Open-access Sobre a possibilidade de interrupção da epidemia pelo coronavírus (COVID-19) com base nas melhores evidências científicas disponíveis

Hoje, dia 6 de março de 2020, temos um total acumulado de 100.625 casos e 3.411 óbitos pelo coronavírus COVID-19 no mundo1. A taxa de letalidade por esse vírus, estimada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), é de 3,4%2, sendo mais alta na China e mais baixa no resto do mundo. O percentual de assintomáticos parece ser muito baixo (cerca de 1%)2,3 e a maioria dos assintomáticos desenvolve sintomas em torno de 2 dias2, segundo dados da missão conjunta OMS-China4. Sendo assim, os assintomáticos não parecem ser importantes na transmissão da doença4. A taxa de letalidade pelo COVID-19 foi estimada em torno de 0,5 a 4%. Essa taxa de letalidade é semelhante à da gripe espanhola (2 a 3%)5 e muito mais elevada do que a da influenza A H1N1 (0,02%)6 ou da gripe sazonal (0,1%)7. Entretanto, 80,9% dos casos da doença são leves3.

As evidências estão se acumulando e ainda há uma chance de parar essa epidemia. Não podemos achar que esse vírus vai se instalar entre nós e ser apenas mais um responsável pela gripe, pois ele tem taxas de transmissibilidade muito elevadas e sua letalidade não é baixa. A China conseguiu reduzir bastante a transmissão principalmente com três medidas efetivas4:

  • Proteger os profissionais de saúde com equipamentos de proteção individual;

  • Identificar os sintomáticos, realizar os testes, dar os resultados rapidamente e isolá-los;

  • Identificar os comunicantes e colocá-los em quarentena.

A epidemia está se espalhando no mundo em parte pela demora em testar os suspeitos, dar os resultados e isolá-los, e pela falha na proteção dos profissionais de saúde, o que está gerando disseminação também a partir dos serviços de saúde. Além disso, muitos contactantes não procuram os serviços de saúde, pois desenvolvem doença leve, o que dificulta a identificação de casos e controle da epidemia. A China está conseguindo bloquear a epidemia provavelmente porque está identificando e isolando pelo menos 80% dos contactantes4,8.

Em resumo: há chance de parar essa epidemia, pois os casos assintomáticos parecem não alimentar de forma importante a transmissão4. São prioridades absolutas: proteger os profissionais de saúde, testar e colocar em quarentena pelo menos 80% dos comunicantes. É preciso agir rapidamente, porque, associando-se a taxa de letalidade com a rapidez da transmissão do vírus, o número de casos tem dobrado de tamanho a cada cinco dias. A Coreia do Sul também está tomando essas providências e já conseguiu estabilizar a epidemia rapidamente nos últimos dias. Precisamos agir rápido!

Isso significa dispender recursos vultuosos e esforços significativos focando nessas três prioridades. A China, por exemplo, deslocou 1.800 epidemiologistas para rastrear os contactantes na província de Hubei e enviou 40 mil profissionais de saúde de outras localidades para atender os casos em Wuhan4.

Portanto precisamos designar unidades preparadas com profissionais de saúde protegidos para atender os casos, disponibilizar pessoal para realizar swab nasal e orofaríngeo e implantar estrutura de laboratório que consiga dar os resultados rapidamente para que o isolamento dos positivos seja providenciado. Esse isolamento pode ser no domicílio ou em unidades especialmente preparadas se o caso necessitar de internação, o que pelos dados da China será necessário em torno de 20% dos casos7, sendo que 5% necessitarão de UTI e 2,3% de ventilação mecânica9.

Palavras da OMS: precisamos educar plenamente o público em geral sobre a seriedade do COVID-19 e do seu papel na prevenção de sua propagação10. Infelizmente essa doença não é, como gostaríamos que fosse, uma doença banal. Assim como não há motivo para pânico, precisamos agir com urgência, sob pena de termos um profundo prejuízo econômico e de vidas. A ideia que tínhamos, há uma semana, de que a taxa de letalidade pelo COVID-19 pudesse ser mais baixa por causa de sintomáticos não detectados, podendo ser, inclusive, semelhante à da gripe comum7, pode não ser verdadeira com base nas evidências atuais4.

A epidemia prossegue em ritmo veloz. Hoje temos nove casos notificados no Brasil, dentre os quais dois casos de transmissão local, mas ainda não temos transmissão comunitária (sustentada)11. Entretanto, a ciência também progrediu velozmente. Podemos conseguir parar essa doença se alocarmos volumosos recursos direcionados às três prioridades acima mencionadas, baseadas nas melhores evidências disponíveis no momento, que são recomendadas pela OMS4. A evolução da epidemia é incerta e a gravidade que ela terá entre nós dependerá da nossa resposta. O Brasil tem capacidade de superar esse desafio, pois o SUS é um dos maiores sistemas públicos de saúde do mundo, mas é preciso intensa mobilização social.

REFERÊNCIAS

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Mar 2020
  • Data do Fascículo
    2020
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