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As traduções e recontextualizações da BNCC e do Referencial Curricular Gaúcho nos anos iniciais do ensino fundamental

The translations and recontextualizations of the BNCC and the Rio Grande do Sul Curricular Reference in the early years of elementary school

Las traducciones y recontextualizaciones de la BNCC y el Referencial Curricular Gaucho en los primeros años de la Educación Primaria

Resumo

O presente artigo tem como objetivo estabelecer relações entre a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e o Referencial Curricular Gaúcho (RCG), buscando compreender as transformações ocorridas no decorrer das traduções realizadas, em especial nos anos iniciais do ensino fundamental. A pesquisa é documental e a análise dos dados é de caráter descritivo. As informações presentes nos documentos analisados foram sistematizadas e organizadas valendo-se de três eixos emergentes: 1) democracia e participação; 2) identidade; e 3) ausências. Em seguida, passa-se a discutir as habilidades e as traduções realizadas no âmbito das áreas do conhecimento. Após a análise dos documentos e, com base nas teorias de Basil Bernstein e Jose Gimeno Sacristán, conclui-se que o RCG, em alguns casos, apresenta reescrita das habilidades previstas na BNCC, alterando a ordem das palavras, sendo uma tradução do documento nacional com poucas recontextualizações. Com isso, entende-se que a BNCC, que deveria ser um documento orientador, acaba por se tornar o próprio currículo devido à forte classificação exercida frente às traduções realizadas, como o RCG.

Palavras-chave:
parâmetros curriculares; BNCC; Referencial Curricular Gaúcho; ensino fundamental - anos iniciais

Abstract

This article aims to establish relationships between the National Common Curricular Base (BNCC, in Portuguese) and the Gaucho Curricular Reference (RCG, in Portuguese), seeking to understand the changes that occurred during the translations that were made, especially in the early years of elementary school. The research is documentary and data analysis is descriptive. The information presented in the documents used for the analysis was systematized and organized using three emerging axes: 1) democracy and participation; 2) identity; and 3) absences. Then, the skills and translations carried out within the areas of knowledge are discussed. After analyzing the documents and, based on the theories of Basil Bernstein and Jose Gimeno Sacristán, the conclusion is that the RCG, in some cases, presents a rewrite of the skills provided for in the BNCC, changing the word order, being a translation of the national document with few recontextualizations. Thereby, it is understood that the BNCC, which should be a guiding document, ends up becoming the curriculum itself due to the strong classification against the translations performed, such as the RCG.

Keywords:
curricular reference; BNCC; Gaucho Curricular Reference; elementary school - early years

Resumen

Este artículo tiene como objetivo establecer relaciones entre la Base Nacional Común Curricular (BNCC) y el Referencial Curricular Gaucho (RCG), buscando comprender los cambios ocurridos durante las traducciones realizadas, especialmente en los primeros años de la educación primaria. La investigación es documental y el análisis de datos es descriptivo. La información presente en los documentos analizados fue sistematizada y organizada a partir de tres ejes emergentes: (a) democracia y participación; (b) identidad; y, (c) ausencias. Más adelante, se discuten las habilidades y traducciones realizadas dentro de los campos del conocimiento. Después de analizar los documentos y con base en las teorías de Basil Bernstein y José Gimeno Sacristán, se concluye que el RCG, en algunos casos, presenta reescritura de las habilidades previstas en la BNCC, cambiando la orden de las palabras, siendo una traducción del documento nacional con pocas recontextualizaciones. Con eso, se entiende que la BNCC, que debe ser un documento orientador, acaba convirtiéndose en el propio currículo por la fuerte clasificación que se ejerce frente a las traducciones realizadas, como el RCG.

Palabras clave:
parámetros curriculares; BNCC; Referencial Curricular Gaucho; escuela primaria - primeros años

Apresentação

A Base Nacional Comum Curricular (BNCC), homologada em 22 de dezembro de 2017, traz consigo a intenção de estabelecer habilidades e competências mínimas que devem ser trabalhadas nas escolas ao longo da educação básica (Brasil. MEC, [2018]BRASIL. Ministério da Educação (MEC). Base Nacional Comum Curricular: educação é a base. Brasília, DF, [2018]. Disponível em: <Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_EF_110518_versaofinal_site.pdf >. Acesso em: 26 mar. 2020.
http://basenacionalcomum.mec.gov.br/imag...
). Tal documento acaba por influenciar - talvez normatizar - a formação de um currículo mínimo em todas as escolas do País. Nesse mesmo sentido, os estados buscam adequar suas atividades escolares com suporte da BNCC para a criação de seus próprios documentos norteadores. No Rio Grande do Sul, esse norteador é batizado de Referencial Curricular Gaúcho (RCG) e serve como documento oficial para reorganização dos currículos das escolas. Cabe destacar que a BNCC não é um currículo por si só. Ela é um documento orientador para que os estados construam suas propostas curriculares, a fim de que os municípios se baseiem nesses currículos estaduais para estabelecerem seus próprios documentos orientadores.

A partir de Bernstein (1996BERNSTEIN, B. A estruturação do discurso pedagógico: classes, códigos e controle. Tradução de Tomaz Tadeu da Silva e Luís Fernando Gonçalves Pereira. Petrópolis: Vozes, 1996.), é possível dizer que esse processo de reescrita da BNCC em um RCG pode ser entendido como uma tradução do documento oficial de nível nacional para um regional, podendo ocasionar uma recontextualização do texto original. Por ser um documento muito abrangente e de caráter mínimo (mesmo que isso pareça contraditório), a BNCC diz permitir a inclusão de contextos locais nos documentos regionais. Nesse sentido, as recontextualizações e os processos de tradução dos currículos se apresentam como sendo a participação dos estados na elaboração de seus documentos.

Com base nas ideias de Jose Gimeno Sacristán, dizemos que essas propostas arroladas pela BNCC e pelo RCG são chamadas de currículos oficiais já que ambas são documentos elaborados em um plano oficial e, mesmo com as devidas recontextualizações e traduções realizadas, ainda operam como uma regulamentação para que os professores e as escolas se embasem na elaboração de seus currículos locais (currículo moldado) (Gimeno Sacristán; Pérez Gómez, 1998GIMENO SACRISTÁN, J.; PÉREZ GÓMEZ, A. I. Compreender e transformar o ensino. Tradução de Ernani F. da Fonseca Rosa. 4. ed. Porto Alegre: Artmed, 1998. ). Ressalta-se que depois dessa primeira recontextualização dos professores, existe uma nova tradução para o Currículo em Ação, que é o que de fato chega na sala de aula.

É importante destacar que o RCG, mesmo ainda estando em um patamar oficial, possui uma abrangência menor de atendimento em termos geográficos e culturais. Com isso ele permite - ou deveria permitir, e essa análise será feita ao longo do texto - fazer referência às particularidades do Estado do Rio Grande do Sul.

O RCG ainda admite a existência de outro nível de recontextualização nas práticas pedagógicas. Isso se dá com a prerrogativa de ser subsídio para suprir necessidades, que aparecem no decorrer das atividades desenvolvidas pelo professor na sala de aula, para a construção do conhecimento pelos alunos e para todos os desdobramentos decorrentes dessa prática. Nesse sentido, pretende colocar os professores como atores nas discussões entre “currículo e conhecimento escolar para as relações entre currículo e cultura” (Rio Grande do Sul. Seduc, 2018cRIO GRANDE DO SUL. Secretaria de Educação (Seduc). Referencial Curricular Gaúcho: Linguagens. Porto Alegre: Seduc , 2018c. Disponível em: <Disponível em: http://portal.educacao.rs.gov.br/Portals/1/Files/1531.pdf >. Acesso em: 2 abr. 2020.
http://portal.educacao.rs.gov.br/Portals...
, p. 27).

Nesse sentido, o objetivo deste artigo é estabelecer relações entre a BNCC e o RCG, buscando compreender as transformações ocorridas no decorrer das traduções realizadas, em especial nos anos iniciais do ensino fundamental. Para isso, serão analisados em conjunto a BNCC e o RCG, observando quais processos de recontextualização são enunciados ao longo do texto. Além disso, serão buscados indícios de propostas metodológicas que possam, porventura, aparecer. Como no RCG temos a construção dos currículos para as escolas estaduais, entende-se que essas propostas metodológicas apareçam nesse documento, diferentemente da BNCC, a qual se estabelece como orientadora. Entende-se que a maneira mais conveniente para perceber tais nuances seja por meio dos objetos de conhecimento e das habilidades, os quais são previstos em ambos documentos. Nesse sentido, parece coerente analisar e comparar os quadros nos quais são descritos os objetos de conhecimento e as habilidades a serem desenvolvidas pelos estudantes nesse período estudantil.

Para contemplar o objeto de pesquisa, buscou-se realizar a análise da BNCC e do RCG de forma descritiva nos documentos anunciados. Para isso, neste artigo, haverá uma apropriação dos conceitos discutidos pelos autores supracitados, relacionando-os às recontextualizações e às traduções efetivadas nos documentos analisados.

Dentro da perspectiva de leitura e descrição das particularidades contidas ao longo do RCG, será apresentada uma breve síntese de três eixos de análise que foram estabelecidos com a leitura analítica dos documentos oficiais. Esses eixos são: a) democracia e participação; b) identidades; e c) ausências. Elas se mostram pertinentes por indicarem caminhos entendidos como fundamentais pelo governo estadual na estruturação de suas políticas curriculares para o Rio Grande do Sul, baseados nas indicações realizadas pela BNCC.

Democracia e participação

A definição da democracia, segundo Schumpeter (1984SCHUMPETER, J. A. Capitalismo, socialismo e democracia. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1984, p. 313), é “o arranjo institucional para se chegar às decisões políticas que realiza o bem comum fazendo o próprio povo decidir as questões através da eleição de indivíduos que devem reunir-se para realizar a vontade desse povo”; pode-se dizer, então, que democracia, por si só, já estabelece a participação de todos os setores da sociedade, de forma igualitária, na escolha dos seus representantes. Nesse sentido, articular um grupo de pessoas que represente a sociedade na construção e articulação do documento norteador para os currículos escolares parece apropriado e salutar. Dessa forma, entende-se que discutir a escolha dessas pessoas para a formulação da BNCC, bem como se deu a participação da sociedade no documento, torna-se importante para a compreensão das relações estabelecidas.

Especialistas foram convidados para a formulação da BNCC, sob a coordenação do Ministério da Educação (MEC), juntamente com a participação dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, depois de ampla consulta à comunidade educacional e à sociedade, conforme consta da apresentação do documento (Brasil. MEC, [2018]BRASIL. Ministério da Educação (MEC). Base Nacional Comum Curricular: educação é a base. Brasília, DF, [2018]. Disponível em: <Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_EF_110518_versaofinal_site.pdf >. Acesso em: 26 mar. 2020.
http://basenacionalcomum.mec.gov.br/imag...
). Além disso, foram abertas consultas públicas em que a sociedade como um todo foi convidada a dar sugestões para essa BNCC. Entretanto, em cartas amplamente divulgadas, a Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação - Anped e a Associação Brasileira de Currículo - ABdC dizem que há uma ruptura na formulação da terceira versão da BNCC com relação às versões anteriores (ABdC, 2017ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE CURRÍCULO (ABdC). Documento produzido pela Associação Brasileira de Currículo (ABdC) encaminhado ao CNE no contexto das audiências públicas sobre a BNCC/2017. [Rio de Janeiro, 2017]. Disponível em: <Disponível em: https://avaliacaoeducacional.files.wordpress.com/2017/09/documento-associac3a7c3a3o-brasileira-de-curriculo_vf_ok.pdf >. Acesso em: 2 jun. 2020.
https://avaliacaoeducacional.files.wordp...
; Anped, 2017ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM EDUCAÇÃO (ANPEd). Nota da ANPEd sobre a entrega da terceira versão da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) ao Conselho Nacional de Educação (CNE). Rio de Janeiro, 2017. Disponível em: <Disponível em: http://www.anped.org.br/sites/default/files/nota_da_anped_sobre_a_entrega_da_terceira_versao_da_base_nacional_comum_curricular_abril_2017.pdf >. Acesso em: 2 jun. 2020.
http://www.anped.org.br/sites/default/fi...
). Nas cartas, as entidades questionam a troca da comissão de formulação da BNCC, bem como o abandono das mais de 12 milhões de contribuições feitas às versões anteriores.

Já o RCG traz, em sua apresentação, uma pequena crítica às “tímidas” ações desenvolvidas pela rede de colaboração para elaboração de referenciais curriculares propostas pelos Planos Nacional e Estadual de Educação.

Embora o Regime de Colaboração esteja descrito nos Planos Nacional e Estadual de Educação, as ações nessa direção ainda são tímidas, pois envolvem muitas variáveis entre a União, Estados e Municípios, gerando entraves na operacionalização das políticas educacionais (Rio Grande do Sul. Seduc, 2018cRIO GRANDE DO SUL. Secretaria de Educação (Seduc). Referencial Curricular Gaúcho: Linguagens. Porto Alegre: Seduc , 2018c. Disponível em: <Disponível em: http://portal.educacao.rs.gov.br/Portals/1/Files/1531.pdf >. Acesso em: 2 abr. 2020.
http://portal.educacao.rs.gov.br/Portals...
, p. 14).

O RCG se diz ainda andar na contramão desse movimento lento e moroso do âmbito federal, fazendo suas articulações com os municípios de forma mais rápida e conjunta com as associações de escolas privadas e públicas, a fim de unir esforços para melhoria da educação gaúcha. Nesse sentido, de aglutinar pessoas e associações, duas portarias foram publicadas pelo governo gaúcho: a Portaria de nº 45/2018, que definiu as instituições que fariam parte desse grupo de colaboração, e a Portaria de nº 342/2018, que nomeou os integrantes dessa comissão (que contava com representantes das escolas, dos profissionais, dos alunos, dos pais e dos governos estaduais e municipais, além do Ministério Público). (Rio Grande do Sul. Seduc, 2018cRIO GRANDE DO SUL. Secretaria de Educação (Seduc). Referencial Curricular Gaúcho: Linguagens. Porto Alegre: Seduc , 2018c. Disponível em: <Disponível em: http://portal.educacao.rs.gov.br/Portals/1/Files/1531.pdf >. Acesso em: 2 abr. 2020.
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) Além disso, duas consultas públicas, por meio de dispositivos digitais, foram realizadas e “sistematizadas pelos Redatores de Currículo” (Rio Grande do Sul. Seduc, 2018cRIO GRANDE DO SUL. Secretaria de Educação (Seduc). Referencial Curricular Gaúcho: Linguagens. Porto Alegre: Seduc , 2018c. Disponível em: <Disponível em: http://portal.educacao.rs.gov.br/Portals/1/Files/1531.pdf >. Acesso em: 2 abr. 2020.
http://portal.educacao.rs.gov.br/Portals...
, p. 18).

Ainda que haja essas proposições de participação, pode-se problematizar, em relação à construção da BNCC e do RCG, a forma como tais documentos foram elaborados e discutidos com as comunidades escolares, bem como com a sociedade em geral. No desenvolvimento do RCG foi estabelecido um regime de colaboração entre o Estado e os municípios, juntamente com as escolas privadas, “objetivando definir o processo de construção de um documento gaúcho” (Rio Grande do Sul. Seduc, 2018cRIO GRANDE DO SUL. Secretaria de Educação (Seduc). Referencial Curricular Gaúcho: Linguagens. Porto Alegre: Seduc , 2018c. Disponível em: <Disponível em: http://portal.educacao.rs.gov.br/Portals/1/Files/1531.pdf >. Acesso em: 2 abr. 2020.
http://portal.educacao.rs.gov.br/Portals...
, p. 17). Ainda junto a esses entes, uniram-se a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação do Rio Grande do Sul (Undime/RS) e o Sindicato do Ensino Privado (Sinepe/RS). As discussões foram realizadas em fóruns e debates municipais, regionais e nacionais e, além disso, foram abertos canais digitais para participação da população e de profissionais da educação como um todo (Rio Grande do Sul. Seduc, 2018cRIO GRANDE DO SUL. Secretaria de Educação (Seduc). Referencial Curricular Gaúcho: Linguagens. Porto Alegre: Seduc , 2018c. Disponível em: <Disponível em: http://portal.educacao.rs.gov.br/Portals/1/Files/1531.pdf >. Acesso em: 2 abr. 2020.
http://portal.educacao.rs.gov.br/Portals...
). A Conferência Estadual ficou com a missão de dar validade ao documento construído por tantas mãos, como esse. Não se tem certeza de que forma essas sugestões foram analisadas e consideradas na produção dos documentos.

Mostra-se inteligente a estratégia utilizada pelo governo em deliberar a realização de conferências municipais e microrregionais e a disponibilização de uma plataforma digital para contribuições ao RCG, pois, além de poder mencionar a contribuição de mais de 120 mil pessoas e a realização de diversas mobilizações ao longo de 2018 (Rio Grande do Sul. Seduc, [2020]RIO GRANDE DO SUL. Secretaria de Educação (Seduc). Referencial Curricular Gaúcho: consulta pública. Porto Alegre, [2020]. Disponível em: <Disponível em: https://h-curriculo.educacao.rs.gov.br/Sobre/Index#:~:text=Ap%C3%B3s%20a%20contribui%C3%A7%C3%A3o%20de%20mais,Municipais%20de%20Educa%C3%A7%C3%A3o%20(UNCME) >. Acesso em: 24 jan. 2023.
https://h-curriculo.educacao.rs.gov.br/S...
), passa a sensação de pertencimento aos professores e à sociedade como um todo, mas não diz como essas contribuições foram analisadas e tampouco de que forma foram atendidas ou ignoradas. A partir disso, ainda se pode questionar se essa “ampla” participação refere-se a um engajamento na construção desse currículo e na existência de um debate democrático ou se é apenas maneira de dizer que houve tal representatividade.

A proposta de currículos comuns, apesar de ser algo já estabelecido na Constituição Federal de 1988 e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação - Lei nº 9.394/1996, é uma demanda - de acordo com Freitas, Silva e Leite (2018FREITAS, F. M.; SILVA, J. A.; LEITE, M. C. L. Diretrizes invisíveis e regras distributivas nas políticas curriculares da nova BNCC. Currículo sem Fronteiras: Revista pra uma Edução Crítica e Emancipatória, [S.l.], v. 18, n. 3, p. 857-870, set./dez. 2018.) - trazida à tona pelo terceiro setor (Instituto Ayrton Senna, Fundação Todos pela Educação, Fundação Lemann, entre outros). Tais instituições têm interesses diretos na construção e participação da elaboração desses currículos com vistas à promoção de seus projetos e “cartilhas” de como trabalhar e ensinar às crianças o desenvolvimento de suas habilidades, haja vista seus interesses no mercado de capitais envolvido nesse setor da economia. Nesse sentido, pode-se entender as “relações de classe” da seguinte forma:

Utilizaremos “relações de classe” para designar desigualdades na distribuição de poder e nos princípios de controle entre grupos sociais, princípios que são realizados na criação, distribuição, reprodução e legitimação dos valores físicos e simbólicos que têm sua fonte na divisão social do trabalho. (Bernstein, 1996BERNSTEIN, B. A estruturação do discurso pedagógico: classes, códigos e controle. Tradução de Tomaz Tadeu da Silva e Luís Fernando Gonçalves Pereira. Petrópolis: Vozes, 1996., p. 27).

Essas relações nada mais são que uma forma de permitir a execução dos projetos idealizados por essas entidades que, apesar de se mostrarem interessadas na promoção de educação e cultura, buscam angariar fundos governamentais para subsidiar seus projetos, gerindo, assim, controle sobre grupos sociais com menor poder dentro das relações de classe por meio de documentos que persuadem os currículos estabelecidos para todo o País (Bernstein, 1996BERNSTEIN, B. A estruturação do discurso pedagógico: classes, códigos e controle. Tradução de Tomaz Tadeu da Silva e Luís Fernando Gonçalves Pereira. Petrópolis: Vozes, 1996.).

No que tange à participação de profissionais ligados à educação, percebeu-se a pequena ou talvez inexistente colaboração das entidades representativas. Tal fato se apresenta notório quando diversas cartas de repúdio à BNCC foram lançadas em nome de sindicatos, associações, entre outros (Adufmat, 2016ASSOCIAÇÃO DOS DOCENTES DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO (ADUFMAT). Docentes avaliam proposta de Base Nacional Comum Curricular como negativa. Brasília, DF, 14 mar. 2016. Disponível em: <Disponível em: https://www.adufmat.org.br/portal/index.php/comunicacao/noticias/item/1211-docentes-avaliam-proposta-de-base-nacional-comum-curricular-como-negativa >. Acesso em: 28 mar. 2020.
https://www.adufmat.org.br/portal/index....
; Anped, 2018ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM EDUCAÇÃO (ANPEd). Nota sobre a audiência pública da BNCC em Belém. Rio de Janeiro, 2018. Disponível em: <Disponível em: http://www.anped.org.br/sites/default/files/images/nota_anped_audienciabelembncc.pdf > Acesso em: 28 mar. 2020.
http://www.anped.org.br/sites/default/fi...
). Igualmente, no que diz respeito ao RCG, o CPERS/Sindicato no seu X Congresso do CPERS, diz que:

Para dar consequência às mudanças introduzidas pela BNCC na educação básica, a Seduc promoveu em 2018 consulta para a construção do Referência Curricular Gaúcho - RCG visando à elaboração de conteúdos relacionados à cultura, tradição e história do Estado. Esse processo foi de curta duração e pouca participação dos/as trabalhadores/as da educação e nenhum envolvimento da comunidade escolar. Considerando a complexidade e abrangência do RG que não chegou ao chão da escola, esse documento não pode ser considerado referência obrigatória (Congresso…, 2019CONGRESSO DO CPERS, 10., 2019, Bento Gonçalves. [Anais…]. Porto Alegre: CPERS, 2019. Tema: Educar é lutar e resistir. Disponível em: <Disponível em: https://cpers.com.br/wp-content/uploads/2019/08/caderno.pdf >. Acesso em: 10 jun. 2020.
https://cpers.com.br/wp-content/uploads/...
, p. 26).

Acerca disso, percebe-se que a garantia de fala não quer dizer, obrigatoriamente, que existirá uma escuta. Ao serem lançadas, como dito anteriormente, 12 milhões de sugestões no caso da BNCC e 120 mil pessoas no caso do RCG, e elas não terem sido mencionadas ao longo dos documentos, parece ser uma participação passiva que não alcançou os objetivos a que se propôs. Isso vai contra a definição de democracia que garante uma participação ativa da sociedade na construção do seu Estado de Direito.

Identidade

Bernstein (1996BERNSTEIN, B. A estruturação do discurso pedagógico: classes, códigos e controle. Tradução de Tomaz Tadeu da Silva e Luís Fernando Gonçalves Pereira. Petrópolis: Vozes, 1996.) discute como as relações de classe ocorrem, a partir das desigualdades na distribuição do poder e nos princípios de controle entre grupos sociais. Tais princípios são realizados na criação, distribuição, reprodução e legitimação dos valores físicos e simbólicos que se originam na divisão social do trabalho. Ainda, segundo Bernstein (1996BERNSTEIN, B. A estruturação do discurso pedagógico: classes, códigos e controle. Tradução de Tomaz Tadeu da Silva e Luís Fernando Gonçalves Pereira. Petrópolis: Vozes, 1996.), identidade é o resultado das especializações pedagógicas desenvolvidas pelo sujeito ao longo de seu desenvolvimento. Com isso, o profissional poderá desenvolver sua identidade pedagógica pela fixação de sua carreira em uma base social.

Nesse sentido, ao se fazer uma análise da BNCC e do RCG, buscou-se compreender qual seria o viés dado aos documentos, que tipo de identidade eles pretendiam representar ou apresentar. Percebe-se, ao longo da BNCC, que a ideia de currículo é formatada em um sujeito epistêmico, ideal, não considerando as diversas realidades e problemáticas que envolvem tanto os alunos como as escolas no País, ou seja, os documentos são concebidos - como deveria ser - para alunos com condições culturais e sociais equivalentes, não tendo em seu âmago uma identidade própria (Freitas; Silva; Leite, 2018FREITAS, F. M.; SILVA, J. A.; LEITE, M. C. L. Diretrizes invisíveis e regras distributivas nas políticas curriculares da nova BNCC. Currículo sem Fronteiras: Revista pra uma Edução Crítica e Emancipatória, [S.l.], v. 18, n. 3, p. 857-870, set./dez. 2018.). A BNCC aponta, ainda, que os currículos precisam ser adequados às diversas demandas sociais e de modalidades de ensino como educação especial, educação de jovens e adultos, educação do campo, educação escolar indígena, educação escolar quilombola, educação a distância. No entanto, repassa aos entes federados a missão de elaborar esses currículos de forma adequada às situações específicas de cada região.

Nesse sentido, no RCG é destacada cada uma das modalidades de educação - educação especial, educação de jovens e adultos, educação do campo, educação escolar indígena, educação escolar quilombola (acrescentando as relações étnico-raciais), educação a distância -, em que é feito um levantamento dos marcos legais que regulamentam cada uma delas, além de indicar certa autonomia para que escolas do campo, por exemplo, tenham projetos pedagógicos diferenciados em virtude de suas especificidades locais (Rio Grande do Sul. Seduc, 2018aRIO GRANDE DO SUL. Secretaria de Educação (Seduc). Referencial Curricular Gaúcho: Ciências da Natureza. Porto Alegre: Seduc, 2018a. Disponível em: <Disponível em: http://portal.educacao.rs.gov.br/Portals/1/Files/1530.pdf >. Acesso em: 2 abr. 2020.
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, p. 26). Além disso, traz uma discussão sobre a formação histórica do estado, contando sobre as disputas territoriais entre Portugal e Espanha pela região, fazendo uma demarcação da identidade gaúcha no documento. Outro ponto importante que o RCG cita e discute é a relevância das aprendizagens para o contexto social em que o estudante está inserido:

[…] justifica-se a importância de selecionarmos, para inclusão no currículo, conhecimentos relevantes e significativos. Assumimos a concepção de relevância, como o potencial que o currículo possui de tornar as pessoas capazes de compreender o papel que devem ter na mudança de seus contextos imediatos e da sociedade em geral (Rio Grande do Sul. Seduc, 2018aRIO GRANDE DO SUL. Secretaria de Educação (Seduc). Referencial Curricular Gaúcho: Ciências da Natureza. Porto Alegre: Seduc, 2018a. Disponível em: <Disponível em: http://portal.educacao.rs.gov.br/Portals/1/Files/1530.pdf >. Acesso em: 2 abr. 2020.
http://portal.educacao.rs.gov.br/Portals...
, p. 26).

Outro ponto importante a ser destacado no RCG como potencializador da identidade local que o documento assume é quando menciona que o RCG “associa-se à identidade da instituição escolar, à sua organização e funcionamento e ao papel que exerce a partir das aspirações e expectativas da sociedade e da cultura em que se insere” (Rio Grande do Sul. Seduc, 2018aRIO GRANDE DO SUL. Secretaria de Educação (Seduc). Referencial Curricular Gaúcho: Ciências da Natureza. Porto Alegre: Seduc, 2018a. Disponível em: <Disponível em: http://portal.educacao.rs.gov.br/Portals/1/Files/1530.pdf >. Acesso em: 2 abr. 2020.
http://portal.educacao.rs.gov.br/Portals...
, p. 23). Ainda com relação à potencialidade da identidade local, o RCG refere que:

São nos documentos escolares que se instituem a experiência, bem como a planificação no âmbito da escola, colocada à disposição dos estudantes visando potencializar o seu desenvolvimento integral, a sua aprendizagem e a capacidade de conviver de forma produtiva e construtiva na sociedade. Nessa concepção, o currículo é construído a partir do projeto pedagógico da escola e viabiliza a sua operacionalização, orientando as atividades educativas, as formas de executá-las, definindo suas finalidades. (Rio Grande do Sul. Seduc, 2018aRIO GRANDE DO SUL. Secretaria de Educação (Seduc). Referencial Curricular Gaúcho: Ciências da Natureza. Porto Alegre: Seduc, 2018a. Disponível em: <Disponível em: http://portal.educacao.rs.gov.br/Portals/1/Files/1530.pdf >. Acesso em: 2 abr. 2020.
http://portal.educacao.rs.gov.br/Portals...
, p. 23)

Nesse sentido, compreende-se que há um avanço nas questões de identidade no RCG em relação à BNCC. Obviamente, por ser um documento regional, fazem-se necessárias tais relações com questões locais. Estabelecer e relacionar diversos conteúdos com os contextos em que os estudantes estão inseridos é de extrema relevância para que se dê sentido ao currículo escolar. Com isso, e de acordo com Bernstein (1996BERNSTEIN, B. A estruturação do discurso pedagógico: classes, códigos e controle. Tradução de Tomaz Tadeu da Silva e Luís Fernando Gonçalves Pereira. Petrópolis: Vozes, 1996.), os valores simbólicos se tornam mais próximos dos estudantes, fazendo com que haja menor desigualdade cultural entre eles, possibilitando uma possível redução das desigualdades na distribuição do poder e nos princípios de controle entre grupos sociais.

Ausências

Diferentemente da BNCC, o RCG já se estabelece como um currículo de fato a ser seguido pelas escolas, especialmente pelas estaduais. Nesse sentido, espera-se que um currículo possua o mínimo de organização para que possa ser implementado. Porém, o RCG (Rio Grande do Sul. Seduc, 2018aRIO GRANDE DO SUL. Secretaria de Educação (Seduc). Referencial Curricular Gaúcho: Ciências da Natureza. Porto Alegre: Seduc, 2018a. Disponível em: <Disponível em: http://portal.educacao.rs.gov.br/Portals/1/Files/1530.pdf >. Acesso em: 2 abr. 2020.
http://portal.educacao.rs.gov.br/Portals...
, p. 17, grifo do autor) se diz como:

[…] um documento balizador para construção dos currículos nas escolas de diferentes esferas no Estado do Rio Grande do Sul. Cabe aos sistemas e redes de ensino, bem como às escolas privadas, a construção de Documento Orientador, viabilizando as peculiaridades locais no que tange às questões curriculares.

Logo, o documento se esgueira em diversos aspectos, principalmente quanto à metodologia e à avaliação, por exemplo, uma vez que não foram encontrados, nos documentos oficiais, indícios de caminhos a serem seguidos pelos professores. Em um primeiro momento, diz-se que essa é a parte na qual o professor tem autonomia no ato de realizar seu trabalho.

O RCG faz uma discussão sobre novas tecnologias no contexto escolar, que podem estabelecer novos processos de ensino e de aprendizagem, nos quais o aluno deixa de ser espectador e passa a ser ator ativo em sua construção do conhecimento. Além disso, o documento traz a discussão de que a implantação das metodologias ativas junto aos projetos pedagógicos necessitariam passar por reajustes para se adequar à “nova realidade escolar” (Rio Grande do Sul. Seduc, 2018aRIO GRANDE DO SUL. Secretaria de Educação (Seduc). Referencial Curricular Gaúcho: Ciências da Natureza. Porto Alegre: Seduc, 2018a. Disponível em: <Disponível em: http://portal.educacao.rs.gov.br/Portals/1/Files/1530.pdf >. Acesso em: 2 abr. 2020.
http://portal.educacao.rs.gov.br/Portals...
, p. 31). Porém, em nenhum momento, é mencionado como e de que forma essas metodologias diferenciadas seriam subsidiadas - e mantidas - pelo governo para serem trabalhadas com os alunos. Além disso, não diz como se dará a articulação dessas ferramentas nas escolas, indicando, apenas, que “outras políticas educacionais devem estar alinhadas e articuladas às mudanças que a escola precisa fazer para formar cidadãos curiosos, investigativos, reflexivos, críticos, imaginativos, criativos, autores, protagonistas” (Rio Grande do Sul. Seduc, 2018cRIO GRANDE DO SUL. Secretaria de Educação (Seduc). Referencial Curricular Gaúcho: Linguagens. Porto Alegre: Seduc , 2018c. Disponível em: <Disponível em: http://portal.educacao.rs.gov.br/Portals/1/Files/1531.pdf >. Acesso em: 2 abr. 2020.
http://portal.educacao.rs.gov.br/Portals...
, p. 33). Compreende-se, então, que não se explicita como irá ser feita a mediação entre o que se tem nas escolas com o que falta - seja para a escola ou para o estudante poder participar ativamente com essa outra possibilidade metodológica. Logo, o RCG, como um todo, não aponta uma direção metodológica que o professor deva usar em seu trabalho diário.

Bernstein (1996BERNSTEIN, B. A estruturação do discurso pedagógico: classes, códigos e controle. Tradução de Tomaz Tadeu da Silva e Luís Fernando Gonçalves Pereira. Petrópolis: Vozes, 1996., p. 46) afirma que “se existe um forte isolamento entre categorias, então diremos que existe um princípio de forte classificação”. Com isso, os currículos estabelecidos pela BNCC e pelo RCG se tornam fortemente classificados, pois o isolamento entre as categorias é bem determinado. Cabe aqui destacar que, para Bernstein (1996BERNSTEIN, B. A estruturação do discurso pedagógico: classes, códigos e controle. Tradução de Tomaz Tadeu da Silva e Luís Fernando Gonçalves Pereira. Petrópolis: Vozes, 1996., p. 43), “‘classificação’ se refere às relações entre categorias, não àquilo que é classificado”. Já o enquadramento “se refere ao princípio que regula as práticas comunicativas das relações sociais no interior da reprodução de recursos discursivos, isto é, entre transmissores e adquirentes” (Bernstein, 1996BERNSTEIN, B. A estruturação do discurso pedagógico: classes, códigos e controle. Tradução de Tomaz Tadeu da Silva e Luís Fernando Gonçalves Pereira. Petrópolis: Vozes, 1996., p. 59). Com isso, pode-se dizer que o enquadramento é fraco quando quem for o receptor de determinada informação possui “maior grau de regulação sobre as características distintivas dos princípios interativos e locais que constituem o contexto comunicativo” (Bernstein, 1996BERNSTEIN, B. A estruturação do discurso pedagógico: classes, códigos e controle. Tradução de Tomaz Tadeu da Silva e Luís Fernando Gonçalves Pereira. Petrópolis: Vozes, 1996., p. 59).

Considerando o que é referido por Bernstein (1996BERNSTEIN, B. A estruturação do discurso pedagógico: classes, códigos e controle. Tradução de Tomaz Tadeu da Silva e Luís Fernando Gonçalves Pereira. Petrópolis: Vozes, 1996.), compreende-se que a classificação dada ao currículo é forte, pois, desde o RCG, é dito o que deve ser ensinado nas escolas, porém o enquadramento dado a isso é fraco, justamente por não dizer como isso deve ser feito. O fato do RCG não apresentar um horizonte para o professor alinha-se com a BNCC em uma política estratégica de não assumir compromissos e responsabilidades com a sociedade. Nesse sentido, na medida em que não há comprometimento, transfere-se a responsabilidade dos resultados alcançados pelos estudantes ao professor sem que ocorra uma discussão referente ao que levou a tal situação. Em síntese, o RCG segue a BNCC no mantra de dizer os objetivos a serem alcançados, sem discutir seus meios, e alinhando-se à responsabilização do professor como alguém que deve focar nesses objetivos por si próprio, sem o apoio do Estado.

No que diz respeito à avaliação, a BNCC também não indica como será, nem dá diretrizes ou fundamentos. Repassa essa responsabilidade aos elaboradores dos currículos (estados, municípios e escolas privadas):

São essas decisões que vão adequar as proposições da BNCC à realidade local, considerando a autonomia dos sistemas ou das redes de ensino e das instituições escolares, como também o contexto e as características dos alunos. Essas decisões, que resultam de um processo de envolvimento e participação das famílias e da comunidade, referem-se, entre outras ações, a: [...] construir e aplicar procedimentos de avaliação formativa de processo ou de resultado que levem em conta os contextos e as condições de aprendizagem, tomando tais registros como referência para melhorar o desempenho da escola, dos professores e dos alunos (Brasil. MEC, [2018]BRASIL. Ministério da Educação (MEC). Base Nacional Comum Curricular: educação é a base. Brasília, DF, [2018]. Disponível em: <Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_EF_110518_versaofinal_site.pdf >. Acesso em: 26 mar. 2020.
http://basenacionalcomum.mec.gov.br/imag...
, p. 16 -17).

Com isso, a responsabilidade de dizer como acontecerá a avaliação passa a ser dos entes federados e dos sistemas de ensino. Nesse sentido, o RCG tem em seu documento um item específico para tratar da avaliação. Nele é descrito que a avaliação deve ser pautada de duas formas: uma técnica e a outra política (Rio Grande do Sul. Seduc, 2018cRIO GRANDE DO SUL. Secretaria de Educação (Seduc). Referencial Curricular Gaúcho: Linguagens. Porto Alegre: Seduc , 2018c. Disponível em: <Disponível em: http://portal.educacao.rs.gov.br/Portals/1/Files/1531.pdf >. Acesso em: 2 abr. 2020.
http://portal.educacao.rs.gov.br/Portals...
). É demarcada como visão técnica a avaliação realizada pelo profissional que possui formação para isso - o professor de determinada disciplina. Já a avaliação política é entendida como aquela que está escrita “no projeto político pedagógico [da escola], na proposta curricular e em suas convicções acerca do papel social que desempenha a educação escolar” (Rio Grande do Sul. Seduc, 2018cRIO GRANDE DO SUL. Secretaria de Educação (Seduc). Referencial Curricular Gaúcho: Linguagens. Porto Alegre: Seduc , 2018c. Disponível em: <Disponível em: http://portal.educacao.rs.gov.br/Portals/1/Files/1531.pdf >. Acesso em: 2 abr. 2020.
http://portal.educacao.rs.gov.br/Portals...
, p. 32).

O RCG compreende a avaliação como “algo inerente aos processos cotidianos e de aprendizagem, em que todos os sujeitos estão envolvidos. A avaliação não pode ser compreendida como algo à parte, isolado, já que tem subjacente uma concepção de educação e uma estratégia pedagógica” (Rio Grande do Sul. Seduc, 2018cRIO GRANDE DO SUL. Secretaria de Educação (Seduc). Referencial Curricular Gaúcho: Linguagens. Porto Alegre: Seduc , 2018c. Disponível em: <Disponível em: http://portal.educacao.rs.gov.br/Portals/1/Files/1531.pdf >. Acesso em: 2 abr. 2020.
http://portal.educacao.rs.gov.br/Portals...
, p. 33-34). É importante destacar o fato de o RCG ter uma compreensão e uma definição do que se entende por avaliação, pois pode auxiliar na produção dos currículos por parte dos municípios e das redes de ensino. Outra coisa importante que é possível identificar no RCG é a força empregada para colocar a avaliação como um processo paralelo a outros.

Além disso, o documento traz consigo a ideia de que a avaliação deve ser usada como um processo de acompanhamento e como forma de receber um feedback para poder redirecionar o processo de ensino. Outro item que parece ser importante no quesito avaliação do RCG é o fato de apontar que o “sucesso do aluno não depende somente dele ou do professor, é também responsabilidade da família e do contexto social em que está inserido” (Rio Grande do Sul. Seduc, 2018cRIO GRANDE DO SUL. Secretaria de Educação (Seduc). Referencial Curricular Gaúcho: Linguagens. Porto Alegre: Seduc , 2018c. Disponível em: <Disponível em: http://portal.educacao.rs.gov.br/Portals/1/Files/1531.pdf >. Acesso em: 2 abr. 2020.
http://portal.educacao.rs.gov.br/Portals...
, p. 34-35). Aqui se abre a responsabilização para além do professor, ainda que não inclua o próprio Estado como agente corresponsável pelas aprendizagens.

A partir dessas descrições realizadas e dos currículos dentro da perspectiva de Bernstein (1996BERNSTEIN, B. A estruturação do discurso pedagógico: classes, códigos e controle. Tradução de Tomaz Tadeu da Silva e Luís Fernando Gonçalves Pereira. Petrópolis: Vozes, 1996.), os documentos passam a ser entendidos como um discurso e suas formas de expressão e elementos como uma gramática. Ao analisar a BNCC e o RCG, destaca-se a presença de vários excertos nos quais há um comando que designa a terceiros a sua realização, contemplados com a ausência de instruções para execução do comando, de origem dos recursos e infraestrutura, das pessoas responsáveis. É uma espécie de orientação jogada ao vento, sem meta, sem responsáveis e sem preocupação com a viabilidade. A esse tipo de gramática, optou-se por chamar de “anúncio”, isto é, aquilo que se prolifera de modo rápido e superficial, uma informação, sem preocupar-se com a sua complexidade. Assim, na perspectiva desses discursos, entende-se que os tópicos mencionados acima formam os “anúncios” desses documentos.

Discussão acerca das áreas de conhecimento e das habilidades previstas

Com base nessas discussões iniciais, foi possível analisar os eixos de constituição do RCG em comparação à BNCC e dar início à análise das áreas do conhecimento nos anos iniciais. Para isso, serão estabelecidos paralelos entre as habilidades mencionadas na BNCC e no RCG em cada uma das áreas do conhecimento (Ciências Naturais, Ciências Humanas, Linguagens e Matemática). Tal processo será realizado buscando habilidades que foram recontextualizadas no RCG ou que passaram por uma tradução sem que seja contemplada a regionalização.

Ciências Naturais

É possível perceber no RCG da área de Ciências a falta de recontextualização, além de habilidades que são subdivididas e não apresentam uma relação direta com o contexto gaúcho. Ao contrário disso, são habilidades generalistas que poderiam ser utilizadas em qualquer outro contexto regional. Por exemplo, no terceiro ano, é recomendado EF03CI06RS-3 “Explicar o bioma local” (Rio Grande do Sul. Seduc, 2018aRIO GRANDE DO SUL. Secretaria de Educação (Seduc). Referencial Curricular Gaúcho: Ciências da Natureza. Porto Alegre: Seduc, 2018a. Disponível em: <Disponível em: http://portal.educacao.rs.gov.br/Portals/1/Files/1530.pdf >. Acesso em: 2 abr. 2020.
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, p. 63), ou seja, é possível perceber a facilidade em trabalhar os biomas que fazem parte do estado. Da forma como foi exposto, pode ser utilizado por qualquer unidade federativa sem que se tenha qualquer alteração no sentido. Além disso, consta, ainda no terceiro ano, a habilidade EF03CI09RS-1 “Coletar amostras de solos da sua região” (Rio Grande do Sul. Seduc, 2018aRIO GRANDE DO SUL. Secretaria de Educação (Seduc). Referencial Curricular Gaúcho: Ciências da Natureza. Porto Alegre: Seduc, 2018a. Disponível em: <Disponível em: http://portal.educacao.rs.gov.br/Portals/1/Files/1530.pdf >. Acesso em: 2 abr. 2020.
http://portal.educacao.rs.gov.br/Portals...
, p. 63), na qual também seria possível fazer relação direta com os solos do estado, além de poder relacionar com o tipo de vegetação e de plantações cultivadas no Rio Grande do Sul.

Em outras habilidades do RCG da área de Ciências, como EF03CI10RS-5 “Valorizar a cultura local, bem como a manutenção do solo” (Rio Grande do Sul. Seduc, 2018aRIO GRANDE DO SUL. Secretaria de Educação (Seduc). Referencial Curricular Gaúcho: Ciências da Natureza. Porto Alegre: Seduc, 2018a. Disponível em: <Disponível em: http://portal.educacao.rs.gov.br/Portals/1/Files/1530.pdf >. Acesso em: 2 abr. 2020.
http://portal.educacao.rs.gov.br/Portals...
, p. 65) e EF04CI04RS-1 “Reconhecer os seres vivos da região através de figuras, vídeos, saídas de campo, etc.” (Rio Grande do Sul. Seduc, 2018aRIO GRANDE DO SUL. Secretaria de Educação (Seduc). Referencial Curricular Gaúcho: Ciências da Natureza. Porto Alegre: Seduc, 2018a. Disponível em: <Disponível em: http://portal.educacao.rs.gov.br/Portals/1/Files/1530.pdf >. Acesso em: 2 abr. 2020.
http://portal.educacao.rs.gov.br/Portals...
, p. 67), pode-se elencar a possibilidade de citar a fauna e a flora próprias do Rio Grande do Sul. Já em EF04CI09RS-2 “Utilizar a localização em que o aluno se encontra para identificar os pontos cardeais, ampliando para o município e demais mapas” (Rio Grande do Sul. Seduc, 2018aRIO GRANDE DO SUL. Secretaria de Educação (Seduc). Referencial Curricular Gaúcho: Ciências da Natureza. Porto Alegre: Seduc, 2018a. Disponível em: <Disponível em: http://portal.educacao.rs.gov.br/Portals/1/Files/1530.pdf >. Acesso em: 2 abr. 2020.
http://portal.educacao.rs.gov.br/Portals...
, p. 70) e EF04CI11RS-4 “Pesquisar a influência das fases da lua nas plantações de sua região” (Rio Grande do Sul. Seduc, 2018aRIO GRANDE DO SUL. Secretaria de Educação (Seduc). Referencial Curricular Gaúcho: Ciências da Natureza. Porto Alegre: Seduc, 2018a. Disponível em: <Disponível em: http://portal.educacao.rs.gov.br/Portals/1/Files/1530.pdf >. Acesso em: 2 abr. 2020.
http://portal.educacao.rs.gov.br/Portals...
, p. 71), novamente são levantadas questões regionais, mas sem que seja dada a importância às questões locais, de fato.

Para o quinto ano, essas possibilidades de recontextualizações seguem visíveis na habilidade EF05CI02RS-3 “Conhecer os recursos hídricos e as bacias hidrográficas de sua região” (Rio Grande do Sul. Seduc, 2018aRIO GRANDE DO SUL. Secretaria de Educação (Seduc). Referencial Curricular Gaúcho: Ciências da Natureza. Porto Alegre: Seduc, 2018a. Disponível em: <Disponível em: http://portal.educacao.rs.gov.br/Portals/1/Files/1530.pdf >. Acesso em: 2 abr. 2020.
http://portal.educacao.rs.gov.br/Portals...
, p. 71); EF05CI10RS-3 “Reconhecer as constelações visíveis na sua região” (Rio Grande do Sul. Seduc, 2018aRIO GRANDE DO SUL. Secretaria de Educação (Seduc). Referencial Curricular Gaúcho: Ciências da Natureza. Porto Alegre: Seduc, 2018a. Disponível em: <Disponível em: http://portal.educacao.rs.gov.br/Portals/1/Files/1530.pdf >. Acesso em: 2 abr. 2020.
http://portal.educacao.rs.gov.br/Portals...
, p. 75); e EF05CI11RS-2 “Pesquisar a relação Sol, Lua e Terra na sua região e em diferentes culturas” (Rio Grande do Sul. Seduc, 2018aRIO GRANDE DO SUL. Secretaria de Educação (Seduc). Referencial Curricular Gaúcho: Ciências da Natureza. Porto Alegre: Seduc, 2018a. Disponível em: <Disponível em: http://portal.educacao.rs.gov.br/Portals/1/Files/1530.pdf >. Acesso em: 2 abr. 2020.
http://portal.educacao.rs.gov.br/Portals...
, p. 76). Essas habilidades são outros exemplos que poderiam conter uma tradução feita de forma mais evidente para o contexto local, apesar de apresentarem uma pequena evolução para as realidades escolares e de cada região.

Bernstein (1996BERNSTEIN, B. A estruturação do discurso pedagógico: classes, códigos e controle. Tradução de Tomaz Tadeu da Silva e Luís Fernando Gonçalves Pereira. Petrópolis: Vozes, 1996.) aponta que a classificação relaciona-se à natureza da distinção dos conteúdos e áreas do conhecimento, como no caso em que se percebem pequenas diferenças entre a tradução da BNCC para o RCG. Com isso, apresenta-se uma fraca classificação nessa área do conhecimento, pois as traduções poderiam ser realizadas de maneira mais acentuada, mostrando, de forma mais evidente, as habilidades a serem desenvolvidas com as recontextualizações possíveis.

Ciências Humanas

Já o RCG da área de Ciências Humanas traz uma diferença em relação ao RCG de Ciências, por possuir dois componentes curriculares - Geografia e História. Nesse sentido, é possível realizar uma discussão com relação ao status dado a essas disciplinas, haja vista que, por serem agrupadas em uma área, diferentemente do que ocorre com a disciplina Ciências, parecem ser compreendidas, fazendo alusão à teoria de Bernstein (1996BERNSTEIN, B. A estruturação do discurso pedagógico: classes, códigos e controle. Tradução de Tomaz Tadeu da Silva e Luís Fernando Gonçalves Pereira. Petrópolis: Vozes, 1996.), com uma fraca classificação.

Geografia

No que diz respeito à área de Geografia, percebe-se que há uma maior recontextualização na proposta do Rio Grande do Sul. Em diversas habilidades é trazida a discussão referente ao espaço gaúcho. Mesmo que isso não ocorra em todo o documento, nota-se que há um avanço para a regionalização sendo realizada entre a BNCC e o RCG da área de Ciências Humanas.

Essa recontextualização passa a ser percebida com as habilidades previstas no 3º ano do ensino fundamental. Apesar de o 3º ano ser iniciado com uma habilidade que não faz referência ao local (EF03GE01RS-3 “Compreender manifestações culturais como construção de identidades coletivas”) (Rio Grande do Sul. Seduc, 2018bRIO GRANDE DO SUL. Secretaria de Educação (Seduc). Referencial Curricular Gaúcho: Humanas. Porto Alegre: Seduc , 2018b. Disponível em: <Disponível em: http://portal.educacao.rs.gov.br/Portals/1/Files/1529.pdf >. Acesso em: 2 abr. 2020.
http://portal.educacao.rs.gov.br/Portals...
, p. 64), é nesse ano que ocorre tal tradução referenciada com o contexto gaúcho, fazendo ligação ao local em que o sujeito está inserido. Nessa perspectiva, pode-se destacar, como exemplos, EF03GE03RS-1 “Conhecer a sociodiversidade da matriz social gaúcha e brasileira”; EF03GE03RS-2 “Conhecer comunidades tradicionais do Rio Grande do Sul (indígenas, quilombolas, comunidades tradicionais da pampa entre outros) e do Brasil (ciganos, cipozeiros, caatingueiros, sertanejos, seringueiros, marisqueiros, ilhéus, pantaneiros, catadores, entre outras)” (Rio Grande do Sul. Seduc, 2018bRIO GRANDE DO SUL. Secretaria de Educação (Seduc). Referencial Curricular Gaúcho: Humanas. Porto Alegre: Seduc , 2018b. Disponível em: <Disponível em: http://portal.educacao.rs.gov.br/Portals/1/Files/1529.pdf >. Acesso em: 2 abr. 2020.
http://portal.educacao.rs.gov.br/Portals...
, p. 65-66).

No quinto ano, pode-se perceber a ocorrência de outras habilidades que favorecem a ideia de recontextualização com a tradução para o espectro local. Como ilustração são trazidos os exemplos EF05GE01RS-3 “Caracterizar os fluxos migratórios no território gaúcho e nacional como fundamentos para compreensão da formação do povo regional e brasileiro” (Rio Grande do Sul. Seduc, 2018bRIO GRANDE DO SUL. Secretaria de Educação (Seduc). Referencial Curricular Gaúcho: Humanas. Porto Alegre: Seduc , 2018b. Disponível em: <Disponível em: http://portal.educacao.rs.gov.br/Portals/1/Files/1529.pdf >. Acesso em: 2 abr. 2020.
http://portal.educacao.rs.gov.br/Portals...
, p. 78); EF05GE02RS-4 “Descrever e analisar a composição da população brasileira e gaúcha, caracterizando quanto à distribuição territorial nas unidades da Federação” (Rio Grande do Sul. Seduc, 2018bRIO GRANDE DO SUL. Secretaria de Educação (Seduc). Referencial Curricular Gaúcho: Humanas. Porto Alegre: Seduc , 2018b. Disponível em: <Disponível em: http://portal.educacao.rs.gov.br/Portals/1/Files/1529.pdf >. Acesso em: 2 abr. 2020.
http://portal.educacao.rs.gov.br/Portals...
, p. 79); e EF05GE07RS-5 “Elaborar e interpretar tabelas, gráficos e imagens, apontando as realidades produtivas, energéticas e de circulação presentes no território gaúcho e brasileiro” (Rio Grande do Sul. Seduc, 2018bRIO GRANDE DO SUL. Secretaria de Educação (Seduc). Referencial Curricular Gaúcho: Humanas. Porto Alegre: Seduc , 2018b. Disponível em: <Disponível em: http://portal.educacao.rs.gov.br/Portals/1/Files/1529.pdf >. Acesso em: 2 abr. 2020.
http://portal.educacao.rs.gov.br/Portals...
, p. 81). Com base nisso, é possível perceber que nesse ano são traduzidas questões mais relacionadas à população e à diversificação da cultura gaúcha em função dos povos colonizadores do estado.

História

Adentrando na disciplina de História, percebe-se uma organização semelhante com relação às habilidades presentes na BNCC e uma subdivisão no RCG, porém com a curiosidade de, em cinco habilidades previstas para o segundo ano e uma do terceiro ano, não haver essa subdivisão. Nesses casos, fica perceptível uma não tradução ou pelo menos uma tentativa de recontextualização para o cenário local.

Ao longo do primeiro ano do ensino fundamental, foi possível verificar a aparição de apenas uma habilidade com tradução e recontextualização para o cenário local, sendo ela EF01HI08RS-1 “Compreender as tradições expressas na cultura rio-grandense” (Rio Grande do Sul. Seduc, 2018bRIO GRANDE DO SUL. Secretaria de Educação (Seduc). Referencial Curricular Gaúcho: Humanas. Porto Alegre: Seduc , 2018b. Disponível em: <Disponível em: http://portal.educacao.rs.gov.br/Portals/1/Files/1529.pdf >. Acesso em: 2 abr. 2020.
http://portal.educacao.rs.gov.br/Portals...
, p. 122). Percebe-se, claramente, essa recontextualização como uma introdução à História do Rio Grande do Sul, partindo da compreensão das tradições gaúchas.

Essas recontextualizações ocorrem de forma sutil, ao longo dos anos, prevalecendo no terceiro ano uma relativa divisão entre a história do Rio Grande do Sul e a história do município em que o estudante vive. As primeiras habilidades previstas apontam: EF03HI01RS-1 “Identificar as contribuições dos distintos grupos sociais na construção da comunidade local, em diferentes tempos e espaços” (Rio Grande do Sul. Seduc, 2018bRIO GRANDE DO SUL. Secretaria de Educação (Seduc). Referencial Curricular Gaúcho: Humanas. Porto Alegre: Seduc , 2018b. Disponível em: <Disponível em: http://portal.educacao.rs.gov.br/Portals/1/Files/1529.pdf >. Acesso em: 2 abr. 2020.
http://portal.educacao.rs.gov.br/Portals...
, p. 125); EF03HI01RS-2 “Reconhecer a história e importância dos povos nativos, imigrantes e migrantes que formaram sua cidade” (Rio Grande do Sul. Seduc, 2018bRIO GRANDE DO SUL. Secretaria de Educação (Seduc). Referencial Curricular Gaúcho: Humanas. Porto Alegre: Seduc , 2018b. Disponível em: <Disponível em: http://portal.educacao.rs.gov.br/Portals/1/Files/1529.pdf >. Acesso em: 2 abr. 2020.
http://portal.educacao.rs.gov.br/Portals...
, p. 125-126); e EF03HI01RS-3 “Conhecer a história da cidade, sua vocação econômica, emancipação, locais de importância histórica, turística, cultural e natural” (Rio Grande do Sul. Seduc, 2018bRIO GRANDE DO SUL. Secretaria de Educação (Seduc). Referencial Curricular Gaúcho: Humanas. Porto Alegre: Seduc , 2018b. Disponível em: <Disponível em: http://portal.educacao.rs.gov.br/Portals/1/Files/1529.pdf >. Acesso em: 2 abr. 2020.
http://portal.educacao.rs.gov.br/Portals...
, p. 126). Nesse sentido, verifica-se que há um avanço em relação aos anos anteriores, mas ainda existem sugestões que poderiam ser apresentadas pelos municípios em suas organizações didáticas.

O quinto ano é o que possui menor quantidade de habilidades previstas com recontextualização, apresentando essa característica em suas primeiras habilidades. Posteriormente, outras vinculam formas de organização políticas e administrativas, além de questões associadas à religião, à difusão de informações e ao avanço da tecnologia. Ademais, o avanço do tempo e suas diferentes formas de ser medido ao longo da humanidade e a discussão e problematização da importância da escrita como fonte de registro da história.

Percebe-se, na área das Ciências Humanas, uma forte disposição para a realização de recontextualizações no cenário gaúcho. Com isso, entende-se que a união de disciplinas em uma grande área, bem como a recontextualização das habilidades no RCG, indicam um potencial de tradução ainda maior em outros trabalhos que serão realizados nos Documentos Orientadores Municipais.

Linguagens

A área das Linguagens é composta no RCG pelas disciplinas de Arte, Educação Física, Língua Inglesa e Língua Portuguesa. Assim, torna-se a área com o maior número de disciplinas aglutinadas em um único grupo. Baseados em Bernstein (1996BERNSTEIN, B. A estruturação do discurso pedagógico: classes, códigos e controle. Tradução de Tomaz Tadeu da Silva e Luís Fernando Gonçalves Pereira. Petrópolis: Vozes, 1996.), podemos dizer que a área de Linguagens parece ser a que possui uma classificação mais fraca, pois há uma reduzida separação, justificando ser a área mais numerosa em quantidade de disciplinas.

Arte

Inicia-se esta análise pela disciplina de Arte, percebendo que as habilidades foram agrupadas para serem desenvolvidas no 1º e 2º anos e no 3º, 4º e 5º anos, não sendo identificadas especificamente em qual deles deveriam ser desenvolvidas.

No grupo de habilidades do 1° e 2° anos, há algumas que sofrem uma tradução, mas com uma recontextualização ainda inicial, sem mencionar especificamente questões vinculadas ao contexto gaúcho. Percebe-se que há uma tradução da BNCC para o RCG, mas sem que haja uma recontextualização. A palavra “local” pode ser aplicada a qualquer região do País, não fazendo menção às possibilidades, de fato, regionais.

No que diz respeito ao 3°, 4° e 5° anos, há um novo bloco de habilidades que devem ser desenvolvidas com os alunos. Nota-se, aqui, a falta de recontextualização na disciplina de Arte ao longo dos anos iniciais, quando, em apenas uma habilidade, há a referência ao regionalismo, sendo ela a EF15AR13RS35-1 “Exercitar a escuta atenta para identificar e apreciar diversas formas musicais representadas pela cultura regional e por suas diversas etnias culturais em diferentes gêneros (xote, fandango, milonga, polca, valsa, entre outros)” (Rio Grande do Sul. Seduc, 2018cRIO GRANDE DO SUL. Secretaria de Educação (Seduc). Referencial Curricular Gaúcho: Linguagens. Porto Alegre: Seduc , 2018c. Disponível em: <Disponível em: http://portal.educacao.rs.gov.br/Portals/1/Files/1531.pdf >. Acesso em: 2 abr. 2020.
http://portal.educacao.rs.gov.br/Portals...
, p. 72).

É perceptível, na leitura do RCG, que em diversos momentos haveria a possibilidade de mencionar representações artísticas características do Rio Grande do Sul e reforçar algo além da tradução de um documento federal para estadual.

Educação Física

A disciplina de Educação Física segue o mesmo caminho de Arte, sendo dividida em dois blocos nos anos iniciais do ensino fundamental. Em um primeiro bloco estão os 1° e 2° anos e no segundo bloco tem-se o 3°, 4° e 5°.

Ao longo do primeiro bloco são dispostas as habilidades: EF12EF03RS-1 “Planejar e utilizar estratégias para resolver desafios, partindo de habilidades motoras menos complexas, através de brincadeiras e jogos populares do contexto local e do Rio Grande do Sul, com base no reconhecimento das características dessas práticas” (Rio Grande do Sul. Seduc, 2018cRIO GRANDE DO SUL. Secretaria de Educação (Seduc). Referencial Curricular Gaúcho: Linguagens. Porto Alegre: Seduc , 2018c. Disponível em: <Disponível em: http://portal.educacao.rs.gov.br/Portals/1/Files/1531.pdf >. Acesso em: 2 abr. 2020.
http://portal.educacao.rs.gov.br/Portals...
, p. 113-114) e EF12EF11RS-1 “Pesquisar e resgatar danças de diferentes tipos e segmentos do contexto local e do Rio Grande do Sul” (Rio Grande do Sul. Seduc, 2018cRIO GRANDE DO SUL. Secretaria de Educação (Seduc). Referencial Curricular Gaúcho: Linguagens. Porto Alegre: Seduc , 2018c. Disponível em: <Disponível em: http://portal.educacao.rs.gov.br/Portals/1/Files/1531.pdf >. Acesso em: 2 abr. 2020.
http://portal.educacao.rs.gov.br/Portals...
, p. 118), que sofrem uma tradução acrescida de uma recontextualização ao Rio Grande do Sul. Ao longo desse primeiro bloco, percebe-se uma maior recontextualização das habilidades presentes no RCG, as quais foram pensadas utilizando o contexto gaúcho para seu desenvolvimento, em especial, no que se refere a dança e música.

Já para o segundo bloco (3° ao 5° ano) tem-se as habilidades EF35EF10RS-1 “Pesquisar, demonstrar e localizar as danças mais tradicionais das diferentes regiões brasileiras” (Rio Grande do Sul. Seduc, 2018cRIO GRANDE DO SUL. Secretaria de Educação (Seduc). Referencial Curricular Gaúcho: Linguagens. Porto Alegre: Seduc , 2018c. Disponível em: <Disponível em: http://portal.educacao.rs.gov.br/Portals/1/Files/1531.pdf >. Acesso em: 2 abr. 2020.
http://portal.educacao.rs.gov.br/Portals...
, p. 124) e EF35EF13RS-1 “Experimentar, fruir e recriar diferentes lutas presentes no contexto comunitário, cultural e regional e lutas de matriz indígena e africana” (Rio Grande do Sul. Seduc, 2018cRIO GRANDE DO SUL. Secretaria de Educação (Seduc). Referencial Curricular Gaúcho: Linguagens. Porto Alegre: Seduc , 2018c. Disponível em: <Disponível em: http://portal.educacao.rs.gov.br/Portals/1/Files/1531.pdf >. Acesso em: 2 abr. 2020.
http://portal.educacao.rs.gov.br/Portals...
, p. 125), que se mostram como uma tradução das habilidades da BNCC para o RCG.

Ambas diferem da EF35EF01RS-1 “Experimentar, recriar e fruir brincadeiras e jogos populares do Rio Grande do Sul, de outras regiões do Brasil e do mundo, incluindo aqueles de matriz indígena e africana, valorizando a importância do patrimônio histórico-cultural” (Rio Grande do Sul. Seduc, 2018cRIO GRANDE DO SUL. Secretaria de Educação (Seduc). Referencial Curricular Gaúcho: Linguagens. Porto Alegre: Seduc , 2018c. Disponível em: <Disponível em: http://portal.educacao.rs.gov.br/Portals/1/Files/1531.pdf >. Acesso em: 2 abr. 2020.
http://portal.educacao.rs.gov.br/Portals...
, p. 119), que apresenta a tradução com recontextualização.

Nota-se, ao longo da análise da disciplina de Educação Física, que há uma quantidade razoável de habilidades que possuem recontextualização na tradução da BNCC para o RCG, porém, mais concentradas no primeiro bloco.

Língua Inglesa

A Língua Inglesa não é obrigatória ao longo dos anos iniciais do ensino fundamental e, nesse sentido, não há habilidades listadas para serem desenvolvidas nesse nível de ensino. O RCG, baseado na Lei nº 13.415/2017, prevê a obrigatoriedade da Língua Inglesa a partir do sexto ano do ensino fundamental (Brasil, 2017BRASIL. Lei nº 13.415, de 16 de fevereiro de 2017. Altera as Leis nºs 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, e 11.494, de 20 de junho 2007, que regulamenta o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação, a Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, e o Decreto-Lei nº 236, de 28 de fevereiro de 1967; revoga a Lei nº 11.161, de 5 de agosto de 2005; e institui a Política de Fomento à Implementação de Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral. Diário Oficial da União , Brasília, DF, 17 fev. 2017. Seção 1, p. 1.), não proibindo seu ensino anteriormente a isso, mas indica que fica a critério de cada educandário - ou rede de ensino - estabelecer seu currículo anunciando as habilidades necessárias para cada ano.

Língua Portuguesa

O ensino da língua materna nos anos iniciais toma um caráter formativo extremamente importante por ser esse o momento em que as crianças deverão ser alfabetizadas, passando a ter a possibilidade de ler o mundo que as cerca com o apoio dessa linguagem escrita. Para isso, o ensino de Língua Portuguesa apresenta competências vinculadas à compreensão da língua como um fenômeno cultural com suas variações linguísticas; à apropriação da linguagem escrita; à leitura, escuta e produção de textos orais, escritos e multissemióticos; entre outras, possibilitando a tradução e a recontextualização de habilidades para o contexto local gaúcho, de maneira a produzir um pertencimento do aluno à comunidade na qual está inserido.

Com isso, são apresentadas aqui algumas habilidades que sofreram tradução e/ou recontextualização ao longo dos anos iniciais. Cabe lembrar que, na Língua Portuguesa, elas voltam a ser separadas a cada ano, e não em blocos, como nas disciplinas de Arte e Educação Física. Algumas delas estão vinculadas a todos os cinco anos, e isso nos leva a crer que elas devem ser desenvolvidas e aprofundadas ao longo dos anos iniciais do ensino fundamental.

No primeiro e segundo anos percebe-se que o foco das habilidades se centra em fazer com que as crianças compreendam o que são as letras, diferenciando-as dos números e dos sinais de pontuação, bem como as estruturas textuais, os diferentes gêneros e as formas de propagação. Com isso, não são perceptíveis habilidades relacionadas às possíveis traduções e recontextualizações para o cenário gaúcho. Em certos momentos também não são traçadas competências específicas no RCG, sendo mantida como referência a BNCC.

A partir do terceiro ano pode-se perceber o avanço das habilidades no que diz respeito à recontextualização para o cenário gaúcho. Tais intervenções são compreendidas em habilidades como: EF03LP27RS-1 “Declamar poesias gaúchas, respeitando a entonação e a pontuação, descobrindo novas palavras do nosso próprio dialeto” (Rio Grande do Sul. Seduc, 2018cRIO GRANDE DO SUL. Secretaria de Educação (Seduc). Referencial Curricular Gaúcho: Linguagens. Porto Alegre: Seduc , 2018c. Disponível em: <Disponível em: http://portal.educacao.rs.gov.br/Portals/1/Files/1531.pdf >. Acesso em: 2 abr. 2020.
http://portal.educacao.rs.gov.br/Portals...
, p. 284); EF35LP11RS3-2 “Apreciar as variedades linguísticas do nosso estado e respeitar as diferentes culturas, rejeitando o preconceito linguístico” (Rio Grande do Sul. Seduc, 2018c, p. 290-291); e EF35LP21RS3-1 “Desenvolver o gosto literário apreciando textos de autores gaúchos” (Rio Grande do Sul. Seduc, 2018cRIO GRANDE DO SUL. Secretaria de Educação (Seduc). Referencial Curricular Gaúcho: Linguagens. Porto Alegre: Seduc , 2018c. Disponível em: <Disponível em: http://portal.educacao.rs.gov.br/Portals/1/Files/1531.pdf >. Acesso em: 2 abr. 2020.
http://portal.educacao.rs.gov.br/Portals...
, p. 295).

Mesmo assim, ainda existem habilidades que poderiam ser recontextualizadas, mas que sofrem apenas uma tradução sem que sejam inseridas na cultura local, sendo, ainda, genéricas. Como exemplo, pode-se citar: EF35LP17RS3-1 “Buscar, selecionar e refletir sobre textos que falem sobre fenômenos naturais e sociais da região” (Rio Grande do Sul. Seduc, 2018cRIO GRANDE DO SUL. Secretaria de Educação (Seduc). Referencial Curricular Gaúcho: Linguagens. Porto Alegre: Seduc , 2018c. Disponível em: <Disponível em: http://portal.educacao.rs.gov.br/Portals/1/Files/1531.pdf >. Acesso em: 2 abr. 2020.
http://portal.educacao.rs.gov.br/Portals...
, p. 293).

Ao longo da área de Linguagens foi possível observar uma grande quantidade de habilidades que poderiam ser recontextualizadas no cenário gaúcho, mas que foram relegadas a simples traduções - quando houve - e jogos semânticos com as palavras no decorrer do RCG.

Matemática

A BNCC orienta-se pelo pressuposto de que a aprendizagem em Matemática está intrinsecamente relacionada à compreensão, ou seja, à apreensão de significados dos objetos matemáticos, sem deixar de lado suas aplicações (Brasil. MEC, [2018]BRASIL. Ministério da Educação (MEC). Base Nacional Comum Curricular: educação é a base. Brasília, DF, [2018]. Disponível em: <Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_EF_110518_versaofinal_site.pdf >. Acesso em: 26 mar. 2020.
http://basenacionalcomum.mec.gov.br/imag...
, p. 276).

Optou-se por iniciar a discussão acerca da área da Matemática com essa citação da BNCC por compreender a importância dada ao ensino desse componente, haja vista que é apresentado como o único componente curricular, ao longo de toda educação básica, classificado como área de conhecimento.

Esse status dado à Matemática, juntamente com a análise dos conteúdos a serem trabalhados, é entendido, na teoria de Bernstein (1996BERNSTEIN, B. A estruturação do discurso pedagógico: classes, códigos e controle. Tradução de Tomaz Tadeu da Silva e Luís Fernando Gonçalves Pereira. Petrópolis: Vozes, 1996.), pelo fato de estabelecer uma forte classificação em relação à BNCC, e que se mantém no RCG, o que, de certa forma, tende a dificultar o entrelaçamento com outros elementos presentes no currículo. O fato de a Matemática ser uma área isolada enfatiza esse status de destaque dado aos saberes matemáticos. Essa possibilidade faz com que a escolha dos materiais e das atividades dadas aos alunos seja priorizada em relação a outras disciplinas, bem como de a avaliação ser mais criteriosa e pertencer às avaliações externas.

Percebe-se, ainda, ao analisar os quadros dos objetos de conhecimento e habilidades a serem desenvolvidas, que a Matemática é um campo de conhecimento que sofre pequena ou quase inexistente recontextualização ao longo do processo de tradução da BNCC para o RCG. Ao longo da leitura do RCG, compreende-se que nenhuma das habilidades regionais faz menção às realidades próprias do estado, fazendo referência sempre ao cotidiano do aluno, mas sem mencionar as realidades gaúchas. Parece, em uma primeira leitura, que é apenas uma organização pormenorizada do que está exposto na BNCC. Em alguns casos, nem essa repartição ocorre, sendo apenas reescrita a habilidade nacional com outras palavras ou com um reordenamento delas.

Como exemplo disso, mencione-se a habilidade EF05MA05 da BNCC que diz “Comparar e ordenar números racionais positivos (representações fracionária e decimal), relacionando-os a pontos na reta numérica”, enquanto a EF05MA05RS-1, que é a habilidade apresentada no RCG, a qual traduziria a referência exposta na BNCC, diz: “Reconhecer, localizar e associar números racionais positivos representados na forma fracionária e na sua respectiva representação decimal, utilizando, como recurso, a reta numérica” (Rio Grande do Sul. Seduc, 2018dRIO GRANDE DO SUL. Secretaria de Educação (Seduc). Referencial Curricular Gaúcho: Matemática. Porto Alegre: Seduc , 2018d. Disponível em: <Disponível em: http://portal.educacao.rs.gov.br/Portals/1/Files/1533.pdf >. Acesso em: 2 abr. 2020.
http://portal.educacao.rs.gov.br/Portals...
, p. 102). Em outros termos, a tradução do currículo regional realiza apenas uma adequação semântica da habilidade.

Conforme referido, a Matemática possui a característica de ser, também, uma área do conhecimento isolada ao longo de toda a educação básica. Ressalta-se que a estrutura do RCG para a área de Matemática é estabelecida seguindo a sequência dos anos (1°, 2°, 3°, 4° e 5°).

Entre as habilidades que devem ser desenvolvidas pelos estudantes em Matemática nos anos iniciais, optou-se por citar duas que poderiam ser recontextualizadas para a realidade gaúcha, mas que foram traduzidas sem que houvesse essa preocupação em contextualizá-la com a realidade local. São elas: EF01MA17RS-2 “Observar e perceber as especificidades dos calendários relativos a plantio, colheita e demais características locais” (Rio Grande do Sul. Seduc, 2018dRIO GRANDE DO SUL. Secretaria de Educação (Seduc). Referencial Curricular Gaúcho: Matemática. Porto Alegre: Seduc , 2018d. Disponível em: <Disponível em: http://portal.educacao.rs.gov.br/Portals/1/Files/1533.pdf >. Acesso em: 2 abr. 2020.
http://portal.educacao.rs.gov.br/Portals...
, p. 65) e EF04MA16RS-2 “Identificar, em materiais e representações (mapas...), localizações do seu cotidiano que servem como referência descrevendo localizações e deslocamentos em relação a outros pontos de referência” (Rio Grande do Sul. Seduc, 2018dRIO GRANDE DO SUL. Secretaria de Educação (Seduc). Referencial Curricular Gaúcho: Matemática. Porto Alegre: Seduc , 2018d. Disponível em: <Disponível em: http://portal.educacao.rs.gov.br/Portals/1/Files/1533.pdf >. Acesso em: 2 abr. 2020.
http://portal.educacao.rs.gov.br/Portals...
, p. 94-95). As demais abordam termos como “contexto” e “situações do cotidiano”, mas sem sofrerem uma tradução do que é dito na BNCC.

Nesse sentido, pode-se entender que a Matemática possui uma tradução da BNCC para o RCG, mas sem ser recontextualizada. É como se fosse um destrinchar de habilidades em procedimentos a serem realizados de forma pormenorizada.

Considerações finais

Ao fazer uma análise da BNCC e do RCG, percebe-se a pouca variação entre as habilidades a serem desenvolvidas e as orientações pedagógicas em ambos os documentos. O RCG faz a “abertura” de cada uma das habilidades propostas na BNCC, fazendo-se parecer com um desdobramento de uma mais ampla em outras menores.

Ao apresentar essa descrição das habilidades desenvolvidas ao longo do RCG em sua tradução da BNCC, nota-se que a Matemática sofre pouquíssima recontextualização em sua tradução, pois é feito apenas esse desmembramento das habilidades propostas na BNCC. Isso mostra o quão forte é a categorização dada à Matemática no que diz respeito aos conteúdos a serem trabalhados. Nesse sentido, justifica-se o fato de essa ser uma disciplina com status de área, pois se apresenta com uma forte classificação em relação às demais disciplinas e campos do conhecimento.

Com isso, é possível concluir, então, que a BNCC não subsidia a construção de um currículo como uma base, como se propõe a fazer. Ela é, por si só, um currículo a ser desenvolvido em todo o País. Isso ocorre justamente pela forte classificação que ela apresenta em relação aos conteúdos a serem trabalhados e ao fraco enquadramento dado a cada um deles.

Outra questão é o fato de que tanto a BNCC quanto o RCG, por possuírem essa forte classificação e fraco enquadramento, pouco orientam sobre como fazer e realizar os objetivos a que se propõem e, com isso, acabam por gerar uma forma de responsabilizar o professor pelos resultados obtidos pelos alunos em avaliações externas. E, novamente, a Matemática, por ser uma disciplina isolada, sofre uma cobrança ainda maior em relação às outras áreas de conhecimento, reforçando o status dado a ela.

Assim sendo, tanto a BNCC como o RCG são, apenas, parcialmente currículos, pois apontam objetos de conhecimento sem se ocupar da integralidade do projeto pedagógico, seja em nível nacional ou local. Além disso, no RCG não é inserida a cultura local e as identidades dos sujeitos, que são esperadas em um documento balizador do trabalho docente. Os exercícios de tradução, nesses diferentes currículos oficiais, deveriam permitir a introdução das particularidades locais e das singularidades culturais da população a que se dirigem; entretanto, atêm-se à tecnicidade das habilidades e da burocracia curricular, sem se darem conta da vida em si mesma.

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Maio 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    13 Out 2021
  • Aceito
    28 Dez 2022
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