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A Microscopicopolítica e o Imarginar nos Rituais Íntimos Partilháveis do Projeto CPP_Implicações

RESUMO

Como sobreviver ao fim de um modelo de mundo? Arriscamos dizer: abrindo espaço para que outros mundos se estabeleçam e segurando este céu com a invenção de uma dança possível ao corpo que se é. Perante um contexto pandêmico e necropolítico, performamos coletivamente e inventamos nossos rituais via plataformas de videoconferência em ações fronteiriças do projeto Corpo, performance e o político em implicação (CPP_Implicações). Em uma investigação artística com influência de autores como Airton Krenak, Davi Kopenawa, Erin Manning, Baruch Spinoza, Jane Bennett e Eduardo Viveiros de Castro, fecundamos cartograficamente dois termos: microscopicopolítica e ato de imarginar.

Palavras-chave:
Dança; Performance; Investigação em Arte; Corpo-Mundo

ABSTRACT

How to survive the end of a world model? We could say: by opening up space so other worlds may be established, and by holding up the sky through the invention of a dance that is possible for the body that there is. In a pandemic and necropolitical context, we collectively perform and invent our rituals through video conferencing platforms in bordering actions from the project named Body, performance and the political in implication (CPP_Implications). In an artistic investigation influenced by authors such as Airton Krenan, Davi Kopenawa, Erin Manning, Baruch Spinoza, Jane Bennet and Eduardo Viveiros de Castro we cartographically coined two terms: microscopicpolitics and the act of imargination.

Keywords:
Dance; Performance; Artistic Investigation; Body-World

RÉSUMÉ

Comment survivre à la fin d’un modèle du monde? Nous osons dire: en ouvrant d’espace pour que d’autres mondes s’installent et en soutenant le ciel avec l’invention d’une danse possible au corps qu’il y a. Devant un contexte pandémique et nécropolitique nous inventons nos rituels et nous performons collectivement sur des applications de vidéoconférence les actions limitrophes du projet Corps, performance et le politique en implication (CPP_Implicações). Dans une investigation artistique influencée par des auteurs comme Airton Krenak, Davi Kopenawa, Erin Manning, Baruch Spinoza, Jane Bennet et Eduardo Viveiros de Castro nous fécondons cartographiquement deux termes: microscopique-politique et l’action d’imargener.

Mots-clés:
Danse; Performance; Investigation en Arts; Corps-Monde

Introdução

O que resta a uma população urbana, imersa na dinâmica capitalista, que vive a iminência do fim do seu modelo de mundo? Perante o testemunho de inúmeras mortes deliberadas, do acompanhamento das crises política, econômica e sanitária no Brasil e conscientes da crise ecológica mundial, seria possível mobilizar outra noção de mundo e encontrar uma dança que segure este céu? Esses são alguns dos questionamentos que frequentamos no processo inventivo dos Rituais íntimos partilháveis do projeto de extensão Corpo, performance e o político em implicação (CPP_Implicações) do curso de Bacharelado e Licenciatura em Dança da Universidade Estadual do Paraná (UNESPAR).

Mediadas (os)1 1 Proponho a inflexão no feminino antes do masculino como um posicionamento - como corpo mulher subalternizado -, em provocação dos modos habituais de escrita acadêmica que denotam a reiteração de uma dinâmica que suprime o espaço da existência das mulheres. A base para essa posição está nas leituras de mulheres como Gayatri Chakravorty Spivak (2010). Em alguns trechos também se observará a inclusão da inflexão de gênero neutro com o propósito de evidenciar a ideia de multiplicidade. por plataformas de comunicação virtual, articulamos uma possibilidade de invenção de rituais performativos em salas de videoconferência acolhendo as suspensões que o próprio contexto restritivo, e de atentado contra a vida, tem produzido em nós. Ao considerar os atravessamentos de um cenário pandêmico e extremamente conturbado, perguntamo-nos: como sustentar um processo investigativo nas artes da presença que evidencie o pulsar da vida em suas diferentes manifestações? Este relato apresenta uma parte dessa investigação cujo recorte data do ano de 2020, quando fomos impelidas (os) ao redimensionamento perceptivo de uma ideia de vida, de ambiente e de nossas forças, o que também carregou um convite ao desvio da grandiloquência. Desde então, microscopicopoliticamente e em ato de imarginar, buscamos nos sintonizar com aquilo que está para além de nós investindo nas potencialidades dos corpos, dos encontros, tendo latente a ideia de inseparabilidade entre o mundo, que é um corpo vivo, e o corpo, que é um mundo vivo.

Nessa investigação, que envolve a intersecção entre dança e performance e a discussão da relação intrínseca entre arte e vida, o desenvolvimento de proposições/provocações de performance e de encontros virtuais para se performar coletivamente a inseparabilidade do corpo com o meio é o que caracteriza o processo. Este relato se volta mais aos aspectos que engendram a criação e partilha das proposições/provocações de performance, do que à discussão das performances desenvolvidas coletivamente. Ele revela alguns fatores que impulsionam o gesto de provocar-acionar performances e os elementos conceituais que alimentam o percurso.

O objetivo desta escrita é o de perscrutar uma experiência situada de criação em arte em consideração aos modos de se fazer e circunscrever a prática. É no traço de um percurso metodológico cartográfico (Passos; Kastrup, 2013PASSOS, Eduardo; KASTRUP, Virgínia. Cartografar é traçar um plano comum. Fractal: Revista de Psicologia, Niterói, v. 25, n. 2, p. 263-280, maio/ago. 2013. Disponível em: <http://www.uff.br/periodicoshumanas/index.php/Fractal/article/view/1109/870>. Acesso em: 31 jan. 2021.
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) que esta escrita se desenvolve: na ressonância de questões que surgem, antes, no corpo. Longe de uma lógica cartográfica colonizadora, que opera pelo demarcar e pelo já saber, a operação circunscritiva que se dá aqui investe no não saber, evidenciando um foco nas emergências dos encontros e algumas questões que deles se desdobram. Por esse motivo, a incursão se dá mais pelo aspecto narrativo, de partilha de processo, e menos pela apresentação e discussão a partir de outras referências do campo da arte. A metodologia aqui explicitada ressoa as provocações da orientação vivencial-corporal do processo. Considera seus relevos, reentrâncias e mesmo os desvios, pois é no desvio do já sabido que outros caminhos cognitivos podem se desenvolver.

Com base na discussão sobre uma cognição inventiva, Virgínia Kastrup (2015)KASTRUP, Virgínia. Cognição inventiva, arte e corpo. In: COSTA, Ana Maria Rodrigues et al. (org.). ABRACE - Arte, corpo e pesquisa na cena: experiência expandida. 1. ed. Belo Horizonte: ABRACE/Ed. O lutador, 2015. P. 71-83. afirma a arte como potencial provocadora de suspensões no regime de atenção habitual. O processo de criação aqui partilhado se dá em atenção a isso, carrega um caráter de convite a experiências menos dadas ao hábito - mesmo passando por ele - na investigação de outras relações possíveis do corpo na composição com o ambiente. A ideia de que os corpos se constituem na relação metaestável com o meio (Simondon, 2003SIMONDON, Gilbert. A gênese do indivíduo. In: PELBART, Peter Pál; COSTA, Rogério da (org.). Cadernos de Subjetividade: o reencantamento do concreto. Tradução de Ivana Medeiros. São Paulo: Hucitec, 2003. P. 97-117.) está muito presente na criação das proposições/provocações em performance aqui mencionadas. Seus procedimentos são articulados em uma aproximação com as falas e registros escritos de Airton Krenak (2015KRENAK, Airton. Encontros. Rio de Janeiro: Azougue, 2015. Disponível em: <https://issuu.com/pensamentobrasileiro_revista/docs/encontros_ailton_krenak_azougue>. Acesso em 05 jan. 2021.
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; 2016KRENAK, Ailton. As alianças afetivas. (Entrevista a Pedro Cesarino). Incerteza Viva: Dias de estudo, São Paulo, p. 169-184, 2016.; 2019)KRENAK, Ailton. Ideias para adiar o fim do mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 2019. e Davi Kopenawa (Kopenawa; Albert, 2015aKOPENAWA, Davi Yanomami; ALBERT Bruce. Devir outro. In: KOPENAWA, Davi Yanomami; ALBERT Bruce. A queda do céu: palavras de um xamã Yanomami. Tradução de Beatriz-Perrone Moisés. São Paulo: Companhia das Letras, 2015a. P. 69-193.; 2015bKOPENAWA, Davi Yanomami; ALBERT Bruce. A queda do céu. In: KOPENAWA, Davi Yanomami; ALBERT Bruce. A queda do céu: palavras de um xamã Yanomami. Tradução de Beatriz-Perrone Moisés. São Paulo: Companhia das Letras, 2015b. P. 375-488.) lanunciam o fim do mundo e contam sobre os movimentos de sua dança para segurar o céu. Diante da percepção da falência de uma ideia de superioridade do humano, resta-nos questionar em arte, e como corpos urbanos, que dança nos é possível e qual céu segurar.

O intuito de dar vazão a uma possível dança de celebração do fim de um mundo específico - protagonizado pelos homens brancos e seus ideais - e o desejo de instaurar outras possibilidades de mundo mobilizaram a invenção de dois termos poéticos que sustentam a prática: microscopicopolítica e ato de imarginar. Essa articulação viva, aberta às reformulações em experimentação das possibilidades do corpo, também se alimenta da proposta de gesto menor de Erin Manning (2016MANNING, Erin. The minor gesture. Durham: Duke University Press, 2016.; 2019)MANNING, Erin. Proposições para um movimento menor. Moringa Artes do Espetáculo, João Pessoa, v. 10, n. 2, p. 11-24, jun./dez. 2019. Disponível em: <https://doi.org/10.22478/ufpb.2177-8841.2019v10n2.49811>. Acesso em: 12 out. 2019.
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, da teoria dos afetos de Baruch Spinoza (2009SPINOZA, Benedictus de. Ética (1677). Tradução de Tomaz Tadeu. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2009. [1677]); da atenção à vibração das coisas em provocações de Jane Bennett (2010)BENNETT, Jane. Vibrant Matter: A Political Ecology of Things. Durham: Duke University Press, 2010. e do perspectivismo ameríndio discutido por Eduardo Viveiros de Castro (2002VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. Perspectivismo e multinaturalismo na América indígena. In: VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. A inconstância da alma selvagem, e outros ensaios de antropologia. São Paulo: Cosac Naify, 2002. P. 345-400.; 2017)VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. Os Involuntários da Pátria. Reprodução de Aula pública realizada durante o ato Abril Indígena, Cinelândia, Rio de Janeiro 20/04/2016. ARACÊ - Direitos Humanos em Revista, São Paulo, ano 4, n. 5, p. 187-193, fev. 2017..

No tópico: Corpo, performance e o político em implicação há uma apresentação do projeto, seus modos de funcionamento e a exposição dos procedimentos desenvolvidos na articulação dos encontros virtuais. Nos tópicos: Uma investigação situada; Digressão; e Retomada, a apresentação do processo desenvolvido durante o ano de 2020 discute uma relação mais localizada entre as experiências vivenciadas no projeto e os alastramentos do contexto pandêmico mundial, destacando-se a efetivação de uma política de morte. Nesse trecho se levanta a hipótese de que o mover - em acionamento e mapeamento sensível das potencialidades do corpo - em sua relação com as vibrações de existências microscópicas, quase invisíveis, pode ser um modo de busca pelos afetos alegres que aumentam a potência de agir e, consequentemente, a de viver (Spinoza, 2009SPINOZA, Benedictus de. Ética (1677). Tradução de Tomaz Tadeu. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2009. [1677]).

Nos tópicos: Microscopicopolítica, uma invenção-manifesto e Imarginar, um modo-invenção, se amplia a discussão dos termos microscopicopolítica e imarginar que são os motores poéticos para as proposições/provocações desenvolvidas nesse projeto. Microscopicopolítica é um termo inventado como um convite a atenção à grandeza e potencial de incidência das forças e existências quase invisíveis (ou visíveis de acordo com as condições perceptivas). Essa proposta tem como base a assunção da potência ingovernável de variação dos corpos, o que se dá no âmbito do menor, até microscópico, mas que também tem ressonância em uma dimensão mais ampliada e que compreende o aspecto político dessa mobilidade. Imarginar é outro neologismo emergente nesse processo, que reúne o ato de imaginar, abordado como possibilidade de criação de imagens, e as potências ingovernáveis engendradas no ato de se operar pelas bordas.

No tópico Considerações, destaca-se a possibilidade de um processo de investigação artística se pautar por uma cartografia sensível, ou seja, por um mapeamento das manifestações mais sutis das potencialidades dos corpos de modo situado. A busca por se ampliar e refinar a percepção para as vibrações, as propriedades e possibilidades das diferentes existências - as humanas e não humanas que compõem o ambiente e que nos compõem -, é um convite expresso.

Corpo, Performance e o Político em Implicação

Corpo, performance e o político em implicação (CPP_Implicações) é um projeto de extensão que se volta à investigação artística em processos de criação em dança e performance buscando evidenciar as conexões entre corpo e contexto coletivo. Um dos seus modos de funcionamento se pauta na discussão, invenção e exercício de composições em consideração aos aspectos éticos, estéticos e políticos, colocando em perspectiva a dimensão do convívio, a produção de subjetividade e os modos de se pensar/fazer arte.

CPP_Implicações é coordenado por mim, mas acontece em interlocução com várias outras artistas pesquisadoras, como as das professoras pesquisadoras Michele Schiocchet e Nara Cálipo; das pesquisadoras Zélia Caetano; Juliana Liconti; Paloma Bianchi; Maeza Donnianni; e das discentes Joanes Pedro Barauna (João Pedro Barauna) e Korpa Enkantada (Karlos Augusto). O projeto tem esse nome desde o ano de 2019, com a sua instauração na UNESPAR, mas as pesquisas que o direcionam antecedem a ele, pois dialoga com as investigações artísticas realizadas no coletivo Mapas e Hipertextos. A investigação e o desenvolvimento de profanações em rituais inventivos de performance têm acontecido desde o ano de 2017 entre artistas desse coletivo, que também atuam no projeto CPP_Implicações2 2 Em um processo anterior a esse, Michele Schiocchet, Paloma Bianchi e eu, pesquisamos algumas referências e mobilizamos rituais distintos no coletivo Mapas e Hipertextos <https://mapasehipertextos.wordpress.com/>. Chegamos a acessar escritos mais relacionados a campo dos rituais sagrados, passamos por manuais de bruxaria, por escritos de Carlos Castaneda, Alejandro Jodorowsky e nos demos conta de que estávamos operando mais no âmbito da profanação, do modo como Agamben (2007) se refere. .

É por proposições/provocações e pela realização de encontros performativos que o processo se desenrola nesse projeto. Os encontros ocorrem semanalmente em plataforma de videochamadas, mas a comunicação também se dá por e-mail e por aplicativo de comunicação virtual. Para participações frequentes da comunidade acadêmica e externa, há a abertura de inscrições no início de cada semestre. Para participações pontuais - em encontros abertos que ocorrem geralmente aos sábados - as pessoas interessadas se inscrevem com antecedência de um dia. É uma atividade voltada a toda a comunidade e não há pré-requisitos além da disponibilidade e da possibilidade de comunicação pela internet. No dia do encontro, o grupo recebe uma mensagem de texto contendo uma proposição/provocação de performance a ser mobilizada coletivamente, e um trecho de algum texto relacionado às questões discutidas no projeto, como se pode observar no exemplo a seguir3 3 Neste link é possível acessar um arquivo com um compilado das proposições/provocações encaminhadas durante o ano de 2020: <https://drive.google.com/file/d/1OvlZbntSetkvNO1MagRmpDg82SsH1lsX/view?usp=sharing>. (Figura 1):

Figura 1
Print de mensagem enviada no dia 22 jul. 2020 com proposição/provocação de performance.

Em relação à sistemática dos encontros virtuais, estes são divididos em três momentos, com duração de quarenta minutos cada, passando pela apresentação da proposta, pelo acionamento da performance coletiva e pelo mapeamento e partilha de impressões a partir do vivido. Todos os encontros têm registro gravado gerando um grande acervo videográfico que é partilhado com as (os) participantes4 4 Nestes links é possível acessar um compilado de imagens realizado por Michele Schiocchet: <https://www.youtube.com/watch?v=FIJyR03T938>; <https://www.youtube.com/watch?v=S_1KKq_qM2A>. . Algumas imagens da experiência são publicadas nas redes sociais como modo de ampliar a divulgação5 5 Página disponível em: <https://www.instagram.com/projeto_cpp_implicacoes/>. Acesso em: 02 maio 2021. .

Incialmente, a feitura das proposições tinha referência em materiais como o livro Grape Fruit (2008/2009) de Yoko Ono (2009)ONO, Yoko. O Livro de Instruções + desenhos. Tradução de Giovanna Viana Martins e Mariana de Matos Moreira Barbosa. Belo Horizonte: FAPEMIG/UEMG, 2009., as iniciativas do grupo Fluxus6 6 Para mais informações, consultar: <http://www.fluxus.org/>. Acesso em: 01 maio 2021. e na ideia de programa performativo como propõe a artista pesquisadora Eleonora Fabião (2013FABIÃO, Eleonora. Programa performativo: o corpo-em-experiência. ILINIX - Revista do Lume, Campinas, n. 4, p. 1-11, dez. 2013. Disponível em: <https://gongo.nics.unicamp.br/revistadigital/index.php/lume/article/viewFile/276/256>. Acesso em: 31 jan. 2021.
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; 2015)FABIÃO, Eleonora. Ações. Rio de Janeiro: Rumus - Itaú Cultural, 2015.. Com o andamento do processo e diante de seu caráter situado, as proposições ganharam uma singularidade mais condizente com procedimentos no campo da dança. Seu foco se mantém no convite ao movimento corporal, no redimensionamento da atenção ao corpo no/com o ambiente, e na intenção de refazer constantemente a pergunta que tem base na Ética de Spinoza (2009SPINOZA, Benedictus de. Ética (1677). Tradução de Tomaz Tadeu. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2009. [1677]): o que pode o corpo? (Duenha, 2019DUENHA, Milene Lopes. O que pode o corpo, ninguém sabe. 2019. Tese (Doutorado em Teatro) - Centro de Artes, Universidade do Estado de Santa Catarina, Florianópolis, 2019.).

Thaise Nardim (2020)NARDIM, Thaise Luciane. Rabiscar língua com cacos de floresta: escrever e performar em pesquisa-docência. Palmas: EDUFT, 2020., ao trazer uma abordagem da performance e do uso da linguagem escrita, salienta a ideia de texto como força, como desvio da palavra de ordem, com potencial de desprogramar o corpo. Nardim (2020, p. 58)NARDIM, Thaise Luciane. Rabiscar língua com cacos de floresta: escrever e performar em pesquisa-docência. Palmas: EDUFT, 2020. propõe a relação com a escrita como um exercício de um “texto-força” capaz de ser vivido na carne, cujas rotas são abertas e efeito de operações incessantes. Retroativamente, é possível pensar uma tentativa de abrir espaço a diferentes operações na escrita das proposições/provocações do projeto CPP_Implicações, contudo, elas se mantêm antes como convite a se produzir um movimento-força, uma operação que se efetiva no corpo em atenção e desdobramento performativo de seus afetos. A escrita e proposições de Nardim (2020NARDIM, Thaise Luciane. Rabiscar língua com cacos de floresta: escrever e performar em pesquisa-docência. Palmas: EDUFT, 2020.; 2021)NARDIM, Thaise. Circunscrevendo as pequenas performances para isolados. Manzuá: Revista de Pesquisa em Artes Cênicas, Natal, v. 3, n. 2, p. 262-278, 10 jan. 2021. Disponível em: <https://periodicos.ufrn.br/manzua/article/view/23263>. Acesso em: 26 abr. 2021.
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repercutem no modo de abordagem atribuído à composição das performances no projeto CPP_Implicações, porém, com uma via bastante embasada na vivência pelo movimento: em uma aposta no mapeamento sensível, que se dá desde a composição corporal (pele, ossos, músculos, células, etecetera), até a evidenciação de suas potencialidades de produção poética em atenção a ecologia macro e microscópica que compõe. O que fazemos no campo da performance se coloca como relação, sempre a retomar, de composição no/com o ambiente.

Durante o primeiro semestre, em ressonância às Ideias para adiar o fim do mundo de Krenak (2019)KRENAK, Ailton. Ideias para adiar o fim do mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 2019. e à necessidade de encontrar modos de sobrevivência perante o contexto pandêmico e de crise sociopolítica, os encontros performativos foram nomeados como: Rituais íntimos partilháveis para sobreviver, por mais um dia, ao fim do mundo (Figura 2 e 3). Depois de alguns meses em processo, esse nome pareceu um tanto contraditório pelo fato de sermos, em maioria, pessoas brancas, urbanas, relativamente distantes da cosmovisão ameríndia. Diante de uma cultura antropocêntrica em um sistema capitalista, manter esse nome parecia pleitear a sobrevivência do humano e de um grupo específico de humanos, como privilegiados. Na escrita de Krenak (2019)KRENAK, Ailton. Ideias para adiar o fim do mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 2019. há uma noção muito mais integrada entre humanos e não humanos. Seu posicionamento incisivo em relação ao sistema capitalista que consome a terra, que muda o lugar da montanha, como ele mesmo denuncia, oferece-nos pistas sobre o mundo precisar findar e qual céu podemos segurar com nossa dança inventada. No segundo semestre, diante do percurso vivido, os encontros ganharam outro nome: Rituais íntimos partilháveis para a invenção de outros corpos e tempos, o que sintonizava com aquilo que havíamos vivenciado até então e anunciava ao que nos dedicaríamos na sequência.

Figura 2
Print de vídeo das performances coletivas realizadas no encontro dos Rituais íntimos partilháveis no dia 15 jul. 2020.

Figura 3
Print de vídeo das performances coletivas realizadas no encontro dos Rituais íntimos partilháveis no dia 22 jul. 2020.

Apropriamo-nos do termo ritual a partir do seu uso como prática, como encontro e como reunião de várias ações. Apesar de movermos um campo de intencionalidades, que nos parece ultrapassar a dimensão de uma fisicalidade mais expressa, nossos rituais profanos se mantêm como encontros de acionamentos em arte. É importante mencionar que não consideramos o que fazemos como ensaio, nem como apresentação. Tem caráter de encontro no qual todas e todos são performers. Essa é uma postura perante uma reiteração da divisão entre público e artista que toma o público como passivo, receptor de informações e as (os) artistas como movedoras (es) performers que apresentam a dança, a mensagem. A proposta é a de vivermos uma dinâmica que dilua um pouco essas fronteiras em favor de uma implicação mais manifesta. A concomitância dos acontecimentos da vida não nos permite somente o lugar de observadoras (es) impávidas (os). Fazemos um convite bastante explícito: quem entra na chamada performa junto, em relação com o que acontece nas demais telas, em co-operação. As proposições/provocações são um convite à performance coletiva simultânea como uma ação marginal de produção de outras imagens de mundo. Convida à mobilização de um mundo microscópico dentro do espaço da casa, que parte do corpo e se expande no ambiente virtual. São também um modo de convocar o corpo a se fazer trans, nos muitos sentidos (de vetor) que esse prefixo pode suportar: transformadas (es, os), transtornadas (es, os), transmutadas (es, os), transvestidas (es, os), transviadas (es, os). Enfim, mudar algo, desde o mínimo, o íntimo, o microscópico, tidos como imperceptíveis à primeira vista.

Uma Investigação Situada

O processo investigativo no CPP_Implicações segue uma rota que envolve o contexto e o corpo em contexto. Diante do desejo de manutenção da pesquisa de criação em arte em uma constante inter-relação entre a criação artística e o mapeamento de acontecimentos do cotidiano de modo mais amplo, questões que dizem de aspectos sociopolíticos e questões mais vinculadas à política institucional brasileira são trazidas para o processo com frequência. As proposições/provocações são desenvolvidas sempre em ressonância com o vivido em cada encontro anterior e em consideração às questões contextuais, principalmente as que ganham relevo nos meios de comunicação.

Alguns impulsos para o desenvolvimento das proposições/provocações e das performances durante o ano de 2020 eram dados pelas circunstâncias políticas e pelas sensações de sermos grandemente afetadas (os) nesse contexto. Sensações de incapacidade e de paralisia foram recorrentes nas inúmeras discussões que tivemos. Sentíamo-nos, com frequência, imobilizadas (os) diante do crescente terremoto político-institucional pelo qual este país tem passado7 7 Mais marcadamente desde o ano de 2013 com o fomento de uma suspeita de fraude nas eleições presidenciais, as consequências mais evidenciadas a partir do processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff no ano de 2016 e as eleições presidenciais do ano de 2018, que culmina em uma gestão catastrófica. . A essas condições se soma a tragédia comum ao mundo todo: a pandemia de COVID-19, que também nos tomou qualquer ilusão de ação direta e estritamente individual. Obviamente, as questões evidenciadas na pandemia e a problemática sociopolítica não se reduzem a acontecimentos de um país, mas nos detivemos àquilo que se fazia mais presente em nós: as sensações de viver na carne um projeto de mundo com base no extrativismo, na violência, no sadismo e no escárnio. Nossos corpos seguiam (e ainda seguem) afetados pela evidente negligência em relação às questões ambientais com a exploração irresponsável dos recursos do planeta, o exponencial desmatamento na Amazônia, as notícias sobre o alastramento do pensamento fascista, do negacionismo e do conservadorismo. Vivemos o exercício deliberado de uma política de extermínio de grupos diversos, as chamadas minorias. Qual o tamanho de nosso gesto diante de tais acontecimentos?

Foucault (2008)FOUCAULT, Michel. Nascimento da biopolítica: curso dado no Collège de France (1978-1979). São Paulo: Martins Fontes, 2008. afirma que a dinâmica biopolítica não se dá em demarcação explícita dos corpos que são opressores e dos corpos sujeitos a opressão, para ele, há uma operação sistêmica incorporada na estrutura social e cultural que pode nos levar a operar em uma ou outra dinâmica e em instâncias diversas. Porém, há um uso do poder que se liga a aspectos socioculturais entranhados que delimitam o poder sobre a vida, o biopoder tratado por Foucault (1984)FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. 4. ed. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1984., a partir do qual Achile Mbembe (2016)MBEMBE, Achille. Necropolítica. Tradução: Renata Santini. Arte & Ensaios, Rio de Janeiro, n. 32, p. 122-151, dez. 2016. propõe uma abordagem como necropolítica. Mbembe (2016)MBEMBE, Achille. Necropolítica. Tradução: Renata Santini. Arte & Ensaios, Rio de Janeiro, n. 32, p. 122-151, dez. 2016. trata a questão do racismo e da escravidão com base na ideia de biopoder foucaultiana. Ele discute a soberania calcada no poder de ditar quem vive e quem morre, questionando o que alimenta a ideia de poder de vida e de morte sobre outro corpo. Dentre os fatores apontados por esse autor, está a criação ficcional do que é tido como o inimigo e a vigência de uma espécie de seleção com base no aspecto biológico. Viver e criar outras alianças afetivas (Krenak, 2016KRENAK, Ailton. As alianças afetivas. (Entrevista a Pedro Cesarino). Incerteza Viva: Dias de estudo, São Paulo, p. 169-184, 2016.) em condições tão demarcadas, mostra-se como afronta a essa dinâmica de controle sobre os corpos.

Como seguir pesquisando arte em estado catatônico? Pesquisando também esse estado e movendo o que é possível. Se não podemos atuar pontualmente nas questões coletivas - as que se referem à dinâmica político-institucional brasileira diante da crise cultural que vivemos, ou mesmo às questões mundiais -, cabe a nós, como artistas, apostar na dimensão do íntimo, na dimensão microscópica de afetação do (e no) corpo, como presença no mundo. Talvez, apostar no movimento e em uma ideia de regeneração do tipo que garante, primeiro, uma base de apoio para os corpos em tentativa de sobrevivência em meio às mortes programadas pelo sistema necropolítico (Mbembe, 2016MBEMBE, Achille. Necropolítica. Tradução: Renata Santini. Arte & Ensaios, Rio de Janeiro, n. 32, p. 122-151, dez. 2016.).

A partir da ideia de biopolítica foucaultiana, do seu entendimento como prática cultural que produz o que é experimentado como natural (Bennett, 2010BENNETT, Jane. Vibrant Matter: A Political Ecology of Things. Durham: Duke University Press, 2010.); a partir do contato com o perspectivismo ameríndio e todo o questionamento de uma cultura de cisão entre humanos e não humanos (Viveiros de Castro, 2002VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. Perspectivismo e multinaturalismo na América indígena. In: VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. A inconstância da alma selvagem, e outros ensaios de antropologia. São Paulo: Cosac Naify, 2002. P. 345-400.); do convite à atenção às forças invisíveis, ao humor dos ventos e das árvores (Krenak, 2015KRENAK, Airton. Encontros. Rio de Janeiro: Azougue, 2015. Disponível em: <https://issuu.com/pensamentobrasileiro_revista/docs/encontros_ailton_krenak_azougue>. Acesso em 05 jan. 2021.
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; Kopenawa; Albert 2015aKOPENAWA, Davi Yanomami; ALBERT Bruce. Devir outro. In: KOPENAWA, Davi Yanomami; ALBERT Bruce. A queda do céu: palavras de um xamã Yanomami. Tradução de Beatriz-Perrone Moisés. São Paulo: Companhia das Letras, 2015a. P. 69-193.; 2015b), fomos convocadas (os) nessa investigação em arte a redimensionar nossa atenção, nossos gestos e a ideia de suas ressonâncias no ambiente. Foi possível compreender que o modo de operação da nossa prática se dá na assunção das forças macroscópicas e microscópicas que incidem no mundo, inclusive as nossas que, assim como um vírus, pode fazer viver ou morrer em dimensões inimagináveis.

Diante disso, e talvez como um impulso desafiador da morte, surgiu-me o pensamento de que nossa prática era mobilizada por uma microscopicopolítica que passa tanto pelo reconhecimento de que nos relacionamos o tempo todo com outras existências microscópicas, quanto pela ideia de que também se trata de uma dinâmica política que se dá em algumas instâncias. Política aqui compreendida em dois aspectos a partir da discussão evocada por Latour (2004)LATOUR, Bruno. Políticas da Natureza: como fazer ciência na democracia. Tradução de Carlos Aurelio Mota de Souza. Bauru: EDUSC, 2004.: como dinâmica que deflagra os modos pelos quais as relações entre humanos e não humanos se dão; e como movimento que interfere na vida coletiva entre humanos, considerando os aspectos de dissonância. Um vírus, altamente contagioso, é estudado pela sua dinâmica de relações: com o que compõe; com o que decompõe; qual a velocidade; quais os fatores ambientais que o fazem perseverar na existência e quais não. A existência de um vírus grandemente interferente nas vidas humanas também determina a política de relações da dinâmica coletiva, transformando-a.

Digressão

Ao pensar sobre o quanto somos inseparáveis do ambiente - naquilo que também se evidencia na teoria da individuação de Simondon (2003)SIMONDON, Gilbert. A gênese do indivíduo. In: PELBART, Peter Pál; COSTA, Rogério da (org.). Cadernos de Subjetividade: o reencantamento do concreto. Tradução de Ivana Medeiros. São Paulo: Hucitec, 2003. P. 97-117. que convida à compreensão de que o um é sempre mais que um por se fazer em constante movimento de coengendramento com o meio -; ao imaginar a quantidade incontável de microorganismos presentes no ar - e que aspiramos, deixando-os fazer parte de nós voluntária ou involuntariamente -, foi possível figurar, para a composição dessa prática, que o invisível, ou quase invisível, é constantemente mobilizado em nós, por nós, e que isso se refere à potência de existir dos corpos humanos e não humanos. Essa operação nem sempre se dá por uma via principal, mas pela margem, em movimento quase inapreensível, que deixa pistas a partir das consequências que faz emergir.

Se o corpo existe em relação constante com outros corpos, como nos traz Spinoza (2009SPINOZA, Benedictus de. Ética (1677). Tradução de Tomaz Tadeu. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2009. [1677]) em sua teoria dos afetos; se o ambiente é configurado e reconfigurado por aquilo que é humano e não humano; e se nossas relações com o mundo são predominantemente pautadas por um modo perceptivo que considera aquilo que é tido como visível e animado (Bennett, 2010BENNETT, Jane. Vibrant Matter: A Political Ecology of Things. Durham: Duke University Press, 2010.), outro regime perceptivo seria convocado para nos darmos conta de forças mais sutis em operação no ambiente. Em abordagem sobre a potência de existir dos corpos, Spinoza (2009SPINOZA, Benedictus de. Ética (1677). Tradução de Tomaz Tadeu. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2009. [1677]) afirma que há uma tendência natural a se perseverar na vida. Essa tendência, que ele trata por conatus, é elevada ou reduzida diante dos encontros alegres ou tristes. Para ele, o conhecimento dos afetos é que leva o corpo à busca pelos afetos alegres. Os afetos alegres ou tristes podem, por sua vez, emergir dos encontros mais diversos e incontroláveis, mas a atenção à possibilidade de se perceber, em alguma dimensão, o que incorre, oferece-nos meios para diferenciar e refrear os afetos que nos despotencializam. Logicamente não se trata aqui de uma operação menos complexa. De fato, não temos que nos seduzir por uma perspectiva exclusivamente racionalista que permite que nos enganemos sobre a ingovernabilidade dos afetos. Considerando essa complexidade que põe em jogo uma dinâmica incontrolável, como se dar conta dos afetos diante do risco de condicionamento do nosso arsenal perceptivo?8 8 Essa provocação se dá em atenção à discussão trazida por Alva Noë (2004) sobre a percepção ativa. Noë (2004) afirma que perceber é uma forma de agir e não algo que acontece conosco ou em nós, mas algo semelhante ao toque. Segundo esse autor, é por meio do movimento físico e da interação que o mundo se torna disponível a quem o observa e essa capacidade perceptiva também é determinada pelas nossas habilidades corporais, pelo que fazemos ou sabemos fazer. Ao levantar a polêmica de uma percepção limitada, me refiro aos estímulos que vivenciamos e que colaboram com a criação de ferramentas perceptíveis em nós. Os modos de perceber passam pelas dinâmicas que frequentamos. . Seria possível escapar do risco de morte, ou não as antecipar perante forças invisíveis e existências microscópicas?

Em seu livro: Vibrant Matter: A Political Ecology of Things Jane Bennett (2010)BENNETT, Jane. Vibrant Matter: A Political Ecology of Things. Durham: Duke University Press, 2010. anuncia as potências vibrantes de formas de existência tidas como inanimadas, quase invisíveis e até invisíveis. Diante dessa provocação é possível pensar que, se nos relacionamos constantemente com essas existências, se compomos e decompomos com elas, sua vibração pode ser perceptível em alguma medida. Essa percepção se dá possivelmente como corpo afetado, em mapeamento do que lhe ocorre, como ato impreciso de tatear. Aqui se evidencia o convite ao cultivo de outro regime de atenção: cultivar uma noção menos fragmentada e dicotômica das relações que se dão na composição do ambiente. Uma cartografia sensível parece ser um modo de nomear o processo vinculado à vazão de outras possibilidades perceptivas que não somente as habituais. Tais possibilidades se abrem à uma atenção distribuída que recorre aos aspectos sensoriais, às formas como os corpos são afetados e se manifestam.

Qualquer intenção de questionamento dos hábitos passa também pela abertura de fissuras naquilo que está posto. Esse é um convite que se evidencia na discussão evocada por Bennett (2010)BENNETT, Jane. Vibrant Matter: A Political Ecology of Things. Durham: Duke University Press, 2010. que nos desafia a nos sintonizarmos com a vibração das coisas. Talvez, caiba aqui mencionar o que Kastrup (2007)KASTRUP, Virgínia. A invenção de si e do mundo: uma introdução do tempo e do coletivo no estudo da cognição. Belo Horizonte: Autêntica, 2007. discute sobre a cognição inventiva, que tem vazão na suspensão do regime habitual de atenção. Diante de uma surpresa, de algo não conhecido, ou dado como mapeado à cognição, somos capazes de provocar outros caminhos cognitivos. Por não termos uma resposta imediata nos caminhos usuais, inventamos trajetos, fazemos outras conexões.

Retomada

Digressões à parte, ou melhor, expostas, foi possível chegar à conjectura de que a invenção de uma dança capaz de marcar, no corpo, o fim desse mundo e a instauração de outros mundos pode emergir da abertura à percepção para as condições ambientais, do refinamento da atenção à multiplicidade das existências e do reconhecimento das potências de vida em jogo: as nossas; as dos elementos e agentes com os quais nos relacionamos; e as emergentes das circunstâncias. Tudo isso, em atenção a operações de modulação micro e marginal. A leitura das notícias diárias e o ato de trazê-las nas experimentações, inclusive como proposição/provocação de performance, tornou-se recorrente. Como ignorar aquilo que toma o corpo, mesmo em relação a acontecimentos que se dão em contextos mais amplos, aparentemente longe de nosso poder de incidência? Optamos pela possibilidade de mover esses atravessamentos.

Como um corpo em constante processo de coengendramento com o meio (Simondon, 2003SIMONDON, Gilbert. A gênese do indivíduo. In: PELBART, Peter Pál; COSTA, Rogério da (org.). Cadernos de Subjetividade: o reencantamento do concreto. Tradução de Ivana Medeiros. São Paulo: Hucitec, 2003. P. 97-117.), buscamos cavar espaço nos abrindo para algo outro. Não abandonamos ou maquiamos a dor e esses afetos tristes que nos tomam, mas os colocamos em pauta, em movimento. A busca é por transmutá-los de algum modo, mesmo que intimamente, pois o íntimo carrega também uma dimensão de público se relativizarmos esses termos em consideração às suas várias instâncias. Nesse processo, temos em conta uma linha tênue que separa o dentro e o fora, a incidência mútua entre as dimensões do menor e do maior, do eu e do que está para além de mim. Partimos da compreensão de que somos o ambiente, ambiente esse, repleto de uma multiplicidade de existências mínimas que vibram (Bennett, 2010BENNETT, Jane. Vibrant Matter: A Political Ecology of Things. Durham: Duke University Press, 2010.). Sintonizar com essas vibrações se mostra um grande desafio que envolve uma reconfiguração dos modos perceptivos já cooptados pelo hábito. Nossos recursos emergem na frequentação do hábito até que possamos nos desabituar. Ocupamos também o não habitado, o inimaginado, o não linear e o universo aparentemente desconexo do sonho.

Percorremos um processo errante. Seguimos a tatear as pistas emergentes no trajeto-ambiente, no trajeto-corpo. Como dançar o fim do mundo? Como enterrar o que deve e o que não escolheu morrer? Como abrir espaço para outro modo-mundo, outro modo-corpo? Assim, investimos inicialmente em sustentar o corpo, com os pilares tortos que tínhamos: pedaços assimétricos de bambu, nossas ripas de madeira empenada, nossas tralhas materiais e subjetivas. De modo nada controlado e até um tanto caótico, o cuidado de si foi produzindo dobras voltadas para aquilo que se dava para além de si. Buscamos nos atentar mais à conversa de alguns sábios xamãs e representantes dos povos primeiros, estabelecer uma possível aliança (Krenak, 2016KRENAK, Ailton. As alianças afetivas. (Entrevista a Pedro Cesarino). Incerteza Viva: Dias de estudo, São Paulo, p. 169-184, 2016.), do lugar de privilégio (ou não) no qual nos situamos. Trouxemos suas palavras para a performance coletiva e abrimos nossos paraquedas (Krenak, 2019KRENAK, Ailton. Ideias para adiar o fim do mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 2019.), na tentativa de que a escolha fosse pelos coloridos.

Diante de tais presenças (ou seus sinais), rever o modelo de mundo (capitalista, extrativista) em seu ultimato soa como uma convocação. Se a questão mais dura está na falsa noção de cisão, de separabilidade entre corpo humano e o corpo da Terra, o sentido oposto pode ser impulsionado. A partir das proposições/provocações, mobilizamos a noção de inseparabilidade, do modo como possível: inseparabilidade do chão gelado do solo da casa, impróprio para dança, mas próprio para a dança em tempos de fim de mundo; inseparabilidade do sofá no qual se esbarra ao mover, dos apetrechos que fazem parte da decoração da casa, das paredes que confinam o corpo, do ar e dos micro-organismos que penetram nossos corpos, das alterações do entorno. Nos dedicamos ao aprendizado de abrir o paraquedas, a não sucumbir imediatamente, buscando nas potencialidades do corpo em encontro os recursos necessários à sobrevivência. Seguimos em atenção às possibilidades da emergência de outro mundo em nós. Passamos por rituais de despedida; rituais de cura e rituais de instauração, como nomeamos posteriormente em um olhar retrospecto para o vivido. As provocações/acionamentos nesses rituais carregam os seguintes convites:

No ritual de despedida: Experimentar o que o corpo arrasta na trajetória produzida na relação com o espaço; Habitar o sem-sentido/interpretação das coisas e acompanhar as potências emergentes no incompreensível; Cavar as forças a partir do chão; Encontrar outro modo de perceber o que há; Viver o conflito da convivência com o que não se escolhe; Trocar de pele.

No ritual de cura: Mudar as coisas de lugar, inclusive você; Experimentar a dimensão de inseparabilidade entre você e o que existe nesse espaço, dando vazão ao campo imaginário; Olhar, estranhar, entranhar, transmutar; Acionar as potências do corpo para equilibrar-se sobre pedra estreita a enxergar as brechas; Devir; Interromper o curso para fazer emergir outra dança microscopicopolítica; Transmutar a violência; Tornar-se indiscernível.

No ritual de instauração: Experimentar a dimensão onírica da sua existência nesse espaço; Convocar as forças que te renomeiam; Escapar das armadilhas do humano; Mover o mínimo e o íntimo de modo ingovernável; Escapar do pior; Vestir-se do corpo que se quer ser; Metamorfosear a condição de devorade e de devorador; (trans)tornar, (trans)figurar, (trans)parecer; Tatear seu solo, reinventar uma história.

Seguimos nos lançando à deriva, a desdobrar a ideia de ritual. Desde nossas cidades de concreto, nossas casas e apartamentos, a ideia de segurar o céu tem se transformado em um modo de manter vivo nosso potencial inventivo, nossa vitalidade. O fazemos microscopicopoliticamente e pelo ato de imarginar9 9 Na fase atual, no ano de 2021, voltamo-nos ao processamento dos registros e criação de performances para futura partilha em um site interativo. Essa fase adiciona outra camada ao processo que diz da relação entre ato e registro. .

Microscopicopolítica, uma Invenção-Manifesto

Microscopicopolítica, esse termo poético impulsionador dessa prática, é uma provocação ao corpo como um convite a atenção às forças e existências microscópicas, invisíveis ou quase invisíveis. É convite à percepção para um cultivo de outros modos de relação com o que se compreende por menor, em vários sentidos. De acordo com Erin Manning (2016)MANNING, Erin. The minor gesture. Durham: Duke University Press, 2016. em sua abordagem do que chama de gesto menor, a aproximação pelo aspecto do menor não se dá pela compreensão de pequeno, mas por considerar que o menor é um agente singular, dentre tantos outros. Esse agente possui uma chave para a mudança diante de sua potência de variação. Ela se refere a operações menores que estão sempre acontecendo, o que pode orientar os processos por vir, carregando a força de produzir mudanças na dimensão do maior. Sua variação contínua, sua mobilidade e seus ritmos, incapazes de serem controlados por uma estrutura preexistente, é que não permitem sua apreensão. Por outro lado, a selvageria e indeterminação do menor podem criar uma associação à fragilidade e à falta de rigor. Apesar de essas características serem compreendidas como fraqueza, Manning (2016)MANNING, Erin. The minor gesture. Durham: Duke University Press, 2016. ressalta que se trata também de sua força, porque esse fator abre espaço para sua interação com os acordes maiores. Por não habitar o predeterminado, por estar “fora do tempo”, ele “inventa seu próprio pulso” (Manning, 2016MANNING, Erin. The minor gesture. Durham: Duke University Press, 2016., p. 2). Uma abordagem a partir do menor nos convoca a revolver predeterminações, uma vez que essa característica quase inapreensível que sua dinâmica comporta escapa à fixidez e demanda fluxo. Aí reside uma das potências dessa provocação da atenção ao menor, pois, suas intensidades e velocidades não são facilmente governáveis.

Uma política do menor, como propõe Erin Manning (2019)MANNING, Erin. Proposições para um movimento menor. Moringa Artes do Espetáculo, João Pessoa, v. 10, n. 2, p. 11-24, jun./dez. 2019. Disponível em: <https://doi.org/10.22478/ufpb.2177-8841.2019v10n2.49811>. Acesso em: 12 out. 2019.
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, oferece-nos aquilo que soa como provocação aos corpos consonantes com uma ética que afirma a potência de vida. Essa política do menor faz o convite a um redimensionamento e a um direcionamento outro da atenção. Se perguntarmos: qual seria o seu maior gesto menor agora, o mais perceptível em você? Como sua atenção se modula? A dimensão espaço-temporal, a dimensão das coisas, a nossa dimensão como corpo, tudo se transforma. A microscopicopolítica se refere, neste sentido, às dimensões com potencial de variação infinito a partir de uma investigação que questiona os modos habituais de atenção. O reconhecimento de que o humano está longe de um controle absoluto de suas potências, das potências das coisas e das emergências dos encontros pode nos fazer mais atentas (os), e possivelmente mais porosas (os), à complexidade dinâmica das vidas distintas. Tal perspectiva se pauta tanto na inseparabilidade entre o corpo e o ambiente, quanto na sua condição de coengendramento constante, marcando um processo de diferenciação.

Nessa perspectiva é possível afirmar que o corpo é um mundo - com suas dinâmicas em funcionamento sistemático e complexo em modulação constante com o ambiente - e que o mundo é um corpo - também com toda sua complexidade inerente, em processo de transformação constante tendo em conta as (os/es) diferentes agentes em operação, os microscópicos e os macroscópicos -. Mesmo diante de grandes diferenças de intensidades, velocidades, agências, corpo-mundo e mundo-corpo seguem em processo de composição e decomposição, como se observa na teoria dos afetos de Spinoza (2009SPINOZA, Benedictus de. Ética (1677). Tradução de Tomaz Tadeu. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2009. [1677]). Ao redimensionarmos a ideia que temos desse processo, a partir da magnitude do menor, abordagens mais sensíveis às composições e decomposições podem ter vazão: desde o macrocosmo corpo, ao microcosmo mundo, e vice-versa. O movimento, neste contexto, passa por um mergulho em si mesma (o), sem permanecer ensimesmada (o) ou taciturna (o) nesse grande universo que se creditou ao humano. Trata-se do convite a um mergulho nas potencialidades dos encontros e na probabilidade de conexão com a alegria das coisas menores.

Uma ética situada é base da microscopicopolítica. Também uma noção de ética pela qual uma (um) reverbera naquilo que se compreende por muitas (os/es) e vice-versa. Se o corpo é sempre mais que um, como reitera Manning (2015)MANNING, Erin. O QUE MAIS? Interlúdio de “Sempre mais do que um”: a dança da individuação. Tradução de Bianca Scliar. Dança, Salvador, v. 4, n. 2, p. 102-111, jul./dez. 2015. em referência a Gilbert Simondon, porque não mobilizarmos o potencial de multiplicidade, não aceitarmos os deslocamentos que a surpresa do encontro com outros corpos nos oferece? Situadamente nesta pesquisa, tal operação passa por assumir as interferências entre o menor e o maior, suas diferenças de vibração e possibilidades de conexão e desconexão que põe tudo em movimento.

A microscopicopolítica refere-se a uma ecologia das relações na qual o humano não é necessariamente o centro dos acontecimentos e não somente sujeito a eles. As coisas possuem suas agências. Reconhecê-las pode ser um modo de nos sintonizarmos com os actantes que existem para além do humano com suas variadas intensidades, velocidades e dimensões (Bennett, 2010BENNETT, Jane. Vibrant Matter: A Political Ecology of Things. Durham: Duke University Press, 2010.). Trata-se aqui de um modo de operar que perpassa as noções de micropolítica e biopolítica que determinam os modos perceptivos do corpo e, consequentemente, seu modo de relação com o que está para além de si. Trata-se de um convite ao mover que questiona micropolíticas e macropolíticas pelas quais o corpo humano é disciplinado e também disciplina.

Nessa perspectiva, ou nessa inversão de perspectiva, desvia-se da luz que destaca as relações humanas para considerar uma gama infinita de conexões que existem para além de uma reiteração antropocêntrica, de espécie especialíssima que permite, inclusive, o entendimento de outras (os) como coisa a serviço, como algo a ser explorado. Viveiros de Castro (2002)VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. Perspectivismo e multinaturalismo na América indígena. In: VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. A inconstância da alma selvagem, e outros ensaios de antropologia. São Paulo: Cosac Naify, 2002. P. 345-400. é um dos autores que discutem essa ilusão de condição privilegiada do humano em detrimento de outras existências ao tratar do perspectivismo ameríndio. Se a montanha tem humor (Krenak, 2019KRENAK, Ailton. Ideias para adiar o fim do mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 2019.), se é possível chamar a chuva como revela essa cosmovisão, que presença do humano é convocada nessa relação? Certamente uma presença menos cindida.

“Cada ser humano é um composto heterogêneo de matéria totalmente vibrante e perigosamente vibrante [...]”, é o que afirma (Bennett, 2010BENNETT, Jane. Vibrant Matter: A Political Ecology of Things. Durham: Duke University Press, 2010., p. 12, tradução nossa). A hierarquização entre sujeito e objeto ofusca a possibilidade da percepção da vibração das materialidades, que dirá do entendimento de uma ecologia que envolve diferentes modos de existência. Bennett (2010)BENNETT, Jane. Vibrant Matter: A Political Ecology of Things. Durham: Duke University Press, 2010. afirma que há um risco presente no que se chamou de virada ética, confundida com moralizante. Nessa virada ética há foco no humano que pauta a construção de valores, e que, por sua vez, inclui a discussão das questões ambientais. Como tratar de problemas ambientais se há uma manutenção de foco no humano? E ainda, a que padrões de humanidade essa discussão está submetida?

Manning (2016)MANNING, Erin. The minor gesture. Durham: Duke University Press, 2016. questiona uma formulação de sociedade baseada em uma noção de sujeito neurotípico, em referência ao trabalho com autistas, e pleiteia o reconhecimento de uma série de processos cognitivos perceptuais que são negligenciados. Atribui a esses processos outros a atividade em um campo de consciência relacional, que não distingue sujeito e objeto, e por isso é mais atravessado e poroso. Para essa autora, o pensamento coreográfico trataria de um modo de percepção anterior às categorias da experiência que nos acostumamos a descrever por percepção. Essa consciência atravessa sua escrita e prática investigativa em movimento. Ela questiona o neurotípico como o estabelecimento de um pensamento branco que separa, classifica, encaixa. Em alternativa a uma separação branca entre sujeito-objeto: o entendimento de uma ecologia.

A microscopicopolítica ensaia a possibilidade de refinamento da atenção a uma ecologia corpo-mundo em coengendramento. A sua fusão com o termo política, se dá devido ao reconhecimento de que, por mais que se tente escapar de uma reiteração antropocêntrica em favor de noções mais integradas, o humano é agente determinante de muitas transformações no meio em que vive e pelo qual se transforma. A noção de política, como abordada por Latour (2004)LATOUR, Bruno. Políticas da Natureza: como fazer ciência na democracia. Tradução de Carlos Aurelio Mota de Souza. Bauru: EDUSC, 2004., convida-nos a pensar os modos como as relações se dão tendo em conta suas dissonâncias e como produzem reverberações nos âmbitos humano e não humano. Assim, temos também a política trazida no sentido da assunção das reverberações do menor no maior, e vice-versa, do indivíduo no coletivo e vice-versa e em consideração ao modo como essas dinâmicas acontecem.

Neste sentido, atenção a si diz, de certa forma, sobre a atenção ao que está para além de si, ao que é mobilizado a partir da nossa presença e da reverberação dos afetos em nós. Cuidado de si, é cuidado do mundo (Foucault, 2004FOUCAULT, Michel. A ética do cuidado de si como prática da liberdade. In: FOUCAULT, Michel. Ditos & Escritos V: Ética, Sexualidade, Política. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004. P. 264-287.)10 10 Detendo-se nas relações entre humanos e com base na cultura grega, Foucault (2004) aborda essa questão do cuidado de si de modo ampliado, coletivo, ressaltando que, diante da complexidade inerente às relações, o cuidar de si é cuidar dos outros. A essa discussão se acrescenta a prática da liberdade como uma autonomia menos individualista, uma vez que, escravo dos próprios apetites, o humano passa a impor seus desejos e fantasias aos outros. , não como produção de um invólucro que isola o corpo daquilo que é coletivo, mas no ato de assumir as ressonâncias entre os corpos. Aí reside a abertura de espaço no corpo para acolher o que é estranho a ele: o outro. Aí a possibilidade de provocação e instauração de outras dinâmicas perceptuais. Para isso, cabe-nos reconhecer a ecologia que as relações de existência supõem: a operação complexa de coengendramento entre corpos-mundos e mundos-corpos em suas diferentes dimensões.

Imarginar, um Modo-Invenção

Imarginar é outra provocação inventiva que convida a atenção às potências do ato de imaginar e da operação marginal. Imaginar é percebido aqui como possibilidade de produção de imagens das sensações, como mapeamento e mobilização dos afetos no corpo, além de sua acepção mais usual que a relaciona com a imersão ao universo fantástico, produção de imagens como movimento e criação de ambiente11 11 Ao discutir as imagens como acontecimentos que se dão no corpo, Bittencourt (2012, p. 30) recorda a relação imbricada entre a produção de imagem e o ambiente: “[...] as imagens são ações do corpo, pois o cérebro modifica o corpo, que modifica o cérebro, que modifica o ambiente e é por ele modificado”. Sua abordagem com referência nas neurociências não expande a discussão da imaginação como produtora de imagens, porém, ao ampliarmos a criação de imagens vinculada a um universo mais difuso, que tem em conta uma variação inerente aos processos indisciplinados e relativamente ingovernável das conexões neuronais em relação a seus estímulos, é possível dizer que a relação entre o processo de produção de imagem, como corpo, e a imaginação são bastante estreitos. .

Imarginar é convite a se produzir outras realidades em mobilização dos afetos e de um campo de virtualidades. É convite a se acionar a inventividade e tornar presença o inventado. Essa é uma das potências que a operação marginal permite: a cultura da vida em instâncias diversas e desfocadas, circunscrevendo a questão, os afetos, os acontecimentos e encontrando modos de sintonia com a expansão da vitalidade. O ato de margear - como o de acompanhar o curso de um rio - pode acionar outra temporalidade nos corpos, talvez até alguma mais sintonizada com as muitas existências para além do humano. Operar pelas beiradas pode ser um aprendizado sobre refrear o imperativo do protagonismo e produzir outros imaginários do encontro ao negociar com as sinuosidades do caminho e as forças ali presentes. Como corpo em operação de coengendramento, pode fagocitar as forças que se espraiam pelas bordas, ganhar mundo, criar alianças com as demais existências sem que seja possível sua apreensão imediata. A propósito, a margem pode não ser tão pequena como se pensa, a margem pode ocupar quilômetros, estender-se continentalmente, des-marcar territórios nomeados em processo de saque colonizador. Imarginar é se valer do que ladeia e da condição marginal para interrogar os limites. É dar vazão às potencialidades que geralmente desconhecemos que temos. O corpo da margem carrega a revolução em si.

Habitar a margem pode ser um modo de deter a atenção na potência de vibração quase inapreensível do menor, ou em conexão com as palavras de Bennett (2010)BENNETT, Jane. Vibrant Matter: A Political Ecology of Things. Durham: Duke University Press, 2010., na percepção da existência de coisas que, sequer, ganham status de coisa. Essa coisa - um tipo de matéria - pode ser compreendida como algo à margem do que é imediatamente percepcionado, mas tem uma vitalidade incidente nos corpos. Daí um possível mapeamento que passa pela produção de imagens das sensações. Esse habitar pode ser um ato de nadar contra a corrente, pois para Bennett (2010)BENNETT, Jane. Vibrant Matter: A Political Ecology of Things. Durham: Duke University Press, 2010., a imagem de matéria morta ou completamente instrumentalizada alimenta nossas fantasias destruidoras de terra, de conquista e consumo. Ela arrisca dizer que há certo propósito nisso: o de nos impedir de detectar uma gama mais completa de potências não humanas. Essas potências circulam ao redor e dentro de corpos humanos. Bennett (2010)BENNETT, Jane. Vibrant Matter: A Political Ecology of Things. Durham: Duke University Press, 2010. defende que há uma tendência natural para o modo como as coisas são. Afirma ainda que, se nós humanos nos sintonizarmos com uma lógica da turbulência, uma outra postura humana e política pode ter vazão. É habitando a turbulência que o marginal opera, é furando a coreopolícia (Lepecki, 2011LEPECKI, André. Coreopolítica e coreopolícia. Revista Ilha, Florianópolis, v. 13, n. 1, p. 41-60, 2011.) que o marginal instaura outra coreografia urbana. É por uma dinâmica marginal que a arte penetra os corpos.

Como afirma Spinoza (2009SPINOZA, Benedictus de. Ética (1677). Tradução de Tomaz Tadeu. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2009. [1677]), ninguém sabe o que pode o corpo, e na condição de humanos nos dedicamos ao ato de tatear algumas de suas possibilidades. O inventário situado do que pode o humano e o não humano em relação é também abertura ao campo inventivo. Há na proposição do imarginar um convite explícito a se acompanhar as potências que se evidenciam na inseparabilidade entre corpo e ambiente, passando pela percepção de suas (i)limitações e de suas forças. Neste sentido, imarginar se dá como ato mobilizador daquilo que parece quase invisível em si e no mundo, e como modo de produzir imagens outras (im)possíveis. Desde a margem se faz convite à reparagem das agências e emergências entre as grandezas e pequenezas em atuação imparável: as que atuam em nós; as que atuamos; e as que se dão para além de nós, considerando as diferentes manifestações de forças. Enfim, essa prática é um convite ao nosso arsenal perceptivo para que se coloquem a dançar nossas potências microscopicopolíticas.

Considerações

A proposta inicial do projeto CPP_Implicações era abrir espaço para a investigação em dança e performance de modo a problematizar o modelo de sociedade que compomos. Um modo de fazê-lo até então tem sido mobilizar em nós os afetos vividos. Não era uma intenção inicial que esse evento em arte - suas proposições/provocações e a partilha performativa desses afetos - criasse um campo de frequentação em atenção ao mínimo e marginal. Passamos o ano todo de 2020 nos agarrando às telas em busca de manter vivas as microrrevoluções que a dinâmica coletiva planta em nós cotidianamente. Uma delas, podemos afirmar que é a descoberta da possibilidade de transformações íntimas e públicas na vazão de nossas potências. A microscopicopolítica é ativada aí, nessa intensidade sentida, mas de aspecto borrado e sem muita possibilidade de apreensão, que altera algo em nós, algo na impermanência, no vazar dos fluidos e no tocar de nossas feridas. Não sabemos nomear, ou descrever em palavras, mas percebemos intuitivamente e como corpo em aprendizado de ser sensível, que se trata da provocação de nossas forças. Essas forças compõem um universo de outras forças vibrantes como Bennett (2010)BENNETT, Jane. Vibrant Matter: A Political Ecology of Things. Durham: Duke University Press, 2010. nos instiga a reconhecer.

Buscar sintonizar com as vibrações, propriedades e possibilidades das diferentes existências - as humanas e não humanas que compõem o ambiente e que nos compõe -, não se trata de um aprendizado carregado de modos prescritivos. Esse aprendizado está por se inventar e suas pistas não aparecem somente nas vias principais. Talvez, se trate justamente de habitar um lado oposto dos modos já existentes, habitar o não saber, o não ver. Talvez, seja necessário calar um pouco a inquietação narrativa, até o desejo de mapeamento receptivo imediato, da feitura de mapas e seu composto cartográfico limitador. Talvez, trate-se de um aprendizado infinito que se dá nas sutilezas, nas grandezas, nas velocidades e intensidades do menor e do marginal que pode ampliar nosso arsenal perceptivo tão cerceado.

E a arte? A arte tem muito a ver com isso, pois seu campo e seu modo de existência é o sensível. Imarginar é artístico e político, pois faz provocação aos hábitos do perceber. O refinamento da percepção demanda um cultivo da atenção em suas infinitas possibilidades de suspensões (Kastrup, 2007KASTRUP, Virgínia. A invenção de si e do mundo: uma introdução do tempo e do coletivo no estudo da cognição. Belo Horizonte: Autêntica, 2007.). Uma frequentação constante da margem, do impreciso, do não previsto e o ato de fazer imagem do que se mostra como conexão improvável (até impossível) pode se revelar terreno fértil. A experiência em arte pode cavar espaço no aparelho sensório-motor-emocional, pode provocar uma musculatura que se torna mais flexível e com tensão suficiente à medida que é convocada. Nada é garantido, previsível, mas é provável. Modular e redimensionar a atenção a operações menores e marginais pode ser uma vacina antiembrutecimento, antientorpecimento dos sentidos. Como? Em seus processos de incidência e articulação sensível do/no/com o corpo-mundo.

Esse projeto tem se desdobrado como investigação e partilha de modos mais resilientes de se fazer uma arte de resistência em tempos de fim de mundo. Tem vazão no exercício de pôr em movimento as potências diversas, em uma dança microscópica que se dá em conexão sensível com diferentes existências, podendo alcançar o congresso nacional ou outras galáxias, fazer outros mundos. Essa dança demanda uma implicação do corpo no acionamento constante da pergunta: o que pode corpo? E por falar em suas potencialidades, imaginar é uma delas, e imarginar é um modo poético de acioná-las nos convocando política e eticamente a tomar posição, desde o lugar que habitamos, desde o mínimo e infinitesimal que nosso mover representa diante da grandiosidade e da fractalidade do mundo.

Notas

  • 1
    Proponho a inflexão no feminino antes do masculino como um posicionamento - como corpo mulher subalternizado -, em provocação dos modos habituais de escrita acadêmica que denotam a reiteração de uma dinâmica que suprime o espaço da existência das mulheres. A base para essa posição está nas leituras de mulheres como Gayatri Chakravorty Spivak (2010)SPIVAK, Gayatri Chakravorty. Pode o subalterno falar? Tradução de Sandra Regina Goulart Almeida, Marcos Pereira Feitosa e André Pereira. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2010.. Em alguns trechos também se observará a inclusão da inflexão de gênero neutro com o propósito de evidenciar a ideia de multiplicidade.
  • 2
    Em um processo anterior a esse, Michele Schiocchet, Paloma Bianchi e eu, pesquisamos algumas referências e mobilizamos rituais distintos no coletivo Mapas e Hipertextos <https://mapasehipertextos.wordpress.com/>. Chegamos a acessar escritos mais relacionados a campo dos rituais sagrados, passamos por manuais de bruxaria, por escritos de Carlos Castaneda, Alejandro Jodorowsky e nos demos conta de que estávamos operando mais no âmbito da profanação, do modo como Agamben (2007)AGAMBEN, Giorgio. Profanações. Tradução de Selvino J. Assmann. São Paulo: Boitempo, 2007. se refere.
  • 3
    Neste link é possível acessar um arquivo com um compilado das proposições/provocações encaminhadas durante o ano de 2020: <https://drive.google.com/file/d/1OvlZbntSetkvNO1MagRmpDg82SsH1lsX/view?usp=sharing>.
  • 4
    Nestes links é possível acessar um compilado de imagens realizado por Michele Schiocchet: <https://www.youtube.com/watch?v=FIJyR03T938>; <https://www.youtube.com/watch?v=S_1KKq_qM2A>.
  • 5
    Página disponível em: <https://www.instagram.com/projeto_cpp_implicacoes/>. Acesso em: 02 maio 2021.
  • 6
    Para mais informações, consultar: <http://www.fluxus.org/>. Acesso em: 01 maio 2021.
  • 7
    Mais marcadamente desde o ano de 2013 com o fomento de uma suspeita de fraude nas eleições presidenciais, as consequências mais evidenciadas a partir do processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff no ano de 2016 e as eleições presidenciais do ano de 2018, que culmina em uma gestão catastrófica.
  • 8
    Essa provocação se dá em atenção à discussão trazida por Alva Noë (2004)NOË, Alva. The Enactive Approach to Perception: An Introduction. In: NOË, Alva. Action in perception. Cambridge: MIT Press, 2004. P. 1-35. sobre a percepção ativa. Noë (2004)NOË, Alva. The Enactive Approach to Perception: An Introduction. In: NOË, Alva. Action in perception. Cambridge: MIT Press, 2004. P. 1-35. afirma que perceber é uma forma de agir e não algo que acontece conosco ou em nós, mas algo semelhante ao toque. Segundo esse autor, é por meio do movimento físico e da interação que o mundo se torna disponível a quem o observa e essa capacidade perceptiva também é determinada pelas nossas habilidades corporais, pelo que fazemos ou sabemos fazer. Ao levantar a polêmica de uma percepção limitada, me refiro aos estímulos que vivenciamos e que colaboram com a criação de ferramentas perceptíveis em nós. Os modos de perceber passam pelas dinâmicas que frequentamos.
  • 9
    Na fase atual, no ano de 2021, voltamo-nos ao processamento dos registros e criação de performances para futura partilha em um site interativo. Essa fase adiciona outra camada ao processo que diz da relação entre ato e registro.
  • 10
    Detendo-se nas relações entre humanos e com base na cultura grega, Foucault (2004)FOUCAULT, Michel. A ética do cuidado de si como prática da liberdade. In: FOUCAULT, Michel. Ditos & Escritos V: Ética, Sexualidade, Política. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004. P. 264-287. aborda essa questão do cuidado de si de modo ampliado, coletivo, ressaltando que, diante da complexidade inerente às relações, o cuidar de si é cuidar dos outros. A essa discussão se acrescenta a prática da liberdade como uma autonomia menos individualista, uma vez que, escravo dos próprios apetites, o humano passa a impor seus desejos e fantasias aos outros.
  • 11
    Ao discutir as imagens como acontecimentos que se dão no corpo, Bittencourt (2012BITTENCOURT, Adriana. Imagens como acontecimentos: dispositivos do corpo, dispositivos da dança. Salvador: EDUFBA, 2012., p. 30) recorda a relação imbricada entre a produção de imagem e o ambiente: “[...] as imagens são ações do corpo, pois o cérebro modifica o corpo, que modifica o cérebro, que modifica o ambiente e é por ele modificado”. Sua abordagem com referência nas neurociências não expande a discussão da imaginação como produtora de imagens, porém, ao ampliarmos a criação de imagens vinculada a um universo mais difuso, que tem em conta uma variação inerente aos processos indisciplinados e relativamente ingovernável das conexões neuronais em relação a seus estímulos, é possível dizer que a relação entre o processo de produção de imagem, como corpo, e a imaginação são bastante estreitos.
  • Este texto inédito também se encontra publicado em inglês neste número do periódico.

References

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Editado por

Editor-responsável: Gilberto Icle

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Set 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    31 Jan 2021
  • Aceito
    06 Jul 2021
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