Open-access Didática e docência no ensino superior

Didactics and teaching in higher education

Resumo:

Este artigo objetiva discutir a relação entre didática e docência no ensino superior, considerando três frentes analíticas: conceitual, contextual e investigativa. Na perspectiva conceitual, procura esboçar ângulos epistemológicos que estruturam a didática e o lugar que ocupa na base de conhecimento profissional docente; na contextual, delineia o cenário de produção sobre a docência do ensino superior no Brasil; e, na investigativa, apresenta resultados de duas pesquisas sobre a formação em didática de futuros professores, sendo uma na visão de professores do ensino superior e outra na visão de estudantes de cursos de licenciatura. A análise é realizada em interlocução com autores de referência da base de conhecimento profissional docente a fim de sustentar a ideia-chave de que o domínio da didática é potente para constituir expressão-síntese do conhecimento especializado do professor para ensinar em qualquer nível, inclusive na educação superior.

Palavras-chave: didática; docência; ensino superior

Abstract:

This paper discusses the relation between didactics and teaching in higher education, considering three analytical approaches: conceptual, contextual and investigative. On the conceptual perspective, it drafts epistemological angles that structure didactics and its place in the professional knowledge base for teaching; on the contextual perspective, it outlines the production scenario on higher education teaching in Brazil; and on the investigative perspective, it presents results of two researches on the training in didatics for future teachers, one from the higher education professors' point of view and the other from the point of view of students in the university teacher-training courses. The analysis promotes a dialogue among reference authors in the professional knowledge base for teaching, aiming to sustain the key idea that the mastery of didactics is potent to constitute a synthesis expression of the educator’s specialized knowledge, in order to teach at any level, including higher education.

Keywords: didactics; teaching; higher education

Introdução

Este artigo propõe discutir a relação entre didática e docência no ensino superior (DES), considerando três frentes analíticas. A primeira delas, de natureza conceitual, refere-se à compreensão de didática esboçada e defendida neste estudo. Quais são os conceitos que a estruturam e o lugar que ocupa na base de conhecimento profissional docente? Enfrentar esse questionamento representa precondição para afirmar a didática no ensino superior. Sem esse aporte, como argumentar a favor da especialidade da docência? A segunda frente analítica, de natureza contextual, ocupa-se de apresentar sinteticamente as discussões sobre DES, destacando seus principais desafios. A terceira e última frente, de natureza investigativa, tem como ênfase resultados de duas pesquisas sobre a formação em didática de futuros docentes, sendo uma na visão de formadores de professores no ensino superior e outra na visão de estudantes de cursos de licenciatura. As pesquisas em questão, ao investigarem a formação para a docência no âmbito de cursos universitários, oferecem pistas sobre o caminho a ser percorrido para enfrentar a complexidade que cerca a docência no ensino superior.

Didática e docência: traços conceituais

Nesta seção, esboça-se quadro conceitual sobre a didática e sua relação intrínseca com a docência. Sendo esta última o processo desenvolvido por quem assume a função de professor, cabe discutir o que é próprio desse processo, em especial no que se refere ao conhecimento de base para desenvolvê-lo. Qual é a dimensão da didática nessa relação?

Esse campo compreende um domínio de conhecimento investigativo, disciplinar e profissional sobre o processo ensino-aprendizagem, que envolve o trabalho de sujeitos cognoscentes (professores e alunos) acerca do objeto cognoscível (conhecimento) em contextos situados, visando à formação humana. Dito de outro modo, são responsabilidade exclusiva da didática as teorizações e fundamentações conceituais e procedimentais sobre a relação entre professores e alunos em torno do conhecimento em situações determinadas de ensinar e aprender. Assim, a didática, na condição de campo de produção de conhecimento sobre o ensino, cria saberes fundamentais para a formação e a prática profissional de professores, razão pela qual ela se esboça como disciplina de cursos de licenciatura, responsáveis pela formação de professores, e se manifesta no ato de ensinar.

Ensinar requer uma variada e complexa articulação de saberes passíveis de diversas formalizações teórico-científicas, científico-didáticas e pedagógicas. Esses conhecimentos são requeridos porque na atividade docente há inúmeros fatores implicados, por exemplo, a forma como o professor compreende e analisa as suas práticas educativas, articula diferentes saberes no seu ato de ensinar e age diante do inesperado e do desconhecido.

Nesse sentido, considerando as discussões sobre a base de conhecimento profissional docente, sustenta-se a premissa de que o ofício de ensinar exige o domínio do conteúdo, mas não somente. As sistematizações sobre o conhecimento que um professor deve possuir para ensinar focalizam vários saberes, sendo um deles ligado à especificidade didática. Porém, ainda assim, a síntese desses saberes representa o que a própria didática é, envolve e faz.

Para tanto, será apresentado resumo dos quadros tipológicos de três autores - Tardif (2002), Gauthier (1998) e Shulman (1987) -, com o propósito de demarcar a centralidade da didática na sua relação com a docência.

Tardif (2002) discute os saberes dos professores no trabalho, argumentando a favor da perspectiva de que o conhecimento é uma construção coletiva porque é partilhado por um grupo de agentes, sustentando-se por meio de um sistema educativo que o cria, utiliza-o e legitima-o, e decorre de práticas sociais. Dessa forma, é incongruente pensar saber docente, o qual é diverso, plural, temporal e não provém de uma única fonte, dissociado do trabalho dos professores. O quadro tipológico de Tardif (2002) faz referência a quatro saberes: i) formação profissional, conhecimentos sustentados pelos aportes das ciências da educação; ii) disciplinares, relacionados aos conteúdos das áreas de ensino; iii) curriculares, socialmente produzidos e que passam por uma seleção da instituição de ensino que os transforma em programas nos quais o professor deve aprender e aplicar aos seus alunos; iv) experienciais, mais diretamente constitutivos da cultura docente em ação.

Do mesmo modo que Tardif, Gauthier (1998) defende o ensino como a mobilização de vários saberes, que formam uma espécie de reservatório, do qual o professor se abastece para responder a exigências específicas de situações concretas de trabalho. Esse reservatório contém saberes: i) disciplinares; ii) curriculares; iii) das ciências da educação; iv) da tradição pedagógica; v) experienciais; vi) da ação pedagógica. Os disciplinares correspondem aos conhecimentos que se encontram à disposição dos professores com base em cada disciplina. O curricular está relacionado à forma como a escola e as demais instituições envolvidas no processo educativo selecionam e organizam os conteúdos das disciplinas. Entretanto, ao ensinar, o professor transforma, escolhe e recorta o currículo. É possível dizer que esse saber funciona como guia, e não conhecimento essencial. O das ciências da educação compreende os saberes que envolvem questões profissionais específicas, que servem de pano de fundo para o professor e membros da categoria - por exemplo, questões relacionadas a sistema escolar, conselho escolar, sindicato, carga horária, ou seja, referentes à instituição de ensino, próprias do trabalho de gestão educacional. O da tradição pedagógica corresponde às noções preconcebidas do que representa a escola e o ato de ensinar. Marcado pela tradição, esse conhecimento poderá apresentar fragilidades validadas ou não pelo saber experiencial e o da ação pedagógica. O experiencial, como o próprio nome sugere, está ligado à experiência do professor. De acordo com o autor, o docente “[...] realiza julgamentos privados, elaborando ao longo do tempo uma espécie de jurisprudência composta de truques, de estratagemas e de maneiras de fazer que, apesar de testadas, permanecem em segredo” (Gauthier, 1998, p. 33). O da ação pedagógica é “o saber experiencial dos professores a partir do momento em que se torna público e que é testado através das pesquisas realizadas em sala de aula” (Gauthier, 1998, p. 33). Gauthier defende que o saber da ação pedagógica deve ser explicitado por meio de pesquisas, pois é de suma importância para a profissionalização do ensino, visto que constitui um dos fundamentos da identidade profissional do professor. Ao evidenciar tais saberes, o autor sinaliza duas dimensões: uma epistemológica, no que se refere à natureza deles; e outra política, no que diz respeito ao êxito de um grupo social, ao delimitar um território que apresente o saber peculiar à determinada profissão.

Voltando-se para Shulman (1987), verifica-se que a base de conhecimentos docente envolve sete tipos específicos: i) do conteúdo da matéria a ser ensinada; ii) de pedagogia geral (conhecimentos produzidos por estudiosos da educação, sobretudo considerando princípios e estratégias de gestão e organização da classe para além do âmbito do sujeito); iii) do currículo, com especial domínio dos materiais e programas que servem como ferramentas para o ofício docente; iv) da especificidade pedagógica do conteúdo; v) dos alunos e de suas características; vi) dos contextos educativos, que vão desde o funcionamento do grupo ou da sala de aula, da gestão e do financiamento dos distritos escolares até o caráter das comunidades e culturas; vii) dos objetivos, metas e valores educacionais e de seus fundamentos filosóficos e históricos.

Os estudos de Shulman (1987) evidenciam que o ensino começa com um ato da razão, continua com um processo de raciocínio, culmina com o desempenho e, então, reflete-se mais sobre ele, até que todo o processo se inicie novamente. Desse modo, o ensino é tido como compreensão e raciocínio, transformação e reflexão. Trata-se de processo de raciocínio pedagógico que torna potente a base de conhecimento profissional, no sentido em que age na articulação desses saberes, assim como na sua evocação para a ação, por meio de um movimento integrado de compreensão, transformação, instrução, avaliação, reflexão e nova compreensão, resultante da análise sistemática do ensino.

A base sustentada por Shulman (1987) pode ser categorizada em três grandes frentes de conhecimento presentes no desenvolvimento cognitivo do professor: subject knowledge matter (conhecimento do conteúdo da matéria ensinada); pedagogical knowledge matter (conhecimento pedagógico da matéria); e curricular knowledge (conhecimento curricular). O primeiro diz respeito ao entendimento do professor acerca da estrutura da disciplina, sobre como ele organiza cognitivamente a matéria que será objeto de ensino. Essa compreensão requer ir além dos fatos e conceitos intrínsecos à disciplina e pressupõe observar as formas pelas quais os princípios fundamentais de uma área estão organizados. No tocante ao conhecimento pedagógico da matéria, prevalecem os modos de formular e trabalhar o conteúdo de maneira a torná-lo compreensível aos alunos, incluindo analogias, ilustrações, exemplos, explanações e demonstrações. O conhecimento curricular se relaciona à capacidade de reconhecer o currículo como o conjunto de programas elaborados para o ensino de determinados assuntos em um dado nível, bem como a variedade de materiais didáticos disponíveis referentes àqueles programas.

Um olhar comparativo dos saberes citados pelos autores mencionados (Tardif, 2002; Gauthier, 1998; Shulman, 1987) permite notar que três fontes de conhecimento encontram assento em três categorizações: a fonte do conhecimento a ser ensinado ou a dos saberes disciplinares; a referente ao currículo; e a relacionada ao conhecimento da pedagogia ou das ciências da educação - nesse caso, conhecimento pedagógico geral para Shulman (1987), das ciências da educação para Gauthier (1998) e de formação profissional para Tardif (2002).

Nessa direção, é de se esperar que um professor, seja ele da educação básica ou do ensino superior, diante da responsabilidade profissional de ensinar determinados conhecimentos aos seus alunos, questione-se não apenas sobre o que ele próprio sabe acerca desse conhecimento (conteúdo), mas, acima de tudo, sobre a forma de agir pedagogicamente para que seus alunos desenvolvam sua própria compreensão desse conteúdo. Esse movimento de reflexão, que envolve tomada de decisão sobre como ensinar, denominado por Shulman (1987) de raciocínio pedagógico, integra o processo ensino-aprendizagem, objeto da didática, reforçando a tese de que os saberes mobilizados pelo professor para lecionar, ainda que originários de diferentes fontes, articulam-se invariavelmente com a própria didática.

Para ensinar, o professor necessita acionar a sua base de conhecimentos a fim de fazer escolhas e desenvolver ações visando a promover a aprendizagem de seus alunos. Logo, ensinar é um processo que requer escolhas adequadamente fundamentadas. Trata-se do trabalho especializado que especifica a docência, como defende Roldão (2007). Para essa autora, a função de ensinar é socioprática, porém o saber que envolve é teorizador, compósito e interpretativo. A ação de ensinar é inteligente e fundada em um domínio seguro do conhecimento, que emerge de vários saberes formais e do experiencial. Assim sendo, o professor precisa mobilizar todo tipo de saber que possui, transformando-o em ato de ensinar enquanto construção de um processo de aprendizagem de outros e por outros. Nesse processo reside o que lhe é próprio, o ato de ensinar - que caracteriza a docência e, consequentemente, é alvo de investimento para sua profissionalidade.

Ora, sendo a didática o domínio de conhecimento sobre o processo ensino-aprendizagem e sendo o ensino a ação que especifica a função docente, os saberes que o professor possui, mobiliza, transforma e recria, a partir de nova compreensão, para ensinar e fazer o aluno aprender é a didática em si. Nesse sentido, esse campo, mais do que aquilo que faz o professor para ensinar, representa também a própria base de fundamentos acerca do que ele reflete, analisa, compara, escolhe, decide, propõe, implementa, avalia e registra para ensinar, constituindo-se, portanto, em síntese da sua base de conhecimento profissional e expressão objetiva de seu raciocínio pedagógico.

Uma vez esboçados os principais traços conceituais que fundamentam a compreensão acerca da didática e da docência, cabe questionar como essa relação se manifesta no contexto do ensino superior.

Docência no ensino superior: traços contextuais

Os estudos sobre docência no ensino superior no Brasil são relativamente recentes, ganhando maior visibilidade com as publicações de Cunha (1998; 1999; 2006; 2007; 2008; 2010); Castanho e Castanho (2001); Anastasiou (2001); Masetto (2001); Pimenta e Anastasiou (2002); e Almeida (2012).

Cunha (2010) coordena um grupo de pesquisa sobre formação de professores, ensino e avaliação que se dedica, de modo preferencial, à educação superior. Seus estudos, em um primeiro momento, apontaram a necessidade de revitalização das formas de ensinar nesse nível, destacando práticas curriculares consideradas inovadoras e desenvolvendo teorizações sobre a base dos saberes docentes, na tentativa de romper com o paradigma dominante de ensino na modernidade. Em fase subsequente, foi incorporada a necessidade de analisar os efeitos das políticas externas no ensino superior, com especial atenção à avaliação. Logo a problemática da formação para a docência universitária se manifestou, levando a investigação de trajetórias e lugares de formação da docência universitária e problematizando a falta de regulação e o consequente “não lugar” da formação desse professor.

Castanho e Castanho (2001) organizaram uma coletânea de temas e textos em metodologia do ensino superior, com a participação de autores com vasta experiência na área, dentre os quais, Kuenzer, Chizzotti, Severino, Veiga, Anastasiou, Wachowicz, Masetto e Placco. O livro, diante da qualidade dos textos e da abordagem sobre metodologia voltada especificamente para o ensino superior, tornou-se peça-chave dos cursos sobre DES que emergiram nos anos 2000, no âmbito da pós-graduação lato sensu, como meio de atenuar a ausência de formação específica para esse nível de ensino. Nessa coletânea, Anastasiou apresenta panorama da metodologia de ensino na universidade brasileira e Mazzetto, uma série de reflexões e sugestões práticas sobre atividades pedagógicas na sala de aula universitária.

Pimenta e Anastasiou (2002) oferecem contribuição singular para a área ao sistematizarem, na obra intitulada Docência no ensino superior, princípios postulares da identidade profissional, enfocando: as exigências atuais para o exercício da profissão e suas condições de trabalho; os aspectos históricos da universidade brasileira que forjaram um modelo de professor; a natureza do trabalho docente determinada em grande medida por modelos de conhecimento científico; e a proposição, de natureza didática, de superar cada vez mais a ideia de ensino centrado na exposição do professor para dar lugar a ideia de “ensinagem”, compreendida como “processo compartilhado de trabalhar os conhecimentos, no qual concorrem conteúdo, forma de ensinar e resultados mutuamente dependentes” (Pimenta; Anastasiou, 2002, p. 214).

Almeida (2012) faz avançar a produção de conhecimento da área na medida em que parte das discussões sobre as transformações ocorridas na universidade contemporânea e da necessidade de formação pedagógica dos professores do ensino superior para enfrentar a responsabilidade institucional de garantir a valorização e as possibilidades formativas por meio de ações políticas de gestão. Sem o interesse do docente e as condições oferecidas pela instituição onde realiza seu trabalho, o desenvolvimento profissional estará comprometido.

A análise das produções desses autores permite elencar alguns traços que contextualizam a DES. O primeiro refere-se ao fato de que o ensino superior no Brasil, porque objetiva a formação para diferentes carreiras, tem requerido o protagonismo de profissionais e especialistas para dirigir o processo de transmissão e assimilação dos conteúdos necessários ao domínio do corpo conceitual de cada área. Nessa esteira, a docência universitária tem sido fortemente marcada pela ciência moderna e sua ênfase na racionalidade técnica, que eleva o peso do conhecimento específico da área e subalterniza a importância da formação pedagógica. Segundo Cunha (2010), a docência universitária afirmou-se com base nos saberes dos campos profissionais e científicos dos professores que, mediante as representações tradicionais de suas trajetórias, consolidavam um modo de ensinar. A autoridade destes, respaldada por uma hierarquia inquestionável nas instituições, legitimava a cultura estabelecida.

O segundo traço contextual, em decorrência do anterior, diz respeito à ausência de legislação específica sobre a formação para a DES. De acordo com a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional -, e o Decreto nº 2.207, de 15 de abril de 1997, que regulamenta o sistema federal de ensino, a formação desse professor deve ocorrer no âmbito dos cursos de pós-graduação, lato sensu ou stricto sensu, prioritariamente em programas de mestrado e doutorado. Via de regra, o mestrado e o doutorado em determinada área vêm consolidando-se como o lócus de formação do professor do ensino superior, em grande medida pela formação em pesquisa e especializada e por conta do dispositivo de que as instituições de ensino superior tenham o mínimo de um terço de seus docentes titulados na pós-graduação stricto sensu. Nessa perspectiva, não é difícil depreender que a formação específica para o ensino, processo constitutivo da docência, não encontra lugar nesse percurso. O professor do ensino superior é catedrático, especialista de uma área e pesquisador, sem, necessariamente, contar com processo formativo específico para ser docente.

O terceiro traço contextual relaciona-se à identidade. Como se tornar professor no ensino superior? A socialização profissional desse docente ocorre de forma intuitiva, replicadora do que seus mestres fizeram e da sua experiência de aluno. Sem contar a condição híbrida que permeia sua identidade, posto que ser professor decorre de ser determinado profissional, especialista e pesquisador.

Esses traços contextuais confirmam a necessidade de afirmar a importância da formação em didática para o exercício da DES, visto que, com base em Roldão (2007), o docente profissional é aquele que ensina não apenas porque possui o conhecimento, mas porque sabe ensinar. É ser especialista da complexa capacidade de transformar o saber curricular mediado por um saber científico, por um domínio técnico-didático rigoroso, por uma postura meta-analítica, de questionamento intelectual da ação, de interpretação permanente e realimentação contínua, para que o aluno aprenda de forma contextualizada e com significado.

Didática no ensino superior: traços de pesquisa

Com o propósito de discutir o lugar da didática no ensino superior, apresentam-se os principais resultados de um programa integrado de pesquisa, constituído de três estudos. Dois deles já estão concluídos e seus resultados serão expostos nesta seção, enquanto o terceiro se encontra em desenvolvimento. O foco da investigação reside nos cursos de licenciatura, visto que se espera que nesses cursos, responsáveis pela formação de professores para a educação básica, identifiquem-se, entre os docentes, menos dissociação entre o que Shulman (1987) designa de subject knowledge matter (conhecimento do conteúdo da matéria ensinada), pedagogical knowledge matter (conhecimento pedagógico da matéria) e curricular knowledge (conhecimento curricular) e, em consequência, uma presença mais firme da didática.

O primeiro estudo centrou-se na investigação sobre concepções e práticas didáticas de formadores de professores (2009-2012); o segundo, sobre a didática e o aprendizado da docência no processo de constituição identitária de futuros professores (2012-2015); e o terceiro voltou-se para concepções e práticas didáticas de egressos de cursos de licenciatura (2015-2018). O que se compreende sobre didática e o que se faz com ela representam o norte da pesquisa, considerando a visão de professores dos cursos de licenciatura (primeiro estudo); de estudantes concluintes desses cursos (segundo estudo); e de professores da educação básica (terceiro estudo).

Concepções e práticas didáticas de formadores de professores

O estudo 1 “Concepções e práticas didáticas de formadores de professores” discute o que prevalece como didática nos cursos de formação de docentes, na perspectiva do formador. Teoricamente, fundamentou-se no pressuposto de que o ensino requer ação especializada do professor (Roldão, 2007), constituindo-se, portanto, em ofício de saberes (Gauthier, 1998) que pode ser trabalhado na formação docente por meio de diferentes perspectivas ou sentidos. Considerando o que elaboram Cochran-Smith e Lytle (1999), qual sentido tem sustentado o ensino de didática? Conhecimento para a prática, que se forja na visão aplicacionista, com forte distinção entre teoria e prática? Conhecimento na prática, com ênfase na ação e na reflexão? Ou conhecimento da prática, que se constrói pela investigação? Qual tem sido o papel do professor formador nesse percurso (André et al., 2010; Zeichner, 2009)?

Nessa direção, tratou de investigar professores de didática de cursos de licenciatura de três universidades sediadas no estado do Rio de Janeiro (uma pública federal, uma pública estadual e uma privada), no intuito de saber sobre quem são os formadores, o que lecionam e como ensinam didática, a fim de analisar concepções e práticas que fundamentam esse campo em cursos de licenciatura e reconhecer os significados atribuídos pelo formador ao ensino da didática para o conhecimento profissional do docente em formação. Foram entrevistados 40 professores das três universidades selecionadas, realizados quatro grupos de discussão e observadas 30 aulas, sendo dez de um professor de cada instituição. O conteúdo das entrevistas e dos grupos de discussão, após transcrito na íntegra, foi organizado em quadros descritivos estruturados com base em três eixos: Quem são os professores que ensinam didática nos cursos de licenciatura? O que se ensina nesse campo? O que prevalece no desenvolvimento das aulas de didática? O mesmo procedimento foi utilizado em relação aos registros das observações. De posse dos quadros descritivos, empreendeu-se, então, a verificação dos aspectos prevalecentes no que toca às concepções e práticas didáticas dos formadores investigados. O cotejamento dos dados construídos permite tecer algumas conclusões, organizadas em três ênfases, conforme relatadas a seguir.

Quem são esses professores? Quais são seus processos formativos? Entende-se que a identidade profissional do formador precisa favorecê-lo na interação com a aprendizagem docente para mediar esses efeitos nos alunos, futuros professores. Do grupo de 40 participantes da pesquisa, 18 são da universidade federal, 9 da estadual e 13 da privada; 30 são mulheres e 10 são homens. Boa parte provém de escola pública e de formação superior em universidades federais e estaduais e muitos têm experiência como professores da educação básica. Na universidade federal predominam aqueles que estão iniciando carreira na instituição, na condição de efetivos; na universidade estadual prevalecem os professores temporários, na condição de substitutos; e, na universidade privada, os professores são contratados como horistas. Do grupo de investigados, existem aqueles que não reúnem experiência na educação básica e vários que estão iniciando a carreira na condição de professor universitário. Nem todos que dão aula de didática escolheram a disciplina por afinidade, porém por adequação ao concurso público ou em atendimento às exigências da instituição. As motivações para atuar como formadores de professores no âmbito desse campo se manifestaram em decorrência da experiência de trabalho na escola básica, da continuidade dos estudos no mestrado e no doutorado, da possibilidade de enfrentar um concurso de acesso à carreira docente na universidade pública e da falta de visibilidade de outra disciplina com mais aderência para atuação. Um aspecto, em especial, ganha relevância na análise dos dados: a didática não foi escolhida por ser campo investigativo desses professores, mas por conta da experiência como docente e dos conhecimentos disciplinar e pedagógico reunidos. Dessa forma, o perfil deixa ver a necessidade de investigar mais apuradamente as implicações, na formação de professores, da atuação de formadores que não assumem a didática como objeto de suas investigações, que não reúnem experiência como professores da educação básica e que se encontram no ciclo inicial de sua carreira acadêmica. Para Zeichner (2009, p. 25), “é necessário mais pesquisas que investiguem as consequências de quem está lecionando um determinado componente do curso”. De modo mais específico, ao focalizar a necessidade de estudos que relacionem as características, a formação, a aprendizagem e a prática dos professores, o autor aponta diretamente para o aspecto em questão. Zeichner (2009, p. 19) defende que “precisamos saber como as características dos professores e os cursos de formação docente e seus componentes interagem com a aprendizagem docente para mediar esses efeitos nos alunos”.

O que se ensina em didática? Na universidade privada, a didática não é disciplina, mas unidade temática que integra o ementário da disciplina ciências da educação II. Nas universidades públicas pesquisadas, ela tem o status de disciplina e divide-se em geral e específicas. As didáticas específicas na universidade pública estadual recebem designações diferentes. A convergência de dados referentes às entrevistas e aos grupos de discussão realizados nas três universidades evidencia que a tendência de trabalhar vários temas ligados à identidade profissional do professor, dada a complexidade que cerca esse ofício na escola de hoje, é bastante recorrente. Nessa direção, manifesta-se uma abordagem permeada de articulações com os conhecimentos da história, da filosofia, da sociologia, da psicologia e da antropologia da educação, para, então, chegar ao núcleo estruturante da didática, o processo de ensinar e aprender. Nessa esteira predomina, entre os investigados, a tendência de ensinar aspectos teóricos que fundamentam as práticas; a relação educação e sociedade; o estabelecimento escolar e o trabalho docente; as abordagens de ensino (tradicional, escolanovista, tecnicista e progressista, esta com ênfase nas pedagogias libertária, libertadora e crítico-social dos conteúdos); as teorias de currículo; as questões sobre identidade, profissionalidade e saberes docentes; e os componentes da prática pedagógica com atenção especial para planejamento pedagógico e avaliação do ensino e da aprendizagem. Nota-se que a constituição do campo da didática no Brasil não é um conhecimento de domínio de boa parte dos entrevistados, sobretudo daqueles que atuam com a didática específica. Manifesta-se o receio em relação ao ensino da didática prescritiva, com predomínio de técnicas; porém a problematização de Candau (1983) acerca da didática instrumental e da fundamental parece não fazer parte do idioma pedagógico dos entrevistados. Ensinar a docência se coloca como grande desafio para os formadores.

Como ocorre a mediação do ensino nas aulas de didática? Assume-se aqui a perspectiva de que o objeto desse campo diz respeito ao processo de compreensão, problematização e proposição acerca do ensino, produzindo conhecimento sobre e para este. Trata-se de oportunizar ao professor em formação e em atuação condições para propor formas de mediação da prática pedagógica, fundamentadas por concepções que permitam situar a função social de tais mediações - é o como fazer (mediação) articulado ao por que fazer (intencionalidade pedagógica). Nessa direção, a dissociação entre forma e conteúdo constitui questão de enfrentamento da didática a ser trabalhada nos cursos de formação. Reside nesse aspecto um dos desafios apontados pelos professores investigados. Como lidar com a problemática que cerca a relação forma/conteúdo no ensino da didática, sem que esta seja desconsiderada? Os dados da pesquisa revelam que os professores buscam ensinar didática de forma ativa, envolvendo trabalho do professor, do aluno, do aluno com aluno e do professor com os alunos; dão prioridade aos trabalhos coletivos, ao diálogo e às trocas de experiências; enfatizam a reflexão e a crítica, fazendo com que o ensino de didática se paute pela leitura de textos, debates, levantamento de questões e construções de sínteses; refletem o ensino mediante situações práticas, seminários, aulas expositivas e leitura de textos em sala de aula, sempre priorizando a participação dos alunos. Ainda assim, os investigados se mostraram insatisfeitos com o processo, alegando que ensinar requer diversas mobilizações para identificar se o aluno está, de fato, aprendendo e de forma eficaz, corroborando as problematizações de Roldão (2007) e de Gauthier (1998).

A didática e o aprendizado da docência no processo de constituição identitária de futuros professores

O estudo 2 objetiva analisar conhecimentos sobre a docência construídos por meio do estudo de didática por futuros professores, concluintes de cursos de licenciatura, assim como compreender as consequências da disciplina para o processo de constituição dos saberes profissionais docentes, mais detidamente no que se refere ao que faz o professor formador, em didática, para ensinar a docência. Do mesmo modo que o primeiro estudo, ancorou-se teoricamente em Roldão (2007), Gauthier (1998) e Cochran-Smith e Lytle (1999), mas também encontrou em Shulman (1987), ao tratar do conhecimento profissional docente, importante sustentação. O campo empírico foi constituído de 14 cursos de licenciatura de uma universidade pública federal localizada no estado do Rio de Janeiro. Os sujeitos foram os estudantes desses cursos que concluíram cerca de 70% das disciplinas que integram a organização curricular. Esse percentual foi estabelecido para que fossem alcançados alunos que cursaram no mínimo uma das disciplinas referentes ao estudo de didática. Para a obtenção dos dados, foi aplicado questionário por meio da ferramenta Survey Monkey e realizaram-se quatro grupos de discussão. Participaram da pesquisa 827 estudantes, sendo que 429 responderam o questionário na sua integralidade. A organização das informações para fins de construção dos dados foi feita em etapas. Inicialmente, foram construídas 14 sinopses das respostas obtidas com o questionário, sendo uma para cada um dos cursos de licenciatura estudados. Em prosseguimento, foram feitos quadros descritivos para cada um dos cursos com base nos três eixos analíticos previamente definidos: O que se ensina em didática? Como se ensina em didática? Que nível de importância se atribui ao papel do professor formador? Mediante os 14 quadros descritivos, construiu-se um quadro final de consolidação de todas as respostas, por meio do qual foi possível depreender as recorrências. A etapa final foi dedicada à análise do conteúdo dos quatro grupos de discussão que, depois de transcrito, passou por processo de organização das falas considerando os eixos orientadores.

Sobre o que se ensina em didática, os dados apontam que dos temas trabalhados sobressaem:

1) teorias educacionais e o contexto sócio-histórico, político, econômico e filosófico das práticas pedagógicas, sendo o primeiro tema mais indicado por cinco cursos, o segundo mais indicado por dois e o terceiro mais indicado por um curso; 2) a constituição do campo da didática visto como tempo/espaço de reflexão/ação sobre o processo ensino-aprendizagem, sendo o primeiro tema mais indicado por quatro cursos, o segundo mais indicado por dois e o terceiro mais indicado também por dois cursos; 3) planejamento curricular e planejamento do ensino, sendo o primeiro tema mais indicado por quatro cursos e o segundo mais indicado por cinco, dos 14 cursos investigados; 4) avaliação do ensino, segunda maior indicação de quatro cursos e terceira maior de dois; 5) métodos e técnicas de ensino, sendo o terceiro tema com maior indicação de dois cursos. O olhar sobre as três primeiras indicações de temas mais trabalhados, segundo relataram os estudantes, mostra um equilíbrio entre temas de fundamentos da didática e aqueles com ênfase na prática didática. De modo geral, os temas abordados na disciplina estão relacionados aos aspectos sociais, políticos e históricos da didática, sem deixar de contemplar assuntos clássicos da área, como planejamento e avaliação do ensino e da aprendizagem. Quanto ao último temário - métodos e técnicas de ensino -, ele aparece pouco. A didática é um domínio de conhecimento que envolve as metodologias de ensino, mas não se subordina nem se circunscreve apenas em torno delas. As metodologias representam a dimensão mais objetiva do ensino em si. Como ensinar de acordo com uma concepção de ensino? Como desenvolver propostas de ensino-aprendizagem? As metodologias constroem o caminho a ser percorrido para fazer aprender alguma coisa a alguém (Roldão, 2007). Longe de prescrição, de tecnicismo, é um conhecimento importante e necessário ao professor para o exercício de sua função. Parece que esse compromisso da didática não tem sido suficientemente enfrentado. Essa constatação confirma a necessidade de a base de conhecimento profissional docente (Shulman, 1987) ser considerada de modo mais explícito e específico na formação inicial, constituindo-se em síntese do conhecimento didático, visto que essa base, em sua integralidade, não desconsidera a importância desse saber.

Sobre como se ensina em didática, o cruzamento dos dados de cada curso evidencia a centralidade do texto nas estratégias observadas. O ensino envolve necessariamente o estudo de um ou mais textos. Considerando as estratégias mais apontadas pelos licenciandos, constata-se que: 1) discussão sobre o conteúdo do texto é a mais recorrente nas aulas de didática, visto que foi a primeira mais indicada de 11 dos 14 cursos e a segunda mais indicada de dois deles; 2) leitura de texto vem logo em seguida como primeira indicação de dois cursos, segunda indicação de três e terceira indicação de três; 3) discussão temática com texto recebeu sete indicações, sendo a segunda estratégia mais indicada por dois cursos e a terceira mais indicada por cinco; 4) uma alternativa ao trabalho com texto é a exposição do professor, com cinco indicações; 5) trabalho em pequenos grupos recebeu quatro indicações, sendo a segunda estratégia mais indicada por dois cursos e a terceira mais indicada por outros dois. Como se pode depreender, mais uma vez as convergências estão notadamente centradas no uso de textos. De uma maneira ou de outra, o texto está sempre presente, seja de modo central ou periférico como se supõe quanto à exposição dos alunos e dos professores sobre o tema da aula e aos seminários, ambas as estratégias também muito citadas. Destaca-se que, além do uso de textos, apenas os seminários foram apontados por todos os licenciandos como estratégias de ensino recorrentes, inclusive sendo muito criticados no curso de Pedagogia pela quantidade excessiva e pela forma deturpada de seu desenvolvimento. É nítido que, diferentemente do relativo equilíbrio observado entre os temas ensinados, o como ensinar é algo comum, sem o necessário investimento na diversificação de atividades que contribuem para o processo de aprender. Considerando a necessidade de as aulas de didática favorecerem o desenvolvimento do conhecimento pedagógico e do conhecimento didático do conteúdo, de que maneira “se ensina como ensinar” nessas aulas para além de ler e discutir sobre o que se leu? Segundo Shulman (1987), o conhecimento pedagógico se distingue por repousar na interseção de conteúdos diversos e da pedagogia, na capacidade que um professor tem de transformar o conhecimento do conteúdo que ele possui em formas que sejam pedagogicamente eficazes e possíveis de adaptação às variações de habilidade e contexto apresentadas pelos alunos. Já o conhecimento didático do conteúdo consiste nos modos de formular e apresentar o conteúdo de forma a torná-lo compreensível aos alunos, incluindo analogias, ilustrações, exemplos, explanações e demonstrações. Trata-se, portanto, de um saber necessário ao domínio do professor para a realização de seu ofício.

Sobre o papel do formador, não há contestação por parte dos licenciandos quanto à sua importância. Os participantes da pesquisa de todos os cursos aprovaram a atuação dos formadores, evidenciando que: 1) no contexto de cinco licenciaturas, os formadores receberam mais de 90% de aprovação; 2) em outras cinco, entre 80% e 90%; 3) em três cursos, entre 70% e 79%; 4) em apenas um, 60%. Ainda que a maior parte dos licenciandos reconheça a influência do formador (média de 90%), isso não implica necessariamente consenso - haja vista a licenciatura em Física, na qual esse percentual é de 60% - e não representa uma visão estritamente positiva da prática docente dos formadores. De modo geral, os dados indicam que os licenciandos reconhecem a influência dos seus formadores nas suas futuras práticas docentes a despeito da qualidade que atribuem a essas práticas. A maior parte dos respondentes se afiliou à ideia de que a influência do formador está no que se quer ou não replicar: um modelo para o bem ou para o mal, mesmo que seja no sentido de “nunca fazer isso”. Esse aspecto que comunga sentimentos tão antagônicos explicita algumas contradições. Por exemplo, os licenciandos de Filosofia foram muito críticos quanto aos seus formadores, mas ao falarem da influência deles revelaram majoritariamente aspectos positivos das práticas de seus professores. Isso se observou de modo contrário na Pedagogia, em que os licenciandos elogiaram muito seus docentes, mas quando questionados sobre a influência destes seguiram a mesma ideia de modelo para o bem ou para mal, no qual acentuaram críticas aos fazeres de seus formadores. Esse resultado exige problematizar como o saber da ação pedagógica (Gauthier, 1998) vem elaborando-se e dando-se a conhecer por meio dos formadores quando ensinam.

A análise sobre o que prevalece como didática nos cursos de formação de professores e seus efeitos para o processo de constituição profissional de futuros docentes evidencia que o ensino de didática se estrutura em torno de temas que fundamentam esse ofício, ficando sob a responsabilidade da didática (geral) as teorizações sobre o ensino. Quanto ao processo de ensino em si, no que toca à sua objetivação na sala de aula, e considerando a particularidade disciplinar, a responsabilidade maior é das didáticas específicas. Os participantes as consideram mais contributivas para sua formação de professor, com exceção dos estudantes do curso de Pedagogia. Nesse aspecto, os dados da pesquisa manifestaram diferença entre os licenciandos desse curso e os dos demais. A pedagogia, dada sua abrangência e responsabilidade de formar o professor para a educação infantil (creche e pré-escola), o professor alfabetizador é aquele que ensina língua portuguesa, matemática, ciências da natureza, história e geografia, entre outros componentes curriculares, sofre mais agudamente as limitações da formação disciplinar. Para esses licenciandos, as didáticas específicas ficaram muito aquém do que eles necessitam para sua base de conhecimento profissional docente. Sobre os tipos prevalecentes de mediações que permeiam o ensino de didática nos cursos de licenciatura investigados, não houve diferenças significativas quanto ao que correntemente acontece nas salas de aula do ensino superior. As aulas de didática, na visão dos licenciandos investigados, não aparecem como referenciais de relação entre conteúdo e método. Os alunos reconhecem a importância da didática para sua formação de professor, mas contestam a falta de referenciais práticos no que tange aos temas trabalhados. Nessa perspectiva, o papel do formador se mostra um diferencial; para muitos, é ele que faz valer a pena ou não a disciplina. A dimensão prática, tão questionada, surge do modo pelo qual o formador planeja, organiza e propõe as atividades e avalia, problematiza e relaciona os temas. O papel do professor formador é cada vez mais relevado no ensino de didática, visto que ele é parâmetro de constituição de identidade docente para seus licenciandos, seja porque ensina sabendo as razões pelas quais ensina ou não, o que se revelará como “modelo às avessas”. Esse quadro evidencia que o ensino da didática ainda tem alguns desafios a serem assumidos e enfrentados no intuito de favorecer o aprendizado da docência.

Para concluir

No decorrer deste texto, três traços - conceituais, contextuais e de pesquisa - ajudaram a entrelaçar a argumentação sobre a relação entre didática e docência no ensino superior. Conceitualmente, parte-se da compreensão de que a didática constitui campo investigativo, disciplinar e profissional sobre o ensino, produzindo saberes essenciais para a formação e a prática de professores de todos os níveis, incluindo o ensino superior.

Contextualmente, entretanto, a DES parece abdicar de uma formação específica em didática, posto que a atuação de seus professores considera primordialmente o domínio do corpo conceitual de cada área sem preocupação com a formação pedagógica. Do ponto de vista legal, não há legislação específica sobre a formação pedagógica para a DES, reforçando o sentido prevalecente de que o professor do ensino superior é catedrático, especialista de uma área e pesquisador, o que por si só lhe outorga a condição de ser também um professor. Nesse sentido, a identidade profissional do docente do ensino superior é em geral hibridizada, com fortes marcas da formação e do exercício profissional que ancora sua docência.

Investigativamente, apresentam-se resultados de duas pesquisas sobre a formação em didática de futuros professores, sendo uma na visão de docentes do ensino superior e outra na visão de estudantes de cursos de licenciatura, no intuito de demonstrar o estado atual do ensino de didática na formação de professores, na perspectiva do professor formador - aquele que atua na formação docente para a educação básica, no contexto do ensino superior. Esses estudos ajudam a compreender a complexidade do trabalho do professor para ensinar, na sua própria perspectiva e na de seus alunos, o que exige cada vez mais investimento na mobilização de saberes de modo a superar a dissociação entre conhecimento do conteúdo da matéria ensinada (subject knowledge matter), conhecimento pedagógico da matéria (pedagogical knowledge matter) e conhecimento curricular (curricular knowledge).

Assim, ressalta-se que, sendo o ensino uma ação especializada exercida pelo professor, envolvendo uma base de conhecimentos e, por isso, exigindo formação específica, e sendo a didática o domínio de conhecimento responsável pelo processo ensino-aprendizagem, a DES, pelo contexto em que se apresenta e pelo que as investigações indicam, não pode se abster de exigir a formação em didática para seu exercício. Mais do que um preparatório sobre métodos e técnicas, faz mister reconhecer a necessidade de que para ensinar não é suficiente saber o conteúdo, mas também as razões pelas quais se ensina de determinada forma. Nesse sentido, o domínio da didática é potente para se constituir em expressão-síntese do conhecimento especializado do professor para ensinar em qualquer nível, inclusive na educação superior

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Dec 2017

Histórico

  • Recebido
    10 Set 2016
  • Revisado
    20 Mar 2017
  • Aceito
    20 Abr 2017
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