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Prêmio Escola Nota Dez no estado do Ceará: concessão, ajustes e responsabilização* * O artigo é resultado de pesquisa de mestrado de Costa, A. G. A política educacional cearense no (des)compasso da accountability. 2020. 156 f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Centro de Educação, Universidade Estadual do Ceará, Fortaleza, 2020. Novos dados e análises foram inseridos/atualizados para a presente publicação. A pesquisa foi financiada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) - Código de Financiamento 001.

Escola Nota Dez Award in the state of Ceará: concession, adjustments and accountability

Premio Escola Nota Dez en el estado de Ceará: concesión, ajustes y rendición de cuentas

Resumo:

Políticas de accountability educacional têm sido adotadas no mundo inteiro, baseadas em processos de avaliação, prestação de contas e responsabilização. A eficiência desses instrumentos ainda é questionada, sendo criticados seus efeitos sobre as escolas, com base em lógicas gerenciais. Este artigo objetiva investigar o Prêmio Escola Nota Dez, uma iniciativa do Programa Alfabetização na Idade Certa (Paic), coordenado pelo governo estadual do Ceará. Essa política concede incentivos financeiros às escolas municipais, além de promover uma cooperação entre escolas para repercutir práticas de gestão. A pesquisa, de natureza quantitativa e qualitativa, utilizou, como procedimentos metodológicos, análise dos documentos legais e normativos referentes ao Prêmio, como leis, decretos, manuais de operação, e dados sobre escolas e sobre recursos financeiros que foram examinados com o uso de estatística descritiva para o período 2008-2018. Os resultados mostram que o Prêmio limita o número de escolas participantes, permite que uma mesma escola ganhe alternadas vezes e favorece os municípios com redes escolares pequenas. Caracteriza-se como uma política de accountability high stake pelas regras estabelecidas para concessão aos beneficiários, envolvendo recursos financeiros, e parece induzir expressivo reordenamento das redes escolares municipais, que reduziram a quantidade de escolas ofertantes dos anos iniciais do ensino fundamental.

Palavras-chave:
accountability educacional; avaliação da educação; premiação escolar.

Abstract:

Educational accountability policies have been adopted worldwide, based on processes of evaluation, account and accountability. There are still questions around this instruments’ efficiency, and criticism over their effects on schools based on managerial logic. This article aims to investigate Escola Nota Dez Award, an initiative of Programa Alfabetização na Idade Certa (Paic), managed by state government of Ceará. This policy provides financial incentives to municipal schools, in addition to promoting cooperation between schools to reflect management practices. The research, of quantitative and qualitative nature, used, as methodological procedures, the analysis of legal and normative documents referring to the Award, such as laws, decrees, operation manuals and data on schools and on financial resources that were analyzed using descriptive statistics for the period 2008 - 2018. Results show that the Award limits the number of participating schools, allows the same school to win alternately and favors municipalities with small school networks. It is characterized as a high-stake accountability policy due to the rules established for granting to beneficiaries, involving financial resources, and it seems to induce a significant reorganization of the municipal school networks, which reduced the number of schools offering the early years of elementary school.

Keywords:
educational accountability; education assessment; school awards

Resumen:

Se han adoptado políticas educativas de responsabilidad en todo el mundo, basadas en procesos de evaluación, rendición de cuentas y responsabilización. Aún se cuestiona la eficacia de estos instrumentos y se critican sus efectos en las escuelas, basándose en lógicas de gestión. Este artículo tiene como objetivo investigar el Prêmio Escola Nota Dez, una iniciativa del Programa Alfabetização na Idade Certa (Paic), gestionado por el gobierno estatal de Ceará. Esta política proporciona incentivos financieros a las escuelas municipales, además de promover la cooperación entre las escuelas para reflejar las prácticas de gestión. La investigación, de naturaleza cuantitativa y cualitativa, utilizó, como procedimientos metodológicos, el análisis de los documentos legales y normativos que se refieren al Premio, tales como leyes, decretos, manuales de operación y datos en escuelas y en recursos financieros que fueron analizados utilizando estadísticas descriptivas para el periodo 2008-2018. Los resultados muestran que el Premio limita el número de escuelas participantes, permite que una misma escuela gane sucesivamente y favorece a los municipios con pequeñas redes escolares. Se caracteriza como una política de rendición de cuentas de alto riesgo por las reglas establecidas para otorgar a los beneficiarios, que involucran recursos financieros, y parece inducir una reorganización significativa de las redes escolares municipales, lo que redujo el número de escuelas que ofrecen los primeros años de la escuela primaria.

Palabras clave:
rendición de cuentas; evaluación de la educación; premiación escolar

Introdução

Com o aperfeiçoamento e a maior difusão dos dados educacionais, as avaliações em larga escala foram ocupando um espaço determinante no planejamento das políticas educacionais. Se, nas primeiras experiências, elas eram usadas como instrumentos diagnósticos, sem consequências materiais sobre as escolas, num período mais recente, especialmente após a criação do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), passaram a ser as protagonistas das mudanças no campo social, servindo de suporte para a prestação de contas públicas sobre o trabalho das instituições de ensino. Essa realidade é tributária da “globalização da accountability” (Verger; Parcerisa, 2017VERGER, A.; PARCERISA, L. La globalización de la rendición de cuentas en el ámbito educativo: una revisión de factores y actores de difusión de políticas.Revista Brasileira de Política e Administração da Educação, Brasília , DF, v. 33, n. 3, p. 663-684, set./dez. 2017.), impulsionada pelas mudanças na governança do Estado.

O vocábulo accountability não encontra correspondente quando traduzido para o português; por isso, ao referir-se às políticas de accountability, tem-se em vista as ações do Estado para exigir prestação de contas e responsabilizar - material e simbolicamente - instituições e sujeitos pelos resultados de avaliações em larga escala. A avaliação é o pilar sine qua non dos sistemas de accountability educacional (Afonso, 2012AFONSO, A. J. Para uma conceptualização alternativa de accountability em educação.Educação & Sociedade, Campinas, v. 33, n. 119, p. 471-484, abr./jun. 2012.), pois é referencial para produzir juízo de valor da realidade sobre a qual se exigirá informação. Em que pesem as possibilidades de se constituir como instrumento democrático, as políticas de accountability têm sido implementadas a partir de um modelo gerencial que prioriza a divulgação de resultados associada a mecanismos de recompensas ou sanções.

No Brasil, a divulgação de resultados das avaliações e as consequências destes sobre os agentes educacionais são condicionadas pela ação dos entes federados. A União, com a divulgação do Ideb, pratica uma responsabilização branda (low stake) sobre as redes de ensino e as escolas, enquanto alguns estados e municípios utilizam sistemas de avaliação que associam mecanismos de responsabilização forte (high stake), incluindo consequências materiais. Pesquisa de Schneider (2017SCHNEIDER, M. P. Tessituras intergovernamentais das políticas de accountability educacional.Revista Educação em Questão, Natal, v. 55, n. 43, p. 162-186, jan./mar. 2017.) identificou 22 estados brasileiros com sistemas próprios de avaliação, sendo que 54,5% criaram seus próprios indicadores de desenvolvimento educacional e 36,4% associam esses instrumentos à bonificação por resultados, caso dos estados do Amazonas, do Espírito Santo, de Minas Gerais, de Pernambuco, do Rio de Janeiro, de São Paulo, de Sergipe e do Ceará. Assim, o que se observa é que, no âmbito dos estados, as avaliações em larga escala vêm sendo utilizadas para forjar processos de responsabilização de alto impacto.

O Ceará, ao longo dos últimos 20 anos, vem construindo um sistema de responsabilização forte na educação básica. Na última década, despontou no cenário brasileiro como exemplo de sucesso na gestão das políticas de ensino fundamental, com avanços expressivos nos resultados de desempenho e aprovação dos estudantes. Isso tem levado a indagações sobre como um estado cujos indicadores sociais e econômicos se situam abaixo da média brasileira consegue alcançar resultados educacionais superiores a outros estados em melhores condições. O esboço de algumas explicações associa os resultados obtidos a três características perceptíveis ao longo do tempo: i) a implementação de processos e estratégias gerenciais que não sofreram rupturas; ii) a continuidade das políticas estaduais entre os governos de diferentes matizes políticas; e iii) um contínuo e permanente ajuste fiscal por parte dos governos, desde 1995 (Abrucio; Seggatto; Pereira, 2017ABRUCIO, F. L.; SEGGATTO, C. I.; PEREIRA, M. C. G. Regime de colaboração no Ceará: funcionamento, causas do sucesso e alternativas de disseminação do modelo. São Paulo: Instituto Natura, 2017.; Vieira; Plank; Vidal, 2019VIEIRA, S. L.; PLANK, D. N.; VIDAL, E. M. Política educacional no Ceará: processos estratégicos. Educação & Realidade, Porto Alegre, v. 44, n. 4, p. 1-24, 2019.). O fio condutor dessa discussão é a conjunção de elementos próprios da realidade desse estado, como: i) a implementação de um modelo de gestão pública associada a resultados1 1 No Ceará, o modelo de Gestão Pública para Resultados (GPR) tem inspiração na experiência do Canadá e começou a ser implementado em 2004, no governo de Lúcio Alcântara (2003-2006). O marco lógico da GPR é a concepção de um governo empreendedor, que defina metas, priorize recursos, monitore os processos e focalize os resultados. Sobre a implementação da GPR no Ceará, ver Holanda (2006). O modelo foi efetivado em 2007, no governo de Cid Gomes, que definiu a GPR como modelo da administração pública cearense a partir da Lei nº 13.875/2007. ; ii) a apropriação da avaliação em larga escala como eixo estruturante da política educacional; e iii) a construção de uma política intergovernamental entre o governo estadual e os municípios de sua abrangência (Costa; Vidal, 2020COSTA, A. G.; VIDAL, E. M. Accountability e regulação da educação básica municipal no estado do Ceará - Brasil. Revista Ibero-Americana de Educación, Madrid, v. 83, n. 1, p. 121-141, maio 2020.).

Com a criação do Programa Alfabetização na Idade Certa (Paic), em 2007, e com a quase totalidade da municipalização do ensino fundamental, o governo estadual tratou de criar mecanismos de premiação e indução aos municípios e às escolas das redes municipais mediante: i) redefinição do rateio da cota-parte do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (Lei nº 14.023/07) para os municípios; e ii) criação do Prêmio Escola Nota Dez (Lei nº 14.371/09) para as escolas municipais.

Este artigo objetiva investigar a política de accountability instituída no Ceará por meio do Prêmio Escola Nota Dez (PEN10), o qual concede recursos financeiros às escolas municipais que obtenham os melhores resultados no Sistema Permanente de Avaliação da Educação Básica do Ceará (Spaece) e apoio financeiro e pedagógico àquelas com menores índices, que são tuteladas pelas escolas premiadas, buscando, com isso, o intercâmbio de boas práticas.

A pesquisa é de natureza quantitativa e qualitativa e utilizou, como procedimento metodológico, a análise de documentos legais e normativos referentes ao Prêmio, como leis, decretos e manuais de operação. Ademais, coletou informações sobre a quantidade de escolas envolvidas com o processo de premiação e o montante de recursos financeiros implicados na concessão do Prêmio, que foram examinados com o uso de estatística descritiva para o período 2008-2018. Todos os documentos, assim como os dados, foram obtidos nos sítios do governo estadual e junto à Secretaria da Educação do Estado do Ceará (Seduc).

O artigo apresenta, além da introdução, uma seção que discute o tema da accountability educacional e suas implicações na regulação da educação; outra que traz informações sobre o escopo do PEN10 e seus mecanismos de concessão, com dados sobre o período 2008-2018; e, encerrando, as considerações finais.

Accountability educacional: entre a polissemia e a regulação da educação

O termo accountability é um conceito polissêmico, não havendo consenso quanto à sua tradução. Dessa forma, é encarado de maneiras diferentes, a depender do campo de estudos a que está submetido, seja na Ciência Política, seja nas Ciências Humanas e Sociais. Nesse panorama, a accountability tem sido analisada sob a ótica dos instrumentos de gestão pública, de experiências relacionadas às instituições políticas ou governamentais, do sistema político e eleitoral e das relações entre governo e sociedade civil (Medeiros; Crantschaninov; Silva, 2013MEDEIROS, A. K.; CRANTSCHANINOV, T. I.; SILVA, F. C. Estudos sobre accountability no Brasil: meta-análise de periódicos brasileiros das áreas de Administração, Administração Pública, Ciência Política e Ciências Sociais.Revista de Administração Pública , Rio de Janeiro, v. 47, n. 3, p. 745-775, maio/jun. 2013.).

Maroy (2013MAROY, C. Estado avaliador, accountability e confiança na instituição escolar.Revista Educação e Políticas em Debate, Uberlândia, v. 2, n. 2, p. 319-338, jul./dez. 2013.) definiu a accountability como um conceito “nômade”, dada sua tendência em transitar entre as áreas do conhecimento e entre os locais, portanto, influenciada pelos contextos sociais e discursivos nos quais se insere. Essa acepção se aproxima daquela realizada por Schedler (2004SCHEDLER, A. Que es la rendición de cuentas? Ciudad de México: IFAI, 2004. (Cuadernos de Transparencia, 3).), que tratou o termo como “viajante” e “radial”, pois, embora sujeito a alterações de contextos, continua a compartilhar de uma essência comum associada à obrigação de informar, justificar e exercer castigo sobre outrem. Essa definição se origina no campo da Ciência Política que entende a accountability como um mecanismo necessário aos regimes democráticos. É sob essa conceituação que O’Donnell (1998O'DONNELL, G. Accountability horizontal e novas poliarquias.Lua Nova: Revista de Cultura e Política, São Paulo, v. 44, p. 27-54, 1998.) investigou a existência de mecanismos de accountability em países de jovens democracias, como os da América Latina2 2 O autor define duas dimensões para a accountability: accountability vertical - existiria como reflexo dos processos eleitorais; accountability horizontal - seria contemplada pela existência de agências estatais de controle sobre as ações dos governantes. .

Ao procurar significações do conceito e sua aplicabilidade na democracia brasileira, localizam-se definições compostas, que se aproximam da complexidade do termo. Campos (1990CAMPOS, A. M. Accountability: quando poderemos traduzi-la para o português?Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, v. 24, n. 2, p. 30-50, 1990., p. 33) define accountability como sinônimo de responsabilidade objetiva marcada por obrigações externas à pessoa “[...] compelida pela possibilidade da atribuição de prêmios e castigos àquele que se reconhece como responsável”. Também Pinho e Sacramento (2009PINHO, J. A. G.; SACRAMENTO, A. R. S. Accountability: já podemos traduzi-la para o português?Revista de Administração Pública , Rio de Janeiro, v. 43, n. 6, p. 1343-1368, nov./dez. 2009.) argumentam que o significado do conceito envolve responsabilidade (objetiva e subjetiva), controle e transparência, obrigação de prestar contas, ações de justificações pelos atos e premiação e/ou castigo. Cabe destacar que não se justificam atos de accountability apenas sobre mandatários públicos, mas, como defendido por O’Donnell (1998O'DONNELL, G. Accountability horizontal e novas poliarquias.Lua Nova: Revista de Cultura e Política, São Paulo, v. 44, p. 27-54, 1998.), também sobre agentes de instituições do Estado.

No campo da educação, a problemática da accountability atende a mudanças associadas à modernização da sociedade e à globalização competitiva. Nesse cenário, as demandas por reformas do aparelho do Estado revelaram a emergência da Nova Gestão Pública (NGP) - momento de transição entre a burocracia e o gerencialismo -, alterando a lógica de governança da educação, principalmente por processos de descentralização, aumento da autonomia escolar e gestão orientada para resultados, com a centralização de processos avaliativos e a responsabilização (Verger; Normand, 2015VERGER, A.; NORMAND, R. Nueva gestión pública y educación: elementos teóricos y conceptuales para el estudio de un modelo de reforma educativa global.Educação & Sociedade , Campinas, v. 36, n. 132, p. 599-622, jul./set. 2015.).

As políticas de accountability educacional podem ser caracterizadas por uma variedade de estratégias de implementação, entre as quais estão aquelas orientadas por resultados com implicações materiais sobre os profissionais da educação e as instituições escolares. Essa realidade tem sido fundamentada por discursos de garantia de um padrão de qualidade da aprendizagem dos estudantes, para o qual seria necessária a criação de estímulos acionados pelas políticas de avaliação em larga escala. Longe de ser um terreno de consensos, o debate envolve questões conflituosas e de contestação, como o uso da avaliação de desempenho de alunos para bonificar professores, a medição do conjunto dos aprendizados em detrimento das aprendizagens mais recentes do alunado (Franco, 2004FRANCO, C. Quais as contribuições da avaliação para as políticas educacionais? In: BONAMINO, A.; BESSA, N.; FRANCO, C. (Org.). Avaliação da educação básica: pesquisa e gestão. Rio de Janeiro: Editora PUC-Rio; São Paulo: Loyola, 2004. p. 45-63.; Ladd, 2008LADD, H. F. Teacher effects: what do we know. In: DUNCAN, G.; SPILLANE, J. (Ed.). Teacher quality: broadening and deepening the debate. Evanston: Multidisciplinary Program in the Education Sciences, Northwestern University, 2008. p. 3-26.) e a lógica gerencial da prestação de contas subjacente às políticas de accountability.

Conforme Holloway (2020HOLLOWAY, J. Teacher accountability, datafication and evaluation: a case for reimagining schooling.Education Policy Analysis Archives, Arizona, v. 28, n. 56, p. 1-12, Apr. 2020.), os sistemas de accountability são enraizados nos testes e nas avaliações como meio de moldar a prática docente e, assim, definir o que seria um professor de “qualidade”. A autora associa a contemporaneidade dessa relação à datafication da educação, ou seja, a um movimento cada vez mais presente de coletar, analisar e armazenar dados quantitativos de alunos, professores e escolas para, com isso, definir, estritamente por números, a qualidade da educação. A crítica à datafication justifica-se pela dependência dos números e pela redução da concepção de educação ao “que conta mais”. Para Afonso (2012AFONSO, A. J. Para uma conceptualização alternativa de accountability em educação.Educação & Sociedade, Campinas, v. 33, n. 119, p. 471-484, abr./jun. 2012.), essa seria uma “tendência avaliocrática” que sobrevaloriza as avaliações dos estudantes ao gerar consequências sobre outros agentes. Por isso, tem-se em conta que a tônica da avaliação nas políticas de accountability é muito mais redutora que propositiva, pois oblitera importantes dimensões do processo de ensino-aprendizagem intra e extraescolares.

Como especificado por Yan (2019YAN, Y. Making accountability work in basic education: reforms, challenges and the role of the government. Policy Design and Practice, [S. l.], v. 2, n. 1, p. 90-102, Feb. 2019), desafios são impostos aos governos nacionais quando da implementação de ferramentas de responsabilização, entre as quais a sua própria concepção, por vezes usada de maneira bastante vaga, privilegiando ações específicas e estreitas em detrimento de ferramentas mais abrangentes. Para esse autor, têm-se adotado mecanismos de responsabilização associados a quatro temas: “[...] escolha e competição, autonomia e participação, melhorias induzidas por ameaças e recompensas e apoio” (Yan, 2019, p. 91). Entretanto, há uma ênfase recorrente na disciplina e no controle.

Ações nesse sentido têm se alastrado no esteio das avaliações em larga escala, atribuindo uma nova lógica para as redes de ensino e as escolas. Essa lógica é subjacente a uma alteração dos sentidos da prestação de contas em educação, com o acréscimo de novos elementos regulatórios que exigem informações dos professores e gestores, não só ao nível das escolas, mas também dos organismos regionais, estaduais, nacionais e supranacionais, além da comunidade local. Portanto, são diversas instâncias hierárquicas que demandam, exigem e pressionam, criando assim uma “accountability múltipla”, como referido por Barzanò (2009BARZANÒ, G. Culturas de liderança e lógicas de responsabilidade: as experiências de Inglaterra, Itália e Portugal. Vila Nova de Gaia: Fundação Manuel Leão, 2009.), que faz com que as escolas prestem contas a diferentes públicos.

Entretanto, considerando que a accountability é um conceito radial e viajante (Schedler, 2004SCHEDLER, A. Que es la rendición de cuentas? Ciudad de México: IFAI, 2004. (Cuadernos de Transparencia, 3).), ou seja, assume faces diferentes a depender do campo em que se envolve, caberia questionar se, na área da educação, a punição seria adequada quando considerada a educação num sentido amplo e irrestrito de acesso, permanência e formação. É nesse ponto que se acentua o embate entre os defensores e os críticos desse modelo de política. A avaliação, a responsabilização e a prestação de contas, quando associadas à melhoria educacional, abrem espaço para a crítica, mas também para a utilização de novos instrumentos que buscam assegurar o direito à qualidade. Isso porque:

A concepção de transparência da gestão pública e a preocupação com a eficiência e efetividade dos gastos públicos aparecem como pilares em que tanto a cultura de avaliação quanto a responsabilidade se fundamentam, tornando difícil o questionamento dos princípios, mas apontando a necessidade de crítica no que se refere à forma de sua execução. (Bauer, 2013BAUER, A. Avaliação de impacto e accountability em educação: uma proposta metodológica a partir do Programa Letra e Vida. In: MARTINS, Â. M. et al. (Org.). Políticas e gestão da educação: desafios em tempos de mudanças. Campinas: Autores Associados, 2013. p. 119-138., p. 17).

Portanto, as formas em que se materializam as exigências por maior transparência e prestação de contas na educação são mais questionáveis do que a ideia da accountability, como tratado por Bauer (2013BAUER, A. Avaliação de impacto e accountability em educação: uma proposta metodológica a partir do Programa Letra e Vida. In: MARTINS, Â. M. et al. (Org.). Políticas e gestão da educação: desafios em tempos de mudanças. Campinas: Autores Associados, 2013. p. 119-138.). Freitas (2018FREITAS, L. C. A reforma empresarial da educação: nova direita, velhas ideias. São Paulo: Expressão Popular, 2018.) assume um posicionamento crítico em relação à accountability em educação ao considerar que políticas dessa natureza abrem espaço para a privatização do setor público e em nada contribuem para resultados satisfatórios na educação, pois, por instituírem um sistema meritocrático, aprofundam a competição entre escolas e professores, além de eliminarem a diversidade e anularem a autonomia escolar. Posicionamentos como esse tornam questionável o tema da responsabilização educacional, sobretudo no que diz respeito à premiação.

Na seção seguinte, aprofunda-se a política de accountability educacional implantada no estado do Ceará, tensionando aspectos de sua formulação e execução.

Implementação e (des)ajustes do Prêmio Escola Nota Dez

O Ceará constituiu um sistema de accountability educacional com o objetivo de induzir gestores municipais, diretores escolares e professores à busca de bons resultados de aprendizagem escolar. Esse é o propósito geral do Programa Alfabetização na Idade Certa (Paic), criado em 2007, com o intuito de propiciar as condições necessárias para que os alunos do 2º ano fossem alfabetizados na idade certa e chegassem ao 5º ano do ensino fundamental com o domínio das competências de leitura, escrita e cálculo. Coordenado pelo governo estadual, que presta cooperação técnica e financeira aos municípios, o Paic é estruturado em cinco eixos de ação: i) educação infantil; ii) gestão pedagógica - alfabetização e formação de professores; iii) formação do leitor; iv) gestão da educação municipal; e v) avaliação externa de aprendizagem (Ceará, 2007cCEARÁ. Lei nº 14.026, de 17 de dezembro de 2007. Cria o Programa Alfabetização na Idade Certa (Paic), de cooperação técnica e incentivo para melhoria dos indicadores de aprendizagem nos municípios cearenses e dá outras providências. Diário Oficial do Estado , Fortaleza, 19 dez. 2007c. p. 1.).

É possível perceber, na concepção do Paic, a intencionalidade da secretaria de educação em estender o modelo de gestão por resultados adotado pelo governo estadual para as municipalidades. Os eixos de gestão da educação e avaliação externa têm como diretrizes a disseminação da avaliação como ferramenta para definição de políticas e o alcance das metas estabelecidas para os indicadores estaduais e nacionais. Por isso, tendo em vista o caráter gestionário preconizado pelo Paic, tem-se atribuído a ele a consolidação da gestão por resultados (Camarão; Ramos; Albuquerque, 2015CAMARÃO, V. C.; RAMOS, J. F. P.; ALBUQUERQUE, F. C. A. Política da gestão por resultados na educação cearense (1995 - 2014).Revista Praia Vermelha, Rio de Janeiro, v. 25, n. 2, p. 299-484, jul./dez. 2015.), porque são mobilizados instrumentos que influenciam o comportamento das escolas e do sistema educacional, a partir de normatizações e de processos de regulação (Costa; Vidal, 2020COSTA, A. G.; VIDAL, E. M. Accountability e regulação da educação básica municipal no estado do Ceará - Brasil. Revista Ibero-Americana de Educación, Madrid, v. 83, n. 1, p. 121-141, maio 2020.), entre os quais está o sistema estadual de avaliação.

O Sistema Permanente de Avaliação da Educação Básica do Ceará (Spaece) é uma avaliação anual, de caráter censitário, criado em 1992 e que, a partir de 2004, passou a avaliar escolas em todos os municípios. Responsável por aferir a leitura dos estudantes do 2º ano do ensino fundamental (Spaece-Alfa), além dos alunos do 5º e 9º anos, é o principal instrumento de avaliação do estado. Sendo a avaliação um dos pilares da accountability, ferramentas de responsabilização e prestação de contas passam a operar em favor daquela, como é o caso do Prêmio Escola Nota Dez (PEN10).

Instituído pela Lei nº 14.371/2009, o PEN10 é destinado às escolas públicas municipais que alcançam os melhores resultados de aprendizagem, aferidos pelo Spaece e expressos no Índice de Desempenho Escolar (IDE). A legislação ainda estabeleceu que as escolas premiadas desenvolveriam cooperação técnico-pedagógica pelo período de um ano com aquelas com menores IDE (que também recebem recursos financeiros). Sendo assim, estipula-se uma colaboração horizontal a fim de compartilhar, com as escolas apoiadas, as experiências exitosas das escolas premiadas. A ação de cooperação é, inclusive, condição para que os pares de escolas recebam parte dos recursos do Prêmio, correspondente à segunda parcela (25% do valor total das premiadas e 50% do valor total das apoiadas).

O PEN10 se caracteriza como uma política educacional que envolve, de forma igualitária, a totalidade dos municípios cearenses, sem estabelecer mecanismos que possibilitem tratar de maneira diferente as peculiaridades de tais territórios. Coloca sob as mesmas condicionalidades municípios pequenos, com menos de 20.000 habitantes e cuja rede escolar possui entre 10 e 20 escolas distribuídas em localidades urbanas e rurais, e redes escolares complexas e multifacetadas, como as de municípios com mais de 100.000 habitantes, com parque escolar de mais de 50 escolas, e até mesmo a capital, Fortaleza, com cerca de 2,6 milhões de habitantes, uma infraestrutura escolar superior a 250 escolas de ensino fundamental, distribuídas em 121 bairros com contextos e vulnerabilidades sociais diversas3 3 Para atender às especificidades do município de Fortaleza, o governo do estado do Ceará instituiu mudanças por meio da Lei nº 15.923, de 15 de dezembro de 2015, passando a considerar isoladamente cada um dos seis Distritos de Educação do município, órgãos descentralizados subordinados à Secretaria Municipal da Educação. .

A criação do Prêmio tinha o objetivo inicial de induzir os munícipios a priorizarem a alfabetização e a aprendizagem dos alunos do ensino fundamental; portanto, em 2009, a lei previa premiar e apoiar turmas do 2º ano, em 2011, incluiu turmas do 5º ano e, em 2015, turmas do 9º ano. Os resultados obtidos nas turmas de 2º ano fizeram com que essa ampliação para o 5º e 9º anos do ensino fundamental se apresentasse como uma solução promissora, o que demandou mudanças na legislação que orienta o Paic e o PEN10.

Pela sua natureza de conceder valores em dinheiro para as escolas, possibilitando a bonificação de professores e demais profissionais da educação, o PEN10 é uma política de accountability high stake ou de alto risco, como será visto adiante, nas regras de concessão. Oliveira (2016OLIVEIRA, L. X. Política de responsabilização como estratégia para promoção de desempenho escolar: um estudo sobre o prêmio “Escola Nota Dez”. 2016. 166 f. Tese (Doutorado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2016.) chama a atenção para algumas peculiaridades dessa iniciativa, em comparação com outras políticas de responsabilização de estados brasileiros, entre as quais se destaca o fato de não considerar na composição do IDE a dimensão do fluxo escolar (como ocorre, por exemplo, com o Ideb, indicador do governo federal), estabelecer uma meta única, com corte igual para todas as escolas, e possuir número máximo de escolas que podem receber o prêmio, o que também acontece com o número de escolas que podem ser apoiadas.

No texto da lei, foi especificado que as escolas premiadas e apoiadas receberiam o montante do Prêmio ou do recurso financeiro de acordo com a quantidade de alunos que realizassem a prova, e não com o número de alunos matriculados. Essa exigência procurava inibir o que, na literatura, é conhecido como a prática de gaming - burlar regras - evitando que “[...] as escolas induzam crianças com baixos níveis de proficiência a não comparecer na avaliação, elevando artificialmente seus resultados” (Ceará. Seduc, 2012CEARÁ. Secretaria de Educação (Seduc). Regime de Colaboração para a garantia do direito à aprendizagem: o Programa Alfabetização na Idade Certa (Paic) no Ceará. Fortaleza: Seduc, 2012., p. 88)4 4 As pesquisas existentes acerca do tema não indicam evidências sobre essa forma de “jogar com as regras”; no entanto, apontam formas de organização da escola com vistas a atender critérios e preparar alunos para a prova ([xref ref-type="bibr" rid="r3"]Araújo, 2016[/xref]; [xref ref-type="bibr" rid="r22"]Correa, 2018[/xref]; [xref ref-type="bibr" rid="r33"]Mota, 2018[/xref]). . Para Carneiro (2015CARNEIRO, D. R. F. Políticas de incentivo à escola melhoram a proficiência no ensino fundamental?: uma avaliação do Prêmio Escola Nota Dez. 2015. 41 f. Dissertação (Mestrado em Ciências Econômicas) - Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2015., p. 17), “a exigência de número mínimo de alunos e a taxa mínima de avaliação tende a desestimular os gestores escolares a práticas como a reprovação ou a omissão de alunos com pior desempenho”.

Em sua primeira versão, o Prêmio era destinado às 150 escolas com turmas do 2º ano do ensino fundamental que possuíssem pelo menos 20 alunos matriculados e notas entre 8,5 e 10 no IDE-Alfa, denominadas escolas premiadas, e às 150 com piores resultados, designadas escolas apoiadas. O critério do número de alunos já reduzia de forma significativa a quantidade de escolas aptas a participar da premiação no período 2008-2018, como é possível observar na Tabela 1.

Tabela 1
Quantidade de escolas avaliadas e aptas a participar do PEN10 - 2008-2018 (2º ano do ensino fundamental)

Os dados mostram que ocorre uma redução de 45,2% no número de escolas municipais que oferecem o 2º ano do ensino fundamental no período e uma queda de 13% no número de escolas avaliadas com mais de 20 alunos, o que aponta para um reordenamento das redes municipais. Esse reordenamento está associado à redução de matrículas no 2º ano do ensino fundamental, que cai 36,4% entre 2008 e 2018, registrando maior redução nas localidades rurais, 46% (Ceará. Seduc. Ceipe, 2019CEARÁ. Secretaria de Educação (Seduc). Célula de Informação, Indicadores Educacionais, Estudos e Pesquisas (Ceipe). Matrícula de educação básica por etapa, modalidade e oferta segundo as Crede, Sefor, regionais de Fortaleza e municípios. Fortaleza: Seduc/Ceipe, 2019.). O fenômeno, no entanto, também pode estar associado à busca por resultados nas avaliações em larga escala, com a nucleação das escolas, uma das diretrizes da Seduc aos municípios, por meio do eixo da gestão municipal do Paic. Essa diretriz tem como justificativa a possibilidade de vincular “escolas pequenas, geralmente situadas na zona rural, a uma escola maior e mais bem estruturada tecnicamente” (Ceará. Seduc, 2012CEARÁ. Secretaria de Educação (Seduc). Regime de Colaboração para a garantia do direito à aprendizagem: o Programa Alfabetização na Idade Certa (Paic) no Ceará. Fortaleza: Seduc, 2012., p. 76). A possibilidade de escolas nucleadas serem beneficiadas com o PEN10 foi, inclusive, prevista na Lei nº 14.580/09, que alterou a lei de criação do Prêmio e acrescentou a informação de que as unidades escolares premiadas ou apoiadas que tenham sido objeto de nucleação teriam os recursos destinados à escola polo, que deveria atender aos requisitos e às condições da lei. Também demonstram que os percentuais de escolas aptas a participarem do PEN10 é da ordem de 42% em relação ao total de escolas que ofertam o 2º ano do ensino fundamental em cada ano, sendo que, em 2008 e 2009, esses valores eram de 29,8% e 37,4%, respectivamente. Assim, o PEN10 não foi concebido para a livre concorrência entre as escolas, uma vez que seus critérios eliminam mais da metade das instituições escolares que ofertam o 2º ano do ensino fundamental.

Até 2011, no caso das escolas premiadas, a bonificação equivalia ao número de alunos avaliados pelo Spaece multiplicado por R$ 2.500,00. Já para as escolas apoiadas, o valor era de R$ 1.250,00 por aluno avaliado. A diferença de valores entre um e outro tipo de escola evidencia que, para o mesmo número de alunos, o maior aporte financeiro é destinado àquelas que alcançam maior pontuação no IDE-Alfa (entre 8,5 e 10). No artigo 7º da lei de criação do Prêmio, foi definido que “os recursos recebidos pelas escolas em caráter de premiação serão utilizados exclusivamente em ações que visem à melhoria das condições das escolas e dos resultados de aprendizagem de seus alunos” (Ceará, 2009aCEARÁ. Lei nº 14.371, de 19 de junho de 2009. Cria o Prêmio Escola Nota Dez, destinado a premiar as escolas públicas com melhor resultado no Índice de Desempenho Escolar - Alfabetização (IDEALFA), e dá outras providências. Diário Oficial do Estado , Fortaleza, 19 jun. 2009a. p. 1., p. 1). Com base na análise da lei, pode-se inferir que o estabelecimento da regra do “valor do aluno” acaba por revelar uma “punição invisível” às escolas apoiadas (Costa; Vidal, 2020COSTA, A. G.; VIDAL, E. M. Accountability e regulação da educação básica municipal no estado do Ceará - Brasil. Revista Ibero-Americana de Educación, Madrid, v. 83, n. 1, p. 121-141, maio 2020.), uma vez que ao aluno da escola apoiada é atribuído um valor que corresponde à metade do valor concedido ao aluno da escola premiada. Dessa maneira, a concepção do Prêmio valoriza a meritocracia, em detrimento do aumento da equidade.

Ao mesmo tempo que prevê a colaboração e a parceria entre as escolas por meio do apadrinhamento de uma escola premiada a uma apoiada, faz isso a partir de valores monetários distintos, favorecendo quem já se encontra em situação de melhor desempenho. A ideia de que o PEN10 crie um ambiente favorável à igualdade de oportunidades educacionais com equidade não se faz presente.

Por outro lado, há estudiosos da área que veem a forma de premiar e apoiar como um elemento inovador das políticas de responsabilização no País, pois, ao prever que as escolas premiadas apoiem escolas com piores resultados, estariam sendo atenuadas as características de responsabilização forte no Prêmio, o que não reduziria a competição envolvida nesse tipo de estratégia. Conforme acentua Brooke (2013BROOKE, N. Políticas estaduais de responsabilização: buscando o diálogo. In: BAUER, A.; GATTI, B. (Org.). Ciclo de debates: vinte e cinco anos de avaliação de sistemas educacionais no Brasil: implicações nas redes de ensino, no currículo e na formação de professores. Florianópolis: Insular, 2013. p. 119-146., p. 132-133, grifos nossos):

O único exemplo de um processo explícito de competição entre escolas é o do programa Escola Nota 10 do Ceará que premia todo ano um número pré-determinado de escolas de acordo com o indicador estadual de desenvolvimento educacional - IDE-Alfa. Porém, nesse caso as escolas premiadas também assumem uma relação de assistência técnica colaborativa com escolas ‘adotadas’ que detêm os piores resultados do IDE-Alfa. Essa combinação dá um novo significado à responsabilização ao incumbir as escolas premiadas de novas responsabilidades junto com as escolas ‘adotadas’.

Ao abordar o cenário das políticas estaduais de responsabilização no Brasil, Brooke (2013BROOKE, N. Políticas estaduais de responsabilização: buscando o diálogo. In: BAUER, A.; GATTI, B. (Org.). Ciclo de debates: vinte e cinco anos de avaliação de sistemas educacionais no Brasil: implicações nas redes de ensino, no currículo e na formação de professores. Florianópolis: Insular, 2013. p. 119-146., p. 132) observa uma diferença no PEN10, na maneira como concede a premiação e o apoio financeiro, pois não é efetivada por premiações individuais, mas coletivas, e teria como propósito “[...] motivar toda a equipe e evitar possíveis divisões pelos incentivos individuais”. O novo significado tratado pelo autor também é objeto de discussão de Calderón, Raquel e Cabral (2015CALDERÓN, A. I.; RAQUEL, B. M. G.; CABRAL, E. S. O Prêmio Escola nota 10: meritocracia e cooperação para a melhoria do desempenho escolar.Ensaio: Avaliação e Políticas Públicas em Educação, Rio de Janeiro, v. 23, n. 87, p. 517-540, abr./jun. 2015.), ao mencionarem a cooperação técnico-pedagógica entre as escolas. Ainda assim, não há indícios de que a cooperação entre as escolas diminua os impactos da forte responsabilização sobre elas, pois pesquisas relativas ao tema têm destacado que escolas premiadas e apoiadas são submetidas a constrangimentos gerados pelas regras de concessão e de implementação da política (Araújo, 2016ARAÚJO, K. H. Os efeitos do Prêmio Escola Nota Dez nos processos pedagógicos das escolas premiadas de Sobral e das apoiadas de Caucaia no ano de 2009. 2016. 185 f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2016.; Mota, 2018MOTA, M. O. Entre a meritocracia e a equidade: o Prêmio Escola Nota Dez na percepção e atuação de agentes implementadores. 2018. 297 f. Tese (Doutorado em Educação) - Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2018.). Além disso, a relação escola premiada-escola apoiada tem sido objeto de poucas pesquisas e necessita ser investigada com mais acuidade.

A Lei nº 15.052/2011 e o Decreto nº 30.797/2011 modificaram o PEN10, que passou a premiar e apoiar, além das escolas com turmas do 2º ano, escolas com 5º ano que obtivessem o IDE-5 entre 7,5 e 10. A modificação incluiu, no cálculo para o Prêmio às escolas, uma nova variável denominada Fator de Ajuste Universalizado do Aprendizado. Com isso, para ser premiada, uma escola precisaria atender às seguintes condições: i) proficiência da escola numa escala de 0 a 10; ii) Fator de Ajuste Universalizado; e iii) taxa de participação na avaliação. Carneiro (2015CARNEIRO, D. R. F. Políticas de incentivo à escola melhoram a proficiência no ensino fundamental?: uma avaliação do Prêmio Escola Nota Dez. 2015. 41 f. Dissertação (Mestrado em Ciências Econômicas) - Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2015., p. 17) considera que “[...] a construção do Fator de Ajuste para a Universalização do Aprendizado [...] garante o incentivo a manter o maior número de alunos possível nas categorias mais altas da escala”, o que possibilitaria a equalização dos resultados na escola e nas redes.

As mudanças nas regras, com a legislação de 2011, também trataram de diminuir o valor per capita, passando a escola premiada a receber R$ 2.000,00 por aluno avaliado e a escola apoiada, R$ 1.000,00. Permaneceram a divisão do Prêmio em duas parcelas e a cooperação entre as escolas. O Quadro 1 apresenta as regras de desembolso.

Quadro 1
Regras de desembolso no Prêmio Escola Nota Dez

Além do valor-aluno, a forma de liberação em duas parcelas é outra diferença observada na concessão do PEN10. As escolas premiadas recebem 75% do valor total do prêmio na primeira parcela e as apoiadas recebem 50%. Cumpre destacar que a segunda parcela é condicionada a regras que podem não ser cumpridas nem pelas premiadas nem pelas apoiadas, penalizando as escolas apoiadas e intensificando uma “punição invisível” (Costa; Vidal, 2020COSTA, A. G.; VIDAL, E. M. Accountability e regulação da educação básica municipal no estado do Ceará - Brasil. Revista Ibero-Americana de Educación, Madrid, v. 83, n. 1, p. 121-141, maio 2020.), já que 50% do valor a ser recebido está previsto para a segunda parcela.

Outra característica do Prêmio se refere à definição de critérios a priori pela Seduc, sobre a forma de aplicação dos recursos conquistados. Conforme especificado no Manual de aplicação de recursos financeiros do Prêmio Escola Nota Dez (Ceará. Seduc, 2013CEARÁ. Secretaria de Educação (Seduc). Manual de aplicação de recursos financeiros do Prêmio Escola Nota Dez. Fortaleza: Seduc , 2013., p. 13), os dois tipos de escolas precisam elaborar um plano de aplicação que vise “à melhoria das suas condições e dos resultados de aprendizagem de seus alunos”. Entretanto, o uso do recurso, como visto no Quadro 1, fica limitado à porcentagem liberada de cada parcela e condicionado a rubricas específicas, conforme evidencia o Quadro 2.

Quadro 2
Regras para uso do recurso financeiro do Prêmio Escola Nota Dez

Considerando as regras de aplicação previstas, é na porcentagem destinada à bonificação dos profissionais da educação que reside a maior diferença entre os pares de escolas: enquanto as premiadas podem aplicar até 22,5% do valor recebido em bonificação, às apoiadas é permitido aplicar até 15%.

A intenção ao dividir o Prêmio em duas parcelas é torná-lo ainda mais competitivo, pois essas condições induzem as escolas premiadas a cumprirem os requisitos de manterem ou elevarem seus indicadores para, então, receberem a segunda parcela e as apoiadas a, necessariamente, melhorarem seus resultados de aprendizagem.

No entanto, quando se analisa o comportamento dos recursos financeiros atribuídos às escolas e efetivamente repassados em duas parcelas, chama a atenção a quantidade de escolas que, de fato, recebem a segunda parcela. A Tabela 2 mostra a quantidade de escolas premiadas e apoiadas que receberam as primeiras e segundas parcelas no período 2008-2015.

Tabela 2
Quantidade de escolas do PEN10 (Spaece-Alfa) e parcelas - 2008-2015

Ao analisar os dados, constata-se que nem todas as escolas que recebem a primeira parcela conseguem receber a segunda, sendo 2010 o ano em que a quantidade de escolas foi maior entre as premiadas e as apoiadas e 2011 o ano mais crítico em termos de recebimento da segunda parcela. O Gráfico 1 permite visualizar melhor o percentual de escolas premiadas e apoiadas que conseguiram receber a segunda parcela do PEN10 a cada ano.

Gráfico 1
Percentual de escolas que receberam a 2ª parcela - 2008-2015

Um aspecto que chama a atenção no Gráfico 1 é que os percentuais de escolas apoiadas que recebem a segunda parcela são sempre maiores do que os de escolas premiadas. Nos três primeiros anos, são superiores a 70%, o que evidencia o esforço dessas escolas em melhorar seus indicadores de desempenho no Spaece-Alfa. A partir de 2011, há decaimento expressivo no número de escolas premiadas e apoiadas que conseguem receber a segunda parcela, fato que pode estar associado a elementos como: dificuldade no cumprimento das condicionalidades estabelecidas na lei; a segunda parcela das escolas premiadas corresponder a apenas 25% do total, gerando um desinteresse por parte delas em cumprir as exigências estabelecidas; a relação escola premiada-escola apoiada não se mostrar uma boa experiência; o esgotamento da proposta devido à prevalência da lei do rateio do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS)5 5 No mesmo ano da criação do Paic, foram alteradas as regras do repasse do ICMS, que passou a operar como um mecanismo de estímulo à priorização da alfabetização, tendo vinculado “18% (dezoito por cento) em função do Índice Municipal de Qualidade Educacional de cada município formado pela taxa de aprovação dos alunos do 1º ao 5° ano do ensino fundamental e pela média obtida pelos alunos de 2° e 5° ano da rede municipal em avaliações de aprendizagem” ([xref ref-type="bibr" rid="r12"]Ceará, 2007b[/xref], p. 1). , cujo valor é muito superior e está associado ao resultado de toda a rede municipal.

O PEN10 é coordenado pela Seduc e conta com recursos financeiros do Fundo Estadual de Combate à Pobreza (Fecop). Parte dos recursos desse fundo tem financiado políticas de accountability educacional no Ceará e iniciativas de melhoria da qualidade dos indicadores educacionais. De natureza contábil, o Fecop é gerido pela Secretaria de Planejamento (Seplag), sendo constituído por uma reserva de receitas destinadas a viabilizar ações para a população pobre e extremamente pobre. A operacionalização do fundo ocorre a partir de projetos especificados pelos setores do governo estadual. A gestão dos recursos do Fecop para o PEN10 possui uma logística diferenciada, uma vez que, na ausência da definição de valores precisos, devido à natureza do Prêmio, é necessário estimar um orçamento que não será utilizado num único ano fiscal, já que o pagamento da segunda parcela pressupõe resultados que só serão observados no ano subsequente, quando da aplicação do Spaece. Os dados do Gráfico 1 mostram que nem sempre tais condicionalidades são cumpridas, o que compromete a execução orçamentária do Prêmio por parte do órgão gestor.

A análise das escolas beneficiadas do PEN10 no Spaece-Alfa no período 2008-2018 mostra que, apesar das preocupações da legislação em não permitir a concessão de prêmios para as mesmas escolas, tem havido concentração de escolas premiadas e apoiadas ao longo do período. A Tabela 3 apresenta informações sobre as escolas premiadas e apoiadas e o número de vezes em que cada uma foi contemplada com recursos ao longo do período.

Tabela 3
Quantidade de escolas premiadas e apoiadas e número de premiações -2008-2018

Os dados revelam que, no período de 11 anos, o número de escolas premiadas deveria ser de 1.650, considerando a regra estabelecida em lei, de 150 escolas por ano. No entanto, foram contempladas 947 escolas, o que corresponde a 57,4% do previsto, devido à repetição de prêmios por escola ao longo da série histórica. Existem 3 escolas que conseguiram ganhar o PEN10 seis vezes, 18 que ganharam cinco vezes e 60 que foram contempladas quatro vezes, sendo que 545 (57,5%) o receberam uma única vez. Se, até 2011, era permitido pela legislação a uma mesma escola ser premiada em anos consecutivos, a partir desse ano as escolas passam a poder ganhar em anos alternados, mostrando que, diante de mecanismos de accountability que estabelecem regras de bonificação, as escolas procuram se adaptar a tais regras e jogam com elas. No caso das apoiadas, cuja modalidade foi interrompida a partir de 2015, a previsão era de contemplar 1.050 escolas, tendo sido atendidas 789, 71,3% do total, o que explicita menos concentração na concessão de recursos a essas escolas. De fato, 5 escolas receberam o apoio quatro vezes, 37, três vezes e 170, duas vezes, sendo que 577 escolas (73,1%) receberam o prêmio de apoio uma única vez.

Quando se analisam os municípios onde se situam as 21 escolas que receberam o PEN10 cinco ou seis vezes, constata-se que elas se encontram em 15 municípios, dos quais 7 possuem menos de 20.000 habitantes, 5 possuem entre 20.000 e 50.000 habitantes, 2 apresentam população compreendida entre 50.000 e 100.000 e 1 possui população superior a 200.000 habitantes (IBGE, 2019INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Resolução nº 3, de 26 de agosto de 2019. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 28 ago. 2019. Seção 1, p. 374.). As 42 escolas apoiadas contempladas três ou quatro vezes encontram-se em 12 municípios, sendo que apenas 1 possui menos de 20.000 habitantes, 3 apresentam entre 20.000 e 50.000, 4 entre 50.000 e 100.000 e 4 possuem acima de 200.000 habitantes, incluindo a capital (Fortaleza), com mais de 2,5 milhões de habitantes.

Essas informações apontam para o fato de que redes municipais menores conseguem avançar em resultados de melhoria de desempenho escolar de forma mais orgânica, sistemática e extensiva ao longo do tempo, um fenômeno já observado em pesquisas que investigaram a distribuição do PEN10. Oliveira (2016OLIVEIRA, L. X. Política de responsabilização como estratégia para promoção de desempenho escolar: um estudo sobre o prêmio “Escola Nota Dez”. 2016. 166 f. Tese (Doutorado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2016.) não identificou correlação entre as características estruturais e financeiras dos municípios (Produto Interno Bruto - PIB - per capita e porte populacional) e a maior probabilidade de recebimento do Prêmio. Também concluiu que escolas com melhor infraestrutura atendem ao perfil de escola apoiada, contrapondo a ideia de que estas teriam facilidade de serem premiadas. Corroborando esses achados, Correa (2018CORREA, E. V. Accountability na educação: impactos do Prêmio Escola Nota Dez no sistema público de ensino do Ceará. 2018. 207 f. Tese (Doutorado em Educação) - Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2018.) observou que o nível socioeconômico não é fator determinante no PEN10, uma vez que “escolas ricas” não se mostraram mais beneficiadas em relação às escolas com nível mais baixo. Ainda que não seja objetivo deste artigo investigar a relação entre nível socioeconômico e a concessão da premiação, a distribuição do PEN10 em municípios de pequeno porte - que tendem a ser mais afetados pelas desigualdades socioeconômicas - lança luz para novas investigações que tensionem a relação entre as políticas municipais, a regulação da educação e a equidade entre as redes escolares.

A existência de escolas premiadas e apoiadas mais de uma vez implica a concentração dos recursos financeiros associados ao Prêmio nas mesmas escolas, como é o caso de escolas que receberam mais de R$ 1.000.000,00 no período, dos quais 22,5% do total concedido às escolas premiadas foram destinados a bônus para os profissionais da educação. Desde 2016, a Seduc tem enfrentado dificuldades no pagamento do PEN10 no mesmo ano da premiação, encontrando-se, atualmente, com parcelas relativas ao ano de 2016 ainda por pagar. Esse descompasso tem gerado insatisfação das escolas, como destacam os estudos de Araújo (2016ARAÚJO, K. H. Os efeitos do Prêmio Escola Nota Dez nos processos pedagógicos das escolas premiadas de Sobral e das apoiadas de Caucaia no ano de 2009. 2016. 185 f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2016.), Correa (2018CORREA, E. V. Accountability na educação: impactos do Prêmio Escola Nota Dez no sistema público de ensino do Ceará. 2018. 207 f. Tese (Doutorado em Educação) - Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2018.) e Mota (2018MOTA, M. O. Entre a meritocracia e a equidade: o Prêmio Escola Nota Dez na percepção e atuação de agentes implementadores. 2018. 297 f. Tese (Doutorado em Educação) - Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2018.).

A análise das especificidades do PEN10 revela que, se o conceito de accountability é um termo viajante e presente nas ações dos governos nos últimos anos, no Ceará seus marcos normativos vêm adequando-se às condições que delimitam a evolução das políticas, como o caso da supressão das escolas apoiadas do Spaece-Alfa a partir de 2015. Por ter forte componente mercantil, algumas escolas desenvolvem expertise em se adequar às situações que são estabelecidas, o que não deixa de se caracterizar como um tipo de jogo no qual, ano sim, ano não, o esforço se concentra nos critérios determinados.

O PEN10 é uma política de accountability educacional baseada na recompensa e no apoio, inerentes ao pilar da responsabilização, que está articulada a métricas bem definidas do Spaece e da composição do IDE e conduz a um modelo de prestação de contas públicas que evidencia pares de escolas apoiadas e premiadas, ocorrendo uma “ênfase desequilibrada na disciplina e no controle sobre o apoio e a recompensa” (Yan, 2019YAN, Y. Making accountability work in basic education: reforms, challenges and the role of the government. Policy Design and Practice, [S. l.], v. 2, n. 1, p. 90-102, Feb. 2019, p. 95).

Ao implementar medidas que reafirmam a cultura de avaliação e a gestão para resultados, o Prêmio é marcado por problemas e contradições que puderam ser observadas até aqui, entre as quais pode ser mencionado o desequilíbrio no pagamento das parcelas e dos valores destinados, o que conduz a questionamentos acerca das diretrizes que orientam a concepção do Prêmio. Outro ponto que merece destaque é o modelo de colaboração horizontal entre escolas, até agora pouco investigado na sua forma de efetivação. Essa parceria é permeada por um mecanismo financeiro, e aos sujeitos envolvidos são atribuídas, a priori, possibilidades de bonificação distintas - 22,5% para as escolas premiadas e 15% para as apoiadas.

Considerações finais

A exposição dos dados relativos ao PEN10 confirma sua condição como uma política de accountability high stake, caracterizada pelas regras que subjazem ao programa, pelos critérios de concessão aos beneficiários e pelos efeitos, simbólicos e materiais, que podem provocar sobre as redes de ensino e os profissionais da educação.

O PEN10 é marcado por controvérsias, entre as quais estão as características excludentes das normas de concessão, pois o critério de número mínimo de alunos para participar do Prêmio tende a reduzir a quantidade de escolas participantes (apenas 42% do universo de escolas que ofertam o 2º ano do ensino fundamental), excluindo parcela expressiva dos estabelecimentos escolares.

Soma-se a isso o fato de que o número de escolas que recebem a segunda parcela é sempre menor, demonstrando as dificuldades em manterem ou elevarem seus resultados ou de atenderem aos critérios estabelecidos para a parceria entre escola premiada e escola apoiada. Outros aspectos que comprometem a liberação da segunda parcela têm relação com a execução do plano de trabalho aprovado, especialmente no que se refere a compras públicas e à prestação de contas. Cabe questionar se a meritocracia como critério de justiça não estaria aumentando a iniquidade entre as escolas.

Uma situação que precisa ser aprofundada em pesquisas é a redução da quantidade de escolas que ofertam o 2º ano do ensino fundamental no período analisado. Há indícios de reordenamento das redes municipais, com percentual de redução de escolas muito superior à diminuição de matrículas nos anos iniciais do ensino fundamental. Merece ser investigado em que medida a adoção dessa política tem relação com a implementação do Paic e as orientações do governo estadual. O aprofundamento dessas questões permitiria entender o impacto dessas mudanças na dinâmica interna das municipalidades e no funcionamento da política de accountability educacional no Ceará. Cabe afirmar que o direito de acesso à escola não pode sucumbir ante as políticas de accountability e gerar, como efeito colateral, um aumento da distância que as crianças precisam percorrer para ter acesso à educação (com a redução de escolas rurais, por exemplo).

As análises aqui empreendidas lançam luzes para uma necessária revisão das normas e dos procedimentos que orientam o PEN10, com vistas a minimizar as implicações do sistema de regulação estabelecido.

Referências

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  • *
    O artigo é resultado de pesquisa de mestrado de Costa, A. G. A política educacional cearense no (des)compasso da accountability. 2020. 156 f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Centro de Educação, Universidade Estadual do Ceará, Fortaleza, 2020. Novos dados e análises foram inseridos/atualizados para a presente publicação. A pesquisa foi financiada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) - Código de Financiamento 001.
  • 1
    No Ceará, o modelo de Gestão Pública para Resultados (GPR) tem inspiração na experiência do Canadá e começou a ser implementado em 2004, no governo de Lúcio Alcântara (2003-2006). O marco lógico da GPR é a concepção de um governo empreendedor, que defina metas, priorize recursos, monitore os processos e focalize os resultados. Sobre a implementação da GPR no Ceará, ver Holanda (2006). O modelo foi efetivado em 2007, no governo de Cid Gomes, que definiu a GPR como modelo da administração pública cearense a partir da Lei nº 13.875/2007.
  • 2
    O autor define duas dimensões para a accountability: accountability vertical - existiria como reflexo dos processos eleitorais; accountability horizontal - seria contemplada pela existência de agências estatais de controle sobre as ações dos governantes.
  • 3
    Para atender às especificidades do município de Fortaleza, o governo do estado do Ceará instituiu mudanças por meio da Lei nº 15.923, de 15 de dezembro de 2015, passando a considerar isoladamente cada um dos seis Distritos de Educação do município, órgãos descentralizados subordinados à Secretaria Municipal da Educação.
  • 4
    As pesquisas existentes acerca do tema não indicam evidências sobre essa forma de “jogar com as regras”; no entanto, apontam formas de organização da escola com vistas a atender critérios e preparar alunos para a prova ([xref ref-type="bibr" rid="r3"]Araújo, 2016[/xref]; [xref ref-type="bibr" rid="r22"]Correa, 2018[/xref]; [xref ref-type="bibr" rid="r33"]Mota, 2018[/xref]).
  • 5
    No mesmo ano da criação do Paic, foram alteradas as regras do repasse do ICMS, que passou a operar como um mecanismo de estímulo à priorização da alfabetização, tendo vinculado “18% (dezoito por cento) em função do Índice Municipal de Qualidade Educacional de cada município formado pela taxa de aprovação dos alunos do 1º ao 5° ano do ensino fundamental e pela média obtida pelos alunos de 2° e 5° ano da rede municipal em avaliações de aprendizagem” ([xref ref-type="bibr" rid="r12"]Ceará, 2007b[/xref], p. 1).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Out 2021
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2021

Histórico

  • Recebido
    01 Ago 2020
  • Aceito
    13 Maio 2021
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