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O praxema no contexto esportivo: a linguagem expressa pelo corpo, a exemplo do voleibol

The Praxema in the sport context: language expressed through the body, as seen in volleyball

El praxema en el contexto deportivo: el lenguaje expresado por el cuerpo, el ejemplo del voleibol

Resumo:

O esporte configura-se como um fenômeno sociocultural de grande relevância para a humanidade, sendo uma das manifestações culturais mais difundidas socialmente, inclusive nos mais diferentes âmbitos de ensino. Como uma teoria que objetiva analisar a lógica interna das práticas motrizes, assim como das esportivas, e auxiliar em seu processo de ensino-aprendizagem, a Praxiologia Motriz caracteriza-se como uma ciência que apresenta diferentes conhecimentos. Um deles é o praxema, elemento específico do jogo, referente à linguagem corporal do jogador, que se manifesta por meio das ações motrizes, sendo uma forma de comunicação e de contracomunicação não verbal. Com base nisso, este artigo objetiva elucidar o praxema no contexto esportivo, tomando como exemplo o voleibol, e sua importância na leitura de jogo e na atuação de seus jogadores. Para isso, realizou-se uma pesquisa teórica, de cunho exploratório, mediante a qual se constatou que a orientação e a linguagem corporal dão indícios aos jogadores sobre qual praxema será manifestado e, portanto, a intencionalidade e as ações motrizes que serão executadas em determinada situação do jogo, tanto por companheiros quanto por adversários. Consequentemente, isso os auxiliará nos processos de análise, interpretação e antecipação, bem como na leitura de jogo e na tomada de decisão dos participantes dessa modalidade esportiva.

Palavras-chave:
praxema; praxiologia motriz; voleibol

Abstract:

Sport is a sociocultural phenomenon highly-relevant to humanity, being one of the most socially-diffused cultural manifestations among the various fields of teaching. Since this theory aims to analyze the internal logic of motor and sportive practices, as well as to aid in its teaching-learning-training process, Motor Praxeology is a science of varied knowledge. Praxema is one of them, a specific element of the game, referring to the player’s body language that manifests itself through motor actions, being a form of non-verbal (counter)communication. To this purpose, this research aims to elucidate the praxema in the sport context, taking volleyball as an example, and its importance for the reading of game and for the performance of players. Thus, this theoretical exploratory research verified that the orientation and corporal language indicates to players which praxema will be manifested and, therefore, the intentionality and the motor actions that will be executed in a given game situation, by both teammates and opponents. Consequently, this will assist them in the processes of analysis, interpretation and anticipation, as well as in the reading of the game and in the decision making of participants of that sporting modality.

Keywords:
motor praxeology; praxema; volleyball

Resumen

El deporte se configura como un fenómeno sociocultural de gran relevancia para la humanidad, presentándose como una de las manifestaciones culturales más difundidas socialmente, en los más diferentes ámbitos de enseñanza. Como una teoría que objetiva analizar la lógica interna de las prácticas motrices, así como las deportivas, y auxiliar en su proceso de enseñanza-aprendizaje-entrenamiento, la praxiología motriz se caracteriza como una ciencia que presenta diferentes conocimientos. Uno de ellos es el praxema, elemento específico del juego, referente al lenguaje corporal del jugador que se manifiesta por medio de las acciones motrices, siendo una forma de (contra)comunicación no verbal. A partir de eso, esa investigación objetiva dilucidar el praxema en el contexto deportivo, a ejemplo del voleibol, y su importancia en la lectura del juego y en la actuación de sus jugadores. Para ello, se realizó una investigación teórica, de cuño exploratorio, por medio del cual se constató que la orientación y el lenguaje corporal dan indicios a los jugadores sobre qué praxema será manifestado y, por lo tanto, la intencionalidad y las acciones motrices que serán ejecutadas en una determinada situación del juego, tanto por compañeros como por adversarios. En consecuencia, esto los ayudará en los procesos de análisis, interpretación y anticipación, así como en la lectura de juego y en la toma de decisión de los participantes de esa modalidad deportiva.

Palabras clave:
praxema; praxiología motriz; voleibol

Introdução

Uma das manifestações culturais mais difundidas socialmente, o esporte se apresenta como um fenômeno sociocultural de grande relevância para a humanidade. Ao considerar a categorização dos esportes, os jogos esportivos coletivos (JECs) constituem-se por um conjunto de modalidades esportivas que englobam disputas entre equipes, nas quais se conta com a participação de companheiros e de adversários (Greco, 1998GRECO, P. J. Iniciação Esportiva Universal 2: metodologia da iniciação esportiva na escola e no clube. Belo Horizonte: UFMG, 1998.; Ribas, 2014RIBAS, J. F. M. Praxiologia motriz e voleibol: elementos para o trabalho pedagógico . Ijuí: Unijuí , 2014.). Essas modalidades se diferem das demais práticas esportivas por vários aspectos específicos de sua lógica de funcionamento, dentre eles ressalta-se a relação com os demais jogadores. Assim, os JECs se caracterizam pelo confronto entre duas equipes dispostas em um terreno de jogo, que têm como principal objetivo marcar gols ou pontos, alternando ações de ataque e defesa (Silva, 1998SILVA, J. M. G. O ensino dos jogos desportivos coletivos: perspectivas e tendências. Movimento, Porto Alegre, v. 1, n. 8, p. 19-26, 1998.).

Dentre as modalidades pertencentes aos JECs, pode-se destacar o voleibol como uma das mais praticadas no contexto brasileiro (Brasil. ME, 2013BRASIL. Ministério do Esporte (ME). Diagnóstico nacional do esporte. Brasília, 2013. Disponível em: <Disponível em: http://www.esporte.gov.br/diesporte/index.html >. Acesso em: 18 maio 2018.
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), em diferentes âmbitos de ensino, seja ele formal ou informal. Sendo assim, o voleibol se caracteriza como um esporte dinâmico. As ações realizadas durante o jogo não podem ser individualizadas, não é possível que os jogadores executem sucessivos toques na bola, em virtude de a habilidade motora básica do jogo ser o ato de rebater, o que inviabiliza que os jogadores retenham a bola para si e a monopolizem (Fagundes et al., 2017FAGUNDES, F. M. et al. As interações motrizes do saque e da recepção e suas influências no voleibol: uma compreensão praxiológica. Motrivivência, Florianópolis, v. 29, n. esp., p. 225-242, dez. 2017.). Para atingir o objetivo do jogo, torna-se necessário que seus participantes cooperem, criando as melhores estratégias durante as situações, de modo a dificultar ao máximo as ações de seus oponentes, contracomunicando-se com a equipe adversária (Ribas, 2014RIBAS, J. F. M. Praxiologia motriz e voleibol: elementos para o trabalho pedagógico . Ijuí: Unijuí , 2014.).

Para que as interações de cooperação e oposição sejam estabelecidas entre companheiros e adversários, respectivamente, torna-se imprescindível que, além da eficiência na execução das ações técnicas, os jogadores tenham a capacidade de ler e interpretar o contexto do jogo, de antecipar-se às ações dos demais participantes, de realizar análises do comportamento e da intencionalidade dos jogadores, bem como, posteriormente a todos esses processos, de tomar a melhor decisão diante das inúmeras possibilidades de ações. Pode-se enfatizar o praxema como um dos conhecimentos que dizem respeito à leitura de jogo e que auxiliam os jogadores no desenvolvimento e aprimoramento dos processos de análise, antecipação e tomada de decisão. Esse se caracteriza como um conhecimento referente à leitura corporal dos jogadores, apresentando-se como um elemento fundamental para o participante atuar e interpretar o jogo, bem como para estabelecer a comunicação e a contracomunicação com os demais (Oliveira; Ribas; Gomes-Da-Silva, 2018OLIVEIRA, R. V.; RIBAS, J. F. M.; GOMES-DA-SILVA, P. N. Relação entre o praxema e as interações motrizes: implicações nos processos de leitura de jogo e tomada de decisão nos jogos esportivos. Pensar a Prática, Goiânia, v. 12, n. 2, p. 473-483, abr./jun. 2018.).

De acordo com Sampedro Molinuevo (1996SAMPEDRO MOLINUEVO, J. S. Análisis praxiologico de los deportes de equipo: una aplicación al futbolsala. 1996. 928 f. Tesis (Doctoral) - Universidad Politécnica de Madrid, Las Palmas de Gran Canarias, 1996., p. 88), o praxema consiste em “ações que têm como significado ou intencionalidade de emitir mensagens prévias a execução de uma interação motriz direta. São específicos da ação motriz”1 1 Segundo Parlebas (2001, p. 41), a ação motriz configura-se como “o processo de realização das condutas motrizes de um ou vários sujeitos que atuam em determinada situação motriz”. Levando em consideração que a conduta motriz é a maneira particular de cada jogador realizar e interpretar as ações motrizes do jogo [xref ref-type="bibr" rid="r7"](Lagardera; Lavega, 2003[/xref]), a ação motriz consiste nas possibilidades de realização de movimentos técnico-táticos específicos de cada prática motriz. . Ainda conforme o autor, os praxemas são elementos específicos do jogo, sendo, por meio deles, possível prever o que acontecerá nesse contexto, mediante sua decodificação. Logo, para que os jogadores estabeleçam a comunicação de forma coerente entre os membros da equipe, com o intuito de levar vantagem sobre seus adversários, é necessário que realizem constantemente a leitura praxêmica (leitura corporal), tanto de companheiros quanto de adversários, nas diferentes situações do contexto no qual estão inseridos.

Tendo como pressuposto que o termo praxema ou leitura praxêmica é oriundo da Praxiologia Motriz, e sendo ela a teoria base deste estudo no que se refere ao ensino das práticas motrizes, torna-se necessário situá-la e explicá-la. A Praxiologia Motriz foi idealizada pelo professor francês Pierre Parlebas há mais de 30 anos, com o intuito de construir e sistematizar um conhecimento científico que compreendesse as diferentes práticas motrizes que constituem o campo da Educação Física. Conforme a definição desse autor, ela se caracteriza como a “ciência da ação motriz e especialmente das condições, modos de funcionamento e resultados de seu desenvolvimento.” (Parlebas, 2001PARLEBAS, P. Juegos, deporte y sociedades: léxico de praxiología motriz. Barcelona: Paidotribo , 2001., p. 354). Complementando esse entendimento, Lagardera e Lavega (2003LAGARDERA, F.; LAVEGA, P. Introducción a la praxiología motriz. Barcelona: Paidotribo, 2003.) destacam que a Praxiologia Motriz se apresenta como uma teoria científica que objetiva estudar e desvelar a lógica interna de jogos e esportes a partir de suas regras, tendo como campo de pesquisa as mais variadas práticas motrizes e como objeto de estudo as ações motrizes de tais práticas. Já no que tange à lógica interna, esses autores ainda abordam que ela é o modo pelo qual estão preestabelecidas as ações motrizes de um jogo ou esporte, tornando-se possível, por meio dela, conhecer as interações definidas entre os jogadores e as ações motrizes derivadas do sistema praxiológico. A lógica interna é tida como a chave do jogo, pois ela possibilita “conhecer as características de todas as ações motrizes que podem surgir de um sistema praxiológico.” (Lagardera; Lavega, 2003LAGARDERA, F.; LAVEGA, P. Introducción a la praxiología motriz. Barcelona: Paidotribo, 2003., p. 68).

Constata-se, por meio da literatura nacional e internacional, que, ao fazer referência ao voleibol, diversos conhecimentos inerentes a essa prática esportiva são abordados, como suas ações técnico-táticas, os métodos de ensino mais adequados para o processo de ensino-aprendizagem, seus sistemas de jogo, entre outros. No entanto, outros conhecimentos, como os praxemas, também são notoriamente essenciais para o jogo, tendo em vista sua importância no tocante às interações de comunicação e contracomunicação estabelecidas entre os participantes e a atuação destes no contexto esportivo, além dos processos de leitura de jogo, antecipação e tomada de decisão (Oliveira; Ribas; Gomes-Da-Silva, 2018OLIVEIRA, R. V.; RIBAS, J. F. M.; GOMES-DA-SILVA, P. N. Relação entre o praxema e as interações motrizes: implicações nos processos de leitura de jogo e tomada de decisão nos jogos esportivos. Pensar a Prática, Goiânia, v. 12, n. 2, p. 473-483, abr./jun. 2018.). Já no que tange à Praxiologia Motriz, ressalta-se que seus conhecimentos possibilitam o entendimento de toda estrutura e organização interna do voleibol, desde sua classificação como jogo esportivo coletivo (JEC) até suas interações motrizes, os processos táticos de leitura de jogo e tomada de decisão, bem como a leitura praxêmica que é realizada por seus participantes. Com base nesse entendimento, esta pesquisa objetiva elucidar o praxema no contexto esportivo, tendo como exemplo o voleibol, e sua importância na leitura de jogo e na atuação dos jogadores.

Metodologia

Para alcançar o objetivo deste estudo, foi realizada uma pesquisa teórica. Utilizaram-se obras como livros, capítulos de livros e artigos científicos, materiais que contribuíram para o levantamento do referencial teórico e para os resultados. Demo (2009DEMO, P. Pesquisa e construção de conhecimento: metodologia científica no caminho de Habermas. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2009., p. 35) afirma que a pesquisa teórica é “orientada para a (re)construção de teorias, quadros de referência, condições explicativas da realidade, polêmicas e discussões pertinentes”. Ainda segundo o autor, a pesquisa teórica implica rigor conceitual, argumentação diversificada, capacidade explicativa, desempenho lógico e análise apurada da literatura. Quanto ao nível da investigação, o estudo é de cunho exploratório, pois tem como objetivo “desenvolver, esclarecer e modificar conceitos e ideias, tendo em vista a formulação de problemas mais precisos ou hipóteses pesquisáveis para estudos posteriores”. (Gil, 2008GIL, A. C. Métodos e técnicas de pesquisa social. São Paulo: Atlas, 2008., p. 27). Tendo como pressuposto que o tema praxema ou leitura praxêmica é pouco abordado pelas pesquisas científicas da área, torna-se necessário, inicialmente, realizar um aprofundamento teórico consistente em relação a ele, para ser esclarecido e suficientemente explorado.

Na busca pela delimitação do referencial teórico, empregaram-se os critérios propostos por Salvador (1986SALVADOR, A. D. Métodos e técnicas de pesquisa bibliográfica. Porto Alegre: Sulina, 1986.): parâmetro temático, principais fontes, parâmetro linguístico e parâmetro cronológico. Em relação ao parâmetro temático e às principais fontes, foram consideradas obras bibliográficas que discorrem sobre praxema/leitura praxêmica nas mais diferentes práticas esportivas, além de obras acerca dos JECs, do voleibol, da Praxiologia Motriz e alguns de seus conhecimentos, como a comunicação práxica e as interações motrizes. Desse modo, para cada uma das temáticas abordadas, usaram-se obras/autores que embasaram este trabalho. Quanto ao praxema, à Praxiologia Motriz e seus conhecimentos, utilizou-se, principalmente, a obra Juegos, deporte y sociedade: léxico de praxiología motriz, de Pierre Parlebas, base para o estudo ao se tratar dessa teoria científica; além dos autores Francisco Lagardera e Pere Lavega, com Introducción a la praxiología motriz; e João Ribas, com Praxiologia motriz e voleibol: elementos para o trabalho pedagógico.

Considerando o parâmetro linguístico, foram selecionadas e analisadas obras da literatura nacional e em espanhol, por serem bases teóricas clássicas referentes à Praxiologia Motriz e seus conhecimentos. Já em relação ao parâmetro cronológico, não foi delimitado o referencial teórico do estudo por meio de um recorte temporal, com o intuito de não perder informações essenciais contribuintes para o desenvolvimento da pesquisa.

Resultados e discussão

A Praxiologia Motriz apresenta-se como uma teoria que, além de auxiliar no ensino das mais diferentes práticas motrizes, dispõe de instrumentos que objetivam analisar sistematicamente seu funcionamento (Parlebas, 2001PARLEBAS, P. Juegos, deporte y sociedades: léxico de praxiología motriz. Barcelona: Paidotribo , 2001.). Um desses conhecimentos é a comunicação práxica, elemento peculiar da lógica interna das práticas que demonstram interações entre seus jogadores. Sendo assim, a comunicação práxica se caracteriza pela estratégia motriz dos jogadores, constituindo as características definidoras das práticas sociomotrizes2 2 Práticas em que os jogadores interagem diretamente com os demais participantes, sejam eles companheiros e/ou adversários. e de suas respectivas lógicas internas (Parlebas, 2001PARLEBAS, P. Juegos, deporte y sociedades: léxico de praxiología motriz. Barcelona: Paidotribo , 2001.), auxiliando na orientação das decisões de quem atua e nas formas mais apropriadas de se realizarem as ações motrizes em seu meio de prática. De acordo com Parlebas (2001PARLEBAS, P. Juegos, deporte y sociedades: léxico de praxiología motriz. Barcelona: Paidotribo , 2001.), a comunicação práxica compreende duas categorias: a comunicação práxica direta e a indireta. Fundamentando-se em ambas as categorias, é possível caracterizar o comportamento dos jogadores e as estratégias de cooperação e/ou oposição estabelecidas entre eles (Soares; Gomes-Da-Silva; Ribas, 2012SOARES, L. E. S.; GOMES-DA-SILVA, P. N.; RIBAS, J. F. M. Comunicação motriz nos Jogos Populares: uma análise praxiológica. Movimento, Porto Alegre, v. 18, n. 3, p. 159-182, 2012.).

Para Martínez de Santos (2008), a comunicação práxica direta abrange as interações motrizes que são permitidas pelas regras de cada jogo ou esporte, ou seja, a maneira como os jogadores se comunicam e se contracomunicam com companheiros e com adversários. Portanto, a comunicação práxica direta é composta pela comunicação motriz (interação de cooperação) e pela contracomunicação motriz (interação de oposição), possíveis formas de interações estabelecidas entre os jogadores. Já a comunicação práxica indireta se constitui pela comunicação gestêmica e pela comunicação praxêmica, as quais objetivam auxiliar no desenvolvimento das ações motrizes do jogo, por meio de informações que são extraídas de gestos e de ações individuais de quem atua (Sampedro Molinuevo, 1996SAMPEDRO MOLINUEVO, J. S. Análisis praxiologico de los deportes de equipo: una aplicación al futbolsala. 1996. 928 f. Tesis (Doctoral) - Universidad Politécnica de Madrid, Las Palmas de Gran Canarias, 1996.). Para melhor compreensão de tais conhecimentos, apresenta-se a Figura 1 a fim de elucidar a constituição da comunicação práxica e as categorias que a compõem.

Figura 1
Comunicação práxica

O gestema configura-se pela comunicação expressa por meio de gestos e códigos preestabelecidos que permitem a transmissão de mensagens entre os jogadores, de modo a facilitar a compreensão por parte dos companheiros e auxiliar na comunicação entre eles. Já o praxema é a linguagem não verbal expressa pelo corpo, sendo a expressão corporal passível de leitura e interpretação por parte dos demais jogadores (Lagardera; Lavega, 2003LAGARDERA, F.; LAVEGA, P. Introducción a la praxiología motriz. Barcelona: Paidotribo, 2003.).

Nas práticas reconhecidas como psicomotrizes, em que não há interação entre os jogadores, os processos de comunicação e contracomunicação e, consequentemente, as leituras gestêmica e praxêmica não ocorrem, por essa razão, considera-se ausente a comunicação práxica. Em contrapartida, nas práticas que apresentam algum tipo de interação motriz (sociomotrizes), a comunicação práxica está presente, pois tanto as interações quanto os gestemas e praxemas fazem parte da lógica interna dessas práticas, caracterizando-se como elementos essenciais para a atuação de seus jogadores (Parlebas, 2001PARLEBAS, P. Juegos, deporte y sociedades: léxico de praxiología motriz. Barcelona: Paidotribo , 2001.), bem como para os processos de leitura de jogo e tomada de decisão (Oliveira; Ribas; Gomes-Da-Silva, 2018OLIVEIRA, R. V.; RIBAS, J. F. M.; GOMES-DA-SILVA, P. N. Relação entre o praxema e as interações motrizes: implicações nos processos de leitura de jogo e tomada de decisão nos jogos esportivos. Pensar a Prática, Goiânia, v. 12, n. 2, p. 473-483, abr./jun. 2018.).

A comunicação práxica torna-se evidente no voleibol, tendo em vista que os jogadores se relacionam de maneira cooperativa e opositiva e, para isso, comunicam-se e contracomunicam-se por meio de gestos (gestema) e da linguagem corporal (praxema). Tais aspectos justificam a relevância da comunicação práxica como um dos critérios de classificação da Praxiologia Motriz. Corroborando isso, Soares, Gomes-da-Silva e Ribas (2012SOARES, L. E. S.; GOMES-DA-SILVA, P. N.; RIBAS, J. F. M. Comunicação motriz nos Jogos Populares: uma análise praxiológica. Movimento, Porto Alegre, v. 18, n. 3, p. 159-182, 2012.) salientam que a contracomunicação motriz é estabelecida entre duas equipes com o intuito de dificultar as ações motrizes de seus adversários, criando estratégias por intermédio de sinais visuais (gestemas) e de movimentos e expressões corporais (praxemas), para alcançar o objetivo do jogo. Sendo assim, no voleibol, as interações de cooperação e oposição se concretizam por meio dos gestemas e dos praxemas, pois será a partir deles que o jogador efetivamente se (contra)comunicará durante o jogo.

No que diz respeito à complexidade desses dois elementos no jogo, o gestema encontra-se mais presente no processo de iniciação, pois ele possibilita a compreensão das mensagens de forma clara, uma vez que apresenta mínimo grau de dificuldade na interpretação e na decodificação por parte dos adversários (Ribas, 2014RIBAS, J. F. M. Praxiologia motriz e voleibol: elementos para o trabalho pedagógico . Ijuí: Unijuí , 2014.). Assim, em níveis mais elevados do processo de ensino-aprendizagem, os praxemas progressivamente se intensificam e se sobrepõem aos gestemas devido ao fato de que a contracomunicação se torna mais elaborada ao ganhar relevância na dinâmica do jogo. A ênfase e a valorização de sua leitura começam a se tornar evidentes a partir do momento em que o jogador se conscientiza de que a precisão dos gestos técnicos não é suficiente para sobressair à equipe adversária. No entanto, ler e interpretar companheiros e adversários e realizar a leitura praxêmica constantemente no jogo configuram-se como importantes fatores para antecipar-se e, com isso, tomar, por meio da ação motriz, a decisão mais adequada no momento.

Ao se tratar especificamente do praxema, objeto de estudo desta pesquisa, Parlebas (2001PARLEBAS, P. Juegos, deporte y sociedades: léxico de praxiología motriz. Barcelona: Paidotribo , 2001., p. 349) o define como a “conduta motriz de um jogador interpretada como um signo, cujo significante é o comportamento observável e cujo significado é o projeto tático correspondente ao dito comportamento, tal e como é percebido.” Para melhor compreensão, o autor ainda exemplifica essa definição mediante a modalidade do basquetebol: em uma situação, a equipe está com a posse da bola e um de seus jogadores se desloca pela lateral da quadra; essa imagem da ação representa o “significante” de um signo, provinda da orientação e movimentação corporal do jogador enquanto ele se desloca por determinado espaço da quadra. Seu companheiro, que está com a bola, poderá interpretar esse signo como a solicitação de um passe, representando o “significado” da ação do jogador. Portanto, o significante representa o sinal que é vinculado a uma mensagem, sendo a mensagem o significado da ação que foi realizada. Conforme a Figura 2, a associação desses dois elementos, do significante (sinal) do jogador e do significado de sua ação (mensagem), corresponde ao praxema (Parlebas, 2001PARLEBAS, P. Juegos, deporte y sociedades: léxico de praxiología motriz. Barcelona: Paidotribo , 2001.).

Figura 2
Estrutura do praxema

Corroborando, Uribe Pareja (1997URIBE PAREJA, I. D. Iniciación deportiva y praxiología motriz. Educación Física e Deporte, Antioquia, v. 19, n. 2, p. 69-74, 1997., p. 72) conceitua os praxemas como as “ações motrizes dos jogadores que indicam o início ou continuidade de algumas situações práticas de jogo”. Com base nesse conceito, pode-se ainda complementar que o praxema se manifesta por meio das ações motrizes, sendo ele a parte integrante de uma ação. Já de acordo com Martínez de Santos (2008), o praxema é manifestado quando a conduta motriz de um jogador é interpretada por outro como um signo (sinal). Desse modo, constata-se que o praxema é uma forma de comunicação ou contracomunicação não verbal que auxilia ou dificulta, dependendo da interação motriz estabelecida, a leitura corporal dos jogadores, os processos de leitura de jogo e a tomada de decisão, bem como as ações motrizes de companheiros e de adversários (Brasil, 2016BRASIL, I. B. G. Avaliação dos saberes corporais do jogo de handebol: praxiologia motriz e pedagogia do esporte. 2016. 75 f. Dissertação (Mestrado em Educação Física) - Faculdade de Ciências, Universidade Estadual Paulista, Bauru, 2016.; Oliveira; Ribas; Gomes-Da-Silva, 2018OLIVEIRA, R. V.; RIBAS, J. F. M.; GOMES-DA-SILVA, P. N. Relação entre o praxema e as interações motrizes: implicações nos processos de leitura de jogo e tomada de decisão nos jogos esportivos. Pensar a Prática, Goiânia, v. 12, n. 2, p. 473-483, abr./jun. 2018.).

No voleibol, os praxemas se referem às ações motrizes pertinentes ao gesto técnico-tático do jogador, como a expressão corporal do levantador ao executar o levantamento por meio de determinada ação motriz (toque, manchete etc.). Essa leitura, que normalmente é realizada pelo atacante da mesma equipe e pelos bloqueadores e defensores adversários, é denominada leitura praxêmica (Parlebas, 2001PARLEBAS, P. Juegos, deporte y sociedades: léxico de praxiología motriz. Barcelona: Paidotribo , 2001.). Ainda de acordo com esse autor, nos esportes em que os jogadores se relacionam tanto com companheiros quanto com adversários, os praxemas se manifestam em forma de cumplicidade com companheiros e de duplicidade com oponentes, evidenciando as incertezas em decorrência das relações com tais jogadores.

Tendo como pressuposto que o jogador é um ser comunicante, todo comportamento motor que ele manifestar funcionará como um sinal. Os sinais praxêmicos são passíveis de decodificação, sendo eles que fundamentam a qualidade e a precisão das decisões e das intervenções táticas do jogador, podendo variar conforme sua capacidade (Parlebas, 2001PARLEBAS, P. Juegos, deporte y sociedades: léxico de praxiología motriz. Barcelona: Paidotribo , 2001.). Esses sinais devem ser imediatamente percebidos tanto pela equipe, para que possa ir ao encontro de suas estratégias táticas, quanto por adversários, para que se antecipem a determinadas ações. Dessa maneira, constata-se que o praxema exerce um papel essencial sobre as interações motrizes e a antecipação dos jogadores, uma vez que é por meio da linguagem do corpo que é possível emitir informações de jogador a jogador, proporcionando a leitura do jogo de forma ampla (Parlebas, 2014PARLEBAS, P. Prefácio. In. RIBAS, J. F. M. (Org.). Praxiologia motriz e voleibol: elementos para o trabalho pedagógico. Ijuí: Unijuí, 2014. p. 11-13.).

A leitura e a interpretação dos praxemas apresentam-se como algo bastante complexo, principalmente em etapas de iniciação do processo de ensino-aprendizagem, pois, diante de uma mesma situação, sua manifestação pode expressar diferentes significados para quem os observa (Lagardera; Lavega, 2003LAGARDERA, F.; LAVEGA, P. Introducción a la praxiología motriz. Barcelona: Paidotribo, 2003.). Isso se justifica visto que um mesmo sinal pode se associar a diferentes mensagens, o que explica o praxema ser considerado polissêmico, pois tem múltiplos significados (Sampedro Molinuevo, 1996SAMPEDRO MOLINUEVO, J. S. Análisis praxiologico de los deportes de equipo: una aplicación al futbolsala. 1996. 928 f. Tesis (Doctoral) - Universidad Politécnica de Madrid, Las Palmas de Gran Canarias, 1996.). Uma das ações motrizes peculiares da lógica interna de diferentes modalidades esportivas e referentes à interação de oposição é a finta. Ela é tida por Parlebas (2001PARLEBAS, P. Juegos, deporte y sociedades: léxico de praxiología motriz. Barcelona: Paidotribo , 2001.) como uma ação que permite expor alguns dos procedimentos do praxema. A finta é realizada no jogo para levar vantagem sobre o adversário e desequilibrá-lo, vista por Martínez de Santos (2008MARTÍNEZ DE SANTOS, R. Ser e parecer en los juegos desportivos: una introducción a la semiotricidad. In: CONGRESO ASOCIACIÓN ESPAÑOLA DE CIENCIAS DEL DEPORTE, 5., 2008, León, España. Anais eletrônicos... León, España: FCAFD, 2008. Disponible en: <Disponible en: http://www.cienciadeporte.com/images/congresos/leon/ciencias%20sociales/martinezser.pdf >. Acceso em: 10 maio 2018.
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) como um praxema que não significa o que parece significar. A exemplo do voleibol, com o intuito de ludibriar os bloqueadores adversários, o levantador emite falsos sinais. Com intencionalidades contrárias do que realmente irá realizar, trata-se da chamada indução praxêmica, cujo significante do signo não corresponde ao seu significado (Sampedro Molinuevo, 1996SAMPEDRO MOLINUEVO, J. S. Análisis praxiologico de los deportes de equipo: una aplicación al futbolsala. 1996. 928 f. Tesis (Doctoral) - Universidad Politécnica de Madrid, Las Palmas de Gran Canarias, 1996.).

No que tange ao sistema praxiológico particular de cada prática motriz, o praxema está plenamente relacionado ao seu regulamento, pois ele depende, a priori, de sua lógica interna, bem como da facilidade/automatização dos participantes em realizar as ações do jogo, ou seja, de seu nível de habilidade (Lagardera; Lavega, 2003LAGARDERA, F.; LAVEGA, P. Introducción a la praxiología motriz. Barcelona: Paidotribo, 2003.). No futebol, por exemplo, o jogador não pode esperar que o adversário retenha a bola com as mãos para ludibriá-lo, porque a regra não permite que se realize tal ação na posição de jogador de linha. Portanto, os demais jogadores só precisam realizar a leitura praxêmica das ações que estiverem previstas e que forem permitidas pelo regulamento.

Quanto maior for a automatização e a eficiência do jogador na execução das ações motrizes, maior será sua facilidade em decodificar as mensagens emitidas pelos demais (leitura e interpretação praxêmicas), tendo em vista que a atenção e outros processos cognitivos podem se centrar quase que exclusivamente nos elementos táticos do jogo. Isso se elucida em etapas da iniciação do processo de ensino-aprendizagem quando os alunos, em decorrência de dificuldades técnicas, não conseguem ainda enfatizar e perceber determinados elementos táticos do jogo. No entanto, a compreensão desses conhecimentos (praxema, leitura de jogo, tomada de decisão) oportuniza aos jogadores maior variação em suas ações motrizes, pois, no momento em que a atenção não está mais totalmente voltada para a execução dos movimentos, é possível diversificar e ampliar as condutas motrizes, tornando o jogador imprevisível, aspecto que favorece o processo de contracomunicação motriz.

Já no que diz respeito aos tipos de praxemas que são manifestados nos JECs, Sampedro Molinuevo (1996SAMPEDRO MOLINUEVO, J. S. Análisis praxiologico de los deportes de equipo: una aplicación al futbolsala. 1996. 928 f. Tesis (Doctoral) - Universidad Politécnica de Madrid, Las Palmas de Gran Canarias, 1996.) propõe uma classificação em seu estudo distribuindo-os em quatro grupos: conforme sua intencionalidade, sua complexidade, o tempo em que se realizam e os praxemas de ataque e defesa. No grupo referente à intencionalidade, o autor apresenta os seguintes praxemas:

  • • Praxemas de intencionalidade prevista: são aqueles que se manifestam com determinada intencionalidade preestabelecida pela equipe, fazendo parte de sua estratégia.

  • • Praxemas intuitivos: são aqueles relacionados às vivências e às experiências dos jogadores, não combinados previamente pela equipe.

Quanto à complexidade, têm-se os seguintes tipos:

  • • Praxemas simples: são os de fácil realização e interpretação, emitidos por meio de ações motrizes simples de serem executadas.

  • • Praxemas complexos: são aqueles cuja manifestação se dá a partir da realização de várias ações motrizes. Geralmente esse tipo de praxema é característico do jogador com mais experiência e/ou habilidade. Podem-se considerar como exemplos de praxemas de alta complexidade alguns expostos pelo levantador do voleibol, uma vez que esse jogador é considerado, segundo Soares, Gomes-da-Silva e Ribas (2012SOARES, L. E. S.; GOMES-DA-SILVA, P. N.; RIBAS, J. F. M. Comunicação motriz nos Jogos Populares: uma análise praxiológica. Movimento, Porto Alegre, v. 18, n. 3, p. 159-182, 2012.), o mestre dos praxemas.

Tendo em vista o tempo em que se realizam os praxemas, esses podem se manifestar:

  • • No tempo de bola parada: são aqueles emitidos antes de a bola ser colocada em jogo. Tomando como exemplo o estudo de Sampedro Molinuevo (1996)SAMPEDRO MOLINUEVO, J. S. Análisis praxiologico de los deportes de equipo: una aplicación al futbolsala. 1996. 928 f. Tesis (Doctoral) - Universidad Politécnica de Madrid, Las Palmas de Gran Canarias, 1996. sobre o futsal, é possível que os jogadores dessa modalidade esportiva expressem praxemas quando a bola não está em jogo, assim como no basquetebol, no futebol, no handebol e no rugby. No entanto, no voleibol, só há possibilidade de se ter a posse da bola em um determinado momento do jogo, pois a habilidade motora básica que rege essa modalidade é o ato de rebater. Com isso, esse tipo de praxema só poderá ser manifestado no saque, uma vez que esse é o único momento do jogo em que é permitido que o participante retenha a bola antes de realizar determinada ação motriz, ou seja, antes de colocá-la em jogo.

  • • Em jogo: ao contrário do descrito no tópico anterior, esses são quaisquer praxemas manifestados quando a bola está em jogo. Por exemplo, no voleibol, são os praxemas emitidos durante todo o rali, que vai desde o lançamento da bola no saque até o momento em que uma das equipes pontua.

O último grupo de praxemas diz respeito àqueles emitidos no ataque e na defesa, dado que, no futsal, objeto de estudo de Sampedro Molinuevo (1996SAMPEDRO MOLINUEVO, J. S. Análisis praxiologico de los deportes de equipo: una aplicación al futbolsala. 1996. 928 f. Tesis (Doctoral) - Universidad Politécnica de Madrid, Las Palmas de Gran Canarias, 1996.), bem como no basquetebol, no futebol, no handebol e no rugby, são esses os momentos do jogo, justamente por serem esportes caracterizados como de invasão. Por outro lado, no voleibol pode-se transferir esse grupo de praxemas, considerando que os momentos do jogo são saque, recepção, levantamento, ataque, bloqueio e defesa (Ribas, 2014RIBAS, J. F. M. Praxiologia motriz e voleibol: elementos para o trabalho pedagógico . Ijuí: Unijuí , 2014.). Com isso, a partir do caráter defensivo ou ofensivo dos momentos do voleibol, os jogadores podem manifestar determinados praxemas que vão ao encontro da intencionalidade do momento, bem como da respectiva interação motriz de cooperação e/ou oposição estabelecida entre eles.

Alicerçado nas definições e elucidações até então apresentadas acerca do praxema, faz-se necessário exemplificar esse conhecimento detalhadamente no contexto do voleibol, considerando seus momentos do jogo, as interações motrizes estabelecidas entre seus participantes e sua lógica interna.

Assim, tomando como exemplo o levantamento, caracterizado como o segundo momento de uma equipe na organização de seu sistema ofensivo, este possui interações motrizes tanto de cooperação quanto de oposição com os demais momentos do jogo. O principal objetivo desse momento e do jogador que nele atua é deixar seus atacantes nas melhores condições e, para isso, é preciso dificultar a leitura dos bloqueadores e defensores adversários no que diz respeito a qual jogador irá realizar o ataque e em qual região da quadra (Ribas, 2014RIBAS, J. F. M. Praxiologia motriz e voleibol: elementos para o trabalho pedagógico . Ijuí: Unijuí , 2014.). A oposição do levantador estabelecida com os bloqueadores e defensores adversários se materializa por meio de seu movimento e orientação corporal, ou seja, pela manifestação de praxemas. É a partir do praxema que o levantador poderá se opor a esses jogadores, ao induzi-los à leitura equivocada de suas ações motrizes por meio da linguagem corporal, fazendo com que eles se desloquem e se posicionem no local inverso da quadra de onde realmente ocorrerá o ataque.

Desse modo, o levantador precisa dificultar ao máximo a leitura e a interpretação de suas ações e decisões, elaborando as melhores estratégias e enviando mensagens obscuras a seus adversários. No entanto, essas mensagens precisam ser claras e previsíveis para os seus companheiros (atacantes), caso contrário, o sistema ofensivo da equipe não acorrerá de forma eficiente, indo de encontro à essência da comunicação motriz. Partindo desse pressuposto, expõem-se as Figuras 3 e 4, referentes às possibilidades de levantamento, passíveis de leitura, interpretação e antecipação por meio da orientação corporal (praxema) dos levantadores, quando realizado mediante a ação motriz do toque.

Figura 3
Manifestação de praxemas no levantamento do voleibol (levantamento para frente)

Figura 4
Manifestação de praxemas no levantamento do voleibol (levantamento para trás)

A partir das imagens apresentadas, é possível identificar que ambas as levantadoras emitem determinadas mensagens no que diz respeito à direção de seu levantamento, por meio de movimentação corporal, principalmente do tronco, dos membros superiores e da cabeça (significante). Na Figura 3, percebe-se que a jogadora irá executar o levantamento para frente, entrada de rede ou meio de rede (significado). Todavia, na Figura 4, é possível verificar que provavelmente o levantamento será realizado para trás (significado), devido à movimentação e à inclinação do tronco e da cabeça da jogadora (significante). Portanto, alicerçados na leitura praxêmica, os bloqueadores tomarão a decisão sobre o local em que deverão se posicionar na rede, enquanto os defensores, a região da quadra em que deverão se distribuir. É com base nessas duas formas de levantamento e nas respectivas manifestações praxêmicas desses jogadores que de fato se efetivam as interações motrizes de oposição, estabelecidas entre o levantador e o bloqueador e defensor, e de cooperação, entre o levantador e o atacante.

Corroborando a exemplificação, apresenta-se também o momento do ataque (Figuras 5 e 6). A manifestação de praxemas é bastante evidente no que se refere às interações de oposição e cooperação estabelecidas com os momentos do bloqueio e da defesa e com o do levantamento, respectivamente. No que tange à contracomunicação motriz (oposição), é função dos bloqueadores e defensores realizarem a leitura praxêmica dos atacantes adversários, principalmente em relação à movimentação de seus membros superiores, com o objetivo de decifrar a intencionalidade e a ação motriz que eles executarão. Nesse caso, a oposição faz-se evidente e existe dificuldade na execução das ações motrizes quando o atacante emite praxemas “falsos” e imprevisíveis, com o intuito de ludibriar seus oponentes ou na tentativa de lhes causar dúvidas sobre qual decisão irá tomar.

Figura 5
Manifestação de praxemas no ataque do voleibol (ataque potente)

Figura 6
Manifestação de praxemas no ataque do voleibol (largada)

Para sobressair ao bloqueio adversário, o atacante precisa emitir praxemas equivocados sobre o direcionamento de seu corpo, por exemplo, posicioná-lo na diagonal e atacar na paralela, o que dificulta tanto o posicionamento dos bloqueadores quanto da defesa adversária. Outro praxema bastante comum no voleibol, que se expressa simultaneamente à execução da ação motriz e que caracteriza a oposição entre esses momentos, é a forma como o atacante rebate a bola. A movimentação de sua mão parece ser um elemento insignificante, no entanto, pelo contrário, diz muito sobre a intencionalidade do jogador acerca do que ele irá fazer.

Como representado na cena à esquerda (Figura 5), a forma como o atacante rebate a bola, ou seja, o movimento específico de seus braços e mãos (significante), dá indícios de que ele realizará um ataque potente (significado); enquanto isso, na cena à direita (Figura 6), o atacante executará a chamada “largada” (significado). A partir da leitura praxêmica realizada pela defesa, a decisão mais adequada a se tomar na primeira situação é posicionar-se mais afastadamente da rede; ao passo que, na segunda, é situar-se mais próximo à rede para conseguir defender a bola “largada” vinda do ataque.

Não obstante, destaca-se que esses elementos corporais que orientam a leitura praxêmica podem ser alterados pelo jogador até o último instante antes da execução da ação motriz, justamente para dificultar ainda mais a leitura e, principalmente, a antecipação de seus adversários. Salienta-se ainda que os jogadores precisam compreender que todos são portadores de mensagens e de sinais, voluntariamente ou não, e, por isso, ao mesmo tempo que o jogador realiza a leitura e a interpretação dos praxemas dos adversários, seus movimentos e sua linguagem corporal também são constantemente interpretados durante o jogo (Parlebas, 2001PARLEBAS, P. Juegos, deporte y sociedades: léxico de praxiología motriz. Barcelona: Paidotribo , 2001.).

Considerações finais

Tendo em vista a relevância do voleibol no contexto brasileiro, é necessária uma teoria científica que objetive analisar e desvelar a lógica interna dessa modalidade esportiva. Para isso, a Praxiologia Motriz, caracterizada como a Ciência da Ação Motriz, apresenta diversos conhecimentos que podem ser aplicados a todas as práticas que constituem a área da Educação Física, assim como o voleibol. Dentre esses conhecimentos destaca-se o praxema, conceito que diz respeito à linguagem corporal dos jogadores que atuam em determinada prática. Baseada nisso, a presente pesquisa objetivou elucidar o praxema no contexto esportivo, tendo como exemplo o voleibol, e sua importância na leitura de jogo e na atuação de seus jogadores.

Com base nesse pressuposto, defende-se que, durante o processo de ensino-aprendizagem do voleibol, em seus mais diferentes âmbitos de ensino, o professor deve desenvolver os processos de leitura de jogo e tomada de decisão, contemplando alguns conhecimentos específicos de sua lógica interna, como as interações motrizes de cooperação e oposição que são estabelecidas entre os jogadores. Para tanto, deve-se destacar o praxema como elemento fundamental do desenvolvimento e/ou do aprimoramento dos processos mencionados, uma vez que ele exerce importante papel sobre a atuação do jogador no contexto em que está inserido e sobre a interpretação e leitura do jogo (Oliveira; Ribas; Gomes-Da-Silva, 2018OLIVEIRA, R. V.; RIBAS, J. F. M.; GOMES-DA-SILVA, P. N. Relação entre o praxema e as interações motrizes: implicações nos processos de leitura de jogo e tomada de decisão nos jogos esportivos. Pensar a Prática, Goiânia, v. 12, n. 2, p. 473-483, abr./jun. 2018.).

O ensino dos conhecimentos supracitados justifica-se na medida em que a orientação e a linguagem corporal dão indícios aos demais jogadores sobre qual praxema será manifestado e, portanto, a intencionalidade e as ações motrizes que serão executadas, tanto por companheiros quanto por adversários, o que auxilia nos processos de análise, de interpretação e de antecipação por parte desses jogadores.

Portanto, salienta-se que a compreensão desses conhecimentos e de sua importância perante a lógica interna do voleibol contribui para o êxito dos jogadores e para a eficácia de suas ações e decisões a serem tomadas nas diferentes situações do jogo, bem como para o melhor entendimento acerca do funcionamento deste. Diante disso, além da prática propriamente dita, o aluno também compreende os “porquês” do jogo e toda sua estrutura, ou seja, sua lógica interna, passando a agir autonomamente dentro desse contexto esportivo e, sobretudo, educativo

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    » http://voleifotos.blogspot.com/
  • 1
    Segundo Parlebas (2001, p. 41), a ação motriz configura-se como “o processo de realização das condutas motrizes de um ou vários sujeitos que atuam em determinada situação motriz”. Levando em consideração que a conduta motriz é a maneira particular de cada jogador realizar e interpretar as ações motrizes do jogo [xref ref-type="bibr" rid="r7"](Lagardera; Lavega, 2003LAGARDERA, F.; LAVEGA, P. Introducción a la praxiología motriz. Barcelona: Paidotribo, 2003.[/xref]), a ação motriz consiste nas possibilidades de realização de movimentos técnico-táticos específicos de cada prática motriz.
  • 2
    Práticas em que os jogadores interagem diretamente com os demais participantes, sejam eles companheiros e/ou adversários.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Out 2020
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2020

Histórico

  • Recebido
    02 Fev 2019
  • Aceito
    12 Fev 2020
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