Open-access Pluralidade de vozes na educação: John Dewey é jazz!1

Plurality of voices in education: John Dewey is jazz!

Pluralidad de voces en la educación: ¡John Dewey es jazz!

Resumo:

Este artigo visa contribuir para ampliar o entendimento da filosofia educacional de John Dewey, utilizando para isso a metáfora jazz. Esse gênero musical é caracterizado por conceder liberdade para que cada executante faça a sua própria interpretação da melodia, sem perder contato com a harmonia seguida pelos demais integrantes da banda. O objetivo dessa metáfora consiste em mostrar que as propostas deweyanas tornam a educação escolar um campo permeado pela pluralidade de vozes, o que significa liberar a manifestação da individualidade de cada participante do processo educacional em busca de consensos. Essa pluralidade, que define a noção de democracia formulada por Dewey, constitui o cerne da proposta educacional deweyana, afirmação que é sustentada pelo exame das reflexões do autor acerca da linguagem. Com o propósito de inspirar a transposição dessas ideias para a sala de aula, o artigo apresenta uma atividade prática na forma de experimento de pensamento que simula uma aula de um curso que visa formar professores alinhados com a perspectiva teórica deweyana.

Palavras-chave:
John Dewey; formação de professores; experimento de pensamento.

Abstract:

This study seeks to help broaden our understanding of John Dewey’s educational philosophy, using jazz as a metaphor. This musical genre is characterized by allowing each performer the freedom to make their own interpretation of the melody, without losing touch with the harmony followed by the other members of the band. The objective of this metaphor is to demonstrate that Deweyan proposals make school education a field permeated by a plurality of voices, which means freeing up the manifestation of the individuality of each participant in the educational process in search of consensus. Such plurality, which defines the notion of democracy formulated by Dewey, constitutes the core of Dewey’s educational proposal, a statement that is supported by the examination of the author’s reflections on language. In an effort to inspire the transposition of these ideas into the classroom, the study presents a practical activity in the form of a thought experiment that simulates a lesson in a course that strives to train teachers aligned with the Deweyan theoretical perspective.

Keywords:
John Dewey; teacher training; thought experiment.

Resumen:

Este artículo pretende contribuir a ampliar la comprensión de la filosofía educativa de John Dewey mediante la metáfora del jazz. Este género musical se caracteriza por dar la libertad a cada intérprete para realizar su propia interpretación de la melodía, sin perder el contacto con la armonía seguida por los demás integrantes de la banda. El objetivo de esta metáfora es mostrar que las propuestas de Dewey hacen de la educación escolar un campo permeado por la pluralidad de voces, lo que significa liberar la manifestación de la individualidad de cada participante del proceso educativo en busca de consensos. Esta pluralidad, que define la noción de democracia formulada por Dewey, constituye el núcleo de la propuesta educativa de Dewey, afirmación que se apoya en el examen de las reflexiones del autor sobre el lenguaje. Con el propósito de inspirar la transposición de estas ideas al aula, el artículo presenta una actividad práctica en forma de experimento mental que simula una clase en un curso que tiene como objetivo formar docentes alineados con la perspectiva teórica de Dewey.

Palabras clave:
John Dewey; formación docente; experimento mental.

Introdução

Há alguns anos, ao ministrar uma palestra por videoconferência a respeito das ideias de John Dewey, Nathan Crick - professor da Texas A&M University, Estados Unidos - foi solicitado a caracterizar, em poucas palavras, a filosofia educacional deweyana. Crick pensou um pouco e disse: “Jazz!”. Os ouvintes ficaram atônitos... “Então, Dewey é jazz, mas o que isso quer dizer?” - todos devem ter se perguntado. 2

Estudioso de retórica, o palestrante utilizou uma metáfora, talvez com o objetivo de provocar precisamente aquela reação no público e, assim, despertar indagações que lhe permitissem aprofundar o assunto. 3 A utilização de expressões dessa natureza, quebrando a ordenação discursiva usual, costuma produzir esse efeito. Em que pesem as dificuldades do canal de comunicação - a conexão de internet demonstrava instabilidade naquela ocasião -, o fato é que, infelizmente, nenhuma questão se apresentou, e a palestra teve continuidade sem que se elucidasse o assunto.

Este artigo procurará fazer o que foi supostamente tentado por Crick, como se os leitores destas páginas, ao virem o subtítulo “John Dewey é jazz!”, indagassem sobre o significado da frase. A primeira seção trará desenvolvimentos teóricos que visam dar suporte à adequação dessa metáfora às concepções deweyanas, em particular quanto à proposta de tornar a educação escolar um campo permeado pela pluralidade de vozes, tema que será abordado na segunda seção, à luz das teses de Dewey. A terceira seção será dedicada a uma reflexão sobre como transportar para a sala de aula as ideias elaboradas nas seções anteriores, focalizando a implementação de um curso voltado à formação de professores. Em oposição à abordagem que defende a conduta de simplesmente ministrar tais conteúdos, como se ministra tradicionalmente qualquer outro, será proposta a criação de uma atividade prática em consonância com a teorização desenvolvida. Isso será indicado por meio de um experimento de pensamento, metodologia que será oportunamente descrita e justificada.

O jazz como metáfora 4

Em uma passagem do livro John Dewey’ ethics, Pappas (2008) empenha-se em elaborar uma metáfora que expresse a contento a noção deweyana de democracia. Seu empenho é válido porque esse recurso discursivo ocupa lugar privilegiado na arte da comunicação e da persuasão. Por meio da metáfora, uma pessoa, a quem se denomina orador, orienta um auditório, aqueles a quem se dirige o discurso, a acompanhar as ideias que apresenta, buscando, assim, ampliar a chance de obter a aprovação das teses que defende acerca de determinado assunto (Perelman; Obrechts-Tyteca, 1996; Lemgruber; Oliveira, 2011).

Desde a teorização pioneira feita por Aristóteles (2011a, 2011b), entende-se que as metáforas têm por base analogias, quando se explica algo desconhecido por intermédio de algo conhecido. A expressão freiriana educação bancária, por exemplo, deriva da analogia entre o ensino tradicional e as agências financeiras: tanto no primeiro quanto nas segundas, deposita-se um conteúdo - saberes escolares e valores monetários, respectivamente - na esperança de que um mecanismo automático produza os resultados desejados. O auditório entenderá que o formato tradicional de ensino supõe que o aluno aprenderá independentemente de qualquer ação adicional, seja dele mesmo, seja do professor, do mesmo modo como o dinheiro renderá dividendos por si só.

Quem se expressa por meio de metáforas enfrenta um problema particularmente grave. Se o auditório tiver familiaridade com o segundo termo da analogia, chamado foro, acessará com facilidade o primeiro, denominado tema, e a metáfora não lhe soará estranha. Quando não, o orador precisará elucidar o campo de referência utilizado. No evento com Crick, os ouvintes talvez não tenham acompanhado seu raciocínio por não terem uma noção clara do foro - o jazz. Poderiam ter surgido manifestações de ignorância, espanto etc., como talvez fosse a expectativa do palestrante, mas, como isso não aconteceu, a metáfora caiu em um limbo retórico.

Pappas (2008), que emprega um meio mais seguro de comunicação - um livro, não uma conferência -, consegue minimizar esse problema utilizando inicialmente a metáfora criada por Westbrook (1991), segundo a qual a democracia deweyana é comparável à prática do basquetebol. O foro escolhido transporta a ideia de que a noção de democracia em Dewey significa uma organização social na qual cada membro põe em cena os seus atributos individuais - habilidades, talentos, desejos etc. - em prol de objetivos comuns. Tal como na modalidade esportiva que opera como foro, o sucesso do empreendimento democrático depende da disposição de cada indivíduo para trabalhar em prol da coletividade.

Pappas aproveita essa explicação para ir além, propondo que o foro mais adequado para democracia é jazz, gênero musical assim descrito:

Geralmente é o tipo de música em que se aprecia uma relação orgânica entre interação, objetivos comuns e individualidade. É o tipo de música que muitas vezes consegue um equilíbrio entre elementos estáveis (talvez na melodia, nas harmonias ou no ritmo) e outros mais precários (na experimentação ou na improvisação). (Pappas, 2008, p. 250, tradução nossa).

Pappas não se alonga em explicações, possivelmente por contar com a menção ao basquetebol feita anteriormente e, tal como Crick, por acreditar que o auditório tem familiaridade com o foro; apenas sugere que a analogia com o jazz se justifica porque a noção deweyana de democracia vai além dos arranjos institucionais certamente necessários para a obtenção de um modo de vida democrático, o qual envolve um tipo de intercâmbio que requer a manifestação individual de cada um dos participantes do processo.

Pois é o que Dewey formula em vários de seus textos, em especial no livro Democracy and education (Dewey, 2003a), no qual afirma que democracia significa uma maneira de viver, um modo de vida caracterizado pela associação em torno de objetivos comuns e por experiências conjuntas mutuamente comunicadas. Quando se dedica a refletir sobre as razões pelas quais a democracia não existe, nunca existiu e talvez nunca venha a existir, Dewey (2003a, p. 333, tradução nossa) analisa que a causa disso reside nas “divisões da sociedade em classes e grupos mais ou menos rigidamente delimitados” e no impedimento à “interação e ao intercâmbio social pleno e flexível” de seus membros.

Tanto a modalidade esportiva escolhida por Westbrook quanto o gênero musical eleito por Crick e Pappas são foros apropriados para explicitar o conceito deweyano de democracia, pois ambos abrangem a comunhão de experiências e valorizam a livre comunicação entre os membros da mesma coletividade. O jazz é ainda mais adequado por iluminar com maior precisão o valor dos atributos individuais, componente imprescindível do modo de vida democrático definido pelo filósofo. No jazz, essa qualidade se apresenta no recurso à improvisação, que ocorre quando um membro da banda assume individualmente a execução da melodia, enquanto os demais permanecem executando o suporte harmônico e rítmico, havendo casos em que até mesmo esse suporte é silenciado, permitindo que o solista atue sozinho.

Hobsbawn (1990) explica que esse recurso é uma das características essenciais do jazz.5 Muitas bandas abrem espaço para que todos os instrumentistas apresentem versões pessoais da pauta melódica, o que origina um trabalho de genuína recomposição, cuja única regra é manter fidelidade à harmonia e ao ritmo. É nessa relação - que pode se apresentar em variados formatos - entre interpretação individual e associação ao coletivo que reside a relação qualificada pela filosofia deweyana como democracia. Cada voz tem a oportunidade de expressar ideias e sentimentos próprios relacionados a determinada pauta, cuidando para que o conjunto soe harmônico e equilibrado.

Tudo se passa como se os diversos participantes buscassem deliberadamente um consenso a partir de expressões personalíssimas. 6 O jazz

[...] é uma música de executantes. Tudo nele está subordinado à individualidade dos músicos, ou deriva de uma situação em que o executante era senhor. [...] Uma peça de jazz não é reproduzida, ou mesmo recriada, porém - idealmente, ao menos - criada e usufruída por seus executantes cada vez que é tocada. Dessa forma - mais uma vez idealmente -, não há duas execuções exatamente iguais de uma mesma música por uma mesma banda. (Hobsbawn, 1990, p. 45, grifo do autor).

Essa caracterização revela que, quando o desempenho de uma banda obtém um registro definitivo, em disco ou vídeo, por exemplo, o que se tem é uma pálida imagem do que o jazz realmente é. O mesmo acontece com a democracia, quando se concebe a sua existência em formatos rígidos, independentemente da dinâmica social. Nisso reside uma peculiaridade da concepção deweyana de democracia: trata-se de uma maneira de viver cujo dinamismo nenhuma fórmula é capaz de conter. O caminho democrático não é uma trajetória previamente definida; é algo vivo, podendo revelar notáveis progressos, mas, também, tristes retrocessos.

Para adicionar outra metáfora a essa discussão, pode-se dizer que a democracia não é um fruto maduro que se possa colher eternamente, sem cuidados, mas uma árvore que precisa ser regada todos os dias, em cada pequena ação cotidiana, com criatividade, atenção e certa dose de ousadia. O atual fenômeno do ressurgimento do fascismo em várias regiões do mundo sugere haver, como diria Blake (2014, p. 61, tradução nossa), o cultivo de uma árvore envenenada, “regada em meio a medos, dia e noite, por lágrimas”, o oposto do que a democracia precisa para florescer. Parece haver alguma falha na atuação dos cidadãos executantes da democracia, sejam eles comparáveis a músicos de jazz ou a cuidadores de jardins.

Há outro problema a ser enfrentado por quem utiliza metáforas, e a analogia com a jardinagem serve como ilustração desse caso porque o auditório pode dar conotações distintas ao foro jardim. Essa palavra pode significar um espaço em que as ações transcorrem segundo um planejamento inalterável, como quando se confia o projeto a um paisagista, ou um lugar onde tudo se passa mais ou menos ao acaso, ao sabor da natureza ou das preferências momentâneas de quem responde pelo empreendimento. Se a metáfora possuir um estabelecimento seguro, o problema fica minimizado, como ocorre com jardim de infância, cujo significado remete a práticas pedagógicas conduzidas por profissionais da educação em benefício do desenvolvimento das crianças. Haveria ambiguidade somente se o auditório concebesse o foro de outro modo.

Algo semelhante acontece com o jazz. Se o auditório for versado na história desse tipo de música, poderá levantar um debate com o orador: “De qual jazz estamos falando?”. É uma discussão que se justifica porque, como explica Hobsbawn (1990), o jazz sofreu inúmeras transformações ao longo do tempo, desde a época em que acompanhava funerais de negros pelas ruas de Nova Orleans, em sua manifestação mais genuína, passando pelo formato orquestral das big bands, até alcançar as ousadias experimentais de Charles Mingus e John Coltrane - além de outros músicos, mais recentes, que Hobsbawn não chega a mencionar em seu livro.

Embora tenha servido como música de entretenimento nos salões agitados de grandes e pequenas cidades, assumindo por vezes uma roupagem cênica elitista, o jazz manteve a sua identidade como “música de protesto e rebelião” durante todo o seu longo percurso histórico. Esse caráter nem sempre foi incorporado pela política profissional, muito menos pelos políticos conservadores, uma vez que “o amante de jazz mais apolítico é contra a discriminação racial, que só pode ser publicamente defendida pela direita” (Hobsbawn, 1990, p. 272, grifo do autor).

O importante não é saber que o jazz pode ser enquadrado neste ou naquele compartimento da política ortodoxa, embora possa - principalmente nos de esquerda -, mas registrar que essa música se presta a qualquer tipo de protesto e rebelião, mais do que qualquer outra forma de arte. [...] É uma música para expressar fortes sentimentos e antipatias. [...] é uma música democrática. (Hobsbawn, 1990, p. 273, grifo do autor).

Qualquer que seja a modalidade de jazz a que se refira um orador, a metáfora jazz transporta significados essencialmente políticos porque, como afirma Hobsbawn (1990, p. 273), os amantes desse gênero musical se veem alinhados contra “pontos de vista convencionais”, sejam os de seus pais, tias e avós, sejam os proclamados por republicanos americanos ou por comunistas soviéticos.

O jazz é uma expressão política democrática não somente em razão da sua história e dos significados que possui no imaginário coletivo, como bem analisa Hobsbawn (1990), mas também em virtude de sua peculiaridade como linguagem, conforme assinalado anteriormente: o jazz promove a distribuição do protagonismo entre os músicos, característica que se evidencia na arte da improvisação e na liberdade de interpretação. À luz das concepções deweyanas, esses dois aspectos - o social e o musical - somam-se porque, assim como a habilidade artística “precisa importar-se profundamente com o tema sobre o qual a habilidade é exercida” (Dewey, 2010, p. 127), o modo democrático de vida implica respeito à harmonia e ao ritmo, ao mesmo tempo que requer habilidades que viabilizem atitudes de inconformismo inovadoras e criativas perante o tema com o qual se confronta. A rebelião e o protesto não se fazem a esmo, mas seguem uma pauta coletiva por intermédio de habilidades individuais. Como no jazz, o traço mais marcante da democracia teorizada por Dewey é a pluralidade de vozes, a manifestação da individualidade crítica de cada executante em busca de consensos.

A pluralidade de vozes em Dewey

A pluralidade que se observa na concepção política de Dewey constitui o cerne da proposta educacional deweyana. Para sustentar essa afirmação, é preciso notar, primeiramente, que o autor concebe a aquisição da linguagem como um processo essencialmente social. Assumida por diversos pensadores durante o século 20 e praticamente consensual nas áreas de Linguística e Educação, essa tese aparece em obras de Dewey publicadas nos anos de 1920 e 1930, fato que o posiciona como um dos pioneiros nessa abordagem.

Em Teoria da valoração, de 1939, Dewey (2009, p. 58) recorre à análise de manifestações humanas elementares, como “os primeiros choros de um bebê, seus primeiros sorrisos ou seus primeiros arrulhos, balbucios e chiados”, afirmando que não se pode entendê-las como expressões de sentimentos. Trata-se tão somente de condições orgânicas rudimentares que só mais tarde assumirão o aspecto de “expressões de valor”, a partir do momento em que evocarem respostas comportamentais em outras pessoas.

Um bebê chora. A mãe toma o choro como um sinal de que o bebê está com fome ou de que um alfinete o está machucando, e então age para modificar a condição orgânica que infere existir, usando o choro como indício de evidência.

Depois, conforme o bebê se desenvolve, ele se torna consciente da ligação que existe entre certo choro, a atividade evocada e as consequências produzidas em resposta ao choro. [...] Esse último choro existe em meio a uma linguagem; é um signo linguístico que não apenas diz algo, mas que tem a intenção de dizer, convencer, contar. (Dewey, 2009, p. 59).

É com o passar do tempo, portanto, que as tais manifestações adquirem a qualidade de expressões linguísticas, construídas pela mediação das circunstâncias do ambiente. “Os fenômenos em questão são fenômenos sociais, em que ‘social’ significa simplesmente que há uma forma de comportamento cuja natureza é uma interação ou transação entre duas ou mais pessoas” (Dewey, 2009, p. 61). Gestos e palavras tornam-se símbolos linguísticos quando assumidos e utilizados como indícios de algo que tenha valor para uma coletividade, integrados a um conjunto de situações socialmente significativas.

Antecipando concepções desenvolvidas posteriormente por Austin (1975), Dewey (2009, p. 62-63) analisa que palavras fazem coisas, pois carregam em si a potencialidade para produzir ações: se alguém grita fogo ou socorro, por exemplo, não há dúvida “quanto à intenção de influenciar a conduta dos outros para causar certas consequências passíveis de observação e de afirmações na forma de proposições”; existe uma situação que provocará consequências ruins, a pessoa que se manifesta está impossibilitada de agir e espera que alguém venha lhe prestar ajuda.

É certo que, para não caírem no vazio, as palavras carecem de fatos empiricamente observáveis e é certo, também, que a sua efetividade está solidamente enraizada na interação entre as pessoas de determinado agrupamento social, o que diz respeito à história desse agrupamento, ao modo como as relações foram constituindo-se ao longo do tempo. Contida na noção de jogos de linguagem elaborada mais tarde por Ludwig Wittgenstein (2000), essa tese deriva do que Dewey (1958, p. 170, tradução nossa) já havia formulado em Experience and nature, de 1925:

Se não falássemos com os outros e eles conosco, não falaríamos com e para nós mesmos. Por causa da conversa e das interações sociais, várias atitudes orgânicas tornaram-se uma reunião de pessoas engajadas em conversar, conferenciar umas com as outras, trocar experiências distintas, ouvir umas às outras, ocasionalmente observações indesejáveis, acusando e desculpando.

Entendido como prática relacional em que pessoas compartilham mutuamente opiniões, ideias e emoções sobre as suas experiências no mundo, o discurso assume posição privilegiada no processo de constituição do eu. “Por meio do discurso, uma pessoa identifica dramaticamente a si mesma com atos e necessidades potenciais; desempenha vários papéis, não em estágios sucessivos da vida, mas em um drama encenado contemporaneamente. Assim emerge a mente” (Dewey, 1958, p. 170, tradução nossa).

Ao associar o discurso privado ao discurso público, Dewey esboça uma teoria sobre a constituição da individualidade: quanto mais o indivíduo interage com outros, mais enriquece a sua capacidade de pensar a respeito de si mesmo e questionar o mundo; quanto mais ricas forem essas interações, mais se beneficia a personalidade. O contrário também é verdadeiro: quanto menos forem as oportunidades para ouvir o outro - inclusive os que divergem de seu ponto de vista -, mais embotado, frio e intransigente torna-se o caráter. Quem se educa em meio a múltiplas vozes tem mais chance de incorporar o tipo de sensibilidade adequado ao modo de vida que Dewey chama de democrático.

Essas reflexões permitem conceber a proposta educacional deweyana como assentada na pluralidade de vozes, o que sugere que a escola seja organizada como um ambiente em que os educandos tenham a possibilidade de interagir com ampla variedade de discursos, de maneira a realizar o que se define como vida democrática, segundo a visão de Dewey - um modo de vida fundamentado no compartilhamento da experiência. O jazz, portanto, é uma boa metáfora não só para transportar o sentido da filosofia deweyana, mas, também, para inspirar um modo de ser para a escola como um todo e, em particular, para a sala de aula.

O jazz na sala de aula

Não é difícil transmitir as concepções teóricas apresentadas anteriormente em um curso destinado a ministrar informações sobre o pensamento deweyano. Quem se dedica ao ofício docente sabe, no entanto, que informar não é o mesmo que formar, processo que requer mais do que veicular determinada teoria; requer, como diria Freire (2014), criar maneiras de intervir no mundo. Essa tese se torna ainda mais acertada quando o curso em pauta é destinado à preparação para o magistério, cuja peculiaridade consiste em criar disposições tais que capacitem o futuro profissional a interagir criativamente com o outro, munido de empatia e respeito à diversidade. Isso se aplica, evidentemente, a situações em que se pretenda manter coerência entre o conteúdo ensinado - a filosofia educacional deweyana - e o que Dewey sugere para uma prática de ensino efetivamente humanizadora.

A adoção de um propósito humanizador para o ensino é particularmente relevante, se não urgente, no momento atual, quando muitas correntes pedagógicas se alinham em torno de objetivos educacionais que em nada contribuem para combater o vírus do fascismo. Essa metáfora do vírus é poderosa por transportar a ideia de que as visões conservadoras extremadas ora vigentes, cuja disseminação vem alcançando o topo das esferas de poder em várias partes do mundo, são praticamente indestrutíveis. Como analisa Eco (2018), o fascismo é eterno porque seus defensores transmitem uma mensagem irracional que mobiliza camadas profundas da personalidade. Essa meta é alcançada por variados meios, com destaque para a difusão de textos escolares elaborados em linguagem pobre e esvaziados de conteúdo humanizador.

O fascismo pode ser enfrentado pela luta armada, como já ocorreu no passado, quando muitos regimes ditatoriais se impuseram e foram eliminados pela força. Hoje, quando a extrema direita utiliza as vias legais para demolir a democracia, a consolidação das instituições democráticas é o único meio para conter as tendências desumanizadoras (Levitsky; Ziblatt, 2018). Nesse empenho, a educação surge como opção privilegiada para impor barreiras verdadeiramente sólidas à formação de um caráter propenso a aceitar e contribuir para a disseminação do discurso fascista. Para isso, é preciso contar com professores dispostos a assumir teorias comprometidas com a humanização do processo pedagógico e a agir em consonância com esse fim (Crick, 2019).

Na linha das reflexões de Crick (2010, 2016, 2019), o presente artigo defende que, independentemente da corrente humanista adotada, é essencial que a ação docente envolva práticas capazes de desenvolver nos alunos um tipo de sensibilidade que, por sinonímia com as reflexões de Dewey (2010) sobre a arte, pode ser denominada estética. A teoria educacional deweyana propõe que a sala de aula seja um ambiente de criação, não de reprodução, no qual os estudantes sejam incentivados a buscar soluções para problemas significativos utilizando diversos materiais e fontes de informação; um espaço em que o professor exerça sua autoridade não para impor conteúdos, mas para adotar práticas de cooperação e compartilhamento de experiências (Dewey, 1959, 1971, 2003a). Quando conclui o processo chamado investigação, o educando alcança satisfação comparável à do artista que finaliza uma obra; mais do que sentir o prazer da consecução, institui-se nele uma sensibilidade ímpar para dialogar consigo mesmo e com os outros.

É necessário que a educação escolar transmita conteúdos científicos historicamente avalizados, mas os educadores devem operar essa transmissão por intermédio de atividades que desenvolvam a sensibilidade estética nos estudantes, pois é essa qualidade pessoal que pode se opor à proliferação do vírus do fascismo. Entre as atividades com potencial para alcançar esse propósito, Dewey (2010) privilegia a arte. Porém, a depender das condições em que se realiza o trabalho docente, nem sempre é possível levar os alunos a produzirem objetos artísticos. Essa constatação implica a necessidade de adequar o processo de investigação deweyano, considerando a possibilidade de os estudantes atuarem não como produtores, mas como espectadores de obras de arte.

A questão é saber quais atividades de natureza artística, entre as que cabem no espaço de uma sala de aula, podem realizar o objetivo de desenvolver a almejada sensibilidade estética mantendo os educandos como espectadores. A resposta a essa indagação crucial poderia ser encontrada por meio de um experimento convencional, de cunho empírico, testando-se várias hipóteses, uma a uma, com diferentes turmas de alunos, mediante as técnicas de controle das variáveis supostamente envolvidas - a idade dos estudantes, o background artístico de cada um, o grau de escolaridade etc.

No entanto, por mais rigoroso que seja, esse procedimento metodológico, amplamente reconhecido em muitas áreas da Ciência, não é suficiente para assegurar a transposição do experimento para o ambiente escolar. A variedade da clientela e das condições materiais das instituições de ensino, como também a familiaridade de cada docente com as modalidades de arte, determina a necessidade de adaptar os resultados experimentais a cada situação concreta enfrentada. Esse esforço de ajuste tende a desestimular o professor, que, desconfiando da validade dos dados fornecidos pela pesquisa empírica, optará por realizar o seu próprio experimento, constatando, por fim, que o sucesso de sua iniciativa irá variar de um ano para outro, de uma turma de alunos para outra, a depender, até mesmo, do avanço de seu próprio domínio das técnicas empregadas.

A variabilidade e a mutabilidade das circunstâncias reais em que se executa o trabalho docente sugere que, em vez de oferecer aos professores resultados de pesquisas empíricas sobre a sala de aula, é preferível chegar “à compreensão buscada pela teoria através de um desvio” (Dewey, 2010, p. 71). Afastando-se do curso comum e rotineiro das coisas, o docente pode orientar a sua formação seguindo o caminho percorrido por Dewey, que opta por apresentar situações imaginárias para defender suas teses e motivar seus leitores a agirem com mais ousadia em sala de aula. No campo da Filosofia, esse caminho é denominado experimento de pensamento (thought experiment, em inglês), recurso que faz da mente um laboratório para criar e testar hipóteses (Elgin, 2014). Sem necessitar de dados empíricos, os participantes dessa modalidade de experimento são levados a “imaginar certas situações que são diferentes daquilo que geralmente se vê na prática comum - situações extraordinárias, mas perfeitamente plausíveis” (Cunha, 2022, p. 76).7

Experimentos de pensamento podem assumir variados formatos e servir a muitas finalidades. No que interessa aos objetivos do presente artigo, cabe destacar o seu potencial educativo, que reside na possibilidade de criar disposições para a ação, incentivar a busca pelo conhecimento e ilustrar explanações relativas a determinado conteúdo escolar, mantendo sempre a intenção de desenvolver a sensibilidade estética nos envolvidos.8 Para viabilizar o entendimento da pluralidade de vozes em Dewey, tal como foi discutido anteriormente, o leitor destas páginas é agora convidado a acompanhar a narrativa de uma aula fictícia de um curso que visa formar professores alinhados com a perspectiva teórica deweyana. O professor apresenta uma lista com as dez canções mais acessadas no Spotify no dia anterior e pede que os estudantes indiquem três que lhes sejam familiares. Das indicadas, a mais votada é Poc Poc, de Pedro Sampaio - que a interpreta - em coautoria com Carolzinha, Elana Dara e Rafinha RSQ. Um vídeo da canção é logo encontrado no Youtube e projetado na tela da sala.9 Ao término, os alunos são solicitados a tecerem comentários sobre a canção. Todos concordam que a peça musical é de fácil assimilação, tem ritmo contagiante e letra simples. Tânia diz que Poc Poc parece “uma estrada que a gente vai percorrendo sem sobressaltos”, sabendo de antemão o que vai acontecer em seguida: “não há surpresas”.

O professor elogia a metáfora, cujo significado remete a uma aula em que tudo é antecipadamente planejado, todas as ações do mestre e todas as reações dos aprendizes são previsíveis, nada foge ao roteiro. É como caminhar por uma trilha orientado por plaquinhas que informam “vá por aqui”, “vire à direita” etc. - e assim você chegará rapidamente ao fim do caminho, sem desgaste excessivo e sem correr o risco de tropeçar. Antônio intervém: “Não estou entendendo, qual é a relação disso com a teoria deweyana?”. O professor encaminha a pergunta aos alunos, que ficam sem saber o que comentar, até que Marina se pronuncia com firmeza: “Não há nenhuma relação; ou melhor, a relação é de total oposição. Não há pluralidade de vozes, o apelo poético da linguagem é quase nulo, a letra da canção diz tudo, a linha melódica e a harmonia são de uma linearidade óbvia...”.

O professor pondera que Poc Poc tem um papel a cumprir e o cumpre exemplarmente, a depender do ambiente em que é tocada e dos desejos do público. Também é assim com uma aula convencional e com uma caminhada cujo objetivo seja o de chegar rapidamente e sem transtornos ao final da trilha. Afirmando que o universo musical oferece outras possibilidades, pergunta se algum aluno tem familiaridade com o jazz. Apenas Aline responde afirmativamente, acrescentando que não se trata de familiaridade, propriamente; ela conhece, mas não costuma ouvir com frequência esse tipo de música.

O professor, então, projeta um vídeo do Youtube em que o quarteto de David Brubeck interpreta Take Five, de autoria do líder da banda. Em pouco mais de sete minutos, os músicos vão sucedendo-se no solo - Brubeck, piano; Paul Desmond, sax alto; Joe Morello, bateria; Eugene Wright, contrabaixo -, cada qual exibindo uma improvisação condizente com as características de seus respectivos instrumentos.10 As imagens permitem que os alunos visualizem com precisão quem são os executores. Ao final, antes que o professor encaminhasse a discussão, Marina diz: “Agora, sim, eu fui surpreendida! Não dava pra saber o que viria após a apresentação do tema musical, parece que cada membro da banda percorria o seu próprio caminho”. E João acrescenta: “Pluralidade de vozes, como vimos em Dewey. E, depois de cada exibição individual, os músicos se juntaram para tocar novamente o tema”.

“É como uma discussão em que todos têm a oportunidade de expressar a sua própria voz, sem que se perca o sentido geral do assunto - diz Antônio -, mas são vozes estranhas, eu não estou acostumado a ouvir esse tipo de... vocabulário - digamos assim”. “Eu também... Poc Poc é mais familiar para mim”, acrescenta Joana, sorrindo timidamente, “porque ela tem uma estrutura muito semelhante a muitas outras canções”. O professor pede que os alunos se imaginem percorrendo uma trilha sem plaquinhas indicativas do caminho ou como se fossem responsáveis por uma sala de aula com crianças de diferentes etnias, classes sociais etc., cada qual apresentando a sua própria visão do conteúdo ministrado, suas expectativas em relação à vida, compondo o seu próprio enredo da história contada nos livros e tendo que harmonizar suas vozes, no final.

O professor abre o livro A música no seu cérebro, de Levitin (2021, p. 235), e lê uma passagem: “Para muitas pessoas, o que será apreciado ou rejeitado no futuro dependerá dos tipos de esquemas cognitivos musicais formados nos hábitos de audição na infância”. E explica que, de acordo com os neurocientistas, nossa familiaridade com determinado gênero musical é formada quando ainda somos bebês, sendo natural que tenhamos uma sensação de insegurança ao ouvirmos algo muito diferente daquilo a que nosso cérebro está habituado. Todavia, segundo o mesmo autor, a música que nos acostumamos a ouvir naquela época “não necessariamente determinará nosso gosto musical; muitas pessoas têm contato com músicas de diferentes culturas e estilos e as estudam, tornando-se aculturadas e aprendendo também seus esquemas”. Cada um de nós tem o seu próprio “quociente de ‘disposição para o risco’ no que diz respeito ao grau de afastamento da zona de segurança musical a que aceita se expor”.

Alguns alunos indagam sobre o objetivo formativo do exercício de ouvir vozes tão estranhas. O professor explica que a canção Poc Poc mexe com nosso aparato sensorial, faz-nos dançar, pular, sorrir etc., razão pela qual não merece ser desprezada. Esse tipo de música vai ao encontro dos esquemas mentais da maioria de nós, mas todos concordam que ela não expressa o sentido mais amplo da abordagem educacional deweyana. O jazz cumpre essa meta, levando-nos a ter uma experiência estética que, segundo Dewey (2003b), pode ser considerada verdadeiramente artística: uma coisa é aproveitar certos materiais e relações existentes para compor uma “descrição prosaica” do que nos cerca, o instrumental técnico de qualquer ofício faz isso; outra coisa é remodelar esses mesmos materiais para que assumam formas capazes de despertar a abstração.

Considerando que o critério de Dewey é a abstração, a capacidade de usar a imaginação para ir além do que se mostra aos sentidos, o professor acessa novamente o Youtube para apresentar não um vídeo, mas um áudio de aproximadamente dez minutos em que Art Blakey e a banda Jazz Messengers executam Moanin’, composição de Bobby Timmons, que atua no piano. Os outros músicos são Lee Morgan, trompete; Benny Golson, sax tenor; Jymie Merritt, contrabaixo; na bateria, o líder da banda.11 Dessa vez não há imagens, o que impede a audiência de identificar visualmente quem está executando o solo. A tarefa agora consiste em tentar descobrir quais são os instrumentos responsáveis pela improvisação e como eles dialogam entre si. “Imaginem que seja uma conversa; o primeiro interlocutor pronuncia o tema e os demais vão respondendo, um mais enfático, exaltado, outro ameno, tristonho, e assim por diante, como se argumentassem sobre um assunto de interesse comum”.

E assim prosseguiu a aula.

Considerações finais

A apresentação de uma aula fictícia na seção anterior deste artigo teve dois propósitos. Primeiro, mostrar que uma das funções dos experimentos de pensamento é ilustrar e colocar em discussão explanações relativas a determinado conteúdo teórico, no intuito de favorecer o aprendizado e desenvolver a sensibilidade estética dos estudantes. Naquela aula imaginária, o conteúdo em questão dizia respeito à relação da filosofia educacional deweyana com o jazz por intermédio da noção de pluralidade de vozes. Se bem trabalhado, o exercício feito com as canções terá auxiliado os alunos a interagirem mais intimamente com a temática em pauta.

Mais importante do que isso, os estudantes terão entendido que assumir as “paixões do pluralismo”, como assevera Greene (1995, p. 155), é imprescindível para a existência de uma comunidade verdadeiramente democrática, nos termos da filosofia deweyana, um modo de vida que se efetiva por meio de encontros pessoais autênticos, o que, por sua vez, é condição para que as pessoas tenham “menor probabilidade de serem tratadas instrumentalmente, de serem transformadas em ‘outras’ por quem as rodeia”. Parece pouco diante do esmorecimento da democracia e da educação humanista nos dias atuais, mas, lembrando a ideia de Austin (1975) anteriormente mencionada, se palavras fazem coisas, é possível que paixões também façam.

Greene (1995, p. 167, tradução nossa) sabe que é impossível prever como será o mundo amanhã e que não há justificativas absolutas para escolher um tipo de comunidade em detrimento de outro, mas acredita que, acima de todos os desacordos, é necessário reafirmar “o valor de princípios como justiça, igualdade, liberdade e compromisso com os direitos humanos, sem os quais não é possível sequer defender a decência do acolhimento”.

Só se um número cada vez maior de pessoas encarnar tais princípios, escolhendo viver de acordo com eles e dialogar de acordo com eles, é que conseguiremos criar um pluralismo democrático e não nos desintegrarmos na violência e na desordem. Incapazes de fornecer uma base objetiva para tais esperanças e reivindicações, tudo o que podemos fazer é falar com os outros da forma mais eloquente e apaixonada possível sobre justiça, carinho, amor e confiança. (Greene, 1995, p. 167, tradução nossa).

O segundo propósito da inserção de uma narrativa fictícia no corpo do presente artigo diz respeito ao leitor destas páginas: a intenção consistiu em liberar a sua capacidade imaginativa, proporcionar-lhe a oportunidade de vivenciar um experimento de pensamento e, assim, desenvolver a sua própria sensibilidade estética. Isso terá acontecido se o leitor, imaginando-se como um participante daquela aula e sensibilizado pelas paixões do pluralismo, for mobilizado a criar iniciativas inovadoras em seu trabalho como professor, passando a acreditar na possibilidade de seus alunos buscarem o conhecimento de maneira investigativa; desse modo, ele terá entendido que, quando as experiências são compartilhadas - ainda que por meio de experimentos mentais -, a vida tende a se tornar democrática e sensível.

Se tiver despertado disposições para a ação, o experimento de pensamento terá realizado o seu potencial educativo. Essa realização será decorrente da qualidade persuasiva dos experimentos de pensamento, os quais se assemelham, nessa particularidade, aos experimentos usuais, em geral sustentados por dados empíricos. A diferença é que os primeiros requerem o envolvimento pessoal do leitor, que é convidado a buscar, em seu laboratório mental, os componentes intelectuais e afetivos necessários para adentrar na experiência proposta.

Em ambas as modalidades experimentais, comprova-se o valor das “técnicas de argumentação persuasiva” para a produção do conhecimento, as quais, segundo Kuhn (1996, p. 128), compõem os debates que se travam em toda a comunidade científica. Eis, portanto, o propósito mais amplo deste artigo: incentivar o debate com a comunidade de pesquisadores da educação acerca das propostas educacionais deweyanas, acerca do jazz como metáfora adequada para representá-las e acerca do experimento de pensamento como metodologia apropriada para provocar os leitores e contribuir para a formação estética dos estudantes.

Referências

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  • WESTBROOK, R. John Dewey and American democracy Ithaca: Cornell University, 1991.
  • WITTGENSTEIN, L. Investigações filosóficas Tradução de José Carlos Bruni. São Paulo: Nova Cultural, 2000.
  • 1
    A pesquisa que originou este artigo foi subvencionada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), Brasil - Código de Financiamento 001.
  • 2
    A palestra ocorreu em 2015, durante o II Seminário Internacional de Estudos Éticos e Retóricos em Educação, realizado na Universidade Estácio de Sá, Rio de Janeiro.
  • 3
    Crick é autor de vários trabalhos sobre retórica e educação, como Democracy and rhetoric (Crick, 2010) e “The rhetoric of hope” (Crick, 2016), sobre as ideias de John Dewey e Paulo Freire, respectivamente.
  • 4
    Os autores agradecem à professora Fabíola Ponton Saadi Salomão pela revisão técnica da terminologia musical utilizada neste artigo.
  • 5
    Quando publicou o livro aqui citado, no final dos anos de 1950, Hobsbawn (1990, p. 11) preferiu assiná-lo com o pseudônimo “Francis Newton”, com o propósito de “manter as obras do autor enquanto historiador separadas de sua produção como jornalista de jazz”.
  • 6
    Da extensa literatura sobre jazz, ver especialmente Shapiro e Hentoff (1955) e Ward (2000).
  • 7
    Sobre o histórico, as categorias e as controvérsias concernentes ao experimento de pensamento, ver o verbete da Stanford Encyclopedia of Philosophy relativo a esse tema (Brown; Fehige, 2023).
  • 8
    Ver, por exemplo, os experimentos de pensamento elaborados por Silva e Cunha (2021a, 2021b).
  • 9
    Ver em https://www.youtube.com/watch?v=MYoJv_vrf1g.
  • 10
    Ver em https://www.youtube.com/watch?v=tT9Eh8wNMkw&list=RDtT9Eh8wNMkw&start_radio=1.
  • 11
    Ver em https://www.youtube.com/watch?v=Cv9NSR-2DwM&list=RDCv9NSR-2DwM&start_radio=1.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Maio 2025
  • Data do Fascículo
    2025

Histórico

  • Recebido
    23 Abr 2024
  • Aceito
    08 Fev 2025
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