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O balé por escrito: preceitos e regras de composição dos balés de corte na França do Antigo Regime (1581-1682)

Le ballet par écrit : préceptes et règles de composition des ballets de cour en France sous l'Ancien Régime (1581-1682)

RESUMO

O presente artigo busca compreender as formulações teóricas que ao longo do século XVII sistematizaram o balé de corte como arte, termo entendido à época como um conjunto de preceitos e regras. Após um breve arrazoado sobre os primeiros manuais de dança produzidos na Europa moderna, analisamos os tratados, discursos e libretos que versavam sobre a composição de balés. A partir das obras de Beaujoyeulx, Saint-Hubert, Marolles, De Pure e Ménestrier, entre outros, seria possível compreender os princípios eruditos e os preceitos orientadores da prática de composição desse espetáculo dançado na França do Antigo Regime, bem como a inserção da dança e do balé no domínio da produção escrita e da cultura letrada.

Palavras-chave:
Balé de corte; Tratados de dança; Sociedade de corte; França; Antigo Regime

RÉSUMÉ

Cet article cherche à comprendre les formulations théoriques qui, tout au long du XVIIe siècle, ont systématisé le ballet de cour comme un art, terme compris à l'époque comme un ensemble de préceptes et de règles. Pour cela, nous avons récupéré les premiers manuels de danse écrits en Europe moderne pour ensuite analyser les traités, discours et livrets qui portaient sur la composition des ballets. A partir des œuvres de Beaujoyeulx, Saint-Hubert, Marolles, De Pure et Ménestrier, entre autres, il serait possible de comprendre les principes et préceptes qui ont guidé la pratique de composition du ballet en France sous l'Ancien Régime, ainsi que l'insertion de la danse et du ballet dans le domaine de la culture savante.

Mots-clés:
Ballet de cour; Traités de danse; Société de cour; France; Ancien Régime

ABSTRACT

This article seeks to understand the theoretical formulations that throughout the 17th century systematized court ballet as an art, a term defined at the time as a set of precepts and rules. After a brief discussion about the first dance manuals produced in modern Europe, we analyze the treatises, discourses and librettos that addressed ballet composition. From the works of Beaujoyeulx, Saint-Hubert, Marolles, De Pure and Ménestrier, among others, it is possible to appreciate the erudite principles and precepts that guided the practice of ballet composition in France under the Ancien Régime, as well as the inclusion of dance and ballet in the domain of written production and literate culture.

Keywords:
Court ballet; Dance treatises; Court society; France; Ancien Régime

Conhecer as concepções e práticas da dança no âmbito da sociedade de corte na Europa Moderna, tanto a dança social quanto suas formas cênicas, é um importante elemento para a compreensão do balé de corte, entendido como elaboração cênica cuja composição se baseava na colaboração de várias artes: poesia, música, pintura, maquinaria e, sobretudo, a dança. O presente artigo buscará compreender as formulações teóricas que, ao longo do século XVII, sistematizaram o balé de corte como arte, termo entendido à época como um conjunto de preceitos e regras. Longe de configurarem um corpus teórico abstrato e especulativo, tais formulações tinham caráter eminentemente prático, na medida em que orientavam os mestres de balé na invenção, composição e condução de um dos espetáculos mais recorrentes no cotidiano da corte francesa dos seiscentos. Pode-se dizer que essas regras e preceitos orientaram também a apreciação dos balés, uma vez que os mesmos nobres que tomavam parte na representação dos balés, ao lado de bailarinos de ofício, em outros momentos assistiam ao espetáculo como plateia.

No que tange à estrutura do artigo, iniciaremos delineando um breve inventário dos primeiros manuais de dança produzidos na Europa moderna, a partir do século XV, no intuito de compreender em que medida essas práticas de escrita da/sobre a dança revelam sobre o processo de codificação dos gestos e de constituição da dança aristocrática como uma arte bem regrada, nos termos da época. Em seguida, analisaremos a prática de escrita de tratados, discursos e libretos que versavam sobre a composição de balés, particularmente as obras de Beaujoyeulx, Saint-Hubert, Marolles, De Pure e Ménestrier, entre outros, como modelos orientadores desse fazer artístico.

A partir da leitura e análise desses tratados, libretos e discursos – documentos que testemunham da inserção da dança e do balé no domínio da produção escrita e da cultura letrada –, propomos uma sistematização dos princípios eruditos, das regras e preceitos orientadores das práticas de composição e representação desse espetáculo dançado na França do século XVII. Sustentamos que o entendimento dos princípios e preceitos norteadores da composição dos balés de corte nos permite uma melhor compreensão e aprofundamento de análise dos espetáculos coreográficos e formas cênicas da dança daquela época, evitando, assim, leituras anacrônicas e juízos de valor que turvam uma compreensão histórica das concepções e práticas da dança.

No desenvolvimento do artigo que se apresenta, partimos das abordagens metodológicas da História Cultural, sobretudo no que se refere à preocupação com o caráter simbólico e com a história das práticas e representações (Burke, 2008BURKE, Peter. O que é História Cultural? 2ª ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2008.; Chartier, 1990CHARTIER, Roger. A história cultural: entre práticas e representações. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1990.) da dança. Uma vez que nosso recorte diz respeito a uma dança aristocrática desenvolvida na Europa moderna (especialmente na França dos séculos XVI e XVII), faz-se necessário entendê-la no contexto estruturante de uma sociedade de corte, segundo as formulações de Norbert Elias. Para o sociólogo, as relações sociais e políticas no Antigo Regime francês se dariam a partir de minuciosa codificação de gestos e condutas, bem como da cerimonialização do comportamento, do status social e das atividades cotidianas (Elias, 2001ELIAS, Norbert. A sociedade de corte: investigação sobre a sociologia da realeza e da aristocracia de corte. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001.).

Ainda em termos metodológicos, destacamos, no presente trabalho, o papel central da leitura e análise de fontes históricas escritas, especialmente tratados e libretos de balé, além de leitura e sistematização da bibliografia especializada sobre o tema. Cabe salientar que as reflexões deste artigo se inserem no âmbito maior de nossa pesquisa de mestrado sobre a dança e os balés de corte como imagem prescritiva da harmonia cósmica e política na França entre 1610 e 1661 (Couto, 2015COUTO, Clara Rodrigues. Baile celeste e harmonia terrestre: o balé de corte como imagem prescritiva da harmonia cósmica e política na França (1610-1661). São Paulo: Programa de Pós-Graduação em História Social/FFLCH-USP, 2015. Dissertação (Mestrado em História Social).)1 32 A unidade essencial que compõe a estrutura dos balés é a entrée, ou entrada. A quantidade de entradas pode variar bastante, de modo que um balé grandioso e engenhoso deveria ter maior número e variedade de entradas. Em alguns balés as entradas são divididas em partes, embora isso não seja uma regra. A partir de meados do XVII, os libretos começam a distribuir as entradas em atos. Essa prática coincide com o momento de reorientação do gênero em direção à comédie-ballet de Lully, Benserade e Molière, quando o balé começa a ser preceituado sob as regras e formas da comédia. .

A dança se torna uma “arte”

É possível dizer que a dança sempre esteve presente nas mais diversas sociedades e culturas desde os tempos mais longínquos da história, seja como prática mais espontânea ou mais codificada. Há testemunhos disso em relatos escritos, imagens, tradições orais e objetos materiais. Todas essas fontes históricas mostram-se indícios vagos e lacunares, dada a impossibilidade de registro direto e/ou material da dança em sua dimensão performática.

Relatos que mencionam a dança na vida cotidiana, em algum evento ou cerimônia pública/religiosa são frequentes em memórias, poemas, relações de festas, bulas papais, determinações ou proibições eclesiásticas. Porém, na maior parte dos casos, limitam-se a evidenciar a presença dessa atividade na vida social ou, por vezes, incluem alguma descrição resumida.

Principalmente a partir do século XV, o tema da dança se tornará mais recorrente nas obras escritas da época, passando a assumir novos enfoques, novas formas e gêneros de escrita, em uma narrativa cada vez mais pormenorizada e sistemática. Isso ocorre justamente porque, a partir daquele momento, a dança começará a ser pensada como arte na acepção moderna e humanista do termo, isto é, retomando as noções antigas de ars, artificium (latim) e téchné (grego) (Nicot, 1584, p. 53NICOT, Jean. Dictionaire François-latin. Paris: Iaques du Puys, 1584. Disponível em: https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k6153020h?rk=64378;0. Acesso em: 10/09/2021.
https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k6...
).

Nessa concepção, “[...] arte é principalmente um conjunto de preceitos, de regras, de invenções e de experiências que, uma vez seguidos, permitem fazer coisas de maneira bem-sucedida, tornando-as úteis e agradáveis”2 1 The master's research was funded by FAPESP, an institution that also made possible much of the documentary research carried out in French historical archives through the Research Internship Abroad Program-BEPE (2014). (Furetière, 1690FURETIÈRE, Antoine. Dictionnaire universel, contenant généralement tous les mots françois tant vieux que modernes, et les termes de toutes les sciences et des arts. La Haye, A. et R. Leers, 1690, [n.p.]., n.p.). Entendia-se arte, portanto, como técnica sistematizada submetida a um método racional, cuja habilidade ou faculdade adquiria-se pelo estudo e pela prática desse conjunto de regras e preceitos específicos.

Percebe-se, nos idos do século XV, uma crescente tendência de metrificação da dança, entendida como exercício e divertimento da nobreza nos ambientes palacianos europeus. Essa metrificação correspondia à estruturação e regulamentação das formas, movimentos e gestos do corpo, passos e figuras espaciais em estreita relação com as métricas poética e musical – essa última que se estruturava sobre as regras da polifonia e do contrapontismo3 2 Translated from the original French. . Assim, perseguindo a beleza e a harmonia das formas, a dança passa por uma sistematização no intuito de equilibrar e refinar formalmente os movimentos corpo e figuras, adequando-os e vinculando-os à métrica musical e poética, elementos essenciais sobre os quais as danças eram compostas (McGowan, 2008MCGOWAN, Margaret. Dance in the Renaissance: European Fashion, French Obsession. New Haven and London: Yale University Press, 2008.).

É nesse momento, de crescente regulamentação da técnica e das formas que a dança começa a ser tratada sob novas abordagens, devido aos seus novos usos e aos gêneros de escrita, que também passam a constituir seu espaço a partir de então: coletâneas de partituras de músicas para dança, tratados e manuais de cunho prático e metódico voltados à sua instrução ou, ainda, discursos morais e filosóficos baseados nas autoridades clássicas. Esse aumento de documentos escritos voltados para o tema da dança nos informa, além da recorrência de sua prática, sobre como ela era concebida: sua natureza, suas formas e funções, sua importância e seu valor social.

A voga da dança pode ser percebida pela multiplicação de composições e de coletâneas de músicas para dança desde inícios do século XVI, como o manuscrito Le livre des Basses danses de la Bibliothèque de Bourgogne4 3 On the various dance types at the beginning of the Modern era, their aesthetic, social, musical and choreographical characteristics, see Bourcier, 2001 and Nevile, 2004. . Tais composições musicais circulavam no ambiente das cortes, o que nos informa da crescente inserção da dança na vida cortesã. Segundo Margaret McGowan, Pierre Attaignant, impressor real de música, já publicava, desde 1529, coletâneas de basses danses, pavanas, galhardas e branles para conjunto de câmara, cravo e alaúde. Também foram numerosas as publicações musicais de Adrian le Roy (entre 1551 e 1558) e os “[...] livros de danceries”, publicados por Jean d'Estrées entre 1559 e 1564 (McGowan, 1978, p. 29-30MCGOWAN, Margaret. L'art du Ballet de Cour en France: 1581–1643. Paris: CNRS Éditions, 1978.).

Mas são, principalmente, os tratados e manuais de dança, surgidos a partir de meados do século XV, que demonstram mais claramente a elaboração de uma arte da dança. Isso se deve à peculiaridade da tratadística: gênero discursivo dedicado à sistematização racional e calculada de regras, preceitos e classificações, no intuito de contemplar tanto os fundamentos teórico-filosóficos de determinada arte quanto suas aplicações práticas e artifícios. Segundo Marina Nordera, nesse processo de “[...] redução da dança em arte” – ou seja, a sistematização de saberes teóricos e técnicos na forma escrita de manuais e tratados –, esses textos escritos passam a assumir valor de patrimônio e autoridade, dentro de uma tradição predominantemente oral (Nordera, 2008NORDERA, Marina. La réduction de la danse en art (xve-xviiie siècle) In: DUBOURG, Pascal e VÉRIN, Hélène (dir.). Réduire en art: La technologie de la Renaissance aux Lumières. Paris: Éditions de la Maison des sciences de l’homme, 2008. P. 269-291.).

A proliferação e a intensa circulação desses documentos escritos a partir do final dos quinhentos tornam evidentes o valor e a necessidade de aprendizado dessa arte nas cortes europeias. Além disso, ali se encontram preciosas informações técnicas e formais relativas aos passos, gestos e movimentos, às regras de boa execução e postura, às características de cada tipo de dança, bem como às especificidades da maneira de dançar em diferentes regiões e cortes. Tais informações aparecem sob a forma de descrições textuais, gravuras, partituras e tablaturas musicais.

Uma dança por escrito: os primeiros tratados e manuais

As primeiras obras escritas como manuais de dança de que se tem registro na Europa ocidental datam do quattrocento e aparecem na Península Itálica (Cf. Nordera, 2008NORDERA, Marina. La réduction de la danse en art (xve-xviiie siècle) In: DUBOURG, Pascal e VÉRIN, Hélène (dir.). Réduire en art: La technologie de la Renaissance aux Lumières. Paris: Éditions de la Maison des sciences de l’homme, 2008. P. 269-291. e 2017). Domenico da Piacenza, reconhecido mestre de dança em Ferrara, teria escrito seu De arte saltandi et choreas ducendi5 5 A arte de bailar e dançar. Domenico da Piacenza, De arte saltandi & choreas ducendi, c. 1425. Paris, Biblioteca Nacional da França, Ms. fundo italiano 972. Uma versão digitalizada desse manuscrito, assim como da maior parte dos tratados aqui citados, pode ser acessada pelo portal digital Gallica da BNF. por volta de 1425. Do mestre judeu Guglielmo Ebreo (ou Giovanni Ambrosio, seu nome cristão), conservam-se algumas versões de seu manuscrito De pratica seu arte tripudii vulgare opusculum6 6 Sobre a pratica ou arte da dança. Guglielmo Ebreo da Pesaro, De pratica seu arte tripudii vulgare opusculum.,1463. Paris, Biblioteca Nacional da França, Ms. fundo italiano 973. (1463; 1471-1474) e de Antonio Cornazzano, o manuscrito Libro dell’arte del danzare7 7 Livro da arte de dançar. Antonio Cornazzano, Libro dell’arte del danzare, c. 1465. Roma, Biblioteca Apostólica Vaticana, Codice Capponiano 203. (c. 1455-1465). Na Península Ibérica, um manuscrito anônimo datado por volta de 1496 é conservado na cidade catalã de Cervera8 8 O manuscrito está conservado no arquivo municipal da referida cidade (ECam, Fons notarial 3, 3). Cf.: NOCILLI, C. El manuscrito de Cervera: musica y danza palaciega catalana del siglo XV. Barcelona: Amalgama Edicions, 2013. (Lecomte, 2014, p. 23LECOMTE, Nathalie. Entre cours et jardins d’illusion: le ballet en Europe (1515-1715). Pantin: Centre National de la danse, 2014.). Esses tratados contêm regras de execução dos passos e descrições de danças sociais diversas, além de informações sobre danças de caráter um pouco mais dramático denominadas balli.

As regras de dança conquistam o mundo da tipografia e o manual de Michel de Toulouze, L’art et instruction de bien dancer9 9 Arte e instrução para dançar bem. , aparece como a primeira obra impressa do gênero, por volta de 1496 em Paris, que se conserva até hoje. O poeta provençal Antoine Arena publicou seu tratado em 1528, em Lyon, dedicado às basses danses e branles10 10 Uma cópia digitalizada da obra de Antoine Arena Ad suos compagnes qui sunt de persona frantes, bassas danses et branles praticantes, datada de 1538, pode ser consultada no portal Gallica da BNF. , onde pela primeira vez aparecem informações sobre o comportamento no baile na França de sua época (Lecomte, 2014, p. 40-41LECOMTE, Nathalie. Entre cours et jardins d’illusion: le ballet en Europe (1515-1715). Pantin: Centre National de la danse, 2014.). Sucessivamente, uma nova leva de manuais e tratados impressos aparece a partir de fins do século XVI. Neles, são introduzidas novas regras e invenções de dança, novos elementos e recursos de instrução da dança (na prática escrita), ademais de informações para o estudo das técnicas, corporalidade e formas cênico-coreográficas da época.

Publicado em Veneza, Il Ballarino11 11 O bailarino. (1581), de Fabrizio Caroso, apresenta, em sua primeira parte, os nomes de diversos passos e movimentos, seguidos das regras e instruções para sua execução, e na segunda parte, apresenta diversas composições de danças e balli dedicadas a diversas damas da nobreza. O manual apresenta gravuras de posições e gestos, além de sugerir a associação dos passos de dança às partituras musicais, no intuito de evidenciar o ritmo e cadência dos movimentos. Em 1600 Caroso publica seu Nobilità di Dame12 12 Nobreza das damas. , uma atualização corrigida e ampliada do primeiro tratado, acrescido de passos, danças e mais instruções voltadas especialmente ao gestual e ao comportamento das mulheres.

Em L’Orchésographie (1589)13 13 Orquesografia. Para uma edição da obra traduzida para o inglês com introdução de Julia Sutton, ver ARBEAU, Thoinot. Orchesography. Translated by Mary Stewart Evans. With a New Introd. and Notes by Julia Sutton and a New Labanotation Section by Mireille Backer and Julia Sutton. New York: Dover, 1967. Para uma versão traduzida para o espanhol, ver ARBEAU, Thoinot. Orquesografía: tratado en forma de diálogo. Versión castellana del texto inglés traducido por Cyril W. Beaumont de la edición original publicada en Langres, en 1588. Buenos Aires: Centurion, 1946. , tratado em forma de diálogo publicado em Langres e atribuído a Thoinot Arbeau, reforçam-se os princípios teóricos de aproximação entre as artes: o ensino do “[...] honesto exercício da dança” é estreitamente associado à música, o que fica evidente nas explicações dos passos sempre relacionados à melodia na partitura musical. Arbeau institui cinco posições de pés, que servirão como base para a invenção de passos em diversas danças, e compara o dançarino a um orador: ao dar lugar de importância à mímica, o autor defende o caráter eloquente da dança como retórica muda (Arbeau, 1589, p. 5ARBEAU, Thoinot. Orchésographie. Langres: Iehan des preyz, 1589. Disponível em: https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/btv1b8610761x/f1.planchecontact. Acesso em: 10/09/2021.
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). Segundo McGowan, o tratado de Arbeau permite verificar as relações entre algumas danças sociais – como branles, pavanas e principalmente a courante – e formas cênicas de dança da época, principalmente as mascaradas (McGowan, 1978, p. 32MCGOWAN, Margaret. L'art du Ballet de Cour en France: 1581–1643. Paris: CNRS Éditions, 1978.).

O mestre de dança Cesare Negri publicou, em Milão, a segunda edição de seu tratado Le Gratie d’amore (1602), acrescida de novas composições em dança, razão pela qual a obra recebeu o título Nuove inventioni di balli (1604)14 14 Graça de amor (1602) e Novas invenções de danças (1604). . Na primeira parte do tratado, Negri traz uma exaustiva listagem de nomes de senhores e cavalheiros excelentes bailarinos na Itália dos seiscentos, indicando as cortes em que eles teriam dançado. Na segunda parte, instrui sobre regras de postura e gestual cortês como, por exemplo, a correta maneira de se fazer uma reverência, de se lidar com a capa e a espada, ou de como um cavalheiro deveria tomar a mão de uma dama15 15 Sobre a relação do aprendizado da dança com a etiqueta e a importância da eloquência corporal no gestual cortesão, ver Burke, 2000, p. 91-112. . Em seguida, descreve as regras de execução de diversos tipos de passos e saltos, com especial dedicação aos passos da galharda. A terceira parte apresenta composições de dança e o nome das damas às quais são dedicadas. Enfim, uma estrutura muito semelhante aos tratados de Caroso.

A listagem de ilustres cortesãos bailarinos que inicia o tratado de Negri parece ter sido emulada pelo espanhol Juan de Esquivel Navarro no primeiro manual de dança impresso na Espanha: o Discursos sobre el arte del dançado16 16 Discursos sobre a arte da dança. (1642). O tratadista ibérico também enumera nomes de cortesãos habilidosos na dança e de mestres afamados no reino. Mas o foco de Navarro reside no direcionamento da obra à figura do mestre de dança e a descrição das escolas e métodos didáticos, aspecto que não fora abordado pela tratadística do gênero até então. Tanto na obra de Negri quanto na de Navarro, a novidade dos nomes listados nos permite construir teias de relações pessoais cortesãs a partir da dança e do baile compreendidos como ambiente privilegiado de sociabilidade.

Retornando à França, o tratado Apologie de la danse17 17 Apologia da dança. (1623), de François de Lauze, alia o discurso erudito e a narrativa histórica e apologética às instruções práticas para o aprendizado da dança, distintamente apresentado para cavalheiros e damas. De Lauze confere grande destaque à noção de decoro social na dança: enfatiza a diferença entre as habilidades em dança de um cortesão e de um bailarino de ofício, desaconselhando o primeiro a aplicar-se na realização de passos demasiadamente difíceis, artificiosos e saltados, próprios da danse par haut (dança saltada) e não condizentes com a condição do nobre.

Tais tratados conheceram ampla circulação em cortes de diversas regiões da Europa, tendo sido reimpressos, reeditados e traduzidos em outros idiomas ao longo dos seiscentos, e constituindo acervos de bibliotecas senhoriais e reais. Em levantamento recente, Nathalie Lecomte (2014, p. 92 e 224)LECOMTE, Nathalie. Entre cours et jardins d’illusion: le ballet en Europe (1515-1715). Pantin: Centre National de la danse, 2014. lista 23 tratados e coletâneas de danças escritos entre 1515 e 1623, nas principais cortes italianas, França, Espanha e Inglaterra, o que evidencia o processo de consolidação da dança como arte e, também, a sua importância social.

A concepção de dança como arte na Europa Moderna teve implicações definitivas. Uma vez regulamentada, formalizada e sistematizada em códigos (corporais e gráficos) cada vez mais específicos, o domínio dessa arte tornava-se restrito a um grupo de iniciados que conheciam e praticavam suas regras, códigos e formas. Uma vez que essa sistematização se constituiu tal como registro escrito e impresso, a dança passava ao domínio da erudição e do letramento, tornando-se, portanto, reservada a uma camada social privilegiada. Dessa maneira, a arte da dança permitia demarcar a distinção social de um grupo particular de indivíduos, uma vez que o acesso ao conteúdo letrado e ao aprendizado e refinamento de gestos não se estendia à população como um todo.

Assim, a partir do século XV, com o processo de formação de sociedades e de etiquetas cortesãs, sobretudo nas cortes italianas, francesa e borguinhã, a dança metrificada pouco a pouco se consolida como uma dança erudita. Essa se torna propriedade e símbolo de uma camada social que busca definir sua superioridade hierárquica tanto pelo refinamento intelectual e estético-artístico (baseado nos cânones da cultura antiga clássica) quanto pela elegância e distinção do corpo, do comportamento e do gestual. A multiplicação de manuais de dança em paralelo a uma série de tratados de civilidade (Elias, 2011ELIAS, Norbert. O processo civilizador, volume 1: uma história dos costumes. 2ª ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2011.) a partir do século XVI, contribuiu para “[...] a construção da figura do cortesão-bailarino como ideal corporal, moral e político e testemunha do fato que a dança participa no processo de ‘civilização’ da nobreza” (Lecomte, 2014, p. 24LECOMTE, Nathalie. Entre cours et jardins d’illusion: le ballet en Europe (1515-1715). Pantin: Centre National de la danse, 2014.).

A dança tornada arte, nos termos e no contexto do século XVI, passa a ser um dos pilares de sustentação da nobreza cortesã, que a reivindica e pratica como demarcador de sua hierarquia social. Da mesma forma, os divertimentos e espetáculos dançados, e aqui nos referimos especialmente aos balés de corte, tornam-se muito apreciados e cada vez mais recorrentes na corte francesa a partir de fins do século XVI. Assim, também os balés passam a ser concebidos e preceituados como arte, o que redundou em uma ampla produção escrita (tratados, libretos, discursos) que visava estabelecer regras específicas de composição, bem como sua vinculação a preceitos eruditos e ao decoro, característicos do ambiente cortesão.

Nesse contexto, dança e balé foram teorizados como artes poéticas, segundo a tradição aristotélica, como mímesis por seu caráter imitativo da natureza e das paixões da alma (Aristóteles, 2008ARISTÓTELES. Poética. Tradução, prefácio, introdução, comentário e apêndices de Eudoro de Sousa (8ª edição). Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2008.). Dessa maneira, seus princípios e regras passam a ser considerados análogos, comparáveis e influenciáveis pelos das demais artes poéticas – como a pintura, a música, o teatro e a poesia.

Faz-se necessário, portanto, debruçar-nos sobre o conjunto de regras e preceitos de composição dos balés que permitem compreendê-lo como uma arte, na acepção da época, e que nos possibilitam maior profundidade e propriedade em sua análise e interpretação. O caráter relativamente tardio da escrita de tratados e discursos voltados ao estabelecimento das normas do gênero ballet de cour, em relação ao uso e recorrência desse espetáculo desde fins do século XVI, não implica na ausência de regras de composição e em um suposto espontaneísmo. Ao contrário, parece-nos que tais obras escritas vieram sistematizar saberes empíricos que, por muito tempo, foram difundidos e transmitidos oralmente – e não será demais sublinhar que a tradição oral permaneceria muito importante na composição coreográfica mesmo após a instituição de tratados escritos.

A arte de compor balés: tratados e discursos

O termo ballet, derivado do italiano balleto18 18 Segundo as formulações de Ménestrier, o nome ballet teria origem num termo grego cujo significado seria lançar, de onde viria o termo francês balle que faz referência a bola, objeto que afirma ter sido usado nas danças antigas (Ménestrier, 1972, p. 39). Também Michel de Marolles definiu o termo balé segundo o francês antigo: “Não tenho dúvidas de que Bal e Ballet tenham uma mesma origem e que ambos derivem de Baller, que significa dançar e saltar no francês antigo, segundo apontamentos de um erudito em sua obra Origens da língua francesa” (Marolles, 1657, p. 110 e 111). , é utilizado nos manuais do século XV e XVI para designar um pequeno baile, mas também poderia designar uma composição de danças com alguma intenção cênica relacionada a uma trama dramática frágil ou pantomima – podendo ser executada tanto num baile quanto em um espetáculo (Lecomte, 2014, p. 25LECOMTE, Nathalie. Entre cours et jardins d’illusion: le ballet en Europe (1515-1715). Pantin: Centre National de la danse, 2014.). Segundo Lincoln Kirstein, somente sob influência do humanismo francês, a partir da segunda metade do século XVI, o termo ballet passaria a fazer referência a divertimentos com maior unidade dramática, maior coerência e um enredo elaborado em torno de determinada ação, caso do ballet de cour francês e do gênero inglês masque (Kirstein, 1977, p. 816KIRSTEIN, Lincoln. Dance: A Short History of Classical Theatrical Dancing. Nova York: Dance Horizons Republication, 1977.).

Com efeito, é a partir do libreto do Ballet Comique de la Reine (1581), de Balthasar de Beaujoyeulx (1535-1587), que balé começa a ser compreendido como um gênero específico de espetáculo coreográfico, cuja composição deveria obedecer a certas regras e padrões que lhe confeririam beleza, coesão e coerência. Ainda persistiria o uso do termo balé no sentido de baile ou pequena coreografia cênica, passando a fazer referência, ao mesmo tempo, ao espetáculo total e às suas partes (entradas) dançadas. Contudo, interessa-nos, aqui, sua designação como gênero de espetáculo e, pelo esforço de definição das regras de composição, como arte.

Enquanto tratados e manuais de dança já vinham sendo publicados desde o século XV, circulando com grande popularidade ao final do XVI, destaca-se que, somente em 1641, foi publicado o primeiro tratado sobre os balés de corte La manière de composer et faire réussir les ballets19 19 A maneira de compor e fazer balés bem-sucedidos. Conservam-se atualmente apenas dois exemplares do pequeno tratado de Saint-Hubert: um na Biblioteca Mazarina (68146 Rés.), em Paris, e outro na Biblioteca do Conservatório Real de Liège (L071/3F04), na Bélgica. Uma edição fac-símile (atualmente esgotada) comentada por Marie-Françoise Christout foi publicada em 1993 (Saint-Hubert, 1993). Recentemente, publicamos uma tradução comentada do tratado de Saint-Hubert, de onde retiramos os trechos citados no presente artigo (Couto, 2020). , escrito por Nicolas de Saint-Hubert. Apenas em 1682 seria publicado outro tratado específico sobre o gênero, o Des ballets anciens et modernes selon les règles du théâtre20 20 Balés antigos e modernos segundo as regras do teatro. , do jesuíta Claude-François Ménestrier (1631-1705) – esse de caráter mais estético e histórico, e que também propunha estabelecer regras e preceitos de composição. Entre os tratados de Saint-Hubert e Ménestrier há um longo intervalo de 41 anos, período de intensa produção de balés na corte francesa.

Todavia, esse intervalo de tempo não pode ser tomado como um absoluto silêncio a respeito das regras, preceitos e reflexões sobre a composição de balés. Algumas obras contribuíram com apreciações sobre o gênero, mesmo que esse não fosse o foco de seus objetivos. Em suas Memórias (1657), o abade Michel de Marolles (1600-1681)21 21 O clérigo francês Michel de Marolles (1600-1681), abade de Villeloin entre 1626-1674, deixou uma vasta obra escrita que compreende desde traduções (da Bíblia, de Ovídio, Virgílio e Sêneca, entre vários outros), história, memórias e genealogias, até catálogos de gravuras. Em suas Memórias, organizadas em três volumes e publicadas em 1657, fica clara sua inserção na vida de corte e dos salões. Notadamente, tendo frequentado o círculo erudito de Mlle. de Scudéry, o autor descreve cerimônias, espetáculos e o cotidiano de corte, além de falar sobre sua relação com notáveis senhores e letrados. Nessa obra, Marolles dedica seu Nono Discurso aos balés, apresentando sua opinião geral sobre tal divertimento num esforço de caracterização do gênero, descrevendo e comentando algumas representações específicas de balés. Ao final, ainda apresenta quatro concepções de balés de sua autoria em forma de libretos, os quais, no entanto, não se pode ter certeza se chegaram a ser representados. dedica o Nono Discurso aos balés: o autor apresenta sua apreciação geral sobre esse divertimento em um esforço de caracterização do gênero, descrevendo e comentando alguns balés específicos22 22 Ao final do discurso, Marolles ainda apresenta quatro concepções de balés de sua autoria em forma de libretos. Sobre esses, no entanto, não se pode ter certeza se chegaram a ser representados. (Marolles, 1755MAROLLES, Michel de. Mémoires de Michel de Marolles, abbé de Villeloin (1657). 3 vol. Amsterdam, 1755.). O abade Michel de Pure (1620-1680), em sua obra Idée des spectacles anciens et nouveaux23 23 Ideia sobre os espetáculos antigos e novos. (1668), também dedica ao balé uma parte de suas reflexões sobre os espetáculos antigos e novos (De Pure, 1972DE PURE, Michel. Idée des spectacles anciens et nouveaux (1668). Genebra: Éditions Minkoff, 1972.). Já Ménestrier, em obras anteriores a seu icônico tratado, faz pertinentes considerações sobre os balés em Remarques sur la conduite des ballets24 24 Considerações sobre a condução dos balés. (1658) – um prefácio ao relato do espetáculo L’Autel de Lyon –, e também em Des representations en musique anciennes et modernes (1681)25 25 Sobre as representações musicais antigas e modernas. Há ainda o tratado La pratique du théâtre (A prática do teatro), publicado em 1657 pelo abade d’Aubignac (D’Aubignac, 1972), que tangencia o tema do balé reservando, a ele, apenas rápidas menções. (Ménestrier, 1972).

É curioso que todas essas obras teóricas sobre o balé tenham sido escritas tardiamente, isto se considerarmos a enorme quantidade e variedade de balés de corte que já vinham sendo representados desde fins do século XVI26 26 Segundo as listagens feitas por McGowan (1978, p. 251-309) e Durosoir (2004, p. 146-151), é possível indicar cerca de 500 balés realizados somente entre 1581 e 1643, fim do reinado de Luís XIII. . O próprio Ménestrier declara ser “[...] espantoso que desde tantos séculos, em que tão utilmente trabalhou-se para refinar e aperfeiçoar as artes, tenhamos ficado até aqui sem regras e sem preceitos para a composição dos balés” (Ménestrier, 1972, p. 1) – o que, aliás, demonstra o desconhecimento ou a desconsideração dos escritos de Saint-Hubert e Marolles. A ausência de tratados específicos até a publicação da obra de Saint-Hubert, e depois entre 1641 e 1682, pode gerar a impressão equivocada de ausência de preceitos e regras de composição, isto é, de um gênero arbitrário, livre e experimental, “[...] sem regra, sem teoria, sem outro juiz que o prazer, sem outro objetivo além da satisfação coletiva” (Durosoir, 2004, p. 11DUROSOIR, Georgie. Les ballets de la cour de France au XVIIe siècle ou le fantaisies et les splendeurs du Baroque. Genebra: Éditions Papillon, 2004.), o que muitas vezes fundamenta um juízo depreciativo que se faz atualmente do balé de corte como espetáculo menor ou fútil.

É fato que os usos e a experiência prática também assumem importante função normatizadora, na medida em que oferecem modelos de composição, temas, formas e recursos técnicos a serem reproduzidos a partir das experiências prévias (Durosoir, 2004, p. 24DUROSOIR, Georgie. Les ballets de la cour de France au XVIIe siècle ou le fantaisies et les splendeurs du Baroque. Genebra: Éditions Papillon, 2004.) – o que se verifica na tradição das artes performáticas em geral. Assim como a noção aristotélica de teoria não se opõe à prática, por ser entendida como contemplação ativa, consideramos pertinente pensar que saberes da dança se instituem e se sistematizam também no corpo e na coreografia. A esse respeito, Mark Franko muito bem sintetiza:

O desenvolvimento tardio de uma teoria da dança vem, ao menos em parte, de nossa capacidade de admitir que a teoria é inerente ao ato em si de dançar. Não somente a teoria é um meio de organizar as ideias sobre a dança, mas o simples fato de dançar é em si um ato teórico. A teoria da dança não vem ‘depois’ da coreografia; ela é constitutiva da coreografia (Franko, 2005, p. 49FRANKO, Mark. La danse comme texte: idéologies du corps baroque. Paris: Kargo/l'Éclat, 2005.).

Embora concordemos que, até meados do XVII, os preceitos de composição de balés se mostrem menos rígidos e suas formas pareçam mais variadas que em outros gêneros de espetáculo da época (tragédia e comédia, por exemplo), o estudo das fontes aqui apresentadas não permite supor, contudo, que o balé seja desprovido de regras, de sistematização ou de teoria. Acreditamos, porém, que o estabelecimento de princípios e regras para o balé de corte não se restringe à tradição oral e empírica – dimensão dificilmente acessível à pesquisa histórica –, podendo também ser localizado, no âmbito da cultura letrada, em outros gêneros que não os poucos tratados: destacamos as obras anteriormente citadas (Marolles, 1755MAROLLES, Michel de. Mémoires de Michel de Marolles, abbé de Villeloin (1657). 3 vol. Amsterdam, 1755.; Ménestrier, 1658MÉNESTRIER, Claude-François. Remarques sur la conduite des ballets. L’Autel de Lyon, consacré à Louis Auguste et placé dans le Temple de la Gloire. Lyon: Jean Moulin, 1658. Disponível em: https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k315285g.r=M%C3%A9nestrier%20representations%20en%20musique?rk=21459;2 . Acesso em: 10/09/2021.
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e 1972; De Pure, 1972DE PURE, Michel. Idée des spectacles anciens et nouveaux (1668). Genebra: Éditions Minkoff, 1972.) e os próprios libretos de balés.

O libreto como modelo de composição de balés

Marcel Paquot, em seu artigo sobre as preceptivas teóricas do ballet de cour, já propunha compreender a natureza e as regras do balé antes pelos libretistas (especialmente Beaujoyeulx) que pelos chamados teóricos do balé, nomeadamente Marolles (1657), De Pure (1668) e Ménestrier (1682)MÉNESTRIER, Claude-François. Des ballets anciens et modernes selon les règles du théâtre (1682). Genebra: Éditions Minkoff, 1972. (Paquot, 1957PAQUOT, Marcel. La manière de composer les ballets de cour d’après les premiers théoriciens français. Cahiers de l’Association internationale des études françaises, n.9, pp. 183-197, 1957.). Segundo o autor, tais obras teóricas apresentam certos limites para a compreensão dos balés de fins do século XVI e da primeira metade dos seiscentos. Esses tratados e discursos se inseririam em um contexto de transformação das próprias concepções do gênero, em um processo de enquadramento das formas e usos dos balés às regras da comédia e da ópera.

A partir de meados dos seiscentos, o balé de corte teria sido reorientado para o gênero da comédie-ballet27 27 A comédie-ballet, gênero muito apreciado na corte de Luís XIV, apresenta uma tentativa de associar a música e a dança a uma ação teatral autônoma, de maneira que a função dramática prepondera sobre as demais artes, consideradas acessórias (Durosoir, 2004, p.111). Essa nova orientação resulta, segundo Paquot, em perda de autonomia do gênero ballet de cour, uma vez que, inserido nos quadros da comédia e da ópera, o balé perderia suas formas específicas, bem como dinâmicas e características definidoras – como a participação da nobreza na representação, por exemplo (Paquot, 1957, p. 197). de Lully e Molière e de uma prática de composição cada vez mais submetida ao controle das Academias28 28 Sobre a constituição das Academias na França no século XVI, os principais temas de debate acadêmico e a rede de letrados e artistas aí envolvidos, ver Yates, 1947. (de música, de poesia, de dança) – instituições sistematizadoras do saber e do fazer artístico que se constituíam de maneira mais sólida naquele momento. Assim, Paquot defende que esses escritos teóricos do gênero informam mais sobre a reorientação de concepções, de preceitos e de gosto, do que sobre o caráter dos balés em seus primeiros setenta anos – o que seria mais facilmente percebido nos próprios libretos das representações (Paquot, 1957PAQUOT, Marcel. La manière de composer les ballets de cour d’après les premiers théoriciens français. Cahiers de l’Association internationale des études françaises, n.9, pp. 183-197, 1957.).

Os libretos tinham a finalidade de descrever o espetáculo, apresentando seu argumento, sua estrutura de entradas e personagens, os versos dos poemas cantados e, quando era o caso, os cortesãos e as damas que desempenhavam os papéis. Alguns deles mostram-se ainda mais completos, compondo-se de prefácios explicativos, discursos e considerações. Isso pode ser verificado em alguns libretos de Guillaume Colletet29 29 Ballet de l’Harmonie (1632), Ballet des Effects de la Nature (1632) e Ballet des Cinq sens de la Nature (1633). Grande parte dos libretos de balés de corte encontram-se atualmente digitalizados e disponíveis para consulta pública no portal digital Gallica da BNF. ou no início do libreto do Ballet de la Prosperité des Armes de France (1641), por exemplo, que esboça uma sintética definição do gênero: “Os balés são comédias mudas e devem, portanto, se dividir em atos e cenas; os recitativos separam os atos e as entradas dos dançarinos são as cenas” (Lacroix, 1868-1870, p. 34LACROIX, Paul. Ballets et mascarades de cour sous Henri IV et Luis XIII: 1581-1652 / recueillis et publiés d'après les éditions originales la plupart introuvables aujourd’hui. Genebra: J. Gay et fils, 1868-1870, 6 vol.). Além disso, libretos mais elaborados apresentam gravuras, partituras musicais, ou mesmo descrições de detalhes dos cenários, figurinos e/ou da própria representação – isso no caso dos libretos publicados após a realização do espetáculo, em forma de relato ou relação.

O libreto aparece, assim, como fonte privilegiada de informação sobre a estrutura, regras e formas de composição dos balés. Isso significa entendêlo, para além de sua função de registro de um evento passado, mas como uma forma possível de se estabelecer fundamentos teóricos e regras do gênero. É verdade que sua forma não se enquadra no gênero retórico deliberativo, no qual se inscrevem os tratados e manuais da cultura escrita moderna. No entanto, os libretos se tornaram modelos de emulação e acabaram por exercer essa função prescritiva, mesmo que indireta e despretensiosamente.

O estudo dessas fontes permite-nos afirmar, portanto, que o conjunto de libretos compõe um corpo prescritivo do balé complementar aos tratados. Sobretudo, devido ao seu conteúdo sistemático e exemplar, o libreto mostra-se especialmente eficaz como modelo e diretriz de composição, uma vez que se relaciona à dimensão mais prática e cotidiana, no contexto de invenção dos divertimentos de corte.

Conhecer os princípios teóricos, os preceitos e as regras, que orientam tanto a composição quanto a apreciação de um balé, mostra-se fundamental para compreendermos suas formas e sentidos – que não se separam da dinâmica social e política francesa nos seiscentos. Para tanto, dispõe-se de um conjunto de fontes composto por tratados, discursos e libretos bastante detalhados30 30 Além do Ballet Comique de la Reine (1581), de Beaujoyeulx, existem outros libretos bastante detalhados, contando com prefácios, discursos e/ou comentários. É o caso dos libretos do Ballet de Monseigneur le duc de Vendôme (1610), o Ballet Le Triomphe de Minerve (1615), o Ballet de la Délivrance de Renaud (1617), o Ballet des Effets de la Nature (1632), o Ballet du Grand Démogorgon (1633), entre outros. que sistematizam os preceitos de invenção dos balés. Buscaremos, a partir desse ponto de nosso estudo, apresentar os princípios eruditos, os preceitos de composição e os principais elementos que caracterizam o balé de corte, tomando por base tratados, discursos teóricos e libretos.

Os princípios teóricos e eruditos que orientam a composição do balé

Claude-François Ménestrier inicia seu tratado afirmando que “[...] de todos os espetáculos e divertimentos que os gregos inventaram, ou aperfeiçoaram, nada há de mais universal que os balés” (Ménestrier, 1972). Ao atribuir a invenção do balé aos gregos antigos, o tratadista confere autoridade ao espetáculo moderno, traçando uma linha de continuidade que vincula o balé ao drama grego, tido como o grande modelo de espetáculo total.

De semelhante modo, tal referência aparece em versos do poeta Billard no libreto do Ballet Comique de la Reine: “Beaujoyeulx, o primeiro que das cinzas da Grécia / Fez renascer o propósito e a habilidade / Do balé compassado e mesurado” (Beaujoyeulx, 1582BEAUJOYEULX, Balthasar. Balet comique de la Royne, faict aux nopces de monsieur le duc de Joyeuse & madamoyselle de Vaudemont sa soeur. Paris: Adrian Le Roy, Robert Ballard & Mamert Patisson, 1582. Disponível em: https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k1110737?rk=21459;2. Acesso em: 10/09/2021.
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, n.p.). A invenção de Beaujoyeulx é elogiada como uma recuperação da tragédia grega clássica, perdida desde a antiguidade, que poderia ser revivida no balé, cujo desígnio, função e forma (mesurada à antiga) seriam os mesmos de outrora.

Essa atribuição da origem do balé aos antigos gregos, que não deve ser ingenuamente tomada como dado histórico objetivo, é uma tópica reiteradamente mobilizada em praticamente todos os discursos sobre o gênero. Isso evidencia as aspirações humanistas que, desde início do século XVI, buscavam fazer reviver o drama grego antigo – ou, talvez, os desejos e suposições próprios que os letrados modernos projetavam na Grécia antiga.

Especialmente os poetas e músicos da Academia de Música e de Poesia, coordenada por Baïf, empreendiam tentativas e experiências poéticas na direção de unir poesia e música, buscando adequar métrica e melodia a partir da inspiração na antiguidade grega. Com isso, tinha-se a intenção de amplificar os efeitos de ambas as artes, que se tornariam ainda mais poderosos se combinados. A aspiração ao princípio de união das artes fica evidente no prefácio do libreto do Ballet Comique de la Reine: Beaujoyeulx propõe mesclar os gêneros do balé e da comédia, que dão título ao espetáculo, assim como amalgamar música e poesia (Beaujoyeulx, 1582BEAUJOYEULX, Balthasar. Balet comique de la Royne, faict aux nopces de monsieur le duc de Joyeuse & madamoyselle de Vaudemont sa soeur. Paris: Adrian Le Roy, Robert Ballard & Mamert Patisson, 1582. Disponível em: https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k1110737?rk=21459;2. Acesso em: 10/09/2021.
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, prefácio).

A ideia do balé de corte como ressurgimento do drama grego antigo, em um “[...] baile compassado e mesurado” (Beaujoyeulx, 1582BEAUJOYEULX, Balthasar. Balet comique de la Royne, faict aux nopces de monsieur le duc de Joyeuse & madamoyselle de Vaudemont sa soeur. Paris: Adrian Le Roy, Robert Ballard & Mamert Patisson, 1582. Disponível em: https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k1110737?rk=21459;2. Acesso em: 10/09/2021.
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, n.p.), bem como a possibilidade de fazer reviver seus objetivos e efeitos, delineia as formas e os significados do gênero. O balé aparece, aos olhos de seus contemporâneos franceses, como gênero essencialmente compósito e especialmente eficaz em seus efeitos, por ser o único capaz de fundir poesia, música, dança e pintura. Assim estruturado, o balé produziria efeitos intensos a ponto de transbordar a própria cena, prolongando-se na vida social.

No libreto do Ballet Comique, Beaujoyeulx manifesta suas intenções de fundir todas as artes, de “[...] entrelaçar poesia e música”, misturando-as à comédia, à decoração e à dança – à qual atribui “[...] primeiro título e honra”:

Assim, animei e fiz falar o balé, e fiz cantar e ressoar a comédia: e acrescentando aí diversas representações e ornamentos raros e ricos, satisfiz, num corpo bem proporcionado, os olhos, os ouvidos e o entendimento (Beaujoyeulx, 1582BEAUJOYEULX, Balthasar. Balet comique de la Royne, faict aux nopces de monsieur le duc de Joyeuse & madamoyselle de Vaudemont sa soeur. Paris: Adrian Le Roy, Robert Ballard & Mamert Patisson, 1582. Disponível em: https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k1110737?rk=21459;2. Acesso em: 10/09/2021.
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, n.p.).

Da mesma maneira como se acreditava terem sido as tragédias antigas, fica claro que esse princípio de fusão das artes num corpo bem proporcionado buscava estimular e agradar a todos os sentidos e ao intelecto. De fato, a teorização moderna das artes poéticas, fundamentada em Aristóteles (384 a.C.– 322 a.C.), Horácio (65 a.C.– 8 a.C.) e em pensadores modernos, postulava ser mais fácil tocar a razão pelos sentidos, já que a mobilização das paixões humanas deixaria a vontade mais dócil a absorver ideias e discursos. Seguindo a tópica docere-delectare, as representações e divertimentos seiscentistas buscavam unir o sério e o agradável, verdade e fantasia, racional e sensorial. Seu intuito era o de ensinar agradando, ou agradar ensinando. Essa noção aparece claramente no prefácio do libreto do Ballet du Grand Demogorgon (1633):

E uma vez que a poesia, a música e a dança foram inventadas para tornar a verdade mais amiga dos sentidos, que devem levá-la ao espírito, elas são como pílulas douradas e tão bem escondem a verdade que, por ingênuas que possam ser, é preciso ajudar os espíritos a demonstrar seus mistérios (Grand Pré, 1633GRAND PRÉ, César de. Ballet du Grand Demogorgon. Paris, 1633. Disponível em: https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k5789793r?rk=21459;2. Acesso em: 10/09/2021.
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, n.p.).

As postulações de Aristóteles, de Horácio e de Plutarco (46 d.C. – 120 d.C.) sobre a arte poética fundamentaram vários discursos, com destaque às analogias entre poesia e pintura, baseadas na tópica ut pictura poesis. Essa célebre premissa horaciana propõe aproximar as duas artes estabelecendo que a pintura é poesia muda, assim como a poesia é pintura falante. Enquanto formas imitativas, seus supostos e preceitos poderiam ser correspondentes e intercambiáveis.

A comparação entre essas duas artes irmãs, que dispunham de meios diferentes para o mesmo fim, serviu como tema para vários discursos, redundando na produção de um vasto repertório argumentativo. A possibilidade de se estender a argumentação às demais artes, em processo de teorização entre os letrados seiscentistas, já havia sido sinalizada por Plutarco. Retomando o poeta grego Simônides (556 a.C. – 468 a.C.), Plutarco propõe a substituição, no dito horaciano, da pintura pela dança:

Assim, seria necessário transferir os dizeres de Simônides da pintura ao baile, uma vez que o baile é uma poesia muda e a poesia um baile falante (...). Entre o baile e a poesia todas as coisas são comuns, uma e outra em tudo participam, ambas representando uma mesma coisa, da mesma forma que as canções para dança (...), em que a representação se faz de maneira mais eficaz, de uma parte pelos gestos e mímicas e, de outra, pelas palavras (Plutarco apud McGowan, 1978, p. 12MCGOWAN, Margaret. L'art du Ballet de Cour en France: 1581–1643. Paris: CNRS Éditions, 1978.).

Assim como a dança pôde ser entendida pelos antigos como poesia muda, capaz de falar por meio de gestos, pensadores modernos como Guillaume de Colletet (1598-1659) puderam considerá-la como imagem em movimento, ou ainda, como poesia animada. Comparada ora a uma tela, ora a um discurso, a dança teria a capacidade de dizer e mostrar as paixões, ações e pensamentos humanos:

Se os antigos chamaram à poesia pintura falante, e à pintura uma poesia muda, a seu exemplo podemos chamar a dança, e sobretudo aquela que se pratica em nossos balés, de uma pintura movente ou uma poesia animada. Pois como a poesia é uma verdadeira tela de nossas paixões, e a pintura um discurso mudo de fato, mas, todavia, capaz de despertar tudo aquilo que cai em nossa imaginação: assim a dança é uma imagem viva de nossas ações e uma expressão artificial de nossos pensamentos secretos (Colletet, 1632aCOLLETET, Guillaume. Le Grand Ballet des Effects de la Nature. 1632a. Disponível em: https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k1512919g.r=Colletet%2C%20Guillaume%20ballet?rk=42918;4. Acesso em: 10/09/2021.
https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k1...
, n.p.).

Em outro libreto de 1632, Colletet se vale claramente da fórmula horaciana de correspondência entre as artes para propor a aproximação entre música e dança. O autor compreende as duas artes como vias diferentes de manifestação do princípio divino da harmonia. Dessa maneira, concebe a dança como “[...] música para os olhos” e afirma ser possível “[...] ouvir um movimento”, especialmente no balé, quando música e dança se fundem:

Mas aqui a ouvireis e a vereis [a harmonia] ao mesmo tempo, pelo que podereis perceber que não é incompatível fazer ver uma música nem tampouco ouvir um movimento. Portanto, compreende-se que a dança não é outra coisa que uma música para os olhos, assim como as vozes harmônicas o são para os ouvidos, e, as duas juntas, uma harmonia para uma e para outra (Colletet, 1632b, p. 3-4COLLETET, Guillaume. Ballet de l’harmonie. 1632b.).

Também Ménestrier numerosas vezes recorre à analogia entre dança, pintura e poesia. O balé como “[...] espécie mais perfeita de dança” (Ménestrier, 1972, p. 18) é comparado a um poema dramático31 31 Comparações do balé ao teatro na mesma estrutura analógica do dito de Horácio são recorrentes nos escritos seiscentistas. Tanto Saint-Hubert (1993, p. 16) quanto o abade de Marolles (1755, p. 113) caracterizam o balé como “[...] comédia muda”, e também De Pure o define como “[...] representação muda, em que os gestos e movimentos significam aquilo que se poderia exprimir pelas palavras” (De Pure, 1972, p. 210). , e suas regras deveriam ser estabelecidas de acordo com os preceitos da pintura. Para defender essa ideia, o jesuíta evoca, mais uma vez, a autoridade de Horácio:

O balé é uma pintura, por ser uma imitação, e Horácio já dizia desde muito tempo que era sobre a pintura que a poesia deveria ser regrada, de maneira que a poesia é uma pintura falante e a pintura é uma poesia muda Ut picture poësis erit. As regras de um balé são, portanto, semelhantes às de um quadro (Ménestrier, 1972, p. 82).

Assim, é possível perceber, nas formulações dos pensadores da dança no XVII, o desenvolvimento de uma ideia correspondente à tópica horaciana: uma ut pictura saltatio. A comparação entre balé e pintura iria além: por ser constituído do movimento dançado, o balé foi concebido como uma pintura viva ou, ainda, uma imagem de ação. Segundo Marie-Thérèse Mourey (2009)MOUREY, Marie-Thérèse. L’art du ballet de cour au XVIIe siècle: poétique de l’image animée. Colloque École Doctorale IV – Université Paris IV-Sorbonne, 11-13 junho 2009., essa analogia sistemática poderia ser entendida como uma “[...] poética da imagem animada”. Como em uma tela, os balés representariam imagens, desenhos, cores e símbolos por meio da decoração, dos elementos cênicos e dos figurinos. Para além disto, o balé teria a capacidade de transformar imagens estáticas (de uma pintura) em imagens animadas, por meio dos movimentos, gestos e deslocamentos espaciais dos bailarinos – o que possibilitaria exprimir ainda melhor as ações, paixões e mesmo noções abstratas em seu movimento processual (Mourey, 2009, p.15MOUREY, Marie-Thérèse. L’art du ballet de cour au XVIIe siècle: poétique de l’image animée. Colloque École Doctorale IV – Université Paris IV-Sorbonne, 11-13 junho 2009.). Como bem expressa o jesuíta:

Mas o balé tem vantagem sobre a pintura, pois a pintura tem apenas um momento, de maneira que todas as suas figuras permanecem sempre na mesma situação (...), ao contrário do balé que é toda uma sequência de movimentos que se sucedem uns aos outros (Ménestrier, 1972, p. 157).

Baseado nisso, os teóricos e apologistas do balé construíram o argumento da superioridade do balé em relação à pintura e demais artes, já que a dança acrescentaria movimento às figuras e vida às representações. A poética da imagem animada decorre da compreensão do balé como pintura viva: uma poética da imagem dinâmica, investida de sentido e vida através do movimento dançado, que teria potencialidades particulares e ainda mais persuasivas, sendo capaz de produzir um efeito impressionante antes mesmo de qualquer interpretação racional (Mourey, 2009MOUREY, Marie-Thérèse. L’art du ballet de cour au XVIIe siècle: poétique de l’image animée. Colloque École Doctorale IV – Université Paris IV-Sorbonne, 11-13 junho 2009.).

A argumentação dos teóricos sugere que a dança poderia ultrapassar as demais artes tanto em suas possibilidades imitativas quanto em intensidade. Essa peculiar eficácia poética da dança se sustentaria pelos gestos e movimentos do corpo, capazes de conferir “[...] vida” às imagens, exprimindo, assim, a natureza das coisas, as “[...] ações, costumes e paixões”, as noções puramente intelectuais e os “[...] mistérios mais ocultos da natureza” (Ménestrier, 1972 p. 40-41). Para Ménestrier, somente o balé poderia exprimir, em um mesmo espetáculo, tanto as ações inferiores (comédia) quanto as ações de grandes homens (tragédia), misturando, o histórico e o fabuloso, o sério e o ridículo, o heroico e o satírico, como nenhum outro gênero poderia fazê-lo (Ménestrier, 1972, p. 53-55, p. 124).

A ideia de que a dança poderia “[...] tudo exprimir” e o balé “[...] tudo representar” aparece disseminada no pensamento da época e fundamenta, por exemplo, a percepção de Michel de Pure sobre tal arte como uma espécie de pintura que reflete o mundo e a história, revelando os mistérios da natureza e da moral (De Pure, 1972, p. 211-212DE PURE, Michel. Idée des spectacles anciens et nouveaux (1668). Genebra: Éditions Minkoff, 1972.). Acreditava-se que a dança era capaz de abarcar uma vastidão de assuntos e áreas (McGowan, 1978, p. 14MCGOWAN, Margaret. L'art du Ballet de Cour en France: 1581–1643. Paris: CNRS Éditions, 1978.). Marin Mersenne (1588-1648), teólogo e matemático francês, defendeu a grande utilidade da dança nos tratamentos de medicina, bem como meio muito eficaz no estudo dos movimentos celestes (através das figuras espaciais de dança) e de ciências aplicadas, como a mecânica e a perspectiva, chegando a defender a dança como uma linguagem universal (Mersenne, 1636, p. 159-160MERSENNE, M. L’Harmonie Universelle. Paris: S. Cramoisy, 1636. Disponível em: https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k5471093v?rk=42918;4. Acesso em: 10/09/2021.
https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k5...
).

Como procuramos demonstrar, todos esses princípios eruditos – de restauração do drama grego antigo, de fusão das artes, de analogias entre poesia, pintura e demais artes poéticas, de uma poética da imagem em movimento e de uma arte eloquente – aparecem claramente nos tratados, libretos e discursos sobre os balés para definir o gênero e orientar sua composição, presidindo e circunscrevendo em seu bojo as regras eminentemente técnicas e práticas. Dessas últimas, trataremos a seguir.

Preceitos e regras de composição dos balés

Nicolas de Saint-Hubert, mestre de dança, inicia seu pequeno tratado La manière de composer et faire réussir les ballets, legitimando a importância da dança como um dos três principais exercícios da nobreza, assim como montar a cavalo e manejar armas:

[...] a dança é um dos três exercícios principais da Nobreza (...) Todos sabem que para bem educar um jovem Cavalheiro é necessário que ele aprenda a montar a Cavalo, a Manejar armas e a Dançar. O primeiro aumenta a destreza, o segundo a coragem e o Último a graça e a disposição (...) (Saint-Hubert In: Couto, 2020, p. 476COUTO, Clara Rodrigues. A maneira de compor e fazer balés bemsucedidos: o primeiro tratado sobre balés de corte (Nicolas de Saint-Hubert, 1641). Revista de fontes, Guarulhos, UNIFESP, v. 07, n. 12, p. 470-485, julho de 2020.).

Com essa afirmação, o autor reitera a importância da dança na educação da nobreza e na sociabilidade cortesã, o que a insere em uma lógica de concepção e apreciação regida por normas e princípios eruditos, discretos e letrados. Nesse primeiro tratado de ballets de cour, Saint-Hubert postula as principais regras e características do gênero, além de recomendações bastante práticas e questões de ordem técnica importantes na elaboração e realização de um balé (Roucher, 1999, p. 380-381ROUCHER, Eugénia. Saint-Hubert. In: LE MOAL, Philippe (dir.). Dictionnaire de la danse. Paris: Larousse, 1999. p. 380-381.). Os balés são classificados pelo número de entradas como pequenos, belos e grandes (balés Reais). Pela natureza do tema, são definidos como sérios ou grotescos.

O autor define seis aspectos principais e necessários à invenção de um balé: o tema, as músicas, a dança, a vestimenta, as máquinas e a ordem (Saint-Hubert In: Couto, 2020, p. 476COUTO, Clara Rodrigues. A maneira de compor e fazer balés bemsucedidos: o primeiro tratado sobre balés de corte (Nicolas de Saint-Hubert, 1641). Revista de fontes, Guarulhos, UNIFESP, v. 07, n. 12, p. 470-485, julho de 2020.). E sobre cada um deles desenvolve seus comentários, regras e considerações.

Ao postular esses seis elementos, o tratadista demonstra, antes de tudo, conceber o gênero conforme o princípio humanista, já aqui abordado, de união das artes: a poesia (presente no tema, recitativos e árias cantadas), a música (tanto música vocal quanto música para dança), a pintura (na decoração, cenário e vestimentas), a engenharia das máquinas cênicas e a própria dança. Esses mesmos elementos permanecerão centrais nos discursos posteriormente publicados, o que demonstra a permanência da sistematização de Saint-Hubert.

Para Saint-Hubert, o principal para se fazer um belo balé seria encontrar um bom tema, dependendo dele e submetendo-se a ele todo o restante (Saint-Hubert In: Couto, 2020, p. 477COUTO, Clara Rodrigues. A maneira de compor e fazer balés bemsucedidos: o primeiro tratado sobre balés de corte (Nicolas de Saint-Hubert, 1641). Revista de fontes, Guarulhos, UNIFESP, v. 07, n. 12, p. 470-485, julho de 2020.). Também De Pure identifica no tema “[...] a alma do balé”, entendendo-o como elemento definidor que daria “[...] alimento e movimento” ao espírito e às ideias do poeta (De Pure, 1972, p. 214DE PURE, Michel. Idée des spectacles anciens et nouveaux (1668). Genebra: Éditions Minkoff, 1972.). Ménestrier concebe três sortes de temas (ou matérias): os históricos (que em geral remeteriam à história antiga, mas também poderiam aludir a episódios da história moderna), os fabulosos ou mitológicos e os poéticos ou alegóricos, temas poderiam e deveriam ser combinados (Ménestrier, 1972, p. 53).

Dessa maneira, um só gênero seria capaz de exprimir variadas espécies de coisas: coisas naturais, acontecimentos, poemas épicos, ensinamentos morais ou, ainda, puro capricho, como em alguns balés burlescos. Ainda assim, os temas poéticos, alegóricos e morais eram considerados os mais elevados. Independentemente da escolha do tema, o balé deveria causar a admiração e o prazer, o que seria conquistado pela graça da novidade e pela exatidão da imitação (Ménestrier, 1972, p. 113). De fato, “[...] para ser belo, é preciso que ele [o tema] nunca tenha sido feito”, que seja novo (Saint-Hubert In: Couto, 2020, p. 477COUTO, Clara Rodrigues. A maneira de compor e fazer balés bemsucedidos: o primeiro tratado sobre balés de corte (Nicolas de Saint-Hubert, 1641). Revista de fontes, Guarulhos, UNIFESP, v. 07, n. 12, p. 470-485, julho de 2020.).

Se os princípios da novidade e da diversidade deveriam orientar a invenção de qualquer espetáculo, eram considerados essenciais na composição dos balés de corte, pois entendia-se que eles deveriam sempre apresentar algo novo e diverso. Não é fortuito, portanto, que todos os tratados e discursos sobre os balés deem relevo à descrição e/ou preceituação do aparato cênico, da decoração, da caracterização dos personagens (figurinos, acessórios e movimentos) e das máquinas. Para Saint-Hubert, as vestimentas e as máquinas aparecem como aspectos tão importantes quanto a dança e a música. De Pure discorre sobre o figurino, as máscaras e as máquinas em sessões específicas de seu tratado (De Pure, 1972, p. 285-304DE PURE, Michel. Idée des spectacles anciens et nouveaux (1668). Genebra: Éditions Minkoff, 1972.) e Ménestrier considera essencial a atenção ao aparato cênico, que inclui decoração, vestimentas e máquinas (Ménestrier, 1972, p. 212-223 e p. 245-257). Já Michel de Marolles atenta para o quanto um descuido com a decoração poderia pôr a perder toda uma representação (Marolles, 1755MAROLLES, Michel de. Mémoires de Michel de Marolles, abbé de Villeloin (1657). 3 vol. Amsterdam, 1755.).

Essa insistente preocupação com o aparato cênico e com a caracterização dos personagens revela o gosto da época pelo ornamento, pelo artifício e pelo impacto espetacular. Mas para além do gosto, o aparato cênico mostrase essencial para a composição das alegorias como emblemas vivos, que têm papel central na representação, na medida em que evidencia os elementos icônicos (do personagem e do cenário) que investem a cena de significado. Nesse sentido, Saint-Hubert insiste em que trajes, decorações e máquinas estejam sempre adequados e convenientes àquilo que representam: “[...] não necessariamente devem ser belíssimos, desde que sejam feitos de acordo com o tema” (Saint-Hubert In: Couto, 2020, p. 481COUTO, Clara Rodrigues. A maneira de compor e fazer balés bemsucedidos: o primeiro tratado sobre balés de corte (Nicolas de Saint-Hubert, 1641). Revista de fontes, Guarulhos, UNIFESP, v. 07, n. 12, p. 470-485, julho de 2020.), ao que oferece uma série de exemplos.

Segundo Ménestrier, os movimentos e os gestos também seriam meios essenciais de se caracterizar os personagens, sempre baseado num repertório alegórico e preceituado de se exprimir as coisas “de maneira muda” (Ménestrier, 1972, p. 153). A dança, os movimentos e os gestos são, portanto, entendidos como elementos importantes da construção poética e alegórica na representação da natureza ou das ações, afetos e costumes dos homens:

É por meio dos movimentos que os balés imitam as coisas, imitando pelos movimentos as ações dos homens, suas afeições, seus costumes, assim como imitam os movimentos naturais dos animais e aqueles que recebem, natural ou violentamente, todos os demais corpos (Ménestrier, 1972, p. 153).

Isso já havia sido apontado por Saint-Hubert, que reforçava a importância, tanto da dança quanto dos trajes, na caracterização dos personagens: “[...] uma vez que o balé é uma comédia muda, é necessário que os trajes e as ações permitam reconhecer aquilo que se representa” (Saint-Hubert In: Couto, 2020, p. 480COUTO, Clara Rodrigues. A maneira de compor e fazer balés bemsucedidos: o primeiro tratado sobre balés de corte (Nicolas de Saint-Hubert, 1641). Revista de fontes, Guarulhos, UNIFESP, v. 07, n. 12, p. 470-485, julho de 2020.). Parece-nos claro que o autor demonstra compreender que diferentes tipos humanos e sociais teriam, necessariamente, corpos e gestuais também distintos. Assim, tais características particulares deveriam ser convenientemente representadas na dança: “É necessário submeter a dança e os passos às músicas, às entradas, e não colocar um produtor de vinho ou um carregador de água para dançar como um cavaleiro ou um mago” (Saint-Hubert In: Couto, 2020, p. 479COUTO, Clara Rodrigues. A maneira de compor e fazer balés bemsucedidos: o primeiro tratado sobre balés de corte (Nicolas de Saint-Hubert, 1641). Revista de fontes, Guarulhos, UNIFESP, v. 07, n. 12, p. 470-485, julho de 2020.). Daí, a necessidade de se “[...] reservar um tempo para estudar os passos e as entradas”, e não os deixar ao improviso (Saint-Hubert In: Couto, 2020, p. 480COUTO, Clara Rodrigues. A maneira de compor e fazer balés bemsucedidos: o primeiro tratado sobre balés de corte (Nicolas de Saint-Hubert, 1641). Revista de fontes, Guarulhos, UNIFESP, v. 07, n. 12, p. 470-485, julho de 2020.).

Segundo Ménestrier, o balé não necessitaria obedecer a uma unidade de ação ou uma trama coerente, como a tragédia e a epopeia, mas somente uma unidade de tema, de desígnio. A coerência e a unidade do balé consistiriam, assim, em que todas as partes mantivessem uma relação com o todo: não por representarem uma única ação, mas por se referirem todas elas ao mesmo tema (Ménestrier, 1972, p. 114). Esse aspecto nos conduz a outro elemento importante, que Saint-Hubert chamou de ordem e Ménestrier nomeou condução ou economia dos balés:

A economia dos balés é a justa distribuição de um todo em suas partes essenciais e decorosas, o justo arranjo de causas, efeitos, propriedades, circunstâncias, eventos, sequência de fábulas e exemplos e imaginações de um mesmo tema. (Ménestrier, 1972, p. 135)

Essa concepção de partes específicas que se referem a um todo é o que orienta a estrutura do balé em entradas (entrées)32 32 A unidade essencial que compõe a estrutura dos balés é a entrée, ou entrada. A quantidade de entradas pode variar bastante, de modo que um balé grandioso e engenhoso deveria ter maior número e variedade de entradas. Em alguns balés as entradas são divididas em partes, embora isso não seja uma regra. A partir de meados do XVII, os libretos começam a distribuir as entradas em atos. Essa prática coincide com o momento de reorientação do gênero em direção à comédie-ballet de Lully, Benserade e Molière, quando o balé começa a ser preceituado sob as regras e formas da comédia. . Por meio das entradas organiza-se a disposição dos subtemas, dos personagens e dos elementos de um balé, visando assegurar a novidade e beleza pela diversidade de entradas, “[...] na variedade de figuras e uniformidade de passos” (De Pure, 1972 p. 237DE PURE, Michel. Idée des spectacles anciens et nouveaux (1668). Genebra: Éditions Minkoff, 1972.). Para orientar a disposição harmoniosa de todas as partes e garantir o equilíbrio entre elas conforme o tema, Saint-Hubert insiste na importância do ofício do mestre de ordem, responsável pela concepção e coordenação do balé em sua totalidade: “[...] pois da sua boa condução depende inteiramente o sucesso ou o insucesso” do espetáculo (Saint-Hubert In: Couto, 2020, p. 4784COUTO, Clara Rodrigues. A maneira de compor e fazer balés bemsucedidos: o primeiro tratado sobre balés de corte (Nicolas de Saint-Hubert, 1641). Revista de fontes, Guarulhos, UNIFESP, v. 07, n. 12, p. 470-485, julho de 2020.). Assim como um orador organiza suas tópicas na construção de um discurso (dispositivo), essa ordem, ou economia, proporcionaria, ao inventor de balés, a melhor maneira de encadear os temas, imagens, recursos cênicos e alegorias, para melhor evidenciar o seu intento.

Entre todos esses preceitos, um aspecto ganha destaque por presidir a todos os elementos da composição e é assim sintetizado por De Pure: “[...] a primeira e mais essencial beleza de uma ária de balé é a conveniência, isto é, a justa relação que a ária deve ter com a coisa representada” (De Pure, 1972 p. 260DE PURE, Michel. Idée des spectacles anciens et nouveaux (1668). Genebra: Éditions Minkoff, 1972.). A ideia de conveniência serviria para adequar e ajustar todos os elementos do balé, submetendo-os, cada um, a todos os demais. Isso visava garantir a verossimilhança da representação e o decoro exigidos, ajustando a representação ao ambiente e à circunstância em que se insere, bem como aos sujeitos que dela participam.

É importante destacar que os tratados e discursos, aqui abordados, apresentam tais preceitos e regras a partir de inúmeros e frequentes exemplos: tanto são citados balés considerados excelentes quanto experiências malsucedidas, trechos e aspectos que ora ilustram o êxito, ora são dignos de reprovação. Se esses exemplos nos revelam hoje interessantes detalhes – como uma bela ou má execução de dança, os materiais de confecção de trajes ou ainda os temas e o desenvolvimento de determinadas entradas –, parecenos que também aos mestres e bailarinos daquela época deveriam elucidar aspectos bastante práticos da composição de balés.

Assim, reiteramos que o esforço de elaboração escrita das preceptivas do balé em tratados e libretos não se opõe às práticas de composição, ao contrário, esses textos têm caráter prático e orientam diretamente o fazer artístico da dança cênica.

Considerações finais

O esforço teórico empreendido por Saint-Hubert, Ménestrier, De Pure e Marolles – e de libretistas como Beaujoyeulx, Grand Pré e Colletet – para definir, classificar e preceituar o balé, demonstra não apenas um crescente interesse pelo espetáculo coreográfico na França seiscentista, como também uma busca por rigor e legitimação do balé como arte (poética), segundo a concepção vigente naquela época. Assim, segundo Christout, “[...] percebe-se uma preocupação nova de ordem e método. Respeitando a liberdade inerente ao gênero, busca-se precisar as leis que lhe são próprias e, também, os limites de seu domínio” (Christout, 2005, p. 150CHRISTOUT, Marie-Françoise. Le ballet de cour de Louis XIV, 1643-1672 – Mises en scène. Paris: Picard, 2005.).

Em suma, no decorrer do presente trabalho, buscamos evidenciar o processo pelo qual a dança e especialmente o balé de corte foram sistematizados como arte, sendo central nessa dinâmica a produção de documentos escritos (e impressos) na forma de manuais, tratados, libretos e discursos. Essa tradução para o campo da escrita tem implicações muito relevantes na teorização da dança e do balé, o que as insere em um contexto maior de sistematização do conhecimento na Europa moderna. Esses preceitos e regras escritas a que chamamos de corpus teórico do balé tinham caráter evidentemente prático, uma vez que orientavam os mestres de balé na invenção, composição e condução, bem como na apreciação deste espetáculo tão presente no cotidiano da corte francesa no século XVII.

O entendimento dos preceitos norteadores da composição dos balés de corte nos permite uma melhor compreensão e aprofundamento de análise dos espetáculos coreográficos e formas cênicas da dança daquela época. Uma vez compreendidasas regras e as partes constitutivas desse gênero, bem como aquilo que seus contemporâneos consideravam bom e conveniente (ou aquilo que era reprovado e desaconselhado), abre-se espaço para considerações historicamente contextualizadas e evitam-se conclusões superficiais e anacrônicas.

Nesse contexto, em que a dança e o balé se inserem na sociedade de corte, caracterizada pela codificação do comportamento também expressa no domínio da cultura letrada, a nobreza francesa se apropriou dessas artes como artifícios simbólicos potentes por meio dos quais buscou constantemente reafirmar sua distinção social e sua hegemonia política na França do Antigo Regime. Não se pode perder de vista que o esforço de elaboração e sistematização minuciosa de regras e preceitos artísticos esteve intimamente relacionado ao poder monárquico, na medida em que os espetáculos de corte se colocavam a serviço do rei e de mensagens políticas muito claras, bem como das estratégias de reafirmação dos pactos sociais e políticos que visavam manter a corte francesa em harmonia (Couto, 2015COUTO, Clara Rodrigues. Baile celeste e harmonia terrestre: o balé de corte como imagem prescritiva da harmonia cósmica e política na França (1610-1661). São Paulo: Programa de Pós-Graduação em História Social/FFLCH-USP, 2015. Dissertação (Mestrado em História Social).).

É certo que os princípios eruditos, preceitos e regras de composição dos balés foram elaborados na intenção de melhor realizar seus objetivos retórico-poéticos de mover afetos e persuadir a corte envolvida nesse cerimonial coreográfico que era o balé. Fica claro, portanto, que o estudo sobre a dança e o balé de corte na época Moderna se insere no âmbito maior do estudo das práticas e representações do poder monárquico e da sociedade que o legitima.

Notas

  • 1
    A pesquisa de mestrado contou com o financiamento da FAPESP, instituição que também possibilitou grande parte da pesquisa documental realizada em arquivos históricos franceses por meio do programa de Bolsa de Estágio de Pesquisa no Exterior-BEPE (2014).
  • 2
    As traduções do francês para o português ao longo do presente texto são de responsabilidade da autora.
  • 3
    Sobre os vários tipos danças no início da época Moderna, suas características estéticas, sociais, musicais e coreográficas, ver Bourcier, 2001BOURCIER, Paul. História da dança no ocidente (2ª ed.). São Paulo: Martins Fontes, 2001. e Nevile, 2004NEVILE, Jennifer. The eloquent body: dance and humanistic culture in fifteenth-century Italy. Bloomington: Indiana University Press, 2004..
  • 4
    Livro de ‘baixas danças’ da Biblioteca da Borgonha. Esse manuscrito de c.1500 está conservado na Biblioteca Real da Bélgica. Refere-se às chamadas basses danses danças nobiliárquicas em andamento lento e executadas com passos deslizados no chão, sem elevação do corpo em saltos, o que era considerado mais solene e adequado à dignidade aristocrática. Nessa obra, as regras de dança aparecem associadas a exemplos musicais.
  • 5
    A arte de bailar e dançar. Domenico da Piacenza, De arte saltandi & choreas ducendi, c. 1425. Paris, Biblioteca Nacional da França, Ms. fundo italiano 972. Uma versão digitalizada desse manuscrito, assim como da maior parte dos tratados aqui citados, pode ser acessada pelo portal digital Gallica da BNF.
  • 6
    Sobre a pratica ou arte da dança. Guglielmo Ebreo da Pesaro, De pratica seu arte tripudii vulgare opusculum.,1463. Paris, Biblioteca Nacional da França, Ms. fundo italiano 973.
  • 7
    Livro da arte de dançar. Antonio Cornazzano, Libro dell’arte del danzare, c. 1465. Roma, Biblioteca Apostólica Vaticana, Codice Capponiano 203.
  • 8
    O manuscrito está conservado no arquivo municipal da referida cidade (ECam, Fons notarial 3, 3). Cf.: NOCILLI, C. El manuscrito de Cervera: musica y danza palaciega catalana del siglo XV. Barcelona: Amalgama Edicions, 2013.
  • 9
    Arte e instrução para dançar bem.
  • 10
    Uma cópia digitalizada da obra de Antoine Arena Ad suos compagnes qui sunt de persona frantes, bassas danses et branles praticantes, datada de 1538, pode ser consultada no portal Gallica da BNF.
  • 11
    O bailarino.
  • 12
    Nobreza das damas.
  • 13
    Orquesografia. Para uma edição da obra traduzida para o inglês com introdução de Julia Sutton, ver ARBEAU, Thoinot. Orchesography. Translated by Mary Stewart Evans. With a New Introd. and Notes by Julia Sutton and a New Labanotation Section by Mireille Backer and Julia Sutton. New York: Dover, 1967. Para uma versão traduzida para o espanhol, ver ARBEAU, Thoinot. Orquesografía: tratado en forma de diálogo. Versión castellana del texto inglés traducido por Cyril W. Beaumont de la edición original publicada en Langres, en 1588. Buenos Aires: Centurion, 1946.
  • 14
    Graça de amor (1602) e Novas invenções de danças (1604).
  • 15
    Sobre a relação do aprendizado da dança com a etiqueta e a importância da eloquência corporal no gestual cortesão, ver Burke, 2000, p. 91-112BURKE, Peter. A linguagem do gesto no início da Itália moderna. In: Variedades de história cultural. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000. p. 91-112..
  • 16
    Discursos sobre a arte da dança.
  • 17
    Apologia da dança.
  • 18
    Segundo as formulações de Ménestrier, o nome ballet teria origem num termo grego cujo significado seria lançar, de onde viria o termo francês balle que faz referência a bola, objeto que afirma ter sido usado nas danças antigas (Ménestrier, 1972, p. 39). Também Michel de Marolles definiu o termo balé segundo o francês antigo: “Não tenho dúvidas de que Bal e Ballet tenham uma mesma origem e que ambos derivem de Baller, que significa dançar e saltar no francês antigo, segundo apontamentos de um erudito em sua obra Origens da língua francesa” (Marolles, 1657, p. 110 e 111).
  • 19
    A maneira de compor e fazer balés bem-sucedidos. Conservam-se atualmente apenas dois exemplares do pequeno tratado de Saint-Hubert: um na Biblioteca Mazarina (68146 Rés.), em Paris, e outro na Biblioteca do Conservatório Real de Liège (L071/3F04), na Bélgica. Uma edição fac-símile (atualmente esgotada) comentada por Marie-Françoise Christout foi publicada em 1993 (Saint-Hubert, 1993SAINT-HUBERT, Nicolas de. La manière de composer et faire réussir les Ballets (1641). Genebra: Éditions Minkoff, 1993.). Recentemente, publicamos uma tradução comentada do tratado de Saint-Hubert, de onde retiramos os trechos citados no presente artigo (Couto, 2020COUTO, Clara Rodrigues. A maneira de compor e fazer balés bemsucedidos: o primeiro tratado sobre balés de corte (Nicolas de Saint-Hubert, 1641). Revista de fontes, Guarulhos, UNIFESP, v. 07, n. 12, p. 470-485, julho de 2020.).
  • 20
    Balés antigos e modernos segundo as regras do teatro.
  • 21
    O clérigo francês Michel de Marolles (1600-1681), abade de Villeloin entre 1626-1674, deixou uma vasta obra escrita que compreende desde traduções (da Bíblia, de Ovídio, Virgílio e Sêneca, entre vários outros), história, memórias e genealogias, até catálogos de gravuras. Em suas Memórias, organizadas em três volumes e publicadas em 1657, fica clara sua inserção na vida de corte e dos salões. Notadamente, tendo frequentado o círculo erudito de Mlle. de Scudéry, o autor descreve cerimônias, espetáculos e o cotidiano de corte, além de falar sobre sua relação com notáveis senhores e letrados. Nessa obra, Marolles dedica seu Nono Discurso aos balés, apresentando sua opinião geral sobre tal divertimento num esforço de caracterização do gênero, descrevendo e comentando algumas representações específicas de balés. Ao final, ainda apresenta quatro concepções de balés de sua autoria em forma de libretos, os quais, no entanto, não se pode ter certeza se chegaram a ser representados.
  • 22
    Ao final do discurso, Marolles ainda apresenta quatro concepções de balés de sua autoria em forma de libretos. Sobre esses, no entanto, não se pode ter certeza se chegaram a ser representados.
  • 23
    Ideia sobre os espetáculos antigos e novos.
  • 24
    Considerações sobre a condução dos balés.
  • 25
    Sobre as representações musicais antigas e modernas. Há ainda o tratado La pratique du théâtre (A prática do teatro), publicado em 1657 pelo abade d’Aubignac (D’Aubignac, 1972D’AUBIGNAC. La Practique du théâtre (1657). Genebra: Éditions Minkoff, 1972.), que tangencia o tema do balé reservando, a ele, apenas rápidas menções.
  • 26
    Segundo as listagens feitas por McGowan (1978, p. 251-309)MCGOWAN, Margaret. L'art du Ballet de Cour en France: 1581–1643. Paris: CNRS Éditions, 1978. e Durosoir (2004, p. 146-151)DUROSOIR, Georgie. Les ballets de la cour de France au XVIIe siècle ou le fantaisies et les splendeurs du Baroque. Genebra: Éditions Papillon, 2004., é possível indicar cerca de 500 balés realizados somente entre 1581 e 1643, fim do reinado de Luís XIII.
  • 27
    A comédie-ballet, gênero muito apreciado na corte de Luís XIV, apresenta uma tentativa de associar a música e a dança a uma ação teatral autônoma, de maneira que a função dramática prepondera sobre as demais artes, consideradas acessórias (Durosoir, 2004, p.111DUROSOIR, Georgie. Les ballets de la cour de France au XVIIe siècle ou le fantaisies et les splendeurs du Baroque. Genebra: Éditions Papillon, 2004.). Essa nova orientação resulta, segundo Paquot, em perda de autonomia do gênero ballet de cour, uma vez que, inserido nos quadros da comédia e da ópera, o balé perderia suas formas específicas, bem como dinâmicas e características definidoras – como a participação da nobreza na representação, por exemplo (Paquot, 1957, p. 197PAQUOT, Marcel. La manière de composer les ballets de cour d’après les premiers théoriciens français. Cahiers de l’Association internationale des études françaises, n.9, pp. 183-197, 1957.).
  • 28
    Sobre a constituição das Academias na França no século XVI, os principais temas de debate acadêmico e a rede de letrados e artistas aí envolvidos, ver Yates, 1947YATES, Frances. The French Academies of the sixteenth century. Londres: Warburg Institute, University of London, 1947..
  • 29
    Ballet de l’Harmonie (1632), Ballet des Effects de la Nature (1632) e Ballet des Cinq sens de la Nature (1633). Grande parte dos libretos de balés de corte encontram-se atualmente digitalizados e disponíveis para consulta pública no portal digital Gallica da BNF.
  • 30
    Além do Ballet Comique de la Reine (1581), de Beaujoyeulx, existem outros libretos bastante detalhados, contando com prefácios, discursos e/ou comentários. É o caso dos libretos do Ballet de Monseigneur le duc de Vendôme (1610), o Ballet Le Triomphe de Minerve (1615), o Ballet de la Délivrance de Renaud (1617), o Ballet des Effets de la Nature (1632), o Ballet du Grand Démogorgon (1633), entre outros.
  • 31
    Comparações do balé ao teatro na mesma estrutura analógica do dito de Horácio são recorrentes nos escritos seiscentistas. Tanto Saint-Hubert (1993, p. 16)SAINT-HUBERT, Nicolas de. La manière de composer et faire réussir les Ballets (1641). Genebra: Éditions Minkoff, 1993. quanto o abade de Marolles (1755, p. 113)MAROLLES, Michel de. Mémoires de Michel de Marolles, abbé de Villeloin (1657). 3 vol. Amsterdam, 1755. caracterizam o balé como “[...] comédia muda”, e também De Pure o define como “[...] representação muda, em que os gestos e movimentos significam aquilo que se poderia exprimir pelas palavras” (De Pure, 1972, p. 210DE PURE, Michel. Idée des spectacles anciens et nouveaux (1668). Genebra: Éditions Minkoff, 1972.).
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    A unidade essencial que compõe a estrutura dos balés é a entrée, ou entrada. A quantidade de entradas pode variar bastante, de modo que um balé grandioso e engenhoso deveria ter maior número e variedade de entradas. Em alguns balés as entradas são divididas em partes, embora isso não seja uma regra. A partir de meados do XVII, os libretos começam a distribuir as entradas em atos. Essa prática coincide com o momento de reorientação do gênero em direção à comédie-ballet de Lully, Benserade e Molière, quando o balé começa a ser preceituado sob as regras e formas da comédia.
  • Este texto inédito também se encontra publicado em inglês neste número do periódico.

Referências

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Editado por

Editores responsáveis: Arnaldo de Siqueira Junior, Cassia Navas, Gilberto Icle, Henrique Rochelle

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Set 2021
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    30 Abr 2021
  • Aceito
    11 Ago 2021
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