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Josephine Baker e Mercedes Baptista: casos de representações da mulher negra na dança

Joséphine Baker et Mercedes Baptista: cas de représentations de femmes noires en danse

RESUMO

A partir da análise da trajetória de duas bailarinas, Josephine Baker e Mercedes Baptista, o artigo propõe uma reflexão acerca do conceito de estereótipos de Stuart Hall. Por serem mulheres negras, categorias eram aplicadas às suas movimentações sem maior profundidade: para Josephine, identificação com danças primitivas; para Mercedes, a falta de reconhecimento de um corpo negro em destaque na dança clássica. As formas como elas lideram com estereótipos e se tornaram agentes de seus corpos, além das marcas que deixaram na sociedade ocidental, serão aqui objetos de análise.

Palavras-chave:
Josephine Baker; Mercedes Baptista; Estereótipos; Dança Cênica; Representação

RÉSUMÉ

À partir de l’analyse de la trajectoire de deux danseuses, Joséphine Baker et Mercedes Baptista, l’article propose une réflexion sur le concept de stéréotypes dans Stuart Hall. Étant des femmes noires, des catégories ont été appliquées à leurs mouvements sans plus de profondeur: pour Joséphine, l’identification aux danses primitives; pour Mercedes, le manque de reconnaissance d’un corps noir dans un premier rôle en danse classique. Comment elles sont fait face aux stéréotypes et sont devenues des agents de leurs corps et les marques qu’elles ont laissées dans la société occidentale, ils seront ici analysés.

Mots-clés:
Joséphine Baker; Mercedes Baptista; Stéréotypes; Danse Scénique; Représentation

ABSTRACT

Based on the analysis of the trajectory of two dancers, Josephine Baker and Mercedes Baptista, this article proposes a reflection on the concept of stereotypes as per Stuart Hall. Being Black women, categories were applied to their movements without further depth: for Josephine, there was the identification with primitive dances; for Mercedes, the lack of recognition of a Black body in a leading role in classical dance. The ways in which they dealt with stereotypes and became agents of their bodies, and the marks they left in the western society will be the objects of analysis.

Keywords:
Josephine Baker; Mercedes Baptista; Stereotypes; Theatrical Dance; Representation

A distinção entre o Eu e o Outro foi muito aplicada em estudos antropológicos e, também, na história da arte, como se verá a seguir. Havia sempre uma distinção, norteada pelos conceitos e regras da sociedade europeia, que se colocava em um lugar superior ou mais evoluído do que as demais, especialmente quando se tratava dos espaços colonizados, como os continentes africano e americano, ou pouco conhecidos, como, por exemplo, no caso da Ásia. Os sujeitos primitivos deveriam ser estudados, analisados e civilizados, fosse pela espada, pela cruz ou pelos bons costumes.

Enquanto se trilhava um caminho de evolução das espécies nas ciências naturais e humanas, o campo das artes emulava tais pensamentos, enquadrando todo tipo de manifestação cultural de sociedades não-europeias como artesanato, ou como de menor valor do que a arte com a maiúsculo. As divisões ficavam ainda mais visíveis quando tais objetos eram levados para a Europa e guardados em museus. Diferente dos objetos – classificados como obras de arte – produzidos pelos europeus, os executados fora de geografias europeias eram destinados aos museus de etnografia e antropologia. Ganhavam uma outra leitura, em que o lado estético não era o mais relevante, e sim a sua representação na qualidade de símbolo de uma sociedade primitiva a ser estudada.

Pedro Cesarino (2017)CESARINO, Pedro. “Conflitos de pressupostos da Antropologia da Arte”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 32, n. 93, p. 1-17, 2017. evidencia em seu texto o interesse por essas peças, porém como um interesse por perpetuar a dicotomia entre o civilizado e o primitivo, entre o Nós e os Outros. A discussão, sobre qual papel o objeto exposto ocupava na sociedade da qual foi tirado, até não muito tempo atrás parecia não existir, sendo o objeto compreendido apenas como mais um elemento para marcar a diferença e o fascínio pelo que não representava a sociedade ocidental da época. Essa dualidade pode ser percebida em outros espaços da arte, e não apenas em relação a objetos encontrados nos museus.

Se pensarmos no espaço cênico e como algumas danças de origens não europeias eram vistas, o argumento de Cesarino se mantém. Especialmente se nos voltarmos ao final do século XIX até meados do século XX: havia convenções do que poderia ser considerado uma dança própria, um espetáculo digno para estar nos palcos de destaque das sociedades ocidentais, e o que seria lido mediante uma chave de um ritual ou um símbolo de uma sociedade traduzidos por danças primitivas ou folclóricas mostradas em cena.

Essa última representaria um espaço entendido como exótico, de apelo turístico, assim como os objetos de arte que Cesarino analisa em seu texto.

Os envolvidos em performar essas danças nos palcos pareciam não ter agenciamento sobre o que apresentavam, sendo apenas manipulados pelo que o público desejoso pedia para assistir. Porém, os dois casos aqui tratados revelam que, mesmo reforçando a ideia do exótico, seu agenciamento sobre o que era mostrado no palco os transforma em detentores de poder na situação apresentada. Não são sujeitos manipulados pelo momento, e sim trabalham os estereótipos a eles associados em seu favor.

O conceito de estereótipo aqui empregado provém da formulação de Stuart Hall (2016)HALL, Stuart. Cultura e representação. Rio de Janeiro: Editora PUC-RJ; Apicuri, 2016.. Segundo o autor, ao estereotipar uma pessoa – ou uma comunidade –, esta é reduzida a poucas características, a traços que são exagerados e simplificados para que sua identificação seja feita de maneira rápida. Para o autor, tal ato, que ajuda a criar separações entre o Eu e o Outro, mantém o equilíbrio entre o que é aceito e o que é patológico.

Assim, manter a separação dentro de dualidades, através do estereótipo, torna-se uma forma de manter a ordem social vigente, permitindo que os agentes daquele campo sigam com as normas por eles criadas. O conceito de campo aqui empregado é do sociólogo francês Pierre Bourdieu (2005, p. 244)BOURDIEU, Pierre. As regras da arte: gênese e estrutura do campo literário. Lisboa: Editorial Presença, 2005.:

O campo do poder é o espaço das relações de forças entre agentes ou instituições que têm em comum possuir o capital necessário para ocupar posições dominantes nos diferentes campos (econômico ou cultural, especialmente). Ele é o lugar de lutas entre detentores de poderes (ou de espécie de capital) diferentes que, como as lutas simbólicas entre os artistas e os ‘burgueses’ do século XIX, tem por aposta a transformação ou a conservação do valor relativo das diferentes espécies de capital que determina, ele próprio, a cada momento, as forças suscetíveis de serem lançadas nessa luta.

Dentro da sociedade existem diferentes campos (econômico, político, dos esportes, das artes) que funcionam em torno de práticas específicas, mas que compartilham de uma mesma estrutura – estão organizados por habitus internalizados nos agentes que os colocam em prática, sendo os agentes dominantes os que possuem maior controle sobre a estrutura empregada no campo, tentando mantê-la ou modificá-la graças a suas posições. O campo afirma ou nega a importância de um criador e de sua criação. No caso do espaço cênico, ele define o que é ou não dança cênica, reforça estereótipos do que é, por exemplo, uma dança civilizada, e o que poderia ser considerado uma manifestação de movimentos primitivos.

Mas como quebrar tal hegemonia? Talvez quebrar não seja o melhor termo, no entanto existem certos momentos de ruptura, certos espaços em que uma conjuntura de fatores sociais e temporais permite que exceções apareçam. Neste artigo, serão analisadas mais de perto duas personagens que parecem ter surgido em épocas em que suas atuações se tornaram possíveis, bem como símbolos de uma certa ruptura: Josephine Baker (1906-1975) e Mercedes Baptista (1921-2014), duas mulheres negras bailarinas em diferentes épocas e contextos. As duas possuem trajetórias distintas, mas marcadas por questões ligadas ao racismo – conforme depoimentos de ambas – e a estereótipos da mulher racializada no espaço cênico da dança. Através do entendimento das marcas criadas pela sociedade para seus corpos e movimentações utilizaram o estereótipo a seu favor, tornando-se agentes de suas práticas e, ao manipularem como eram representadas, subverteram o espaço de Outro a elas destinado.

As duas próximas seções do texto apresentam um breve histórico da atuação profissional de Baker e Baptista, sempre deixando em evidência as questões enfrentadas pelas duas por definições de estereótipos vigentes em sua época de atuação.

Josephine Baker e sua interpretação da dança primitiva

Josephine Baker foi reconhecida com grande destaque como performer (cantora, bailarina e atriz) na Europa, mais precisamente na França. Entretanto, sua trajetória se inicia nos Estados Unidos, em Saint Louis, Missouri, estado localizado no Centro-Oeste. Nasceu em 1906, com o nome de Freda Josephine McDonald. Sem saber ao certo quem era seu pai, Josephine morou com sua mãe, uma lavadeira negra chamada Carrie McDonald, até os 13 anos, idade em que decidiu sair de casa e se juntar, como camareira, a um espetáculo de vaudeville1 1 De acordo com o site do Museu Americano de Vaudeville, este foi um gênero teatral que surgiu na França em 1792. Inclui música, dança, circo e a comédia. Foi um gênero muito disseminado nas Américas, principalmente nos Estados Unidos. Disponível em: https://www.vaudeville.org/histories/. Acesso em: 30 nov. 2021. chamado Dixie Steppers. Com apenas 15 anos, em 1921, Josephine casou-se pela segunda vez e adotou o sobrenome de seu marido, William Howard Baker.

De acordo com verbete a ela dedicado na Encyclopedia of the African Diaspora (2008), Baker atuou por alguns anos como camareira até conseguir um papel como dançarina de coro (chorus line) no espetáculo Shuffle Along, de 1921 (Tanner, 2020TANNER, Jo. Shuffle Along: The Musical at the Center of the Harlem Renaissance. Drop me off in Harlem. 2020. Disponível em: https://artsedge.kennedy-center.org/interactives/harlem/themes/shuffle_along.html. Acesso em: 30 nov. 2021.
https://artsedge.kennedy-center.org/inte...
)2 2 É importante destacar que o espetáculo, escrito e musicado por quatro pessoas negras, é entendido como parte do movimento de Renascimento do Harlem, ocorrido entre os anos de 1918 e 1929. O movimento, na época reconhecido como New Negro Movement, teve sua centralidade no Harlem (região localizada na cidade de Nova York) e promovia expressões culturais afro-americanas nos campos da música, teatro e literatura. Apesar das dificuldades para a produção da peça, ela encontrou sucesso na época. , mesmo ano em que Josephine começou a fazer pequenas participações em espetáculos, mas nunca em papéis de destaque, pois “era considerada muito baixa, muito magra e com a pele muito escura”3 3 Tradução livre do trecho: “she was considered too short, too skinny, and too dark-skinned…”. para ser uma diva (Gottschild, 2003, p. 154GOTTSCHILD, Brenda Dixon. The black dancing body: a geography from coon to cool. Londres: Palgrave MacMillan, 2003.).

Apesar de seus marcadores identitários serem, para a época, fatores que impediam sua carreira de ascender nos Estados Unidos, na Europa eram valorizados, especialmente na França, e em 1925 ela foi chamada para participar do espetáculo La Revue Nègre, em Paris. O espetáculo, assim como Josephine, fez um enorme sucesso junto à burguesia da cidade. Aqui retomamos uma frase de seu supracitado verbete, que revela uma sociedade que lidava com o Outro de forma exótica já que “[...] sua bela aparência negra e sensualidade foram logo aprovadas pelos sofisticados parisienses, que haviam desenvolvido um gosto por todas as coisas africanas4 4 Tradução livre do trecho: “Her dark good looks and sensuality struck a chord with sophisticated Parisians, who had developed a taste for all things African”. ” (Campbell, 2008, p. 143CAMPBELL, Kathy. “Josephine Baker”. In: BOYCE-DAVIES, Carole E. (Org.). Encyclopedia of the African diaspora: origins, experiences, and culture. Santa Bárbara, Califórnia, EUA: ABC-CLIO, Inc., 2008. P. 142-144.). Stuart Hall coloca em relevo a necessidade do binômio Eu/Outro para evidenciar como precisamos nos reconhecer em alguns para criar uma imagem, uma identidade, à qual pertencemos. Em questões ligadas à raça, esse Outro ocupa espaços estereotipados e de curiosidade. Segundo o autor:

A marcação da ‘diferença’ leva-nos, simbolicamente, a cerrar fileiras, fortalecer a cultura e a estigmatizar e expulsar qualquer coisa que seja definida como impura e anormal. No entanto, paradoxalmente, também faz com que a ‘diferença’ seja poderosa, estranhamente atraente por ser proibida, por ser um tabu que ameaça a ordem cultural (Hall, 2016, p. 157HALL, Stuart. Cultura e representação. Rio de Janeiro: Editora PUC-RJ; Apicuri, 2016.).

Dessa forma, como se dava a aceitação de Josephine Baker? É importante marcar que as biografias levantadas para este artigo se focam em sua vida no palco, logo, só podemos discorrer sobre sua aceitação na posição de persona atriz/bailarina/cantora. No espaço do palco, seu personagem de mulher exotizada era aceito e admirado. Tornava-se atraente para um público sedento pelo diferente, pelo africano, como colocado por sua biógrafa Kathy Campbell (2008)CAMPBELL, Kathy. “Josephine Baker”. In: BOYCE-DAVIES, Carole E. (Org.). Encyclopedia of the African diaspora: origins, experiences, and culture. Santa Bárbara, Califórnia, EUA: ABC-CLIO, Inc., 2008. P. 142-144..

A interpretação de seus gestos e expressões faciais era associada ao continente africano, dedução rasa advinda apenas pelo fato de sua negritude. Josephine dançava majoritariamente o Charleston quando foi aclamada nos palcos de Paris (Imagem 1). A dança foi criada na cidade de mesmo nome, localizada no estado da Carolina do Sul, logo após a Primeira Guerra Mundial. Os movimentos têm foco nas pernas, que se balançam rapidamente e são colocadas à mostra, devido às saias curtas das dançarinas. Josephine entrava no final do espetáculo e dançava vestida com um pequeno biquíni, em que seus seios e nádegas ficavam em evidência. Apesar de a sociedade da época já estar acostumada a ver em seus palcos dançarinas em trajes como esses, o choque (ou surpresa) em ver Josephine apresentar-se de tal maneira foi noticiado em jornais da época (Josephine Baker..., 2020aJOSEPHINE BAKER, “a mulher mais exótica do mundo”. Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro, 2020a. Disponível em: https://www.bn.gov.br/acontece/noticias/2020/06/josephine-baker-mulher-mais-exotica-mundo. Acesso em: 01 dez. 2021.
https://www.bn.gov.br/acontece/noticias/...
; 2020bJOSEPHINE BAKER. The Official Site. 2020b. Disponível em: http://www.cmgww.com/stars/baker/about/biography/. Acesso em: 20 nov. 2021.
http://www.cmgww.com/stars/baker/about/b...
).

Imagem 1
Josephine Baker dançando o Charleston (1926).

Retoma-se aqui o conceito de fetichismo apresentado no texto de Hall a partir do exemplo trabalhado pelo autor. Saartjie Baartman, conhecida também como Vênus Hotentote, foi uma mulher nascida na atual África do Sul e que viveu entre o final do século XVIII e início do século XIX. Levada por um fazendeiro holandês para Londres, tornou-se atração na Inglaterra e na França. Seu corpo era disposto para curiosos que podiam tocá-lo sem pudores. Suas dimensões diferiam daquelas das mulheres europeias, suas nádegas eram mais carnudas, assim como seu órgão genital, e isso fez com que ela fosse tratada como um objeto, fetichizada tanto em ambientes do entretenimento quanto científicos.

Saartjie Baartman não existia como ‘pessoa’. Ela foi desmontada em partes relevantes, foi ‘fetichizada’ – transformou-se em um objeto. Essa substituição do todo pela parte, de um sujeito por uma coisa – um objeto, um órgão, uma parte do corpo - é o feito de uma prática representacional muito importante: o fetichismo (Hall, 2016, p. 205HALL, Stuart. Cultura e representação. Rio de Janeiro: Editora PUC-RJ; Apicuri, 2016.).

Assim como Baartman, Baker também seria, em alguma medida, fetichizada como um objeto, no sentido empregado por Hall. Suas apresentações representavam o imaginário de uma África distante, onde mulheres dançavam de forma voluptuosa e andavam seminuas. Porém, diferentemente de Baartman, Josephine não vira um objeto a se possuir, suas partes corporais não estão mais destacadas do que a própria.

A diferença é que Josephine, em alguma medida, no entendimento da plateia que a recebe, encarna um papel, por mais que seja uma interpretação de um personagem muito próximo do que imaginam que ela seja. Ela está em um palco, em um espetáculo. Sua identidade é associada com a de uma artista. Já Saartjie não interpreta, ela é a personificação de um corpo primitivo, e sua interação com o público não é entendida no espaço da interpretação de uma personagem, por mais que, inúmeras vezes, estivesse em um espaço cênico. Ela é lida apenas por uma chave: a de uma espécie exótica não civilizada.

Josephine consegue usar a fetichização de seu corpo em seu favor. Ela mostra o que a plateia deseja experienciar: o estereótipo da mulher negra sensual, mas que se apresenta em um limiar entre o primitivo e o civilizado, que sabe performar as danças africanas ao mesmo tempo que sabe dançar balé. E assim ela pode entrar em cena, no meio de uma selva caricatural, como uma nativa vestindo uma saia de bananas. Em 1926, aparece no palco e no cinema com a famosa saia, interpretando Fatou5 5 Fatou, personagem interpretada por Josephine, é uma mulher nativa de um país não designado, apenas uma nativa do continente africano. Fatou é inspirada em Fatou-gaye, personagem do romance Le Roman d’un spahi (1881), de Pierre Loti. Fatou-gaye é a amante senegalesa do personagem principal, Jean Peyral, um soldado francês. O livro era amplamente conhecido na França, mesmo na década de 1920, e foi transformado em filme em 1936, e assim o nome escolhido para a personagem de Josephine já remetia a associações do público da imagem de mulheres negras africanas. . Ela entra em cena, balançando seus quadris e fazendo uma mistura de danças, do Charleston à dança do ventre. Apontando para movimentações sexuais, as bananas não param de chacoalhar em volta de suas ancas. A imagem é um estereótipo da selvagem mulher negra, mas quem está no domínio da cena é Josephine (Imagem 2). Apesar de encarnar o estereótipo, ela o utiliza, manipula-o e se torna agente de seu próprio corpo e persona. Não é mais um Outro apenas à mercê dos olhares, é um Outro que se reconhece em suas diferenças, mas que, ao performá-las no espaço cênico, consegue a ele pertencer, ser entendida como parte daquele momento da sociedade.

Imagem 2
Josephine Baker vestindo saia de bananas (1927).

Vale ressaltar que a simbologia da dança com a saia de bananas inspira a dramaturgia da cena até a atualidade, a ponto de existirem releituras do uso da saia e da dança, como aconteceu em 2006, ano do centenário de nascimento de Josephine, quando Beyoncé6 6 Beyoncé (1981) é uma cantora, compositora, atriz, dançarina e empresária estadunidense. Nasceu em Houston, Texas. Fez parte do grupo musical Destiny’s Child antes de lançar sua carreira solo. É mundialmente conhecida não somente por suas canções, mas também por sua ampla atuação como figura pública. realizou o show Fashion Rocks homenageando Baker, não apenas fazendo uma coreografia dançando o Charleston, como também vestindo um figurino de saia de bananas.

Após seu sucesso na Europa, Josephine foi reconhecida nos Estados Unidos e realizou turnês pelo país e por outros, chegando mesmo a apresentar-se no Rio de Janeiro (1939) com Grande Othelo, no Cassino da Urca7 7 O prédio do Cassino da Urca foi criado no ano de centenário da independência do Brasil, 1922, funcionando inicialmente como o Hotel Balneário. Em 1933, transformou-se em hotel-cassino, empreendimento comum para a época, após ser adquirido pelo empresário Joaquim Rolla. Até 1946 – ano em que o jogo foi proibido no Brasil – funcionou como espaço de show para a alta sociedade, com performances nacionais e internacionais. Após o fim de suas atividades ligadas ao jogo e entretenimento, virou a sede da TV Tupi entre os anos de 1954 e 1980. Reabriu para atividades apenas em 2006, agora como sede do Instituto Europeu de Design. .

Seu agenciamento sobre seu corpo e sua personagem a ajudaram a não ficar presa no papel eterno de mulher negra sensual. Suas expressões faciais, já mencionadas, evocavam certa comicidade, o que provocava uma quebra na encenação de sexualidade apresentada por suas movimentações corporais. A comicidade de suas máscaras faciais, mais bem dizendo de suas caretas (grimaces, em francês), atuavam como uma espécie de camuflagem, no sentido utilizado e citado pela bailarina, performer e coreógrafa francesa Latifa Laâbissi, em entrevista a Gilles Amalvi (2010)AMALVI, Gilles. Interview with Latifa Laâbissi about Grimace du réel. Rennes: Musée de La Danse, 2010. Disponível em: http://www.museedeladanse.org/en/articles/interview-with-latifa-laabissi-about-grimace-du-reel-by-gilles-amalvi.html. Acesso em: 17 jan. 2022.
http://www.museedeladanse.org/en/article...
, em seu programa Grimace du réel. Tais caretas agenciavam um discurso sem palavras, que imitavam um discurso pretensamente africano, com acentos faciais do que se entendia ser típico dos habitantes (e descendentes) da África, entendido como um todo, sem diversidades.

Por fim, destacamos brevemente outros aspectos de sua vida: Baker foi ávida defensora da igualdade racial, participando da National Association for the Advancement of Colored People (NAACP)8 8 A NAACP é a mais antiga, e uma das mais influentes associações a favor dos direitos civis para a população negra estadunidense. Criada em 1909 por um amplo grupo, que incluiu W. E. D. Du Bois, Mary White Ovington e Moorfield Storey, entre outros, atuou em diferentes frentes para “garantir igualdade de direitos para todas as pessoas, eliminando discriminação baseada na raça”. Disponível em: https://naacp.org/. Acesso em: 30 nov. 2021. [Associação Nacional para o Progresso de Pessoas de Cor], tendo sido convidada a participar da marcha pelos direitos civis em Washington em 19639 9 Marcha realizada na capital dos Estados Unidos, Washington, no dia 28 de agosto de 1963. Organizada pelo ativista Martin Luther King, reuniu mais de 250.000 pessoas que lutavam, de forma pacífica, pelo fim da segregação racial no país. O discurso de King, I Had a Dream, marcou a manifestação e é citado constantemente por políticos e pessoas públicas. . Também participou de filmes franceses, Zou Zou (1934) e a Princesa Tan Tan (1935), sempre em papéis de destaque, nos quais podia mostrar seus dotes de canto e dança.

Mercedes Baptista e sua dança cênica

No mesmo ano que Josephine Baker estreou nos palcos de Nova York, 1921, Mercedes Baptista chegou ao mundo, em Campos de Goytacazes, no estado do Rio de Janeiro. Sua família não tinha muito dinheiro, de seu pai sabe-se pouco, pois não morava com ela. Sua mãe era costureira e, com Mercedes ainda pequena, decidiu mudar-se para a capital federal, na época o Rio de Janeiro. Mercedes foi apresentada ao cinema e, ao ver atrizes mirins como Shirley Temple10 10 Shirley Temple (1928-2014) foi uma atriz, dançarina e cantora estadunidense. Entre os anos de 1935 e 1938 foi a atriz mirim de maior arrecadação nas bilheterias dos cinemas. Ainda criança alcançou o estrelato, atuando em filmes musicais. A sua imagem de criança dificultou a conquista de papéis adultos e, assim, ela decidiu se aposentar como atriz com apenas 22 anos. e Judy Garland11 11 Judy Garland (1922-1969) foi o nome artístico de Frances Ethel Gumm. Atriz, cantora e dançarina, ficou conhecida como uma das grandes estrelas dos filmes musicais de Hollywood entre as décadas de 1940 e 1950. Ainda em sua adolescência, participou do filme O Mágico de OZ (1938) como a personagem principal, Dorothy. Conseguiu manter sua carreira no entretenimento mesmo depois de adulta, porém morreu apenas com 47 anos de uma overdose acidental. , decidiu: seria famosa. Vale destacar que suas duas inspirações eram atrizes que também dançavam e cantavam em seus filmes. Todavia, Mercedes não tinha condições financeiras para investir em uma carreira como atriz ou aprender algum instrumento musical. Na adolescência, começou a fazer pequenos trabalhos para ajudar sua mãe. Mesmo já trabalhando, Mercedes mantinha o desejo pela fama e viu na dança uma possibilidade. Um dia, ao percorrer o centro da cidade, deparou-se com o Serviço Nacional de Teatro do Rio de Janeiro e descobriu que lá ofereciam um curso de dança.

Mercedes conseguiu ingressar no curso e iniciou seus estudos com Eros Volúsia12 12 Eros Volúsia foi uma bailarina brasileira, reconhecida por trabalhar com elementos da cultura popular brasileira em sua movimentação. Formada em balé clássico pelo Theatro Municipal, ela incorporava lundu, maxixe e outras danças de matrizes africanas em suas coreografias. Foi a primeira bailarina a dançar descalça no Brasil em um espetáculo de dança cênica. É importante ressaltar o imaginário que rondava sua figura e seu fazer artístico, traduzido como a representação ideal da proclamada miscigenação das três raças. Em matéria da revista norte-americana Life, em 22 de setembro de 1941, com o título Brazilian Eros Volusia Does Negro Witch Dance, a dançarina foi apresentada como uma jovem cujo sangue continha as três raças dominantes presentes no Brasil: portuguesa (branca), indígena e negra, mas que, mesmo com essa mistura, a artista optava pela dança provinda das selvas africanas. Apesar dessa identidade miscigenada, Eros era reconhecida enquanto mulher branca, logo, certos espaços de protagonismo da cena podiam ser ocupados por ela sem grandes questionamentos (Brazilian..., 1941). (1914-2004) em 1945, aprendendo balé clássico e dança folclórica. Enquanto aluna, teve alguns momentos no palco, mas apenas breves apresentações. Nesse tempo, conheceu Yuco Lindberg13 13 Yuco Lindberg (1908-1948), natural da Estônia, mudou-se para o Brasil em 1921. Passou por São Paulo antes de fixar residência no Rio de Janeiro, onde atuou como diretor da escola de dança Maria Olenewa (nome atual da escola de dança do Theatro Municipal do Rio de Janeiro). (1908-1948), que a deixou participar gratuitamente de aulas na Escola de Danças Clássicas do Theatro Municipal. Em 1947, debutou no palco do Municipal com o espetáculo dos alunos. Participou de duas peças, O Quebra-Nozes14 14 O Quebra-Nozes é um espetáculo de balé clássico, tradicionalmente encenado em dezembro, perto do Natal. É baseado na versão de Alexandre Dumas de um conto infantil escrito por E. T. A. Hoffmann, e foi composto por Piotr Ilitch Tchaikovsky. Estreou em São Petersburgo (Rússia) em 1892 e continua a ser encenado. A montagem em que Mercedes participa foi feita em 1947, com remontagem de Yuco Lindberg. e Iracema15 15 Iracema é um balé inspirado no romance homônimo de José de Alencar. A montagem de 1947 teve música, libreto e figurinos de Laura Figueiredo e cenário de Mário Conde (Silva Junior, 2007). , vivendo a personagem principal na última. Segundo depoimento de Edmundo Carijó, bailarino que participou do espetáculo, a Paulo Melgaço da Silva Junior, em seu livro Mercedes Baptista: a criação da identidade negra na dança (2007):

Yuco criou Iracema para Mercedes, ela vivia a índia. Era um trabalho voltado para os seus cabelos. Ela possuía um cabelo enorme, uma verdadeira trouxa na cabeça, e ele soube explorar essa mistura cabelo e ritmo. Ela se saiu muito bem, estava linda (Silva Junior, 2007, p. 16SILVA JUNIOR, Paulo Melaço da. Mercedes Baptista - A criação da identidade negra na dança. Rio de Janeiro: Programa de Bolsa RioArte, 2007.).

A partir do depoimento de seu colega de ofício, é visível que o tipo físico de Mercedes, uma mulher reconhecida e declarada negra (Imagem 3), parecia delimitar a escolha de personagens que poderia interpretar.

Imagem 3
Mercedes Baptista, 1959.

Marquemos a época, décadas de 1940 e 1950, em que ela começou a atuar em seu ofício. A dança clássica, no caso o balé, não tem necessariamente perfis muito definidos, pois todos os bailarinos integrantes de um corpo de balé ou de uma escola já estão dentro de um tipo corporal entendido como ideal para a dança. O elemento que levaria alguém a ser a primeira bailarina ou ficar no fundo seria seu virtuosismo expressivo e sua boa técnica. Porém, na época que Mercedes começava a dançar, marcadores como seu tom de pele importavam. Assim, em balés de repertório, ela nunca seria a protagonista, já que não se encaixava em um perfil imaginado pelos coreógrafos e diretores (muitos, naquela época, europeus) e nunca teria o destaque que almejava mesmo dominando a técnica.

Em 1948, Mercedes se inscreveu e passou no concurso público para o Corpo de Baile do Theatro Municipal, tornando-se a primeira bailarina negra a ingressar no prestigioso espaço no Rio de Janeiro, junto ao também bailarino negro Raul Soares. É importante apontar que ela não foi a primeira a tentar a prova: em 1945, Consuelo Rios, uma bailarina negra que havia estudado com professores de balé importantes na época, tentou fazer a prova, porém foi impedida por um funcionário do Theatro Municipal de se inscrever. Consuelo, em seu depoimento no livro de Silva Junior (2007)SILVA JUNIOR, Paulo Melaço da. Mercedes Baptista - A criação da identidade negra na dança. Rio de Janeiro: Programa de Bolsa RioArte, 2007., recorda que uma outra pessoa da instituição, algum tempo depois, explicou que, para ser bailarina do Theatro, só eram aceitas “candidatas brancas, ou, pelo menos, mulatas disfarçadas” (Silva Junior, 2007, p. 18SILVA JUNIOR, Paulo Melaço da. Mercedes Baptista - A criação da identidade negra na dança. Rio de Janeiro: Programa de Bolsa RioArte, 2007.).

Apenas dois anos depois, Mercedes ingressou no Corpo de Baile. O fato não significou uma mudança na forma de interpretar e estereotipar os corpos negros na dança, pois tornar-se funcionária do Theatro não tinha relação direta com as oportunidades de papéis disponíveis para ela nas montagens da companhia.

Madeleine Rosay16 16 Madeleine Rosay (1923-1996) foi uma bailarina do Theatro Municipal do Rio de Janeiro. Ingressou no Corpo de Baile em 1936 e foi a primeira brasileira a receber o título de Primeira Bailarina (Silva Junior, 2007). , Vaslav Veltchek17 17 Vaslav Veltchek (1897-1967), dançarino e coreógrafo. Nasceu em Praga (Tchéquia) e mudou-se para o Brasil em 1939, trabalhando com Maria Olenewa no Rio de Janeiro. Em 1940, mudou-se para São Paulo para ser o primeiro diretor da Escola Municipal de Bailados. Ainda trabalhou como coreógrafo no Rio de Janeiro entre as décadas de 1940 e 1960. , Edy Vasconcelos18 18 Edy Vasconcelos, formada pela Escola de Balé do Theatro Municipal do Rio de Janeiro. e Nina Verchinina19 19 Nina Verchinina (1912-1995) nasceu em Moscou (Rússia). Dirigiu o Corpo de Baile entre 1946 e 1947, quando introduziu a técnica moderna (Silva Junior, 2007). me deram boas oportunidades na carreira, sem olhar minha cor. Os problemas vieram depois. Eu me vi de repente excluída de tudo, e nem que pusesse um capacho cobrindo meu rosto me deixariam pisar em cena. Só uma vez atravessei o palco usando sapatilhas de pontas e, ainda assim, lá no fundo (Silva Junior, 2007, p. 20SILVA JUNIOR, Paulo Melaço da. Mercedes Baptista - A criação da identidade negra na dança. Rio de Janeiro: Programa de Bolsa RioArte, 2007.).

Abdias do Nascimento e o Teatro Experimental do Negro

Na trajetória de Mercedes é necessário destacar dois artistas fundamentais para o desenvolvimento de sua dança e, consequentemente, sua companhia de dança.

O primeiro é Abdias do Nascimento (1914-2011), ator, poeta, artista plástico, dramaturgo, escritor, professor e ativista (citamos apenas algumas de suas múltiplas facetas), que atuou pela luta das populações negras brasileiras e pelo reconhecimento de sua cultura. Dentro de sua vasta articulação, destaca-se a criação do Teatro Experimental do Negro (TEN), e como este influenciou Mercedes e sua carreira.

Em 1941, Abdias assistiu ao espetáculo O Imperador Jones20 20 Vale notar que essa mesma peça serviu de dramaturgia de base para uma coreografia (1956), de José Limón (1908-1972), diretor e coreógrafo da José Limon Dance Company, performada por um solista bailarino negro, sobre trilha sonora do brasileiro Heitor Villa-Lobos (1887-1959). Remontada em 2011, foi apresentada no Teatro do SESC Vila Marina (São Paulo) pela companhia estadunidense (Navas, 2011). , baseado em peça de 1920 de Eugene O’Neill (1888-1953), no Teatro Municipal de Lima, Peru. Saiu da peça consternado, pois o papel do herói, idealizado em um homem negro, havia sido interpretado por um ator branco com o rosto pintando de preto. Apesar de não saber nada de teatro na época (Nascimento, 2004NASCIMENTO, Abdias do. Teatro Experimental do Negro: trajetórias e reflexões. Revista Estudos Avançados, São Paulo, v. 18, n. 50, p. 209-224, jan./abr. 2004. Disponível em https://www.revistas.usp.br/eav/article/view/9982/11554. Acesso em: 25 nov. 2021.
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), o caso da peça ressoou em Abdias e ele começou a questionar: onde estão os intérpretes negros no teatro? Eles não existiam, ou eram apenas selecionados para papéis caricaturais e nunca o de personagem principal?

Minhas indagações avançaram mais longe: na minha pátria, tão orgulhosa de haver resolvido exemplarmente a convivência entre pretos e brancos, deveria ser normal a presença do negro em cena, não só em papéis secundários e grotescos, conforme acontecia, mas encarnando qualquer personagem Hamlet ou Antígona desde que possuísse o talento requerido. Ocorria de fato o inverso: até mesmo um Imperador Jones, se levado aos palcos brasileiros, teria necessariamente o desempenho de um ator branco caiado de preto, a exemplo do que sucedia desde sempre com as encenações de Otelo. Mesmo em peças nativas, tipo O demônio familiar (1857), de José de Alencar, ou Iaiá boneca (1939), de Ernani Fornari, em papéis destinados especificamente a atores negros se teve como norma a exclusão do negro autêntico em favor do negro caricatural. Brochava-se de negro um ator ou atriz branca quando o papel contivesse certo destaque cênico ou alguma qualificação dramática. Intérprete negro só se utilizava para imprimir certa cor local ao cenário, em papéis ridículos, brejeiros e de conotações pejorativas (Nascimento, 2004, p. 212NASCIMENTO, Abdias do. Teatro Experimental do Negro: trajetórias e reflexões. Revista Estudos Avançados, São Paulo, v. 18, n. 50, p. 209-224, jan./abr. 2004. Disponível em https://www.revistas.usp.br/eav/article/view/9982/11554. Acesso em: 25 nov. 2021.
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).

Questionando a ausência de negros nos teatros brasileiros ou percebendo que eles eram sempre reduzidos a um estereótipo (relembramos aqui os cinco identificados em papéis destinados a negros de Donald Bogle citados por Hall (2016)HALL, Stuart. Cultura e representação. Rio de Janeiro: Editora PUC-RJ; Apicuri, 2016.: a mulata trágica, a mãe preta, o pai Tomás, o malandro e o mal-encarado), Abdias percebeu a importância da criação de um núcleo de formação teatral voltado para a população negra brasileira. Em 1944, o TEN iniciou na cidade do Rio de Janeiro suas atividades com cursos de alfabetização, cultura geral e noções de teatro e interpretação, este último ministrado por Abdias. Mais de 600 pessoas se inscreveram no curso de alfabetização (Nascimento, 2004NASCIMENTO, Abdias do. Teatro Experimental do Negro: trajetórias e reflexões. Revista Estudos Avançados, São Paulo, v. 18, n. 50, p. 209-224, jan./abr. 2004. Disponível em https://www.revistas.usp.br/eav/article/view/9982/11554. Acesso em: 25 nov. 2021.
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) e os demais cursos também tinham um alto número de participantes. No ano seguinte, estrearam sua primeira montagem, O Imperador Jones, no Theatro Municipal do Rio de Janeiro.

Com a intenção de valorizar a cultura negra e a beleza da mulher negra, um tópico muito caro a Abdias, o TEN realizava concursos anuais: A Rainha das Mulatas e Boneca de Pixe. Mercedes ganhou, em 1948, o concurso de Rainha das Mulatas, e assim sua relação com o TEN, e particularmente com Abdias, começou a florescer. Trabalhou como bailarina, coreógrafa e colaboradora do Teatro Experimental, participando dos congressos e discussões sobre a igualdade racial que Abdias articulava com outros agentes.

Nos palcos do Theatro Municipal, Mercedes não era escalada, segundo a própria, por ser negra. Ela havia se tornado uma funcionária pública da instituição destinada aos bastidores. Porém, junto a Abdias, Mercedes tinha destaque pela sua dança e sua negritude. Ela era valorizada e celebrada. A partir dessa rede articulada em busca da valorização da cultura negra, Mercedes conheceu Katherine Dunham (1909-2006), importante coreógrafa afro-americana e pesquisadora de danças da diáspora negra.

Abdias convidou Dunham a dar aulas no espaço do TEN, para estreitar os laços entre Brasil e Estados Unidos projetando a possibilidade de trocas mais intensas entre ambos no âmbito cultural, o que aconteceu quando Dunham abriu uma seleção para bolsa de estudos em sua companhia, nos Estados Unidos, para bailarinos negros brasileiros. Mercedes foi selecionada para a bolsa e se mudou para Nova York, onde passou a estudar na Dunham School of Dance.

A escolha de aceitar a bolsa baseou-se muito na falta de espaço que tinha em seu trabalho como bailarina. Na escola de Dunham, Mercedes entrou em contato com danças do Haiti e de outros países da diáspora negra, tornando-se ainda professora de dança clássica na instituição (Silva Junior, 2007SILVA JUNIOR, Paulo Melaço da. Mercedes Baptista - A criação da identidade negra na dança. Rio de Janeiro: Programa de Bolsa RioArte, 2007.). Por questões burocráticas, ligadas ao seu trabalho no Corpo de Baile, ela decidiu voltar ao Brasil. O cenário não havia mudado, mesmo com o aumento de qualificações em seu currículo: a estrutura do Theatro Municipal, naquele momento, parecia não aceitar que Mercedes pudesse ser escalada para papéis de destaque. Com esse cenário, que parecia ser imutável, ela decidiu fundar sua própria escola e companhia de dança, o Ballet Folclórico Mercedes Baptista.

Com a companhia, misturando ritmos de danças populares brasileiras com a sua base de dança clássica, ela conseguiu um relativo sucesso, fazendo turnês pela América e Europa (Imagem 4). O Ballet teve grande destaque junto ao gênero de teatro de revista, pois ele tinha, em sua composição cênica, números de dança com bailarinas profissionais. Seu trabalho junto ao teatro de revista ganhava críticas positivas nos jornais da época, como, por exemplo, em 1957, quando coreografou para o espetáculo Rumo à Brasília da companhia de Silva Filho:

Imagem 4
Mercedes Baptista e seu Balé Folclórico, c. 1950.

O crítico RVM pontua: Nos quadros musicais e fantasias, o Ballet Folclórico Mercedes Baptista é a mais positiva contribuição para o espetáculo. Não hesitamos em apontar como elementos preponderantes para o êxito previsto os trabalhos de Silva Filho, Consuelo Leandro, Manuel Vieira e o Ballet Folclórico Mercedes Baptista (Silva Junior, 2007, p. 46SILVA JUNIOR, Paulo Melaço da. Mercedes Baptista - A criação da identidade negra na dança. Rio de Janeiro: Programa de Bolsa RioArte, 2007.).

Mercedes faleceu em 2014 na cidade do Rio de Janeiro devido a problemas cardíacos e diabetes. Até a sua morte seguiu realizando seu ofício, ministrando aulas, coreografando para escolas de samba e realizando seminários sobre seu Ballet Folclórico.

Duas artistas: representações a partir de Josephine Baker e Mercedes Baptista

Após a apresentação das duas artistas, é possível visualizar pontos em comum entre elas. Mesmo estando separadas pelo Atlântico e por alguns anos de diferença, Josephine e Mercedes viram que sua prática artística teve consequências ao ser assimilada a estereótipos do que um corpo de uma mulher negra simbolizava. Porém, ao agenciar o imaginário do senso comum atrelado aos seus corpos, não se enquadravam na subalternidade muitas vezes associada ao que era esperado dos corpos femininos racializados.

Podemos dizer, por exemplo, que o palco (e os cenários) da dança clássica seria impermeável à figura de Mercedes, por isso o destaque nunca lhe era dado. Apenas quando ela saiu do Theatro Municipal em busca de novos espaços, nos quais sua aparência e prática tinham relação com o todo proposto – o TEN, o teatro revista ou performando no Ballet Folclórico –, encontrou sucesso aos olhos dos outros.

Diferentemente de Mercedes, Josephine virou grande notícia pelo fato da contradição e choque que provocava: os palcos europeus de teatro não estavam acostumados a receber uma dançarina negra em trajes minúsculos a executar movimentos primitivos. A dissociação dos elementos a faz virar manchete, seja pelo fetiche do preconceito ou pela admiração colonial sobre o Outro e suas capacidades.

Entre elas, um fator comum: ambas as artistas tiveram que trabalhar com os estereótipos a elas delimitados. Mas, ao utilizá-los como agenciamento, cientes da dança que estavam praticando, das notícias que estavam gerando, conseguiram ter o domínio sobre seus corpos e práticas, não se tornando objetos de desejo ou admiração, à semelhança das peças de museu espoliadas das terras do Sul ou à semelhança do que ocorrera com Saartjie Baartman. Elas manipularam a cena da vida dentro do palco, simulando fachadas sociais e identidades pré-estabelecidas a elas, agenciando camuflagens.

Elas ainda representavam o Outro, mas, ao estarem no espaço cênico, pareciam apresentar menos perigo para a disrupção da ordem social. Assim, camufladas nas personagens que interpretavam de si mesmas, conseguiram um nível de aceitação no campo das artes e não foram classificadas apenas como performers de danças ritualísticas. Suas coreografias foram incorporadas como elementos de entretenimento e conseguiram estar lado a lado ao que era considerado próprio para os palcos da época. Em suas trajetórias, simbolizaram uma pequena ruptura com o que era entendido como permitido ou proibido.

No entanto, mesmo com essas pequenas faíscas de mudança, vale retomar um questionamento colocado por Hall (2016)HALL, Stuart. Cultura e representação. Rio de Janeiro: Editora PUC-RJ; Apicuri, 2016.: será que houve mudanças em relação aos estereótipos destinados às mulheres negras que performam danças não cênicas na sociedade contemporânea? Os espaços conquistados têm equidade com as danças clássicas? Ou, caso deseje ingressar na dança clássica, uma mulher negra chegará ao posto de primeira bailarina? Ou a ela será dado um papel de destaque, seja qual for a companhia de dança da qual ela participe?

Em pesquisa realizada para seu site Dos passos da bailarina (transformado em livro), a autora Cássia Pires revelou dados preocupantes. Em 2013, data da pesquisa, não havia uma primeira-bailarina negra nas grandes companhias de dança mundial (Pires, 2013PIRES, Cássia. Volta ao mundo. Dos passos da bailarina, 27 nov. 2013. Disponível em: https://dospassosdabailarina.com/2013/11/27/volta-ao-mundo/. Acesso em: 02 mar. 2022.
https://dospassosdabailarina.com/2013/11...
). A autora replicou seu questionamento em artigo para o portal Geledés, As bailarinas negras e o ballet clássico, de 2015, no qual apontou algumas bailarinas negras que conseguiram destaque em grandes companhias (Pires, 2015PIRES, Cássia. As bailarinas negras e o ballet clássico. Portal Geledés, 20 mar. 2015. Disponível em: https://www.geledes.org.br/as-bailarinas-negras-e-o-ballet-classico/. Acesso em: 15 mar. 2022.
https://www.geledes.org.br/as-bailarinas...
).

Avançando para 2018, a pesquisadora Sekani Robinson apresentou pesquisa quantitativa sobre mulheres negras nas companhias de balé norteamericanas na qual revelou que apenas 5% do corpo das grandes companhias norte-americanas era composto por bailarinas negras (Robinson, 2018ROBINSON, Sekine. Black Swans: Black female ballet dancers and the management of emotional and aesthetic labor. California: UC Santa Barbara, 2018.). Apesar de algumas mudanças, como a inserção de sapatilhas de ponta com maior variedade de cores de pele, que atendam a pessoas não brancas, a representação na dança clássica de homens e mulheres negros ainda é pequena, em especial em papéis de destaque.

Uma maneira de lidar com essa lacuna foi a criação de companhias e projetos independentes – como o de Mercedes Baptista – que fossem voltados aos dançarinos não-brancos, sendo o Dance Theatre of Harlem (Nova York) um dos maiores exemplos (Frajuca; Menezes, 2021FRAJUCA, Cheyenne Cordeiro; MENEZES, Marizilda dos Santos. Bailarinas negras: cores do balé e as transformações no vestuário. Revista de Ensino em Artes, Moda e Design, Florianópolis, v. 5, n. 3, p. 267-278, 2021. DOI: 10.5965/25944630532021267. Disponível em: https://periodicos.udesc.br/index.php/ensinarmode/article/view/20125. Acesso em: 02 jun. 2022.
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). No âmbito da dança contemporânea e seus desdobramentos, destacamos como mulheres negras continuam agenciando seus corpos e performando no palco.

Taísa Machado, atriz, escritora e pesquisadora de dança e sexualidade, desenvolve o projeto do Afrofunk, fundado em 2014 no Rio de Janeiro. Oferece oficinas práticas de danças ancestrais e da diáspora africana e todas as danças têm movimentos com o quadril. Durante suas práticas, Taísa não apenas ensina as movimentações como conversa com as participantes (sempre mulheres) sobre o corpo que dança, a sensualidade, as vivências na periferia carioca e a Ciência do Rebolado (Faustini, 2020FAUSTINI, Marcus (Org.). Taísa Machado, o afrofunk e a ciência do rebolado. Rio de Janeiro: Editora Cobogó, 2020.). Para além das oficinas, Machado realiza espetáculos e palestras sobre o lugar da mulher e do funk em nossa sociedade. Apesar de uma exemplar mudança, como esta que se acabou de citar, tais exemplos ainda parecem ser exceção e não norma. Figuras de mulheres negras na dança ainda não são maioria e a luta por seus espaços de direito é diária.

Por fim, sobre Josephine e Mercedes: caminhamos para um reconhecimento tardio das duas artistas. Mais estudos acadêmicos sobre a companhia e a figura de Mercedes Baptista vêm sendo desenvolvidos, a extensa pesquisa do autor Paulo Melgaço da Silva Junior sobre Mercedes tem gerado livros, como o citado neste artigo, Mercedes Baptista - a dama negra da dança (2021), e houve ainda uma exposição no SESC Copacabana, Rio de Janeiro (2021), com curadoria deste autor. Em torno de Baptista, tivemos ainda a inauguração de uma escultura em sua homenagem no Largo de São Francisco da Prainha, na Praça Mauá, região central do Rio de Janeiro, em 2016, bem próxima ao Cais do Valongo21 21 O Cais do Valongo está localizado na zona portuária da cidade do Rio de Janeiro. É considerado Patrimônio Histórico da Humanidade pela Unesco desde 2017. Era o local onde as pessoas escravizadas desembarcavam e eram comercializadas. O local recebeu entre 500 mil a um milhão de africanos. . Por outro lado, em 2021, os restos mortais de Josephine Baker foram sepultados no Panthéon de Paris22 22 Inaugurado em 1758, foi pensado, originalmente, como um santuário para Santa Genoveva. Entretanto, desde a Revolução Francesa (1789) é um monumento com a intenção de homenagear personalidades marcantes na história da França, recebendo, em sua cripta, os restos mortais desses indivíduos. , espaço nunca antes ocupado por uma mulher negra.

Josephine e Mercedes marcaram suas épocas e continuam perpetuando suas histórias como símbolos de ruptura e quebra de padrões. Colocá-las em relevo é escovar a história a contrapelo, como em Benjamin (1994 apud Baker, 2022, p. 60BAKER, Julia. Ocupar e desconstruir – a derrubada simbólica de estátuas colonizadoras através da série Devolta de Diambe da Silva. Cuadernos de Música, Artes Visuales y Artes Escénicas, Bogotá, v. 17, n. 1, p. 58-73, jan. 2022. Disponível em: https://doi.org/10.11144/javeriana.mavae17-1.caap. Acesso em: 17 jan. 2022.
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), e faz com que tais movimentos e vozes sejam ouvidos.

Notas

  • 1
    De acordo com o site do Museu Americano de Vaudeville, este foi um gênero teatral que surgiu na França em 1792. Inclui música, dança, circo e a comédia. Foi um gênero muito disseminado nas Américas, principalmente nos Estados Unidos. Disponível em: https://www.vaudeville.org/histories/. Acesso em: 30 nov. 2021.
  • 2
    É importante destacar que o espetáculo, escrito e musicado por quatro pessoas negras, é entendido como parte do movimento de Renascimento do Harlem, ocorrido entre os anos de 1918 e 1929. O movimento, na época reconhecido como New Negro Movement, teve sua centralidade no Harlem (região localizada na cidade de Nova York) e promovia expressões culturais afro-americanas nos campos da música, teatro e literatura. Apesar das dificuldades para a produção da peça, ela encontrou sucesso na época.
  • 3
    Tradução livre do trecho: “she was considered too short, too skinny, and too dark-skinned…”.
  • 4
    Tradução livre do trecho: “Her dark good looks and sensuality struck a chord with sophisticated Parisians, who had developed a taste for all things African”.
  • 5
    Fatou, personagem interpretada por Josephine, é uma mulher nativa de um país não designado, apenas uma nativa do continente africano. Fatou é inspirada em Fatou-gaye, personagem do romance Le Roman d’un spahi (1881), de Pierre Loti. Fatou-gaye é a amante senegalesa do personagem principal, Jean Peyral, um soldado francês. O livro era amplamente conhecido na França, mesmo na década de 1920, e foi transformado em filme em 1936, e assim o nome escolhido para a personagem de Josephine já remetia a associações do público da imagem de mulheres negras africanas.
  • 6
    Beyoncé (1981) é uma cantora, compositora, atriz, dançarina e empresária estadunidense. Nasceu em Houston, Texas. Fez parte do grupo musical Destiny’s Child antes de lançar sua carreira solo. É mundialmente conhecida não somente por suas canções, mas também por sua ampla atuação como figura pública.
  • 7
    O prédio do Cassino da Urca foi criado no ano de centenário da independência do Brasil, 1922, funcionando inicialmente como o Hotel Balneário. Em 1933, transformou-se em hotel-cassino, empreendimento comum para a época, após ser adquirido pelo empresário Joaquim Rolla. Até 1946 – ano em que o jogo foi proibido no Brasil – funcionou como espaço de show para a alta sociedade, com performances nacionais e internacionais. Após o fim de suas atividades ligadas ao jogo e entretenimento, virou a sede da TV Tupi entre os anos de 1954 e 1980. Reabriu para atividades apenas em 2006, agora como sede do Instituto Europeu de Design.
  • 8
    A NAACP é a mais antiga, e uma das mais influentes associações a favor dos direitos civis para a população negra estadunidense. Criada em 1909 por um amplo grupo, que incluiu W. E. D. Du Bois, Mary White Ovington e Moorfield Storey, entre outros, atuou em diferentes frentes para “garantir igualdade de direitos para todas as pessoas, eliminando discriminação baseada na raça”. Disponível em: https://naacp.org/. Acesso em: 30 nov. 2021.
  • 9
    Marcha realizada na capital dos Estados Unidos, Washington, no dia 28 de agosto de 1963. Organizada pelo ativista Martin Luther King, reuniu mais de 250.000 pessoas que lutavam, de forma pacífica, pelo fim da segregação racial no país. O discurso de King, I Had a Dream, marcou a manifestação e é citado constantemente por políticos e pessoas públicas.
  • 10
    Shirley Temple (1928-2014) foi uma atriz, dançarina e cantora estadunidense. Entre os anos de 1935 e 1938 foi a atriz mirim de maior arrecadação nas bilheterias dos cinemas. Ainda criança alcançou o estrelato, atuando em filmes musicais. A sua imagem de criança dificultou a conquista de papéis adultos e, assim, ela decidiu se aposentar como atriz com apenas 22 anos.
  • 11
    Judy Garland (1922-1969) foi o nome artístico de Frances Ethel Gumm. Atriz, cantora e dançarina, ficou conhecida como uma das grandes estrelas dos filmes musicais de Hollywood entre as décadas de 1940 e 1950. Ainda em sua adolescência, participou do filme O Mágico de OZ (1938) como a personagem principal, Dorothy. Conseguiu manter sua carreira no entretenimento mesmo depois de adulta, porém morreu apenas com 47 anos de uma overdose acidental.
  • 12
    Eros Volúsia foi uma bailarina brasileira, reconhecida por trabalhar com elementos da cultura popular brasileira em sua movimentação. Formada em balé clássico pelo Theatro Municipal, ela incorporava lundu, maxixe e outras danças de matrizes africanas em suas coreografias. Foi a primeira bailarina a dançar descalça no Brasil em um espetáculo de dança cênica. É importante ressaltar o imaginário que rondava sua figura e seu fazer artístico, traduzido como a representação ideal da proclamada miscigenação das três raças. Em matéria da revista norte-americana Life, em 22 de setembro de 1941, com o título Brazilian Eros Volusia Does Negro Witch Dance, a dançarina foi apresentada como uma jovem cujo sangue continha as três raças dominantes presentes no Brasil: portuguesa (branca), indígena e negra, mas que, mesmo com essa mistura, a artista optava pela dança provinda das selvas africanas. Apesar dessa identidade miscigenada, Eros era reconhecida enquanto mulher branca, logo, certos espaços de protagonismo da cena podiam ser ocupados por ela sem grandes questionamentos (Brazilian..., 1941BRAZILIAN Eros Volusia Does Negro Witch Dance. Life Magazine, Chicago, p. 58-59, 22 set. 1941.).
  • 13
    Yuco Lindberg (1908-1948), natural da Estônia, mudou-se para o Brasil em 1921. Passou por São Paulo antes de fixar residência no Rio de Janeiro, onde atuou como diretor da escola de dança Maria Olenewa (nome atual da escola de dança do Theatro Municipal do Rio de Janeiro).
  • 14
    O Quebra-Nozes é um espetáculo de balé clássico, tradicionalmente encenado em dezembro, perto do Natal. É baseado na versão de Alexandre Dumas de um conto infantil escrito por E. T. A. Hoffmann, e foi composto por Piotr Ilitch Tchaikovsky. Estreou em São Petersburgo (Rússia) em 1892 e continua a ser encenado. A montagem em que Mercedes participa foi feita em 1947, com remontagem de Yuco Lindberg.
  • 15
    Iracema é um balé inspirado no romance homônimo de José de Alencar. A montagem de 1947 teve música, libreto e figurinos de Laura Figueiredo e cenário de Mário Conde (Silva Junior, 2007SILVA JUNIOR, Paulo Melaço da. Mercedes Baptista - A criação da identidade negra na dança. Rio de Janeiro: Programa de Bolsa RioArte, 2007.).
  • 16
    Madeleine Rosay (1923-1996) foi uma bailarina do Theatro Municipal do Rio de Janeiro. Ingressou no Corpo de Baile em 1936 e foi a primeira brasileira a receber o título de Primeira Bailarina (Silva Junior, 2007SILVA JUNIOR, Paulo Melaço da. Mercedes Baptista - A criação da identidade negra na dança. Rio de Janeiro: Programa de Bolsa RioArte, 2007.).
  • 17
    Vaslav Veltchek (1897-1967), dançarino e coreógrafo. Nasceu em Praga (Tchéquia) e mudou-se para o Brasil em 1939, trabalhando com Maria Olenewa no Rio de Janeiro. Em 1940, mudou-se para São Paulo para ser o primeiro diretor da Escola Municipal de Bailados. Ainda trabalhou como coreógrafo no Rio de Janeiro entre as décadas de 1940 e 1960.
  • 18
    Edy Vasconcelos, formada pela Escola de Balé do Theatro Municipal do Rio de Janeiro.
  • 19
    Nina Verchinina (1912-1995) nasceu em Moscou (Rússia). Dirigiu o Corpo de Baile entre 1946 e 1947, quando introduziu a técnica moderna (Silva Junior, 2007SILVA JUNIOR, Paulo Melaço da. Mercedes Baptista - A criação da identidade negra na dança. Rio de Janeiro: Programa de Bolsa RioArte, 2007.).
  • 20
    Vale notar que essa mesma peça serviu de dramaturgia de base para uma coreografia (1956), de José Limón (1908-1972), diretor e coreógrafo da José Limon Dance Company, performada por um solista bailarino negro, sobre trilha sonora do brasileiro Heitor Villa-Lobos (1887-1959). Remontada em 2011, foi apresentada no Teatro do SESC Vila Marina (São Paulo) pela companhia estadunidense (Navas, 2011NAVAS, Cássia. Potência da tradição no contemporâneo. Programa de sala, temporada José Limón Dance Co., SESC São Paulo, Sesc Vila Mariana, São Paulo, 2011.).
  • 21
    O Cais do Valongo está localizado na zona portuária da cidade do Rio de Janeiro. É considerado Patrimônio Histórico da Humanidade pela Unesco desde 2017. Era o local onde as pessoas escravizadas desembarcavam e eram comercializadas. O local recebeu entre 500 mil a um milhão de africanos.
  • 22
    Inaugurado em 1758, foi pensado, originalmente, como um santuário para Santa Genoveva. Entretanto, desde a Revolução Francesa (1789) é um monumento com a intenção de homenagear personalidades marcantes na história da França, recebendo, em sua cripta, os restos mortais desses indivíduos.
  • Este texto inédito também se encontra publicado em inglês neste número do periódico.

Referências

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Editado por

Editora responsável: Celina Nunes de Alcântara

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Out 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    31 Jan 2022
  • Aceito
    06 Jun 2022
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