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Abordagens pedagógicas em Educação Ambiental: uma revisão sistemática

Pedagogical approaches in environmental education: a systematic review

Enfoques pedagógicos en Educación Ambiental: una revisión sistemática

Resumo:

Com o objetivo de analisar as concepções e abordagens pedagógicas da educação ambiental (EA), foi realizada uma revisão sistemática nos artigos da Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos (RBEP) entre os anos de 2010 e 2020. A revisão apresenta 11 artigos, analisados com base na operacionalização de Minayo (1999). As categorias a priori se constituem em concepções tradicionais e inovadoras de EA, utilizando como critério de classificação os indicadores elaborados mediante o cruzamento das abordagens do ensino de Mizukami (1986), dos paradigmas educacionais de Behrens (2013) e das correntes de EA de Sauvé (2005). Os resultados demonstram o predomínio da concepção inovadora, sobretudo pelo fato de a maioria dos trabalhos ter sido publicada após o ano de 2015. A diferença temporal é outro fator a considerar: apenas um trabalho incluído na categoria das concepções tradicionais foi publicado nos últimos cinco anos. Acredita-se que os resultados possam contribuir para a ampliação do debate quanto à importante relação entre a abordagem pedagógica e as características da EA na prática docente.

Palavras-chave:
revisão sistemática; educação ambiental; abordagem pedagógica; prática docente; meio ambiente.

Abstract:

In order to analyze the pedagogical concepts and approaches of environmental education, a systematic review was carried out in the texts of the Brazilian Journal of Pedagogical Studies, between 2010 and 2020. The review presents 11 studies, analyzed from the operationalization of Minayo (1999). The categories were, initially, constituted of traditional and innovative concepts of environmental education, using as classification criteria indicators elaborated from the intersection of teaching approaches by Mizukami (1986), the educational paradigms presented by Behrens (2013), and the current views on environmental education by Sauvé (2005). Results demonstrated a predominance of innovative concepts, mainly because most of the works were published from 2015 onwards. Time discrepancy is another factor to be considered; only one work included in the category of traditional concepts was published in the last 5 years. It is believed that the results ought to broaden the debate on the important link between pedagogical approaches and the characteristics of environmental education in the teaching practice.

Keywords:
systematic review; environmental education; pedagogical approaches; teaching practice; environment.

Resumen:

Con el objetivo de analizar los conceptos y enfoques pedagógicos de la Educación Ambiental (EA), se realizó una revisión sistemática en los artículos de la Revista Brasileña de Estudios Pedagógicos entre los años 2010 y 2020. La revisión presenta 11 artículos, analizados con base en la operacionalización de Minayo (1999). Las categorías a priori consisten en concepciones tradicionales e innovadoras de EA, utilizando como criterios de clasificación los indicadores elaborados a partir del cruce de enfoques didácticos de Mizukami (1986), los paradigmas educativos de Behrens (2013) y las corrientes de EA de Sauvé (2005). Los resultados evidencian el predominio de la concepción innovadora, debido principalmente a que la mayoría de los trabajos fueron publicados después del año 2015. La diferencia temporal es otro factor para considerar: solo un trabajo incluido en la categoría de concepciones tradicionales fue publicado en los últimos 5 años. Se cree que los resultados pueden contribuir a ampliar el debate sobre la importante relación entre el enfoque pedagógico y las características de la EA en la práctica docente.

Palabras clave:
revisión sistemática; educación ambiental; enfoque pedagógico; práctica docente; medio ambiente.

Introdução

A crise socioambiental alerta sobre o imperativo do trabalho com questões socioambientais em todos os níveis de ensino, o que é, inclusive, determinado pelas Diretrizes Curriculares de Educação Ambiental (DCNEA) (Brasil. CNE. CP, 2012BRASIL. Conselho Nacional de Educação (CNE). Conselho Pleno (CP). Resolução nº 2, de 15 de junho de 2012. Estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Ambiental. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 18 jun. 2012. Seção 1, p. 70.). Além da obrigatoriedade, é necessária a reflexão sobre como se desenvolve a prática pedagógica para que se supere a ainda predominante forma tradicional e, por vezes, descontextualizada da realidade (Rodrigues; Saheb, 2019RODRIGUES, D. G.; SAHEB, D. A formação continuada do professor de educação infantil em educação ambiental. Ciência & Educação, Bauru, v. 25, n. 4, p. 893-909, out./dez. 2019.). Destaca-se também que, na prática docente, a prática pedagógica está marcada por interseções entre as abordagens. Embora elas se distanciem em situações como a ênfase do processo, por exemplo, convergem nos objetivos propostos, ou seja, a promoção da educação (Martins, 2003MARTINS, P. L. O. A didática e as contradições da prática. Campinas: Papirus , 2003. (Coleção Magistério: Formação e Trabalho Pedagógico).). De igual maneira, convém ressaltar que a prática docente possui a característica da pluralidade, sendo composta por diversos referenciais utilizados pelos educadores a depender de cada situação (Tardif, 2014TARDIF, M. Saberes docentes e formação profissional. 17. ed. Petrópolis: Vozes , 2014.).

Nesse sentido, busca-se articular a contribuição de um clássico sobre abordagens de ensino e aprendizagem (Mizukami, 1986MIZUKAMI, M. G. N. Ensino: as abordagens do processo. São Paulo: EPU, 1986. (Temas Básicos de Educação e Ensino).) às correntes de educação ambiental (EA) (Sauvé, 2005SAUVÉ, L. Uma cartografia das correntes em educação ambiental. In: SATO, M.; CARVALHO, I. C. M. (Ed.). Educação ambiental: pesquisa e desafios . Porto Alegre: Artmed , 2005. p. 17-44.), corroborando a compreensão de que existe uma importante relação entre o que e como o professor ensina e a construção das concepções das questões socioambientais pelos estudantes.

De acordo com Mizukami (1986MIZUKAMI, M. G. N. Ensino: as abordagens do processo. São Paulo: EPU, 1986. (Temas Básicos de Educação e Ensino).), o fenômeno educativo pode ser concebido de diversas formas. Ao passo que é humano, ele também é histórico e possui múltiplas dimensões: a técnica, a cognitiva, a emocional, a sociopolítica e a cultural, as quais não estão apenas justapostas, mas agem e retroagem uma sobre a outra. Tal perspectiva a respeito da educação se relaciona com o que expõe Morin (2015MORIN, E. Ensinar a viver: manifesto para mudar a educação. Tradução de Edgard de Assis Carvalho e Mariza Perassi Bosco. Porto Alegre: Sulina, 2015.) sobre a necessidade de promover um conhecimento pertinente na educação atual, capaz de apreender sua multidimensionalidade e usá-la a seu favor.

Nessa mesma perspectiva, a EA oferece possibilidades de promoção. Conforme o campo epistemológico escolhido, ela carrega consigo características e modos de percepção das relações entre o ser humano, seus pares e as demais formas de vida. Considera-se que as possibilidades de identificação das características da EA oferecidas por Sauvé (2005SAUVÉ, L. Uma cartografia das correntes em educação ambiental. In: SATO, M.; CARVALHO, I. C. M. (Ed.). Educação ambiental: pesquisa e desafios . Porto Alegre: Artmed , 2005. p. 17-44.) contemplam a realidade da prática docente, visto que ela é marcada pelo sincretismo de origem e opções teóricas e metodológicas. “Sincretismo significa, em primeiro lugar, que seria vão, a nosso ver, procurar uma unidade teórica, ainda que superficial, nesse conjunto de conhecimentos, de saber fazer, de atitudes e de intenções” (Tardif, 2014TARDIF, M. Saberes docentes e formação profissional. 17. ed. Petrópolis: Vozes , 2014., p. 64).

Diante disso, traz-se para esta pesquisa a seguinte questão: quais concepções de EA e abordagens pedagógicas estão presentes nos artigos da Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos (RBEP) entre os anos de 2010 e 2020? Logo, tem-se como objetivo analisar as concepções e abordagens pedagógicas da EA citadas nos artigos da referida revista, no período indicado, mediante uma revisão sistemática.

Referencial teórico

As diferentes concepções de educação se revelam com base nas abordagens existentes. Ao adotar determinado tipo de abordagem em sua prática pedagógica, o educador privilegia um ou outro aspecto do fenômeno educativo (Mizukami, 1986MIZUKAMI, M. G. N. Ensino: as abordagens do processo. São Paulo: EPU, 1986. (Temas Básicos de Educação e Ensino).). Nesse sentido, de acordo com Behrens (2013BEHRENS, M. A. O paradigma emergente e a prática pedagógica. Petrópolis: Vozes, 2013.), o processo pedagógico se fundamentou em duas principais dimensões ao longo da história: a tradicional e a inovadora.

Entende-se por paradigma tradicional aquele que objetiva a reprodução e a mecanização do conhecimento, atrelando-o a práticas educativas que priorizam a cópia e a repetição de conceitos (Behrens, 2013BEHRENS, M. A. O paradigma emergente e a prática pedagógica. Petrópolis: Vozes, 2013.). Já a concepção inovadora, segundo a mesma autora, diz respeito àquela que se apoia, sobretudo, na produção do conhecimento, compreendendo o processo de ensino-aprendizagem como uma via emancipatória.

Nessa mesma perspectiva, porém com foco na EA, Sauvé (2005SAUVÉ, L. Uma cartografia das correntes em educação ambiental. In: SATO, M.; CARVALHO, I. C. M. (Ed.). Educação ambiental: pesquisa e desafios . Porto Alegre: Artmed , 2005. p. 17-44.) identifica 15 correntes que fundamentam as práticas no campo: naturalista, conservacionista, resolutiva, sistêmica, científica, humanista, moral e ética, holística, biorregionalista, práxica, crítica, feminista, etnográfica, da ecoeducação e da sustentabilidade, o que não encerra a possibilidade de existirem outras. Dessa forma, “A noção de corrente se refere aqui a uma maneira geral de conceber e de praticar a educação ambiental” (Sauvé, 2005, p. 17).

Corroborando essa ideia, Carvalho, Saheb e Campos (2018CARVALHO, A. M.; SAHEB, D.; CAMPOS, M. A. T. A construção ontológica do campo da educação ambiental: 30 questões fundamentais ao debate. Remea: Revista Eletrônica do Mestrado em Educação Ambiental, Rio Grande, v. 35, n. 2, p. 333-347, maio/ago. 2018., p. 336) destacam que, “apesar das diferentes tendências que se manifestam no campo, estas não devem ser vistas como um esquema binário ou dicotômico, mas como expressões de uma multiplicidade de posições”. Levando isso em consideração, busca-se, nesse referencial teórico, estabelecer relações entre as correntes da EA apresentadas por Sauvé (2005SAUVÉ, L. Uma cartografia das correntes em educação ambiental. In: SATO, M.; CARVALHO, I. C. M. (Ed.). Educação ambiental: pesquisa e desafios . Porto Alegre: Artmed , 2005. p. 17-44.), as concepções de educação indicadas por Mizukami (1986MIZUKAMI, M. G. N. Ensino: as abordagens do processo. São Paulo: EPU, 1986. (Temas Básicos de Educação e Ensino).) e os paradigmas educacionais de Behrens (2013BEHRENS, M. A. O paradigma emergente e a prática pedagógica. Petrópolis: Vozes, 2013.).

As abordagens de ensino de Mizukami (1986MIZUKAMI, M. G. N. Ensino: as abordagens do processo. São Paulo: EPU, 1986. (Temas Básicos de Educação e Ensino).) se dividem em cinco enfoques: tradicional, comportamentalista, humanista, cognitivista e sociocultural. Em sua obra, a autora analisa as abordagens sob diferentes óticas, como homem, mundo, sociedade-cultura, conhecimento, educação, escola, ensino-aprendizagem, professor-aluno, metodologia e avaliação.

Na abordagem tradicional, a educação é entendida como um produto de decisões verticais, ou seja, há um modelo preestabelecido a ser seguido para chegar aonde se deseja e, portanto, o processo não é valorizado (Mizukami, 1986MIZUKAMI, M. G. N. Ensino: as abordagens do processo. São Paulo: EPU, 1986. (Temas Básicos de Educação e Ensino).). Tal visão dialoga com a definição de paradigma tradicional segundo Behrens (2013BEHRENS, M. A. O paradigma emergente e a prática pedagógica. Petrópolis: Vozes, 2013.), conforme descrito no início desta seção.

A corrente naturalista da EA está voltada para o desenvolvimento cognitivo dos educandos e “pode se resumir à transmissão de conhecimentos sobre a natureza, levando à construção de uma representação de meio ambiente naturalista, concebendo o ser humano como observador externo” (Saheb, 2008SAHEB, D. A educação socioambiental na formação em Pedagogia. 2008. 105 f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2008., p. 7). O vínculo entre a abordagem tradicional (Mizukami, 1986MIZUKAMI, M. G. N. Ensino: as abordagens do processo. São Paulo: EPU, 1986. (Temas Básicos de Educação e Ensino).) e a corrente naturalista (Sauvé, 2005SAUVÉ, L. Uma cartografia das correntes em educação ambiental. In: SATO, M.; CARVALHO, I. C. M. (Ed.). Educação ambiental: pesquisa e desafios . Porto Alegre: Artmed , 2005. p. 17-44.) reside no fato de priorizarem o ensino mediante a aprendizagem de conteúdos, com ênfase no campo cognitivo, e não enfatizar ou priorizar outros campos do processo de ensino e aprendizagem.

Nessa seara, apresenta-se a corrente conservacionista, que centra a discussão nos meios de ensinar, aprender e colocar em prática ideias de conservação do meio ambiente em prol da vida humana e, em consequência disso, pode ter uma abordagem voltada para a reprodução de conhecimentos sobre a natureza e os recursos que ela provê. Essa concepção está presente na educação, sobretudo nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), que apontam “a compatibilização entre a utilização dos recursos naturais e a conservação do meio ambiente” (Brasil. MEC, [s.d.]BRASIL. Ministério da Educação (MEC). Parâmetros Curriculares Nacionais: meio ambiente. Brasília, DF, [s.d.]. Disponível em: <Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/meioambiente.pdf >. Acesso em: 19 maio 2023.
http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pd...
, p. 220). Nas escolas, a corrente é utilizada como arcabouço epistemológico para as práticas ligadas aos projetos de reciclagem, implantação de lixeiras, semanas temáticas e códigos de conduta.

A corrente de sustentabilidade compreende que a educação deve estar pautada em ações que acenem para a necessidade de consumir de modo responsável, para garantir os recursos para as próximas gerações. Destaca-se a associação dessa corrente à abordagem tradicional apresentada por Mizukami (1986MIZUKAMI, M. G. N. Ensino: as abordagens do processo. São Paulo: EPU, 1986. (Temas Básicos de Educação e Ensino).), em decorrência de esta conceber a necessidade de repassar os conhecimentos acumulados ao longo das gerações aos educandos, enfatizando o passado como um modelo a ser ou não seguido pela geração presente, em vista da transformação desta e das futuras gerações.

Por esse caráter, pode ser associada às correntes resolutiva e científica. A primeira “considera a crise ambiental como um conjunto de problemas e procura informar ou estimular as pessoas a [...] desenvolver habilidades voltadas para a resolução” (Alencastro; Souza-Lima, 2015ALENCASTRO, M. S. C.; SOUZA-LIMA, J. E. Educação ambiental: breves considerações epistemológicas. Revista Meio Ambiente e Sustentabilidade, Curitiba, v. 8, n. 4, p. 20-50, jan./jun. 2015., p. 31). Atrelada a essa ideia, a corrente científica objetiva a natureza como campo de estudo.

A promoção da EA ligada a essa epistemologia está associada ao desenvolvimento de conhecimentos e habilidades relativos às ciências da natureza, mediante projetos que inserem os alunos no campo de observação e experimentação e, a partir dele, propõem mudanças. De igual maneira, Mizukami (1986MIZUKAMI, M. G. N. Ensino: as abordagens do processo. São Paulo: EPU, 1986. (Temas Básicos de Educação e Ensino).) assinala que, na abordagem tradicional, a ênfase do conteúdo está na promoção da cientificidade daquilo que é aprendido e ensinado em sala de aula.

Já a abordagem comportamentalista se baseia em uma educação que transmite conhecimentos e comportamentos fundamentais para o controle do ambiente cultural e social (Mizukami, 1986MIZUKAMI, M. G. N. Ensino: as abordagens do processo. São Paulo: EPU, 1986. (Temas Básicos de Educação e Ensino).). Compreende-se que essa abordagem, em virtude do seu caráter de formação e modelagem do comportamento do indivíduo, pode ser associada à corrente moral e ética da EA, para a qual os problemas ambientais decorrem da formação de uma ética pautada no antropocentrismo (Grün, 2012GRÜN, M. Ética e educação ambiental: a conexão necessária. 14. ed. Campinas: Papirus, 2012. (Coleção Magistério: Formação e Trabalho Pedagógico).). Concebe-se, ainda, que há possibilidade de relação da abordagem comportamentalista com a conservacionista e com a de sustentabilidade, tendo em vista que a formação ética e moral está em prol da preservação dos recursos naturais.

Destaca-se a possibilidade de vinculação à corrente de ecoeducação, que é a própria educação em seu sentido amplo e elevado, uma vez que inexistem processos educativos plenos se prescindem, na formação, da sua dimensão ecológica (Rocha, 2012ROCHA, P. A. M. Ecoeducação universitária: sabores e dissabores em educação ambiental: estudo de caso nos cursos de Pedagogia, campi VII e VIII, da Uneb. 2012. 122 f. Dissertação (Mestrado em Ecologia Humana e Gestão Socioambiental) - Universidade do Estado da Bahia, Paulo Afonso, 2012.). Dadas as características da ecoformação, sobretudo pelo caráter escolar, é possível vinculá-la a qualquer uma das abordagens apresentadas por Mizukami (1986MIZUKAMI, M. G. N. Ensino: as abordagens do processo. São Paulo: EPU, 1986. (Temas Básicos de Educação e Ensino).).

A abordagem humanista preconiza uma educação centrada no sujeito aluno e nas suas necessidades. Segundo Mizukami (1986MIZUKAMI, M. G. N. Ensino: as abordagens do processo. São Paulo: EPU, 1986. (Temas Básicos de Educação e Ensino).), o objetivo do processo educativo nessa abordagem é prover ao discente as condições necessárias para que ele se torne o sujeito protagonista de sua aprendizagem, levando em conta seu desenvolvimento intelectual e emocional. Nesse sentido, pode-se associar tal concepção à necessidade de inserir a condição humana como objeto essencial de qualquer tipo de ensino, a fim de reconhecer nas diferentes disciplinas a unidade e a complexidade humana (Morin, 2015MORIN, E. Ensinar a viver: manifesto para mudar a educação. Tradução de Edgard de Assis Carvalho e Mariza Perassi Bosco. Porto Alegre: Sulina, 2015.).

Associado à abordagem humanista, é possível destacar a vinculação com a corrente naturalista, por seu caráter também simbólico e de religação do ser humano com a natureza. Os valores da natureza aparecem como a simbologia de ordenamento e bondade, pondo sobre ela as características dos seres humanos.

Outra corrente de convergência é a humanista, dado o seu caráter de reconhecimento da humanidade dos educandos e do favorecimento da promoção da EA, que busca incentivar e compreender a relação que o ser humano estabelece harmonicamente com o meio em que vive, com a natureza, ganhando o status de lugar de vivência, realização e relação humana.

Também podem ser inseridas nesse contexto as correntes práxica, crítica e feminista da EA, as quais possuem caráter contestatório da realidade para a sua transformação. As atividades sustentadas na corrente práxica buscam educar para os projetos e por meio deles, formando uma espiral ascendente de reflexão e ação, ação e reflexão.

A abordagem cognitivista possui uma perspectiva interacionista, na qual “homem e mundo serão analisados conjuntamente, já que o conhecimento é produto da interação entre eles” (Mizukami, 1986MIZUKAMI, M. G. N. Ensino: as abordagens do processo. São Paulo: EPU, 1986. (Temas Básicos de Educação e Ensino)., p. 60). Assim, no processo educativo, busca-se que o conhecimento seja construído progressivamente, de forma que o indivíduo alcance autonomia intelectual. Para Piaget (1974PIAGET, J. Aprendizagem e conhecimento. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1974., p. 6), o conhecimento é “resultado das interações que se produzem a meio caminho entre os dois (sujeito e objeto), dependendo, portanto, dos dois ao mesmo tempo”.

A respeito dessa abordagem, infere-se a associação com as correntes de ecoeducação, científica, resolutiva e moral e ética da EA, levando em consideração o papel da escola de instruir os educandos sobre as questões relacionais entre o ser humano e a natureza de que ele é parte integrante e dele com os seus pares. Outros campos a serem destacados na relação é a resolução de problemas com base na EA e a busca de construção de uma nova ética.

A abordagem sociocultural tem como um de seus alicerces o diálogo, defendendo que o aluno se reconheça como cidadão capaz de intervir em seu meio. A relação predominante é a horizontal, tendo como premissa que “ninguém educa ninguém, ninguém se educa, os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo” (Freire, 2019bFREIRE, P. Pedagogia do oprimido. 69. ed. São Paulo: Paz & Terra , 2019b., p. 63). Destaca-se que essa abordagem pode-se relacionar com as correntes crítica, práxica, científica, moral e ética da EA. Ainda, a promoção da EA associada à abordagem sociocultural visa ao desenvolvimento crítico do educando, amparado nos saberes desenvolvidos pela ciência, a partir da midiatização do mundo, nas relações com os seus pares e com o meio no qual vivem e do qual são partes constituintes, em vista da sua transformação.

Encaminhamento metodológico

Esta pesquisa configura-se como um estudo de revisão sistemática. Esse tipo de investigação disponibiliza um resumo das evidências relacionadas a uma estratégia de intervenção específica, mediante a aplicação de métodos explícitos e sistematizados de busca, apreciação crítica e síntese da informação selecionada (Sampaio; Mancini, 2007SAMPAIO, R. F.; MANCINI, M. C. Estudos de revisão sistemática: um guia para síntese criteriosa da evidência científica. Revista Brasileira de Fisioterapia, São Carlos, SP, v. 11, n. 1, p. 83-89, jan./fev. 2007.). Esses estudos são considerados secundários, que têm nos estudos primários sua fonte de dados. Entende-se por estudos primários os artigos científicos que relatam os resultados de pesquisa em primeira mão (Galvão; Pereira, 2014GALVÃO, T. F.; PEREIRA, M. G. Revisões sistemáticas da literatura: passos para sua elaboração. Epidemiologia e Serviços de Saúde, Brasília, DF, v. 23, n. 1, p. 183-184, jan./mar. 2014.).

Os passos da revisão sistemática seguidos nesta pesquisa foram: elaboração da pergunta de pesquisa; busca na literatura; seleção dos artigos; extração dos dados; avaliação da qualidade; síntese dos dados (metanálise); avaliação da qualidade das evidências; e redação e publicação dos resultados (Galvão; Pereira, 2014GALVÃO, T. F.; PEREIRA, M. G. Revisões sistemáticas da literatura: passos para sua elaboração. Epidemiologia e Serviços de Saúde, Brasília, DF, v. 23, n. 1, p. 183-184, jan./mar. 2014.).

A partir disso, buscou-se mapear os artigos científicos publicados na RBEP sobre a EA entre os anos de 2010 e 2020. Optou-se por esse recorte inicial em decorrência de contemplar o período que antecedeu as DCNEA, em 2012, e o recorte final devido à produção do artigo ter se dado ainda no curso de 2021 e faltar a última edição do ano. Considera-se ainda que o recorte temporal de uma década pode oferecer um panorama sobre a área. Essa demarcação temporal nos estudos de revisão parece ser um ponto passível de discussão, tendo em vista que não há uma norma sobre a fixação do recorte temporal, ficando sempre a cargo da relevância do fenômeno estudado.

A escolha da base de dados parece ser outro ponto de discussão nos estudos de revisão, como apontado por Donato e Donato (2019DONATO, H.; DONATO, M. Etapas na condução de uma revisão sistemática. Acta Médica Portuguesa, Lisboa, v. 32, n. 3, p. 227-235, mar. 2019.), ao sinalizar que a escolha da base de recuperação dos dados dos estudos de revisão é um ponto fundamental e deve levar em consideração a sua relevância em concentrar as publicações da área que se busca estudar. Para este estudo, optou-se pela RBEP por ser considerada um relevante meio de publicação dos estudos pedagógicos no Brasil. Ressalta-se, ainda, a possibilidade de que este estudo de revisão contribua com a revista ao agrupar e discutir sobre os estudos publicados nela, referentes à EA.

Na página inicial da revista, foram utilizados dois descritores separadamente: “educação ambiental”, do qual se obtiveram dez referências; e “meio ambiente”, que retornou sete referências. Para a seleção do corpus de análise, optou-se por referências que trouxessem como base alguma reflexão sobre a promoção da EA; diante disso, seis artigos foram excluídos, quatro por serem duplicados em relação ao descritor “educação ambiental” e dois por não fazerem parte da temática. Dessa forma, 11 artigos passaram a compor o corpus de análise desta pesquisa (Tabela 1).

Tabela 1
Seleção do corpus de análise

Para a análise de dados, utilizou-se a operacionalização de Minayo (1999), que estabelece dois níveis de interpretação: 1) o relativo ao campo das determinações fundamentais, definido na fase exploratória da pesquisa, que trata do contexto sócio-histórico do grupo social a ser investigado; 2) o momento de encontro com os dados empíricos, para que sejam elaboradas categorias analíticas, definidas desde o início da investigação, e categorias empíricas e operacionais, que surgem do tratamento dos dados coletados, revelando características específicas do grupo analisado.

O segundo momento é operacionalizado em três fases. A primeira consiste na ordenação dos dados, na qual o material coletado - os 11 artigos que compõem o corpus da revisão - foi organizado de acordo com a proposta analítica. No caso deste trabalho, dividiu-se o material em duas pastas, no gerenciador de referências Mendeley, referentes aos descritores utilizados na busca dos artigos. Em seguida, extraíram-se informações para a análise dos artigos em uma planilha no Excel, a saber: os metadados dos trabalhos (autoria, título, ano, local, número e volume da revista, link e resumo) e seus respectivos objetivos.

A segunda fase descrita por Minayo (2014MINAYO, M. C. S. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 14. ed. São Paulo: Hucitec, 2014.) é a classificação de dados. Na pesquisa em questão, a leitura horizontal - também chamada leitura flutuante - se deu no Mendeley. Os artigos foram lidos e, durante esse processo, fizeram-se marcações e notas. A leitura transversal, por sua vez, foi feita com base em marcações realizadas na etapa anterior. Essas marcações caracterizaram as unidades de sentido, que foram classificadas pelo cruzamento das abordagens pedagógicas de Mizukami (1986MIZUKAMI, M. G. N. Ensino: as abordagens do processo. São Paulo: EPU, 1986. (Temas Básicos de Educação e Ensino).) com as correntes da EA de Sauvé (2005SAUVÉ, L. Uma cartografia das correntes em educação ambiental. In: SATO, M.; CARVALHO, I. C. M. (Ed.). Educação ambiental: pesquisa e desafios . Porto Alegre: Artmed , 2005. p. 17-44.). O Quadro 1 apresenta os indicadores utilizados para essa classificação1 1 No caso da corrente da ecoeducação, optou-se por fazer um indicador exclusivo, pois, como mencionado no referencial teórico, ela pode se associar a qualquer uma das abordagens de Mizukami (1986). .

Quadro 1
Indicadores do cruzamento das abordagens de Mizukami (1986MIZUKAMI, M. G. N. Ensino: as abordagens do processo. São Paulo: EPU, 1986. (Temas Básicos de Educação e Ensino).) com as correntes de Sauvé (2005SAUVÉ, L. Uma cartografia das correntes em educação ambiental. In: SATO, M.; CARVALHO, I. C. M. (Ed.). Educação ambiental: pesquisa e desafios . Porto Alegre: Artmed , 2005. p. 17-44.)

Após esse processo classificatório, ainda seguindo as orientações de Minayo (2014MINAYO, M. C. S. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 14. ed. São Paulo: Hucitec, 2014.), realizou-se o refinamento das unidades de sentido, de modo que as classificações, ao terem sido reagrupadas de forma lógica, formaram categorias centrais. Com base nessas categorias, foi possível executar a análise final do material.

Resultados

Para a análise e discussão dos resultados obtidos nesta revisão, apresentam-se os dados gerais dos 11 artigos que compõem o corpus (Quadro 2).

Quadro 2
Dados gerais dos artigos que compõem o corpus

As categorias centrais estabelecidas seguiram a mesma lógica de divisão das correntes de EA exploradas por Sauvé (2005SAUVÉ, L. Uma cartografia das correntes em educação ambiental. In: SATO, M.; CARVALHO, I. C. M. (Ed.). Educação ambiental: pesquisa e desafios . Porto Alegre: Artmed , 2005. p. 17-44.), que separou, segundo critérios temporais, as correntes de tradição mais “antiga” das correntes mais recentes. Neste estudo, optou-se por distinguir “concepções tradicionais” de “concepções inovadoras” de EA, com base nas definições de Behrens (2013BEHRENS, M. A. O paradigma emergente e a prática pedagógica. Petrópolis: Vozes, 2013.) quanto aos paradigmas educacionais, utilizando como critério de classificação os indicadores elaborados mediante o cruzamento das abordagens do ensino de Mizukami (1986MIZUKAMI, M. G. N. Ensino: as abordagens do processo. São Paulo: EPU, 1986. (Temas Básicos de Educação e Ensino).) e das correntes de EA de Sauvé (2005). Essa classificação não objetivou dicotomizar ou enaltecer uma em detrimento da outra; antes, utilizou-se essa organização a título de agrupamento das abordagens e correntes da EA com base em suas características.

Os cruzamentos associados a cada concepção são apresentados na Figura 1.

Figura 1
Cruzamentos entre as abordagens de Mizukami (1986)MIZUKAMI, M. G. N. Ensino: as abordagens do processo. São Paulo: EPU, 1986. (Temas Básicos de Educação e Ensino). e as correntes de Sauvé (2005)SAUVÉ, L. Uma cartografia das correntes em educação ambiental. In: SATO, M.; CARVALHO, I. C. M. (Ed.). Educação ambiental: pesquisa e desafios . Porto Alegre: Artmed , 2005. p. 17-44.

Quanto aos resultados gerais, foi possível perceber que há mais trabalhos ligados às concepções inovadoras, sobretudo pelo fato de a maioria dos trabalhos ter sido publicada após o ano de 2015. A diferença temporal é outro fator a considerar: apenas um trabalho incluído na categoria das concepções tradicionais foi publicado nos últimos cinco anos, o que pode decorrer do lançamento das DCNEA no ano de 2012, as quais assinalam a necessidade de promoção da EA pautada na concepção humanista e, portando, com ênfase nos processos e na formação integral da pessoa humana.

Concepções tradicionais

As concepções de EA consideradas mais tradicionais foram identificadas nos estudos de Osório (2011OSÓRIO, M. R. V. Professores e educação ambiental: implicações para o currículo. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Brasília, DF, v. 92, n. 231, p. 399-416, maio/ago. 2011.), Groenwald, Justo e Gelle (2013GROENWALD, C. L. O.; JUSTO, J. C. R.; GELLE, M. Formação continuada de professores em matemática visando ao desenvolvimento para o exercício pleno da cidadania: um recorte da trajetória. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Brasília, DF, v. 94, n. 238, p. 811-838, set./dez. 2013.), Carola e Cabral (2013CAROLA, C. R.; CABRAL, G. S. Concepções de natureza e sensibilidade ambiental nos livros didáticos de História Natural (1934-1971). Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Brasília, DF, v. 94, n. 238, p. 858-880, set./dez. 2013.) e Almeida et al. (2019ALMEIDA, N. C. C. et al. Educação ambiental: a conscientização sobre o destino de resíduos sólidos, o desperdício de água e o de alimentos no município de Cametá/PA. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Brasília, DF, v. 100, n. 255, p. 481-500, maio/ago. 2019.). Na Figura 2, relacionam-se os trabalhos às abordagens de ensino e correntes de EA identificadas neles.

Figura 2
Concepções tradicionais de EA

A abordagem tradicional de ensino associada à corrente científica da EA se fez presente no trabalho de Groenwald, Justo e Gelle (2013GROENWALD, C. L. O.; JUSTO, J. C. R.; GELLE, M. Formação continuada de professores em matemática visando ao desenvolvimento para o exercício pleno da cidadania: um recorte da trajetória. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Brasília, DF, v. 94, n. 238, p. 811-838, set./dez. 2013.), os quais propuseram uma sequência didática que relacionou estatística com o tema transversal “meio ambiente”. Segundo os autores:

A decisão pelo tema “Estatística e Meio Ambiente” foi tomada após reuniões com os professores de Matemática dos municípios participantes do projeto Observatório, que definiram suas necessidades e demonstraram interesse em atividades nos laboratórios de informática das escolas e no desenvolvimento dos conteúdos de Estatística, conforme recomendação dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), que não estavam sendo trabalhados com os alunos. (Groenwald; Justo; Gelle, 2013GROENWALD, C. L. O.; JUSTO, J. C. R.; GELLE, M. Formação continuada de professores em matemática visando ao desenvolvimento para o exercício pleno da cidadania: um recorte da trajetória. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Brasília, DF, v. 94, n. 238, p. 811-838, set./dez. 2013., p. 815)

Para Mizukami (1986MIZUKAMI, M. G. N. Ensino: as abordagens do processo. São Paulo: EPU, 1986. (Temas Básicos de Educação e Ensino).), no ensino tradicional, o foco sempre está no objeto do conhecimento, e não no sujeito; além disso, o professor é o centro do processo de ensino-aprendizagem. No caso do trabalho analisado, uma ferramenta digital assume essa centralidade; nela, os estudantes acessam o conteúdo sobre estatística e realizam testes com questões ligadas à EA para verificar os conhecimentos adquiridos. Acredita-se que, apesar de esses testes contemplarem termos científicos sobre estatística e meio ambiente - o que poderia enquadrar o trabalho na abordagem cognitivista -, o enfoque maior é atribuído à reprodução e transmissão de informações.

O artigo de Osório (2011OSÓRIO, M. R. V. Professores e educação ambiental: implicações para o currículo. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Brasília, DF, v. 92, n. 231, p. 399-416, maio/ago. 2011.) coloca em xeque a EA como um instrumento de poder, que intenciona incutir determinados valores, condutas e concepções no espaço escolar. Desse modo, algumas concepções consideradas tradicionais se fazem presentes no trabalho, tanto nos fundamentos teóricos quanto na apresentação dos resultados da pesquisa de campo - que consistiu em entrevistas com professores.

Ao focar no discurso, nos sujeitos e nas relações de poder, a autora descreve como as práticas pedagógicas de EA dos professores participantes sofreram influência, sobretudo, dos discursos advindos de políticas públicas que regem o desenvolvimento da EA no ambiente escolar daquela região. Segundo Sauvé (2005SAUVÉ, L. Uma cartografia das correntes em educação ambiental. In: SATO, M.; CARVALHO, I. C. M. (Ed.). Educação ambiental: pesquisa e desafios . Porto Alegre: Artmed , 2005. p. 17-44.), tal análise das influências e dinâmicas sociais é compatível com a corrente crítica de EA. No entanto, Osório demonstra que a concepção adotada por ela está ligada a uma abordagem comportamentalista de ensino:

É assim, nesse nível de poder, que as práticas de governo e poder podem acontecer: não fora dos sujeitos ou acima deles, mas, ao contrário, com eles, estimulando-os a terem vontades, desejos e necessidades. É nesse sentido que o poder promove o governo das condutas e dos comportamentos humanos; é ação de uns sobre os outros visando a determinados objetivos ou resultados; é também, nesse aspecto, que o poder é produtivo [...] (Osório, 2011OSÓRIO, M. R. V. Professores e educação ambiental: implicações para o currículo. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Brasília, DF, v. 92, n. 231, p. 399-416, maio/ago. 2011., p. 403)

Essa visão também é articulada à corrente moral e ética de EA, a qual busca prescrever comportamentos ambientalmente desejáveis. De acordo com Osório (2011OSÓRIO, M. R. V. Professores e educação ambiental: implicações para o currículo. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Brasília, DF, v. 92, n. 231, p. 399-416, maio/ago. 2011., p. 408), a Secretaria Municipal de Qualidade Ambiental da cidade onde a pesquisa foi desenvolvida forneceu aos professores materiais:

[...] de caráter prescritivo e comportamental: ditavam os modos e comportamentos tidos como, ambientalmente, corretos e que os sujeitos deveriam desenvolver e informavam as técnicas para plantar árvores ou para separar o lixo.

O trabalho de Carola e Cabral (2013CAROLA, C. R.; CABRAL, G. S. Concepções de natureza e sensibilidade ambiental nos livros didáticos de História Natural (1934-1971). Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Brasília, DF, v. 94, n. 238, p. 858-880, set./dez. 2013.), que teve por objetivo identificar as concepções e sensibilidades ambientais em manuais didáticos de História Natural do período de 1934 a 1971, aponta a abordagem tradicional de ensino, haja vista a época à qual os manuais analisados pertencem. Esse aspecto se torna mais claro quando os autores descrevem os objetivos do ensino de História Natural, focados, sobretudo, no conteúdo que abrange os animais, os vegetais e os minerais.

Quanto às correntes de EA identificadas no artigo, sobressaíram-se a conservacionista/recursista, sobretudo quando os autores se referiram à concepção da História Natural como potencializadora da exploração de recursos naturais, remetendo ao ideal de “conhecer para amar, amar para preservar” (Layrargues; Lima, 2014LAYRARGUES, P. P.; LIMA, G. F. C. As macrotendências político-pedagógicas da educação ambiental brasileira. Revista Ambiente e Sociedade, São Paulo, v. 17, n. 1, p. 23-38, jan./mar. 2014., p. 27); e a corrente naturalista, que também possui relação com a citação anterior. Segundo os autores,

[...] todos os livros escolares observados se acomodam dentro do paradigma da cultura antropocêntrica ou, mais especificamente, dentro da ética “especista” dos animais humanos. Entretanto, há diferentes concepções e sensibilidades ambientais nos livros de ensino de História Natural (Carola; Cabral, 2013CAROLA, C. R.; CABRAL, G. S. Concepções de natureza e sensibilidade ambiental nos livros didáticos de História Natural (1934-1971). Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Brasília, DF, v. 94, n. 238, p. 858-880, set./dez. 2013., p. 876)

Ainda, foi possível identificar a presença da corrente moral e ética quando apresentam a ideia de que “[...] aprender o conhecimento da história natural do País significa demonstrar orgulho patriótico e desenvolver uma educação cívica [...]” (Carola; Cabral, 2013CAROLA, C. R.; CABRAL, G. S. Concepções de natureza e sensibilidade ambiental nos livros didáticos de História Natural (1934-1971). Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Brasília, DF, v. 94, n. 238, p. 858-880, set./dez. 2013., p. 866). Essa variação de correntes presentes no trabalho, no entanto, não isentou a abordagem tradicional de ser a protagonista do modo como os manuais didáticos apresentam e desenvolvem os temas ambientais associados à disciplina História Natural.

A pesquisa de Almeida et al. (2019ALMEIDA, N. C. C. et al. Educação ambiental: a conscientização sobre o destino de resíduos sólidos, o desperdício de água e o de alimentos no município de Cametá/PA. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Brasília, DF, v. 100, n. 255, p. 481-500, maio/ago. 2019.) teve como objetivo “avaliar o destino de resíduos, o desperdício de água e o de alimentos no município de Cametá, Estado do Pará”, e revela a abordagem tradicional de ensino e a corrente conservacionista de EA. Os autores apresentam a necessidade de contribuir para que os alunos desenvolvam uma visão crítica a respeito dos resíduos e do desperdício da água no município, denotando, assim, uma visão crítica a respeito do estudo realizado. No entanto, isso não isenta o trabalho da abordagem tradicional e da corrente conservacionista, a qual se preocupa principalmente com a gestão ambiental (Sauvé, 2005SAUVÉ, L. Uma cartografia das correntes em educação ambiental. In: SATO, M.; CARVALHO, I. C. M. (Ed.). Educação ambiental: pesquisa e desafios . Porto Alegre: Artmed , 2005. p. 17-44.), visto que a pesquisa, realizada por meio de questionários, buscou principalmente avaliar o destino de tais resíduos, não promovendo uma ação de sensibilização ou de mudança no que se refere à economia de água e ao fim dado ao resíduo.

Concepções inovadoras

Os trabalhos de Albuquerque, Vicentini e Pipitone (2015ALBUQUERQUE, C.; VICENTINI, J. O.; PIPITONE, M. A. P. O júri simulado como prática para a educação ambiental crítica. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Brasília, DF, v. 96, n. 242, p. 199-215, jan./abr. 2015. ), Silva e Rufino (2016SILVA, N. F.; RUFINO, P. H. P. Educação ambiental crítica para a conservação da biodiversidade da fauna silvestre: uma ação participativa junto ao Projeto Flor da Idade, Flor da Cidade (Itirapina-São Paulo). Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Brasília, DF, v. 97, n. 247, p. 637-656, set./dez. 2016.), Souto, Souza e Souto (2016SOUTO, P. C.; SOUSA, A. A.; SOUTO, J. S. Saber acadêmico versus saber popular: a literatura de cordel. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Brasília, DF, v. 97, n. 245, p. 195-212, jan./abr. 2016.), Santos e Jacobi (2017SANTOS, V. M. N.; JACOBI, P. R. Educação, ambiente e aprendizagem social: metodologias participativas para geoconservação e sustentabilidade. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Brasília, DF, v. 98, n. 249, p. 522-539, maio/ago. 2017.), Rodrigues e Saheb (2018RODRIGUES, D. G.; SAHEB, D. A educação ambiental na educação infantil segundo os saberes de Morin. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Brasília, DF, v. 99, n. 253, p. 573-588, set./dez. 2018.), Costa e Pontarolo (2019COSTA, D.; PONTAROLO, E. Aspectos da educação ambiental crítica no ensino fundamental por meio de atividades de modelagem matemática. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Brasília, DF, v. 100, n. 254, p. 149-168, jan./abr. 2019.) e Farias Filho e Farias (2020) foram agrupados nessa categoria. A Figura 3 relaciona os artigos supracitados aos cruzamentos incluídos na concepção inovadora.

Figura 3
Concepções inovadoras de EA

O trabalho de Rodrigues e Saheb (2018RODRIGUES, D. G.; SAHEB, D. A educação ambiental na educação infantil segundo os saberes de Morin. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Brasília, DF, v. 99, n. 253, p. 573-588, set./dez. 2018., p. 573) teve por objetivo “compreender como a educação ambiental está presente nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil”. Para tal, as autoras realizaram uma análise documental e utilizaram a obra Os sete saberes necessários para a educação do futuro (Morin, 2011MORIN, E. Os sete saberes necessários à educação do futuro. Tradução de Catarina Eleonora F. da Silva e Jeanne Sawaya. 2. ed. São Paulo: Cortez; Brasília, DF: Unesco, 2011.) como referencial teórico.

A pesquisa traz a visão da EA como uma dimensão da educação escolar, por isso compreendeu-se que a abordagem humanista e a corrente da ecoeducação se destacam na concepção adotada pelas autoras, visto que “é preciso considerar os sujeitos em sua totalidade, respeitando suas vivências, sentimentos e desenvolvimento, e contribuindo para que seus olhares se ampliem para a sociedade e para o mundo” (Rodrigues; Saheb, 2018RODRIGUES, D. G.; SAHEB, D. A educação ambiental na educação infantil segundo os saberes de Morin. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Brasília, DF, v. 99, n. 253, p. 573-588, set./dez. 2018., p. 576).

A totalidade dos sujeitos na concepção de EA remete ao saber “ensinar a condição humana”, em que Morin (2011MORIN, E. Os sete saberes necessários à educação do futuro. Tradução de Catarina Eleonora F. da Silva e Jeanne Sawaya. 2. ed. São Paulo: Cortez; Brasília, DF: Unesco, 2011.) afirma que só é possível conceber a complexidade humana no momento em que ela é situada dentro de suas condições cósmica, física, terrestre e, propriamente dita, humana. Além disso, as autoras valorizam a importância da corrente naturalista no contexto da educação infantil:

Esse contato com a natureza contribui para a formação do sujeito em diversos âmbitos, porém, não se pode deixar que se limite apenas ao contato com o meio natural. A inserção da EA na EI pode ser progressivamente ampliada, por exemplo, em níveis mais avançados como a pré-escola, em que as crianças têm de três a cinco anos. Podem-se inserir questões referentes à democracia, sustentabilidade, valorização da cultura, entre outras, as quais, no entanto, precisam ser adaptadas à faixa etária (Rodrigues; Saheb, 2018RODRIGUES, D. G.; SAHEB, D. A educação ambiental na educação infantil segundo os saberes de Morin. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Brasília, DF, v. 99, n. 253, p. 573-588, set./dez. 2018., p. 582)

Por mais que a concepção naturalista de EA remeta ao tradicional, entende-se que, no trabalho em questão, ela é posta de maneira inovadora, uma vez que as autoras ressaltam sua importância, mas deixam claro que deve haver a intenção da parte do educador de ampliar as discussões ao longo dos níveis escolares.

Santos e Jacobi (2017SANTOS, V. M. N.; JACOBI, P. R. Educação, ambiente e aprendizagem social: metodologias participativas para geoconservação e sustentabilidade. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Brasília, DF, v. 98, n. 249, p. 522-539, maio/ago. 2017., p. 522) defendem o seguinte:

As propostas escolares relacionaram educação e ambiente numa perspectiva crítica, dialogada, participativa e corresponsável, visando ao desenvolvimento de práticas colaborativas para proteção de patrimônios geoambientais e socioculturais, considerando o complexo cenário de degradação socioambiental local

As propostas apresentadas incluem trabalhos de campo, mapeamento socioambiental, world café, jogos de papéis etc., visando atingir o objetivo do trabalho, qual seja, analisar “a contribuição do ensino de geociências com uso de metodologias participativas focadas no (re)conhecimento do ambiente local para a promoção de processos de educação e aprendizagem social destinados à geoconservação e à sustentabilidade.” (Santos; Jacobi, 2017SANTOS, V. M. N.; JACOBI, P. R. Educação, ambiente e aprendizagem social: metodologias participativas para geoconservação e sustentabilidade. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Brasília, DF, v. 98, n. 249, p. 522-539, maio/ago. 2017., p. 522).

As características mencionadas pelos autores correspondem à abordagem sociocultural e à corrente crítica; apesar de ser possível relacioná-las a outras correntes - como a de sustentabilidade -, quando os autores sugerem uma atitude reflexiva sobre a problemática ambiental e o reconhecimento local, eles fazem jus ao modelo oposto de uma educação bancária. Defender uma concepção sociocultural e crítica de EA é, portanto, corroborar com Freire (2019aFREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 59. ed. São Paulo: Paz & Terra, 2019a.) quando ele diz que se devem estimular a criticidade e o pensamento autônomo dos educandos.

O artigo de Farias Filho e Farias (2020FARIAS FILHO, E. N.; FARIAS, C. R. O. Duas décadas da Política Nacional de Educação Ambiental: percepções de professores no contexto de uma escola pública de Pernambuco. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Brasília, DF, v. 101, n. 258, p. 481-502, maio/ago. 2020. ) também segue essa linha de pensamento, tendo por objetivo compreender as percepções de profissionais docentes acerca do documento da Política Nacional de Educação Ambiental (Pnea), instituído em 1999. Segundo os autores, a análise dos dados da pesquisa foi feita à luz de um referencial teórico da vertente crítica de EA. Ao longo do texto, eles deixam ainda mais evidente seu posicionamento:

Vale salientar que não corroboramos o pensamento de que uma política educacional tenha de ser implementada na escola pelos seus atores de forma acrítica e ingênua [...] A Pnea traz orientações para inserir a EA em vários contextos, entre eles o da escola. Entretanto, essa e outras políticas referentes à EA precisam ser lidas e interpretadas por professores e demais atores da escola básica a fim de discutirem as contribuições e limitações delas para construção do currículo e execução das práticas pedagógicas. (Farias Filho; Farias, 2020, p. 484).

Ao priorizar a construção coletiva de saberes no campo socioambiental com base na interpretação da Pnea, os autores adotam uma abordagem cognitivista do conhecimento e da formação dos profissionais docentes. Essa maneira de conceber o documento também implica analisá-lo com criticidade, seguindo, portanto, a corrente crítica de EA.

Na pesquisa em questão, a leitura crítica do documento da Pnea foi incentivada por estudos de caso fictícios. Em um deles, discute-se sobre quem tem a responsabilidade de trabalhar a EA: o governo, os ambientalistas ou a escola. A esse respeito, uma professora participante afirmou:

Professora Ômega: [...] tá empurrando as coisas, a responsabilidade para as fábricas, para o governo. E, no entanto, a gente tava aqui vendo, o único meio que pode levar isso adiante é a escola. A escola é o único meio em que pode haver a conscientização dos nossos alunos, em casa e na escola. (Farias Filho; Farias, 2020FARIAS FILHO, E. N.; FARIAS, C. R. O. Duas décadas da Política Nacional de Educação Ambiental: percepções de professores no contexto de uma escola pública de Pernambuco. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Brasília, DF, v. 101, n. 258, p. 481-502, maio/ago. 2020. , p. 487).

Essa afirmação da professora foi feita sem o apoio da Pnea e remete à corrente de ecoeducação, por conceber a EA como o caminho de desenvolvimento pessoal capaz de conduzir e formar sujeitos compromissados com as questões ambientais (Sauvé, 2005SAUVÉ, L. Uma cartografia das correntes em educação ambiental. In: SATO, M.; CARVALHO, I. C. M. (Ed.). Educação ambiental: pesquisa e desafios . Porto Alegre: Artmed , 2005. p. 17-44.). Sendo assim, corrobora a própria afirmação de Sauvé a respeito da coexistência das correntes de EA em uma mesma proposição.

A pesquisa de Albuquerque, Vicentini e Pipitone (2015ALBUQUERQUE, C.; VICENTINI, J. O.; PIPITONE, M. A. P. O júri simulado como prática para a educação ambiental crítica. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Brasília, DF, v. 96, n. 242, p. 199-215, jan./abr. 2015. , p. 199) se propôs a “efetuar uma tentativa de Educação Ambiental Crítica”, por meio de uma atividade de extensão que envolveu discentes de pós-graduação e do ensino médio de uma escola pública. Nessa atividade, intitulada “O rio e a escola”, foram feitas intervenções teóricas e práticas que, embora tenham visado à corrente crítica da EA, se desdobraram de maneira igualmente próxima à corrente científica, como é possível observar no fragmento a seguir:

Nesse contexto, a atividade de extensão denominada “O rio e a escola” partiu dos seguintes pressupostos: diagnóstico e reflexão acerca de um problema local, objetivando a compreensão do ambiente de forma coletiva, complexa e global. Contudo, muito além do objetivo de observação e instrumentalização, a atividade buscou despertar o pensamento crítico sobre a resolução de conflitos, os quais afetam os mais diversos segmentos da sociedade, que sofrem com problemas ambientais, mas normalmente não participam de sua resolução. Assim, a atividade realizada buscou um diálogo que considerasse a questão proposta em sua complexidade social, econômica e ambiental. (Albuquerque; Vicentini; Pipitone, 2015ALBUQUERQUE, C.; VICENTINI, J. O.; PIPITONE, M. A. P. O júri simulado como prática para a educação ambiental crítica. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Brasília, DF, v. 96, n. 242, p. 199-215, jan./abr. 2015. , p. 205)

Sendo assim, os autores lançaram mão, por meio de uma abordagem aqui compreendida como cognitivista, de procedimentos científicos como observação e experimentação, mas transcenderam esses aspectos metodológicos ao incentivar o debate crítico sobre os dados obtidos e o que eles revelaram. Como afirma Morin (2015MORIN, E. Ensinar a viver: manifesto para mudar a educação. Tradução de Edgard de Assis Carvalho e Mariza Perassi Bosco. Porto Alegre: Sulina, 2015.), o conhecimento pertinente é aquele que, além de fornecer informações, as situa em um contexto, tornando possível a compreensão de problemas fundamentais e, consequentemente, a criação de formas de solucioná-los.

A pesquisa de Costa e Pontarolo (2019COSTA, D.; PONTAROLO, E. Aspectos da educação ambiental crítica no ensino fundamental por meio de atividades de modelagem matemática. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Brasília, DF, v. 100, n. 254, p. 149-168, jan./abr. 2019.) objetivou discutir as implicações da prática da EA na disciplina Matemática, em turmas do 9º ano do ensino fundamental, à luz das perspectivas conservadora e crítica da EA e de aspectos teórico-metodológicos da modelagem matemática. Apesar de apresentar em seu objetivo ambas as concepções (conservadora e crítica), compreende-se que a pesquisa apresenta mais aspectos da abordagem crítica, tendo em vista que Sauvé (2005SAUVÉ, L. Uma cartografia das correntes em educação ambiental. In: SATO, M.; CARVALHO, I. C. M. (Ed.). Educação ambiental: pesquisa e desafios . Porto Alegre: Artmed , 2005. p. 17-44.) compreende que a corrente crítica visa ao processo de transformação. Os registros obtidos indicaram que a compreensão de meio ambiente dos estudantes não priorizou apenas os elementos da natureza, mas também os aspectos socioambientais, o que remete a uma compreensão muito próxima da compreensão globalizante de meio ambiente (Costa; Pontarolo, 2019COSTA, D.; PONTAROLO, E. Aspectos da educação ambiental crítica no ensino fundamental por meio de atividades de modelagem matemática. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Brasília, DF, v. 100, n. 254, p. 149-168, jan./abr. 2019.).

Por meio da aplicação das atividades, os autores conseguiram de algum modo causar sensibilização nos alunos, transparecendo essa mudança nos dados registrados e na necessidade que eles apresentaram de que os assuntos ambientais fossem discutidos em sala de aula.

Silva e Rufino (2016SILVA, N. F.; RUFINO, P. H. P. Educação ambiental crítica para a conservação da biodiversidade da fauna silvestre: uma ação participativa junto ao Projeto Flor da Idade, Flor da Cidade (Itirapina-São Paulo). Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Brasília, DF, v. 97, n. 247, p. 637-656, set./dez. 2016., p. 637) buscaram:

[...] identificar as concepções dos jovens do projeto socioambiental em relação à conservação da fauna silvestre, de maneira a promover ações ambientais proativas de conservação a partir de práticas educativas e do desenvolvimento de material educativo pelos próprios participantes.

Tal estudo apresentou diversos aspectos relacionados à corrente crítico-social, visto que, por meio das ações realizadas, os participantes foram sensibilizados a pensar sobre o contexto no qual estão inseridos, buscando possíveis soluções para os problemas enfrentados.

Para os autores, “é notória a transformação nas atitudes de cada um deles, uma vez que, até o início da elaboração do material educativo, observamos que os meninos ainda não tinham se apropriado de todos os temas abordados e, ao longo do processo, estes passaram a fazer sentido para eles” (Silva; Rufino, 2016SILVA, N. F.; RUFINO, P. H. P. Educação ambiental crítica para a conservação da biodiversidade da fauna silvestre: uma ação participativa junto ao Projeto Flor da Idade, Flor da Cidade (Itirapina-São Paulo). Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Brasília, DF, v. 97, n. 247, p. 637-656, set./dez. 2016., p. 653). A esse respeito, Sauvé (2005SAUVÉ, L. Uma cartografia das correntes em educação ambiental. In: SATO, M.; CARVALHO, I. C. M. (Ed.). Educação ambiental: pesquisa e desafios . Porto Alegre: Artmed , 2005. p. 17-44.) afirma que a EA crítico-social abrange confrontar seus problemas e procurar juntos possíveis soluções, que sejam cabíveis e busquem a melhoria social.

Souto, Souza e Souto (2016SOUTO, P. C.; SOUSA, A. A.; SOUTO, J. S. Saber acadêmico versus saber popular: a literatura de cordel. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Brasília, DF, v. 97, n. 245, p. 195-212, jan./abr. 2016., p. 195) visaram “discutir os problemas e danos que o fogo indiscriminado pode causar, mostrando algumas técnicas fundamentais e recomendações básicas para a realização da queima controlada”. A pesquisa foi realizada por meio da literatura de cordel, a qual, segundo os autores, “representa a voz popular e pode contribuir para a melhoria da aprendizagem, estimulando a participação dos alunos na abordagem de temas de sua realidade, de forma dinâmica e criativa” (Souto; Souza; Souto, 2016SOUTO, P. C.; SOUSA, A. A.; SOUTO, J. S. Saber acadêmico versus saber popular: a literatura de cordel. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Brasília, DF, v. 97, n. 245, p. 195-212, jan./abr. 2016., p. 210).

Diante desse aspecto, compreende-se que a literatura de cordel contribuiu para que os participantes da pesquisa refletissem sobre as queimadas e compreendessem que essa literatura é um meio para atingir o homem do campo, o auxiliando no entendimento de suas ações, ou seja, apresentando uma linguagem adequada e meios simples de transformar sua realidade, assim como Sauvé (2005SAUVÉ, L. Uma cartografia das correntes em educação ambiental. In: SATO, M.; CARVALHO, I. C. M. (Ed.). Educação ambiental: pesquisa e desafios . Porto Alegre: Artmed , 2005. p. 17-44.) apresenta quando aborda a corrente crítico-social.

Considerações finais

A pesquisa realizada mostrou a possibilidade de atrelar as abordagens pedagógicas e as correntes da EA, sinalizando que há uma coerência teórica entre as concepções de ambos os campos. Além disso, ressalta-se a possibilidade de que mais de uma corrente da EA esteja atrelada a uma abordagem pedagógica, o que possibilita ao educador utilizar diferentes meios e teóricos para o planejamento do exercício docente.

Onze artigos foram selecionados por corresponderem à proposta do objetivo e problema elaborados. O estudo apontou a importância de contemplar diferentes abordagens de EA na prática docente, considerando a intenção e o propósito que se pretende alcançar. Isso porque se compreende que a prática docente é reflexo do arcabouço teórico dos educadores. Ainda assim, os resultados demonstraram que as concepções inovadoras se fizeram mais presentes; acredita-se que isso se justifica por terem sido publicados após o ano de 2015, quando o debate acerca de metodologias de ensino e aprendizagem tornou-se mais evidente. A diferença temporal é outro fator a considerar: apenas um trabalho incluído na categoria das concepções tradicionais foi publicado nos últimos cinco anos. Isso não diminui a importância do trabalho; antes, representa um universo no qual convivem as diversas concepções, embasando a prática dos educadores.

Entende-se que a revisão sistemática apresentada neste artigo pode contribuir para a avaliação e o desenvolvimento das pesquisas sobre a EA no contexto educacional, provocando a reflexão sobre a abordagem predominante e os motivos que embasam a opção, destacando a importância da tomada de decisão do professor diante das metodologias adotadas e da concepção de EA que as perpassa.

Destaca-se, ainda, que os estudos publicados na revista têm acompanhado a transformação da compreensão da EA, tendo em vista a abertura de concepções desta inseridas na realidade dos educandos e para além de momentos isolados no calendário escolar.

Diante do exposto, considera-se o mapeamento de práticas docentes em EA uma importante contribuição, tanto para a pesquisa quanto para o ensino na área, visto que possibilita o diagnóstico e traz elementos para o debate e a reflexão acerca do que necessita ser ressignificado em busca de uma EA de qualidade, fundamental à compreensão dos problemas socioambientais do presente e do futuro.

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Set 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    14 Dez 2021
  • Aceito
    17 Fev 2023
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