestra proferida no Teatro Maria Matos, Lisboa, maio 2013. Disponível em: <Disponível em: https://youtu.be/iivjP3gvR1c >. Acesso em: 21 abr. 2020.
https://youtu.be/iivjP3gvR1c...
)7 7 Conferência disponível em: <https://youtu.be/iivjP3gvR1c>. Acesso em: 21 maio 2020. que proporcionou o grande impulso para que o projeto estivesse mais focado na ideia de voltar a produzir alimentos na cidade.

Tendo em vista os problemas e inquietações de Mantero, um de nossos objetivos foi a tentativa de fazer nesse trabalho um movimento real e não metafórico de descoberta: como poderíamos implementar formas ambientais alternativas que estivessem orientadas por ideias como soberania alimentar e energias renováveis? Tratava-se em última instância de uma reflexão pública sobre essas e outras questões. Toda a ideia do projeto passou por fomentar ações artísticas imbricadas com um ambiente sustentável - hortas que deveriam ser construídas meses antes do evento; o tempo necessário para que o alimento fosse de fato cultivado e então servisse de cenário e tema para as performances; como desenvolver workshops ligados àquelas formas de cultivo na cidade. Assim, de dentro do projeto Mais Pra Menos Que Pra Mais (2014), nasceu o projeto Uma horta em cada esquina8 8 Ver em: <https://sites.google.com/site/umahortaemcadaesquina/mais-pra-menos-que-pra-mais>. Acesso em: 07 maio 2015. . Dele resultou o cultivo de quatro hortas em diferentes sistemas: permacultura, hidroponia e verticalização, pequenas plantações construídas não de forma tradicional, mas sim no interior de vários agires ecológicos e biológicos específicos.

A parte do projeto de Mantero de que participei como performer concentrou-se na arte da hodologia e se desenvolveu por visitas guiadas e performáticas entre os Teatros Maria Matos e Culturgest, passando por todas as hortas que criamos. Esse caminhar formou por fim uma das ações do projeto Mais Pra Menos Que pra Mais (2014). Como o próprio nome já anunciava, Um Pra Um - Passeios Ruminantes, cada espectador seria conduzido por um percurso sensorial/artístico/ecológico durante o período de uma hora. Não nos foi dada nenhuma partitura para a realização dos percursos. Os performers poderiam criar o que bem entendessem dentro desses espaços e do tempo estipulado. No entanto, por mais aberta que fosse a proposta, não faria sentido inventar na criação desses percursos algo que não estivesse associado ao projeto e seu fim específico. Consequentemente todos os percursos aconteceram de modo um tanto quanto predeterminado, o que revela uma abordagem que enfraqueceu suas potencialidades por voltar-se mais para a lógica de produção do que de criação. É possível que o resultado tenha ficado distante daquele caminhar que Ingold conceituou como labirinto, quando o percurso se faz como uma abertura total ao mundo, sem comandos, o que exige um estado de atenção contínua que se diferencia de um caminhar dédalo: cheio de propósitos, intenção e direção (Ingold, 2015b).

O primeiro encontro terminou quando Mantero nos mostrou os espaços que o projeto das hortas envolveria. Durante meu processo, uma das experiências que fiz foi andar por esses espaços de olhos fechados. Ao longo do caminhar, percebi de outro modo as regularidades do chão e a intensa sensação do tato podal. Guiar o meu espectador de olhos fechados para atribuir ênfase ao tato podal e consequentemente ativar outros sentidos: isso foi o que se incorporou como parte do meu percurso.

No caminho entre os teatros Maria Matos e Culturgest, encontrei o Old Vic Bar, considerado um bar histórico de Lisboa. Decidi que deveria fazer uma microdança nesse lugar para escapar um pouco das predeterminações do projeto. Uma de suas entradas é próxima ao chafariz do bairro de Entrecampos, que Mantero havia nos mostrado no primeiro encontro. Nele, há um grande painel de azulejos que nos mostra como era Lisboa antes: um grande campo de cultivo, um retrato do que não existe mais, nos relembrando da presença dos animais hoje banidos da cidade e do imaginário das representações populares. Pude, então, perceber melhor como o chafariz estava incrustado entre a Portugal Telecom e a linha do trem, o que fazia com que ele perdesse toda a ativação do espaço como lugar praticado, segundo as concepções de Michel de Certeau (1998CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 1998.). Era um espaço invisível para o olhar cotidiano (Figura 2).

Figura 2
Imagem do primeiro encontro dos performers do Um Pra Um - Passeios Ruminantes, com Vera Mantero, em visita ao painel de azulejos do chafariz do bairro Entrecampos, Lisboa, 2015

Desde o início do projeto havia, portanto, um grande desejo de trazer a dança para o percurso e para a criação. Dediquei parte do processo à pesquisa dos meus movimentos ligados ao trabalho pedagógico de Mantero, fruto da minha pesquisa do doutorado, e também a improvisações permeadas por algumas estruturas que surgiram da experiência vivida no estúdio de dança, no terreno baldio, nas ruas, no bar Old Vic, no pátio e no lago que se encontram no interior da fundação Culturgest (Figura 3; Figura 4). O lago da Culturgest, que abrigaria a quarta horta (cultivo hidropônico), fazia com que deparasse com um chão escorregadio e cheio de pedras, de modo que toda a precisão dos pés construída no solo do estúdio ali ia literalmente por água abaixo, por outro lado, proporcionava-me outras qualidades. Durante os ensaios, acabei tendo vontade de revisitar uma coreografia feita por mim para outra ocasião. Por isso, dediquei-me a re-aprendê-la ou a re-incorporá-la. Concluí que improvisaria em torno de uma estrutura fechada de movimento e em silêncio.

Figura 3
Imagens still de ensaio do solo para a performance Um Pra Um - Passeios Ruminantes no âmbito do projeto Mais Pra Menos Que Pra Mais (2014). Fundação Culturgest, Lisboa, 2014

Do alto de minha mesa de secretária e de meu estúdio-computador, tomei as decisões finais, chegando a alguns percursos diferentes que, alternadamente, comporiam minha performance Um Pra Um. A escolha do percurso dependeria do público e de inúmeros outros fatores, pois o objetivo era não deixar tudo muito predeterminado. Montei também uma trilha sonora que eu ofereceria ao meu espectador durante o percurso. Cogitamos realizar um teste entre nós, guias performáticos, mas não houve tempo para isso.

Figura 4
Imagens still de ensaio do solo para a performance Um Pra Um - Passeios Ruminantes no âmbito do projeto Mais Pra Menos Que Pra Mais (2014). Lago da Fundação Culturgest, Lisboa, 2014

O trabalho com os sentidos, ao longo do meu percurso, foi pensado como forma de salientar suas inter-relações: “[...] a visão tem em comum a audição, o toque, o gosto e o cheiro como um modo de engajamento ativo com o mundo, e não de especulação isolada” (Ingold, 2011INGOLD, Tim. Reply to David Howes. Social Anthropology, European Association of Social Anthropologists, v. 19, n. 3, p. 323-327, Sept. 2011., p. 325, tradução nossa). Assim, procurei envolver mais do que um sentido na experiência sensória que comporia a performance, como caminhar com os olhos fechados ouvindo a trilha sonora, caminhar com os olhos abertos em silêncio, ou poder sentir os pés na água ouvindo a trilha (Figura 5). Entretanto, perguntava-me: como o corpo inteiro percebe na prática artística? E ainda: como eu poderia agenciar corpo e memória ao trabalhar com coisas antigas do meu arquivo pessoal? Eu tinha a necessidade de perceber, por exemplo, o que emerge? Qual é o corpo que emerge? Quais potências ou capacidades formatadas poderiam ser reveladas? Nos tópicos a seguir procuro adensar ainda mais a questão sobre onde estaria a força crítica do trabalho de Mantero, tentando aprofundar também as tensões que transpassaram a obra e o processo criativo de Um Pra Um, que por sua vez dizem respeito a muitos dos modi operandi dos artistas na contemporaneidade.

Figura 5
Participante nos caminhos sensoriais: Um Pra Um - Passeios Ruminantes no âmbito do projeto Mais Pra Menos Que Pra Mais (2014). Horta do baldio junto à via férrea, bairro Entrecampos, Lisboa, 2014

Forças Coreopolíticas

Após quase um ano da realização da obra, Mantero reflete sobre Mais Pra Menos Que Pra Mais (2014), em conversa com o biólogo Gil Penha-Lopes (2015), e avalia a performance a partir da tríade projeto-performance-instalação. A ideia de projeto, como vimos, esteve sempre presente, porém nunca foi considerada como parte do gênero, o que me leva a pensar que se impôs como uma grande força, a julgar pela própria dimensão que a performance como um todo assumiu. Esse projeto, contudo, esteve inserido em outro grande projeto, Create to Connect, financiado pela Comissão Europeia. Tratava-se de cerca de 13 instituições que tentavam remediar a crise com o financiamento de projetos artísticos preocupados, em suas palavras, com os problemas atuais. Projetos que pudessem educar o público a desenvolver novos modelos de produção e novos caminhos inovadores. Nele, fala-se também em criar um senso de comunidade, pois estaríamos assistindo a um processo de desvinculação dos cidadãos da esfera pública.

Mantero foi uma das escolhidas pela curadoria da rede Create to Connect. Na apresentação da sua página na internet9 9 Ver: <http://www.createtoconnect.eu/vera-mantero-mais-pra-menos-que-pra-mais-rather-less-than-more/>. Acesso em: 15 fev. 2017. , ela contextualiza os trabalhos aqui discutidos como verdadeiros posicionamentos relativos à “sustentabilidade ambiental e econômica, de coesão social e inclusão, de Cidadania”10 10 Ver: <http://www.orumodofumo.com/pt/artistas/vera-mantero_2>. Acesso em: 16 fev. 2018. .

Lepecki (2011LEPECKI, André. Coreopolítica e coreopolícia. Revista Ilha, Florianópolis, UFSC, v. 13, n. 1,2, p. 41-60, jan./jun. 2011. Disponível em: <Disponível em: https://doi.org/10.5007/2175-8034.2011v13n1-2p41 >. Acesso em: 20 mar. 2015.
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), ao recuperar autores que entendem a dança como teoria social da ação e como teoria social em ação, afirma que essa perspectiva levaria a dança a teorizar inevitavelmente seu contexto social pela própria ação. O teórico da dança Randy Martin (1998MARTIN, Randy. Critical Moves: Dance Studies in Theory and Politics. Durham: Duke University Press, 1998. ), por exemplo, trabalha com a hipótese de que a dança, quando dançada e vista por um público, disponibiliza os meios pelos quais uma mobilização se faz. Nesse sentido, a relação entre dança e teoria política não deve ser entendida como uma metáfora da política e do social. Ela tem a capacidade de interpelar o contexto no qual emerge.

Lepecki, seguindo a pista desses autores e a noção de uma política do chão, tal como considerada por Paul Carter11 11 Lepecki faz essa consideração baseando-se na leitura de Paul Carter em The lie of the land. - uma “atenção aguda às particularidades físicas de todos os elementos de uma situação” que se “coformatam num plano de composição entre corpo e chão chamado história” -, lança seu entendimento da dança e da performance como “coreopolítica” (Lepecki, 2011, p. 47). Por essa via, para Lepecki (2011, p. 49), “[...] uma política coreográfica do chão atentaria à maneira pela qual coreografias determinam os modos como as danças fincam seus pés nos chãos que as sustentam; e como diferentes chãos sustentam diferentes danças, transformando-as, mas também se transformando no processo”. Em outras palavras, a dança seria uma atividade particular e imanente de ação que se relaciona com o chão e com a história, que se transforma e nos transforma no processo, um processo em que o movimento está no entre - potência e ação como espaço de liberdade do possível. A pergunta então seria: como a dança e a performance relacionam-se com o chão que pisam? O entendimento da coreografia como prática expandida aciona diversos campos, como os sociais, somáticos, raciais, estéticos, políticos. Campos que, entrelaçados e formando planos particulares de composição, estariam sempre no paradoxo entre desaparecer e criar devires.

Mesmo quando situada na tensão entre a arte e a lógica de produção, como no projeto Mais Pra Menos Que Pra Mais, a dança em sua prática expandida pode trazer força crítica se a compreendermos como matéria-prima, segundo Andrew Hewitt (2005 apud Lepecki, 2011LEPECKI, André. Coreopolítica e coreopolícia. Revista Ilha, Florianópolis, UFSC, v. 13, n. 1,2, p. 41-60, jan./jun. 2011. Disponível em: <Disponível em: https://doi.org/10.5007/2175-8034.2011v13n1-2p41 >. Acesso em: 20 mar. 2015.
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, p. 48). Ao contrário da metáfora, como sugere Randy Martin, ou dos reflexos de uma determinada ordem social, como sugere Hewitt, nessa “[...] epistemologia ativa da política em contexto”, a dança e a performance denominam e articulam “os elos entre práticas artísticas, sociedade e política” (Lepecki, 2011, p. 46).

Nesse sentido, Mantero clama por responsabilidade no sentido atribuído ao termo por Hannah Arendt (1993ARENDT, Hannah. A Condição humana. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1993.): algo equivalente à promessa de mudança e de renovação que se faz possível pela ação. Para Arendt, o fim da política é a ação. Trata-se do mesmo problema da dança e da performance. Qual seria o imperativo do fazer? O imperativo do fazer é acionar a memória para o presente. Ativar a memória é acioná-la também em termos celulares, afetivos e musculares e criar assim outros modos de dança e de performance que escapam aos hábitos. Foi essa a principal procura durante o meu processo criativo. Considero que essa procura também atravessou o projeto de Mantero como um todo.

Para Rancière (2004RANCIÈRE, Jacques. The Politics of Aesthetics. New York: Continuum, 2004.), a arte é política porque faz a distribuição do visível e do invisível. E tais “partilhas e distribuições do sensível” surgem como algo “imanente à força expressiva do objeto” (Lepecki, 2011LEPECKI, André. Coreopolítica e coreopolícia. Revista Ilha, Florianópolis, UFSC, v. 13, n. 1,2, p. 41-60, jan./jun. 2011. Disponível em: <Disponível em: https://doi.org/10.5007/2175-8034.2011v13n1-2p41 >. Acesso em: 20 mar. 2015.
https://doi.org/10.5007/2175-8034.2011v1...
, p. 3). Isso é o que iluminaria o âmago da relação entre arte e política na contemporaneidade. A ativação de verdadeiras partições do sensível, do dizível, do visível e do invisível é o que, por sua vez, potencializaria novas percepções e subjetivações, gerando novos modos de vida. Essa forma de conceber a arte como partilha do sensível, aliada a uma política do chão, permite a Lepecki pensar a formação de uma coreopolítica nos contextos que estuda, pois as performances revelam “[...] entrelaçamentos profundos entre movimento, corpo e lugar” (Lepecki, 2011, p. 55). Tais entrelaçamentos podem sempre resultar em algo inesperado, já que, para Hannah Arendt, como vimos, um dos sentidos da palavra ação seria a capacidade de tomar iniciativa, agir, de iniciar algo novo. A política e a arte por meio do agir teriam a capacidade de realizar uma ação que pode escapar do esperado, e assim performar o impossível e o improvável. Na análise de Lepecki, é da fissura do chão urbano que emerge a coreopolítica. A fissura vista como um lugar ou chão que desestabiliza, que embaralha e coloca em movimento subjetividades predeterminadas.

Qual é a rachadura de Mais Pra Menos Que Pra Mais (2014) que a faz emergir como força crítica ou coreopolítica? Mantero reativa o comum, chama para uma arena reflexiva o pensar em conjunto. O estar junto pode proporcionar às pessoas uma condição de, isto é, um voltar-nos às capacidades sensoriais, voltar-nos à condição para qualquer coisa, algo como sentir o cheiro do ar, a terra, as hortas. A ideia de comunidade e de arte entrecruzam-se com a vida e com o ativismo, mas Mantero não é ingênua e nem anacrônica. Quando a coreógrafa aborda, vive ou pensa a ideia de comunidade, o que está em jogo é também o debate de categorias como conjunto, criação, coletividades, colaboração, hierarquia, solidariedade, responsabilidade. Um pensamento que, no seu trabalho, mesmo quando afetado pela lógica de produção ou pelo neoliberalismo, intensifica suas linhas de força, resulta em processos, criação de metodologias e práticas.

Mantero também não trabalha somente com artistas estabelecidos, o que segundo Cvejić (2005CVEJIĆ, Bojana. Collectivity? You mean collaboration. Republicart, Viena, Eipcp, p. 1-5, jan. 2005. Disponível em: <Disponível em: http://www.republicart.net/disc/aap/cvejic01_en.htm >. Acesso em: 12 mar. 2018.
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) é algo que contraria o mercado. Na obra que aqui descrevemos e analisamos, Mantero colaborou tanto com artistas emergentes como com os não emergentes, isto é, os de pouca visibilidade. Por isso, Mantero é também autêntica.

Vera Mantero empreendeu, até certo ponto, algo que Ingold (2017INGOLD, Tim. Correspondences. Aberdeen: University of Aberdeen, 2017., p. 27, tradução nossa) observou no trabalho do artista Wolfgang Weileder: trabalhou conceitos como sustentabilidade resgatando seu significado das “abstrações vazias e retóricas das falas da política ambiental”. Vejo em Mantero o que Ingold (2017, p. 27, tradução nossa) diz do trabalho de Weleider: ter a possibilidade de trazer o conceito para próximo dos materiais com que trabalha, e ainda “[…] reunir pessoas - estudiosos de diferentes disciplinas, artistas de diferentes persuasões, pessoas de diferentes origens e estilos de vida - em um esforço compartilhado e colaborativo”. Nesse sentido, Mantero não se isola do contexto social. Pelo contrário, seu leque de trabalho confirma essa direção e possibilita um conjunto de ações e pensamento, colocando-os no centro do processo - seja este curto ou longo, o convite é para uma real abertura e não para ideologias.

Vera Mantero é uma artista engajada em seu comprometimento político e crítico, revelados por sua postura na vida e nos próprios temas que percorrem suas práticas artísticas. Contudo, parece importante percebermos que a militância de um artista não deve ser vista como ponto principal da questão. O ponto central seria antes poder ativar “o corpo como potência relacional”, como “consciência ativa para criar ‘estilo de vida’”, essa sim uma “situação política”, pois “a performance negocia e cria corpo-aqui-e-agora” (Fabião, 2008FABIÃO, Eleonora. Performance e teatro: poéticas e políticas da cena contemporânea. Sala Preta, São Paulo, ECA/USP, v. 8, p. 235-246, nov. 2008. Disponível em: <Disponível em: http://www.revistas.usp.br/salapreta/article/view/57373 >. Acesso em: 10 abr. 2016.
http://www.revistas.usp.br/salapreta/art...
, p. 245). Nesse sentido, para Mantero, em conversa com o coreógrafo português Mário Afonso (2016MANTERO, Vera. Vera Mantero [Entrevista concedida a] Mário Afonso. Prata da Casa, Fundação Calouste Gulbenkien, Lisboa, nov. 2016. Disponível em: <Disponível em: http://pratadacasa.pt/veramantero/ >. Acesso em: 10 abr. 2018.
http://pratadacasa.pt/veramantero/...
, Informação verbal)12 12 Disponível em: <http://pratadacasa.pt/veramantero/>. Acesso em: 10 mar. 2018. , as artes performativas se diferenciariam de outras artes por serem capazes de construir “um puzzle com a existência”, pois seu lugar é o estar aqui, “estar no aqui do que é o mundo”. Elas possibilitariam o manuseio - no sentido artesanal da prática - desses elementos e de tantos outros com nossos corpos. Manuseio com outros corpos e com os elementos do mundo em fluxo, com a força da cena, que ao meu ver é uma grande arena reflexiva.

Em Mais Pra Menos Que Pra Mais (2014) e Um Pra Um, esse puzzle se constrói no caminhar. É pelo caminhar que Mantero aborda o espaço: caminhar como se queira pelo templo sagrado do teatro, atravessar a terra, os sons, os gestos e os sentidos. Em Um Pra Um, por mais que houvesse limites para o caminhar, pois havia a necessidade de transitar entre as hortas e o teatro, o que novamente era uma tensão imposta pela lógica de produção, o espaço pôde-se abrir e deixou-nos habitar ativando um campo de sensibilidade. Mesmo que não tenha havido nessas vivências exatamente uma dança na contramão sobre um chão rachado, como a descreve André Lepecki, o projeto de Mantero e de seus convidados teve talvez a força de que menos é mais, por mais grandioso que fosse o evento como um todo. Talvez ali tenhamos aprendido a ser sensíveis ao menos e a ampliar a receptividade por via do menos que é sempre mais. No contexto do projeto, o corpo, ao produzir ações, sempre pode dar lugar ao que escapa do esperado, mesmo nas danças que falham, seja pela possibilidade de perceber o que está invisível no cotidiano, seja pela tentativa de requalificar o espaço urbano.

O que parece curioso é que, mesmo sem tê-lo como objetivo principal, o trabalho de Mantero tenta juntar pessoas e chão e isso talvez revele parte de sua força crítica. As pessoas tocam apenas de leve todo o espaço previamente mapeado, sem, todavia, habitá-lo e, portanto, sem “contribuir através de seus movimentos para a sua formação” (Ingold, 2015aINGOLD, Tim. Estar vivo: ensaios sobre movimento, conhecimento e descrição. Petrópolis: Editora Vozes, ebook, 2015a., e-book). Na contramão disso, o que Vera Mantero faz é tentar deixar marcas na cidade13 13 Para um exemplo de uma marca deixada por Mantero, ver: <http://hortafcul.wixsite.com/home/horta-do-baldio>. Acesso em: 24 fev. 2018. , aproximar-nos de seu solo, de suas árvores, de seus bichos, de suas pedras, tornar o espaço “um lugar praticado” (Certeau, 1998CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 1998.). É esse o sentido das hortas e de levar o público aos gramados privados para que ali cada um deixe uma marca. O processo de formar e alterar um local é inseparável do efeito de torná-lo um lugar - um lugar bom de se viver.

A Temporalidade Projetiva

Para Mantero, em conversa com Penha-Lopes (2015MANTERO, Vera; PENHA-LOPES, Gil. A Body Made of Bones (science) and Blood (art). In: GALHÓS, Vera. There is nothing that is beyond our imagination. Torres Vedras: ArtinSite, 2015. P. 176-177., p. 170), o contexto artístico se configurou na performance Mais Pra Menos Que Pra Mais (2014) como um pretexto para criar iniciativas sustentáveis na cidade. No entanto, o projeto tomou uma desmedida proporção e exigiu, mais que criação ou iniciativas sustentáveis, processos de logística articulados com a curadoria, que não raro se estenderam até o dia da estreia. Em tensão com a lógica de produção, o projeto parecia estar também muito próximo de uma ideia de design, pois no design há sempre propósitos a serem cumpridos para além da arte, e isso requer sempre um planejamento prévio, como no caminhar-dédalo de Ingold, aquele que prioriza a intenção no lugar da atenção. Mas o papel do artista não deveria ser a criação de um produto final.

Durante o processo de Mais Pra Menos Que Pra Mais (2014), ouvimos amiúde de Mantero frases como “não temos cronograma para isso”. Foi como se estivéssemos em uma era da “temporalidade projetiva” (Kunst, 2012KUNST, Bojana. The project horizon: On the temporality of making. Manifesta Journal, Amsterdam, Manisfesta Foundation, n. 16, p. 112- 115, 2012. , p. 37), que ao fim e ao cabo é regida por um tempo acelerado no qual o grande objetivo da criação é cumprir com sua meta final.

A temporalidade projetiva abre novas possibilidades, mas ao mesmo tempo não produz diferenças entre as mesmas: ao final, vem sempre a conclusão das possibilidades que já haviam sido projetadas. Nessa dimensão temporal, podemos estabelecer uma ligação entre o trabalho dos artistas (e de outras forças produtivas) e os processos produtivos do capitalismo (Kunst, 2012KUNST, Bojana. The project horizon: On the temporality of making. Manifesta Journal, Amsterdam, Manisfesta Foundation, n. 16, p. 112- 115, 2012. , p. 37, tradução nossa).

Isso que está projetado, e portanto predeterminado, parece ser a grande contradição com a arte. Talvez resida nesse elemento a perversão do sistema capitalista. Afinal, esse tempo acelerado, projetivo, não condiz com a verdadeira dimensão temporal da arte em geral, que exige tempo, tempo para imaginar e inventar. O tempo projetivo de que fala Kunst e o pensamento de design estudado por Ingold parecem contribuir para um empobrecimento dos processos criativos. E estão em contradição com o trabalho de Mantero. Essa temporalidade pode ditar uma subjetividade cada vez mais flexível, afinal, como bem colocou Marten Spångberg (2010SPÅNGBERG, Mårten. Motivation At The End of Times. Franksija, 2010. Disponível em: <Disponível em: http://martenspangberg.se/sites/martenspangberg.org/files/Motivation_at_the_end_of_time.pdf >. Acesso em: 10 abr. 2015.
http://martenspangberg.se/sites/martensp...
, s. p., tradução nossa), na era dos projetos, “[...] sejam quais forem as circunstâncias, qualquer que seja a proposição, estamos todos sempre disponíveis”. O artista tornou-se “um animal de estimação”, como propôs Kroot Juurak, “[...] uma criatura domesticada que se encaixa em seu tempo, fica em cafés rabiscando em um caderno ou está ocupado enviando e-mails” (Spångberg, 2010, s. p., tradução nossa). Nessa lógica, devemos estar sempre disponíveis, participar de vários projetos ao mesmo tempo: mal um tenha acabado, já se deve estar pensando no próximo.

Spångberg (2010SPÅNGBERG, Mårten. Motivation At The End of Times. Franksija, 2010. Disponível em: <Disponível em: http://martenspangberg.se/sites/martenspangberg.org/files/Motivation_at_the_end_of_time.pdf >. Acesso em: 10 abr. 2015.
http://martenspangberg.se/sites/martensp...
, s. p.) considera que, na era dos projetos, as formações artísticas teriam se especializado em preparar os estudantes para os mercados estabelecidos, para as identidades e pertenças. Não haveria assim incentivo para caminhos diversos, para que a emancipação do artista possa realmente acontecer anulando essas identidades e pertenças que confirmam os mercados existentes e crie a possibilidade de seguir caminhos que não levam a eles. Diante disso, a tática de sobrevivência do artista freelancer seria tornar-se um mediador, uma “máquina mediadora produtora de produtividade” (Cvejić, 2005CVEJIĆ, Bojana. Collectivity? You mean collaboration. Republicart, Viena, Eipcp, p. 1-5, jan. 2005. Disponível em: <Disponível em: http://www.republicart.net/disc/aap/cvejic01_en.htm >. Acesso em: 12 mar. 2018.
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, p. 3, tradução nossa).

Nesse cenário, o trabalho artístico se deslocaria em múltiplas direções, com atividades em diferentes campos e formatos. De fato, em Mais Pra Menos Que Pra Mais (2014), Vera Mantero e Elisabete Francisca14 14 Elizabete Francisca (coreógrafa portuguesa) assina junto com Mantero a concepção e curadoria do projeto. Ver ficha artística completa em: <https://www.orumodofumo.com/pt/acontecimentos/outrosprojectos/mais-pra-menos-que-p_10>. Acesso em: 21 maio 2020. foram coreógrafas dirigindo atividades no campo ecológico, no campo da arte, na construção de redes e em uma esfera de mediação, seja entre o público e as propostas de seu evento, seja entre a arte e as instituições, seja entre a arte e o propósito sócio-cultural-ambiental. Ocuparam também uma posição de curadoria, pois os artistas convidados não passaram a rigor por nenhum processo seletivo. Essa situação permite caracterizar outra mais ampla. São raras as vezes em que um trabalhador da arte não se ocupa de várias funções ao mesmo tempo para conseguir executar seu projeto artístico, certamente com muito menos suporte que o projeto de Mantero, ou mesmo nenhum. Um dos problemas passa pela necessidade de o artista ter uma estrutura, e isso significa lutar também por melhores políticas públicas e por responsabilidades individuais, como a de ser solidário15 15 Essa é uma discussão importante que ganha ainda mais relevo em tempos de pandemia, quando a cultura passa por um momento de crise. A ideia requer um maior aprofundamento, que não pode acontecer neste espaço. .

A questão acima, proposta por Cvejić (2005CVEJIĆ, Bojana. Collectivity? You mean collaboration. Republicart, Viena, Eipcp, p. 1-5, jan. 2005. Disponível em: <Disponível em: http://www.republicart.net/disc/aap/cvejic01_en.htm >. Acesso em: 12 mar. 2018.
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, p. 3), a necessidade de o artista ser produtor de uma rede autônoma, indica outra necessidade: o artista precisa não só acumular contatos, mas sim “pertencer”. Mais Pra Menos Que Pra Mais (2014) provavelmente tentou se encaminhar para isso, mas parece ter caído nas ilusões da ideia de rede. Ainda segundo a mesma autora, a rede torna a comunidade inoperante, pois está mais ligada ao “comércio e à comunicação” do que realmente ao “estar junto”. No networking, que pode ser ilustrado por uma série de pontos interconectados, não há verdadeira interação, pois não há correspondência de fato, e sim uma estrutura fixa, que separa mais do que imbrica, sem linhas que se misturam entre si. A rede cria, ainda, a ilusão de uma entrada rápida e decisiva no campo internacional da performance contemporânea. Associações como a Create to Connect, que financia projetos como o de Mantero, são networks de locais, festivais, laboratórios de pesquisa, diversas plataformas, desde vitrines a críticas on-line. Trata-se, em suma, de um “[...] mercado institucional no qual os fabricantes são convidados a procurar um nicho para uma comódite desejável” (Cvejić, 2005, p. 2, tradução nossa).

Fundamentada no trabalho de Jon McKenzie (2001MCKENZIE, Jon. Perform or Else: From Discipline to Performance. London: Routledge , 2001. ) e Aleksandra Jovićević (2011JOVIĆEVIĆ, Aleksandra. More than Artivism, Less than Art. TkH Journal for Performing Arts Theory, Beograd, TkH & les Lab. d’Aubervilliers, n. 19, p. 125-131, Dec. 2011. ), aponto que estaria em curso uma crescente culturalização da própria economia de mercado, voltada para a economia terciária (turismo cultural, festivais, indústrias publicitárias e cinematográficas), o que faz da cultura um componente central do mercado. Quando ouvimos em uma mesma sentença a ideia de educar o público e de promover um senso de comunidade, tal como propostos pela Create to Connect e a União Europeia, podemos desconfiar. Isso dá razão à ideia de Cvejić de que as noções de comunidade ou de coletividade promovidas pela network “[...] não aparecem mais como modelos viáveis de experimentação e crítica, pois já estão incluídas na ordem institucional e na tendência da política cultural” (2005, p. 4, tradução nossa). Daí a constante busca por “produtos impactantes” (Jovićević, 2011, p. 110, tradução nossa) ou, nas palavras da própria Create to Connect, a valorização de novas abordagens, novos modelos de produção, novas formas inovadoras - ou seja, o discurso cansado da produção de novidades. Ainda assim, para Cvejić (2005; 2017), o artista contemporâneo ocupa nesse contexto do neoliberalismo o lugar do freelancer criativo, flexível, que inova e sobretudo tem disponibilidade.

Na “era dos projetos” e do “tempo projetivo”, a autora questiona se ainda seria possível “experimentar desconsiderando as intenções ou materiais”. O contato entre os sujeitos deveria ser feito “como uma oportunidade para conexões singulares, fricções, mutações entre agentes independentes” (Cvejić, 2005CVEJIĆ, Bojana. Collectivity? You mean collaboration. Republicart, Viena, Eipcp, p. 1-5, jan. 2005. Disponível em: <Disponível em: http://www.republicart.net/disc/aap/cvejic01_en.htm >. Acesso em: 12 mar. 2018.
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, p. 4, tradução nossa). Relaciono o primeiro ponto aos cuidados que se deve ter com a intenção da forma, na acepção de Ingold (2015aINGOLD, Tim. Estar vivo: ensaios sobre movimento, conhecimento e descrição. Petrópolis: Editora Vozes, ebook, 2015a., e-book), o caminhar-labirinto em vez do caminhar-dédalo. O segundo ponto relaciono às fricções, àquilo que seria capaz de romper hábitos e provocar a dispersão “de clichês que empobrecem a vida e seus afetos” (Lepecki, 2011LEPECKI, André. Coreopolítica e coreopolícia. Revista Ilha, Florianópolis, UFSC, v. 13, n. 1,2, p. 41-60, jan./jun. 2011. Disponível em: <Disponível em: https://doi.org/10.5007/2175-8034.2011v13n1-2p41 >. Acesso em: 20 mar. 2015.
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, p.44). De modo geral, talvez as próprias condições de trabalho oferecidas nas artes performativas disparem esse processo de criação, ou um modo copy-paste como veremos a seguir.

No projeto de Mantero, visto que receberíamos apenas um cachê relativo às sete performances, não era esperado que o artista pudesse se entregar a um longo processo de criação, por mais disponível que pudesse estar. De qualquer forma, esse tempo de preparação e processo para a performance Um Pra Um, mesmo que fosse mínimo, não seria pago e teria de ser cumprido. Por outro lado, o pensar junto, que experimentei ao participar do processo de Mais Pra Menos Que Pra Mais (2014), corresponde à construção de um pensamento que se traduz em ações, de modo que “o produto não é só algo escrito ou falado, é de fato o pensamento em ação, uma ação que depois terá maior ou menor afinidade com o pensamento” (Mantero; Gil, 1998MANTERO, Vera; GIL, José. A riqueza de espírito, movimento intenso. In: LEPECKI, André (Ed.). Intensificação: performance contemporânea portuguesa - Theaterschrift extra. Lisboa: Cotovia, 1998. P. 33-60., p. 35). Isso evoca outra passagem da mesma conversa-entrevista entre Gil e Mantero, em que pensar junto seria “uma forma muito mais difícil do que pensar contra” (Mantero; Gil, 1998, p. 35). Pensar a mesma coisa, mas diversamente, como coloca Gil, seria um modo mais sofisticado, mais inteligente de pensar o que revela também a ideia de comunidade como oposto ao ideológico.

Conforme Bojana Cvejić (2005CVEJIĆ, Bojana. Collectivity? You mean collaboration. Republicart, Viena, Eipcp, p. 1-5, jan. 2005. Disponível em: <Disponível em: http://www.republicart.net/disc/aap/cvejic01_en.htm >. Acesso em: 12 mar. 2018.
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, p. 5, tradução nossa), essa seria também uma forma de compreender a noção de comunidade como solidariedade, em que não há fusão dos indivíduos, e sim “contato de singulares”. A solidariedade, por sua vez, exige abertura para pensar o que sozinho não se pode pensar. Mantero nos diz que, embora uma metodologia prepare temas e ideias para a criação, ela não o faz indicando aos intérpretes o que será feito, mas sim corresponde à ideia de que o outro pode sempre nos desafiar a novas compreensões e apreensões. Assim, as ideias se “ramificam” e podem propiciar “o retorno de coisas que nunca pensaríamos sozinho” (Mantero; Gil, 1998, p. 35).

O Artista como Curador de Si Próprio

No primeiro encontro do projeto com os performers de Um Pra Um, Mantero nos deu como sugestão pegar algo que conhecíamos, como um texto ou uma dança. Houve um incentivo para nos valermos de nossas especialidades, do que já havíamos feito. Isso me leva a pensar o quanto essa performance esteve relacionada com uma ideia, de certa forma narcísica, na qual o artista é uma espécie de curador de si próprio. Narcísica porque favorece “performances do self” cujo escopo central é o self do artista e tem o “individualismo estético” como um de seus modos (Cvejić, 2017CVEJIĆ, Bojana. Bojana Cvejić [entrevista concedida a] Christina Schmid. The Third Raill, Minneapolis, n. 11, p. 3-11, 2017., p. 6, tradução nossa) - ou diríamos, analogamente, “como extrair o dispositivo pessoa das performances?” (Mantero; Lepecki, 2012, s. p.)16 16 Para Lepecki, a epítome da pessoalização na arte seria o trabalho da performer Marina Abramovic em Artist is Present (2012). . Uma resposta seria talvez desejar ser coisa na dança, deixar o objeto perturbar a ideia do autor ou do espectador17 17 Essas são ideias que requerem um maior aprofundamento, que não podem acontecer neste espaço. .

Retrospectivamente, vejo que identificar a ideia do artista como uma espécie de curador de si próprio fez parte do meu processo. De maneira consciente, copiei e colei coisas do meu arquivo pessoal para que elas integrassem minha criação. O que parece ser interessante aqui é a postura que criamos e o corpo resultante quando diante de um arquivo que escolhemos a dedo. O melhor de nossas coisas, o corpo que se cria ou o gesto artístico que se dá, é diferente do corpo do bailarino que improvisa no estúdio ou do pintor diante de sua tela branca. Outra questão que fica quando trabalhamos com material já adquirido, com papéis que se podem apanhar rapidamente na mesa de secretária, é lidar com algo que tem tudo para ser arte, mas justamente por isso não o é. Parece que estamos a revisitar arquivos. Ainda assim, o modo de criar no estúdio e o modo de criar na mesa de secretária são caminhos diferentes para a criação do novo, mesmo quando vamos por caminhos já conhecidos.

Ingold (2011INGOLD, Tim. Reply to David Howes. Social Anthropology, European Association of Social Anthropologists, v. 19, n. 3, p. 323-327, Sept. 2011.; 2013bINGOLD, Tim. Making, Growing, Learning: two lectures presented at UFMG, Belo Horizonte. Educação em Revista, Belo Horizonte, v. 29, n. 3, p. 301-323, set. 2013b. Disponível em: <Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-46982013000300013&lng=en&nrm=iso >. Acesso em: 20 abr. 2017.
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) também trata da cópia e de sua relação com a originalidade. Ao observar o processo de aprendizado da arte da caligrafia chinesa, ele nos diz que a cópia estaria presente em todas as suas etapas, pois cada uma delas é modelada a partir de estudos anteriores. Ainda assim, cada uma delas é “um movimento original”, mesmo quando os caminhos já são conhecidos, pois as etapas “carregam o trabalho”, isto é, “fazem-no crescer”. Daí por que a última etapa de aprendizagem da caligrafia é o momento em que “[...] todas as regras aprendidas são banidas para o esquecimento e o coração se torna o único guia da mão” (Yen, 2005, p. 123 apud Ingold 2013b, p. 307).

Myriam Van Imschoot (2005VAN IMSCHOOT, Myriam. Rest in Pieces: On Scores, Notation and the Trace in Dance. Multitudes, n. 21, p. 1-8, 2005. Disponível em: <Disponível em: http://sarma.be/oralsite/pages/What%27s_the_Score_Now_Publication/ >. Acesso em: 16 abr. 2012.
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), de forma análoga, considera que o arquivo pode ser algo vivo e a cópia produzir diferença quando o artista aprende copiando um material gravado. Nesse sentido, retoma a ideia de pensar o performer “como arquivo corporal móvel”, como “traços vivos da experiência” (Imschoot, 2005, s. p., tradução nossa). Ou seja, seria possível alcançar caminhos para a criação do novo quando vamos por caminhos já conhecidos.

No meu processo, o gesto de copiar e colar coisas do meu arquivo pareceu no início aproximar-se da ideia de um assemblage: uma justaposição de etapas separadas, o que para Tim Ingold (2015bINGOLD, Tim. O dédalo e o labirinto. caminhar, imaginar e educar a atenção. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, ano 21, n. 44, p. 21-36, jul./dez. 2015b., p. 45) seria o oposto do processo do fazer e da performance. Nesse aspecto, faltava a jornada em fluxo, contornar o “pensar antes e depois executar”. Diante disso, tentei recuperar a minha metodologia ingoldiana de conhecer de dentro ou da arte da investigação, ou seja, do pensar por meio do fazer. Procurei perceber, no material de movimento da dança e nos caminhos criados, o que mudava a cada experimentação, qual memória que mais afetava. Busquei uma ampliação do “nexo” coreográfico (Gil, 2005GIL, José. Movimento total: o corpo e a dança. São Paulo: Iluminuras, 2005.) entre as frases de movimento conhecidas, tratando-as como um velho amigo que há muito não se via. Durante as apresentações, foi também importante a relação espacialmente próxima travada com o público. Ficou evidente que o principal era sentir o espaço entre nós e a maneira como trabalhávamos juntos. Era importante sobretudo expor-se à generosidade e à vulnerabilidade que há em se mostrar num trabalho que parecia cru.

Como tentativa de contornar a ideia de apenas copiar e colar, tentei também tecer essa forma de conhecer de dentro em correspondência com os materiais: terra, movimento, imagens, espaços, instrumentos da horta. Com uma atenção plena ao caminhar, fui percebendo e seguindo as linhas da paisagem urbana. Segui-las me levou a conhecer alguns detalhes poéticos. Por exemplo, quando encontrei em uma das vitrines da Culturgest um neon com os seguintes dizeres: vê-se logo, logo se vê. Tratava-se de um trabalho de Tim Etchells18 18 Artista, escritor e diretor da companhia inglesa Forced Entertainment. de espalhar frases ou expressões pelos telhados e esquinas de Lisboa. O jogo estava em perceber que a frase se localizava em uma rua que se chama Arco do Cego. Decidi que parte da performance caminharia também nela, diante da frase de Etchells, com o espectador de olhos fechados (Figura 6).

Figura 6
Imagens feitas durante o processo de criação da performance Um Pra Um - Passeios Ruminantes: rua do Arco do Cego e o neon de Etchells, Lisboa, 2014

O pensamento de Mantero disparou e estimulou um “processo com nós mesmos” (Mantero, 2015MANTERO, Vera. Corpo Pensante. Workshop. Forum dança, Lisboa. Caderno de campo, 2015. , s. p.). Um processo que atribui ênfase à qualidade do movimento por outras vias, pelo jogo com os sentidos, pela procura do corpo intensivo jamais situado em nível instrumental. Mantero parece valorizar a identidade individual das pessoas com quem trabalha. E, de fato, a “[...] ideia de individualidade associada ao enaltecimento da autenticidade” seria algo “muito valorizado na dança contemporânea” (Fazenda, 2012FAZENDA, Maria José. Dança teatral: ideias, experiências, ações. Lisboa: Colibri, 2012. , p. 31). Seja em seu modo de trabalhar, seja no ensino de suas práticas em estúdio, seja como coreógrafa, Mantero parece promover uma ética de “[...] não impor aos performers universos e estilos de movimento que podem ser exteriores e alheios a suas vivências” (Fazenda, 2012, p. 31). Uma ética baseada na ideia de identidade individual. Ela também encoraja a busca de conhecimento em caminhos alternativos do corpo: “[...] um saber da afetividade, que é o saber dos corpos. Tudo é, tudo passa pelo corpo. Tudo. O afecto, o comportamento, o valor de si próprio: tudo isso passa por ações, posturas, contactos com os corpos” (Mantero; Gil, 1998, p. 33).

Considerações Finais

Se, por um lado, estamos na “era dos projetos”, do “tempo projetivo” ou do “artista como curador de si próprio”, por outro, Mais Pra Menos Que Pra Mais (2014) realmente despertou forças coreopolíticas, deu-nos pistas teóricas para pensarmos alguns elementos da política na arte. Uma delas tinha a ver com certa utopia de uma vida melhor, permitia imaginar uma outra sociedade, abria a porta dos espaços privados, até mesmo as de um poderoso banco (Culturgest) para nos lançar no solo urbano. O processo nos desafiou a ver o verde que irrompe da calçada, nos deu espaço para questionarmos se “as verduras não nos despertam emoções” (Barros; Oliveira, 2012BARROS, Mariana; OLIVEIRA, Mickael. Apologéticas se me perguntarem se sou um homem de visão, direi que não. Encontros do DeVIR, Faro, CapFaro, p. 18-19, set. 2012., p. 18). A deixa, como aquela última palavra ou movimento que sinaliza a entrada do próximo ator, um sentimento utópico e nostálgico, pois hoje, em 2020, o Teatro Maria Matos já foi entregue à iniciativa privada. Além da impotência, assistimos hoje ao contínuo avanço dos cortes de subsídios no campo da arte, o que me põe a pensar que um trabalho da dimensão de Mais Pra Menos Que Pra Mais (2014) foi mesmo algo da ordem do impossível, configurando um contundente ato de responsabilidade, para lembrar aqui mais uma vez Hannah Arendt.

Se o projeto perdeu um pouco de sua força porque foi concebido sob a “era dos projetos” e obedeceu quase sempre a uma lógica de produção, ou então pareceu cair na ilusão das redes que nada unem, Mantero parece desmontar na própria relação com a comunidade a figura daquele que sabe tudo. Nessa direção, há em seu trabalho um caminhar-labirinto ingoldiano, mesmo que um pouco soterrado, pois há voltas ao sensorial, há movimento em fluxo e há o não-saber. O processo se abriu sem o comando centralizador de Mantero, sem nos dizer exatamente qual seria a coreografia a ser dançada. Ele ofereceu a todos a condição de, uma base igualitária de colaboração.

Uma vez que o processo se configurou como um grande fazer, também fica claro que Vera Mantero não teve a preocupação de assegurar o conhecimento. O que ela faz é “ramificar ideias e temas”, promover “o mais que pode o pensar-junto” (Mantero, 2001MANTERO, Vera. Thought, poetry and the body in action. Program Text of a workshop by Vera Mantero in Tanzwerkstatt Berlin. Summer, Berlin, 2001. Disponível em: <Disponível em: http://sarma.be/docs/586 >. Acesso em: 30 nov. 2014.
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, s. p.). Ou, em suas palavras, “pensar modos de vida, pensar a sociedade, pensar os sistemas em que estamos envolvidos” (Mantero, 2001, s. p.), o que sempre significou questionamentos e ações alternativas a esse modo de vida. Desse ponto de vista não lhe interessam as hierarquias, mas sim a troca constante, aquilo que Bojana Kunst (2009KUNST, Bojana. The Economy of Proximity: Dramaturgical work in contemporary dance. Performance Research, Aberystwyth and Falmouth, Routledge, v. 14, n. 3, p. 81-88, Sept. 2009., p. 83) chamou trabalho imaterial. Uma troca que envolve afeto, emoções, informações, conhecimento, proximidade, criticidade e pertença. Desse modo, Mantero reconhece a nossa responsabilidade histórica e deixa em segundo plano as categorias de artista, artivista, ativista, projeto, performance, instalação. Ou, para dizê-lo como em seu mote: o que importa é “[...] fazer mundo, mesmo que isso seja provisório, precário, temporário ou efémero, pois importa que se componha o plano de composição” (Mantero; Lepecki, 2012MANTERO, Vera; LEPECKI, André. Mergulhar num processo. Workshop, Artistas Unidos, Lisboa. Caderno de campo, 2012., s. p.).

Um Pra Um foi o resultado do encontro de diferentes maneiras de se trabalhar, encontros do tipo em que se “estabelece formas futuras de ser” (Kunst, 2009KUNST, Bojana. The Economy of Proximity: Dramaturgical work in contemporary dance. Performance Research, Aberystwyth and Falmouth, Routledge, v. 14, n. 3, p. 81-88, Sept. 2009., p. 87, tradução nossa). Uma passagem de Grande Sertão: Veredas, que encontrei na voz do personagem Riobaldo durante o processo de Um Pra Um, disse-me sempre muito sobre o processo com Mantero: “a colheita é comum, mas capinar é sozinho” (Rosa, 1968ROSA, João Guimarães. Grande Sertão, veredas. Rio de Janeiro: José Olympio, 1968., p. 47). Ela propõe a singularidade e a diferença como questão primordial que converge para uma maneira de viver o corpo aberto e coletivo. Parafraseando Cvejić (2005CVEJIĆ, Bojana. Collectivity? You mean collaboration. Republicart, Viena, Eipcp, p. 1-5, jan. 2005. Disponível em: <Disponível em: http://www.republicart.net/disc/aap/cvejic01_en.htm >. Acesso em: 12 mar. 2018.
http://www.republicart.net/disc/aap/cvej...
, p. 5), são as diferenças que constituem a colaboração ou a comunidade. Para que a comunidade possa dizer nós, é necessário que haja um contato entre singulares, e o tocar desse contato não se dá como fusão, mas sim como separação.

As propostas artísticas de Mantero, que foram desde instalações, performances, passando pelo cinema nas vitrines, a audição de textos teatrais, música, piquenique e caminhadas, colocaram no mesmo enquadramento corpo e comida. Ao mesmo tempo pareceriam ser uma forma de poder ensaiar “[...] outra ordem social, outros papéis que não desempenhamos na vida cotidiana e podem nos ajudar a imaginar outra sociedade” (Cvejić, 2017CVEJIĆ, Bojana. Bojana Cvejić [entrevista concedida a] Christina Schmid. The Third Raill, Minneapolis, n. 11, p. 3-11, 2017., p. 7, tradução nossa). É urgente a imaginação em nossas vidas. Essa reconfiguração não tem um alcance pequeno. Ela equivale a uma tentativa de tornar novamente habitáveis, vivos, espaços que foram condicionados por um fazer que não admite que se deixe marcas. Ingold (2015aINGOLD, Tim. Estar vivo: ensaios sobre movimento, conhecimento e descrição. Petrópolis: Editora Vozes, ebook, 2015a., e-book) sugere algo parecido quando afirma que “[...] a redução da experiência pedestre, que talvez tenha atingido o seu auge na atual era do carro, é o culminar de uma tendência que já estava estabelecida com a mecanização do pé através da bota, a proliferação da cadeira e o advento da viagem orientada para um destino”. As pessoas, ao andarem pelas ruas, “não imprimem rastros na superfície pavimentada. É como se elas nunca tivessem passado”. Isso aponta para o distanciamento entre as pessoas e o chão, um distanciamento que permeia a história recente das sociedades ocidentais.

A investigação proposta por Vera Mantero também parece constituir ligações entre o cognitivo e o perceptivo. Seus procedimentos têm base no autoaprendizado e intensificam a atenção, abrindo caminho para novas direções. Há, portanto, um interesse predominante de produzir processos, muito mais que produtos, o que mais uma vez contraria as lógicas de mercado. Seu trabalho não quer significar nem ressignificar o mundo ou as coisas, e, sim, habitar, atento às relações ao redor, produzir um conhecimento que nasce da percepção sensorial dos sujeitos. Assim como para Ingold (2015aINGOLD, Tim. Estar vivo: ensaios sobre movimento, conhecimento e descrição. Petrópolis: Editora Vozes, ebook, 2015a., e-book), o conhecimento se deve a uma restauração do coração do ser, uma superação das dicotomias, para Mantero, esse mesmo coração, por estar atento ao entorno, é atravessado por objetos e coisas, rotas e caminhos, paradoxos e tensões.

Toda vez que nos encontramos com uma performance art precisamos desenvolver seu conceito, o conceito que a performance nos pergunta. Nessa toada, o conceito na performance se constitui como “encontro” ou como “resultado de muitos encontros”, um “aparato crítico capaz de desafiar a própria crítica”, como nos diz Lepecki (2014LEPECKI, André. Palestra proferida no Muzeum Sztuki Nowoczesnej, Warsaw, jan. 2014. Disponível em: <Disponível em: https://artmuseum.pl/en/doc/video-performans-i-cielesnosc >. Acesso em: 25 abr. 2015.
https://artmuseum.pl/en/doc/video-perfor...
, Informação verbal)19 19 Conferência disponível em: <https://artmuseum.pl/en/doc/video-performans-i-cielesnosc>. Acesso em: 25 mar. 2015. . O encontro crítico que Mais Pra Menos Que Pra Mais (2014) nos propõe é a força dos corpos performativos, do público e do performer, estejam eles em ação ou em processo, algo da ordem do hodológico, do caminho que é labirinto e algumas vezes dédalo.

Mesmo que Mais Pra Menos Que Pra Mais (2014) reúna temas que já viraram comódites, mesmo que em alguns momentos se aproxime mais da ideia do design que da arte, seu trabalho tem peso e valor. Há de se considerar também que a trajetória de Mantero revela um caminho de prática, repleto de realizações artísticas e conquistas, um tipo de trabalho que constrói massa crítica. Ele faz parte da trajetória de alguém que realmente passou e passa muito tempo no presente e no estúdio criando. Mantero não quer educar o público, como deseja a Create to Connect, ou educar o artista segundo sua ideologia. Sua preocupação está em colocar a arte no meio da vida e proporcionar uma experiência conectada ao fazer (Mantero; Penha-Lopes, 2015, p. 170), despertar nossos sentidos, acordar zonas do corpo. Ou, simplesmente, permitir “que o conhecimento cresça no desenrolar da vida” (Ingold, 2015aINGOLD, Tim. Estar vivo: ensaios sobre movimento, conhecimento e descrição. Petrópolis: Editora Vozes, ebook, 2015a., e-book).

Por fim, importa dizer também que a ideia que norteou o presente artigo, de conhecer de dentro, não esteve ligada a algo limitado, como se estivesse dentro de um contêiner, pois o mundo que habitamos não é limitado (Ingold, 2017INGOLD, Tim. Correspondences. Aberdeen: University of Aberdeen, 2017.). Tento deixar claro com isso que conhecer de dentro está também relacionado com um estar fora, com o estar com pessoas, mas também com materiais, com o conhecer pelo fazer, conhecer pelo performar.

Referências

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  • 1
    Vera Mantero é professora, bailarina e coreógrafa portuguesa. Foi precursora da chamada Nova Dança Portuguesa, movimento que surge nos anos 1980, conhecido no âmbito europeu por suas práticas experimentais da dança teatral.
  • 2
    A Culturgest é uma fundação de direito privado, instituída pela Caixa Geral de Depósitos, considerada a maior instituição bancária de Portugal.
  • 3
    Knowing from the inside, título que pode ser traduzido para o português por conhecer de dentro, abre sua obra Making: Anthropology, archaeology, art and architecture. Knowing from the inside, é também um projeto do qual Ingold participa. Ver em: <https://www.knowingfromtheinside.org>. Acesso em: 21 maio 2020.
  • 4
    Este artigo é fruto de minha pesquisa de doutorado realizada nos contextos da dança em Lisboa/Portugal e Berlim/Alemanha. Projeto: Doutorado Pleno no Exterior (CAPES/Brasil). Ver Santos (2019SANTOS, Maíra. Dança contemporânea, criação e pensamento: perspectivas das práticas corporais de Julyen Hamilton, Vera Mantero e Keith A. Thompson. 2019. Tese (Doutorado em Dança) - Faculdade de Motricidade Humana, Universidade de Lisboa, Lisboa, 2019.).
  • 5
    “Isso não quer dizer que uma seja mais importante que a outra, ou mais honrosa. […] Trata-se simplesmente de negar que são a mesma coisa” (Ingold, 2015a, e-book).
  • 6
    Ingold (2015a, e-book) vai nos dizer que “[...] arte e etnografia não combinam muito. A primeira compromete os compromissos da etnografia com a precisão descritiva; a última foge do imediatismo do envolvimento observacional da arte”.
  • 7
    Conferência disponível em: <https://youtu.be/iivjP3gvR1c>. Acesso em: 21 maio 2020.
  • 8
    Ver em: <https://sites.google.com/site/umahortaemcadaesquina/mais-pra-menos-que-pra-mais>. Acesso em: 07 maio 2015.
  • 9
    Ver: <http://www.createtoconnect.eu/vera-mantero-mais-pra-menos-que-pra-mais-rather-less-than-more/>. Acesso em: 15 fev. 2017.
  • 10
    Ver: <http://www.orumodofumo.com/pt/artistas/vera-mantero_2>. Acesso em: 16 fev. 2018.
  • 11
    Lepecki faz essa consideração baseando-se na leitura de Paul Carter em The lie of the land.
  • 12
    Disponível em: <http://pratadacasa.pt/veramantero/>. Acesso em: 10 mar. 2018.
  • 13
    Para um exemplo de uma marca deixada por Mantero, ver: <http://hortafcul.wixsite.com/home/horta-do-baldio>. Acesso em: 24 fev. 2018.
  • 14
    Elizabete Francisca (coreógrafa portuguesa) assina junto com Mantero a concepção e curadoria do projeto. Ver ficha artística completa em: <https://www.orumodofumo.com/pt/acontecimentos/outrosprojectos/mais-pra-menos-que-p_10>. Acesso em: 21 maio 2020.
  • 15
    Essa é uma discussão importante que ganha ainda mais relevo em tempos de pandemia, quando a cultura passa por um momento de crise. A ideia requer um maior aprofundamento, que não pode acontecer neste espaço.
  • 16
    Para Lepecki, a epítome da pessoalização na arte seria o trabalho da performer Marina Abramovic em Artist is Present (2012).
  • 17
    Essas são ideias que requerem um maior aprofundamento, que não podem acontecer neste espaço.
  • 18
    Artista, escritor e diretor da companhia inglesa Forced Entertainment.
  • 19
    Conferência disponível em: <https://artmuseum.pl/en/doc/video-performans-i-cielesnosc>. Acesso em: 25 mar. 2015.
  • Este texto inédito também se encontra publicado em inglês neste número do periódico.
  • Editor-responsável: Gilberto Icle

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Set 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    30 Jan 2020
  • Aceito
    04 Jun 2020
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