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Consumo alimentar segundo o grau de processamento e características sociodemográficas: Estudo Pró-Saúde

RESUMO:

Objetivo:

Investigar o consumo alimentar segundo o grau de processamento e associações com características sociodemográficas.

Métodos:

Estudo transversal de subamostra do Estudo Pró-Saúde, com 520 funcionários públicos de campi universitários, Rio de Janeiro, 2012-13. Questionário de frequência alimentar foi utilizado para classificar o consumo alimentar: 1) in natura, minimamente processados, preparações culinárias à base desses alimentos; 2) alimentos processados; 3) alimentos ultraprocessados. Determinou-se a contribuição energética relativa de cada grupo, e foi utilizado modelo de regressão seemingly unrelated equations regression (SUR) para estimar associações com as características sociodemográficas.

Resultados:

O grupo de alimentos in natura (1) contribuiu com 59% do consumo energético e foi diretamente associado à idade [45-49 anos (β = 1,8 intervalo de confiança de 95% - IC95% -1,2; 4,8); 50-54 (β = 1,5 IC95% -1,5; 4,5); 55-59 (β = 2,9 IC95% -0,4; 6,3) e ≥ 60 (β = 4,6 IC95% 1,1; 8,2)], comparado à idade ≤ 44. Em contraste, ultraprocessados contribuíram com 27% e foram inversamente associados à idade [45-49 (β = -1,7 IC95% -4,3; 0,9); 50-54 (β = -1,8 IC95% -4,3; 0,9); 55-59 (β = -4,9 IC95% -8,0; -2,0); ≥ 60 (β = -4,5 IC95% -7,6; -1,5)]. Sexo, renda e escolaridade não foram associados ao consumo alimentar.

Conclusão:

Adultos mais jovens apresentaram maior consumo de ultraprocessados, indicando a necessidade de intervenções principalmente nessa faixa etária. A ausência de associação com demais características sociodemográficas pode ser por conta da influência de fatores contextuais.

Palavras-chave:
Consumo de alimentos; Fatores socioeconômicos; Estudos transversais; Análise de regressão

ABSTRACT:

Objective:

To investigate the food consumption according to the degree of processing and associations with sociodemographic characteristics.

Methods:

A cross-sectional study of the Estudo Pró-Saúde (Pro-Health Study), with 520 civil servants of university campuses, Rio de Janeiro, 2012-13. A food frequency questionnaire was used to classify food consumption: 1) in natura, minimally processed, food preparations based on these foods; 2) processed foods; 3) ultra-processed foods. The relative energy contribution of each group was determined, and a seemingly unrelated equations regression (SUR) regression model was used to estimate associations with sociodemographic characteristics.

Results:

The in natura food group (1) contributed with 59% of the energy consumption and was directly associated with age [45-49 years (β = 1.8 confidence interval of 95% - 95%CI -1.2; 4.8); 50-54 (β = 1.5 95%CI -1.5; 4.5); 55-59 (β = 2.9 95%CI -0.4; 6.3) and ≥ 60 (β = 4.6 95%CI 1.1; 8.2)], compared to age ≤ 44. In contrast, the group of ultra-processed foods contributed 27% and were inversely associated with age [45-49 (β = -1.7 95%CI -4.3; 0.9); 50-54 (β = -1.8 95%CI -4.3; 0.9); 55-59 (β = -4.9 95%CI -8.0; -2.0); ≥ 60 (β = -4.5 95%CI -7.6; -1.5)]. Gender, income and schooling were not associated with food consumption.

Conclusion:

Younger adults had higher consumption of ultra-processed foods, indicating the need for interventions mainly in this age group. The absence of association with other sociodemographic characteristics may be due to the influence of contextual factors.

Keywords:
Food consumption; Socioeconomic factors; Cross-sectional studies; Regression analysis

INTRODUÇÃO

Globalmente, o sistema alimentar tem passado por mudanças, com alterações na forma de produção e distribuição de alimentos11. Swinburn BA, Sacks G, Hall KD, McPherson K, Finegood DT, Moodie ML, et al. The global obesity pandemic: shaped by global drivers and local environments. Lancet 2011; 378(9793): 804-14. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(11)60813-1
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. Em diversos países de média e alta renda, uma das principais mudanças tem sido o aumento da oferta e do consumo de alimentos ultraprocessados22. Monteiro CA, Moubarac J-C, Cannon G, Ng SW, Popkin B. Ultra-processed products are becoming dominant in the global food system. Obes Rev 2013; 14(Supl. 2): 21-8. https://doi.org/10.1111/obr.12107
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,33. Moodie R, Stuckler D, Monteiro CA, Sheron N, Neal B, Thamarangsi T, et al. Profits and pandemics: prevention of harmful effects of tobacco, alcohol, and ultra-processed food and drink industries. Lancet 2013; 381(9867): 670-9. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(12)62089-3
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,44. Moubarac J-C, Parra DC, Cannon G, Monteiro CA. Food classification systems based on food processing: significance and implications for policies and actions: a systematic literature review and assessment. Curr Obes Rep 2014; 3(2): 256-72. https://doi.org/10.1007/s13679-014-0092-0
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,55. Organização Pan-Americana da Saúde. Ultra-processed food and drink products in Latin America: Trends, impact on obesity, policy implications. Washington D.C.: Organização Pan-Americana da Saúde; 2015.,66. Juul F, Hemmingsson E. Trends in consumption of ultra-processed foods and obesity in Sweden between 1960 and 2010. Public Health Nutr 2015; 18(17): 3096-107. https://doi.org/10.1017/S1368980015000506
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. A mesma tendência já foi detectada no Brasil, acompanhada de redução do consumo de alimentos in natura, minimamente processados, e de ingredientes culinários à base desses alimentos77. Martins APB, Levy RB, Claro RM, Moubarac JC, Monteiro CA. Increased contribution of ultra-processed food products in the Brazilian diet (1987-2009). Rev Saúde Pública 2013; 47(4): 656-65. https://doi.org/10.1590/S0034-8910.2013047004968
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.

Além da baixa qualidade nutricional dos alimentos ultraprocessados88. Louzada MLC, Baraldi LG, Steele EM, Martins APB, Canella DS, Moubarac JC, et al. Consumption of ultra-processed foods and obesity in Brazilian adolescents and adults. Prev Med 2015; 81: 9-15. https://doi.org/10.1016/j.ypmed.2015.07.018
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,99. Steele EM, Baraldi LG, Louzada MLC, Moubarac JC, Mozaffarian D, Monteiro CA. Ultra-processed foods and added sugars in the US diet: evidence from a nationally representative cross-sectional study. BMJ Open 2016; 6(3): e009892. https://doi.org/10.1136/bmjopen-2015-009892
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, seu elevado consumo tem sido associado a desfechos adversos à saúde, como obesidade em todas as idades1010. Canella DS, Levy RB, Martins APB, Claro RM, Moubarac JC, Baraldi LG, et al. Ultra-processed food products and obesity in Brazilian households(2008-2009). PLoS One 2014; 9(3): e92752. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0092752
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, síndrome metabólica em adolescentes1111. Tavares LF, Fonseca SC, Rosa ML, Yokoo EM. Relationship between ultra-processed foods and metabolic syndrome in adolescents from a Brazilian Family Doctor Program. Public Health Nutr 2012; 15(1): 82-7. https://doi.org/10.1017/S1368980011001571
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, alterações no perfil lipídico de crianças1212. Rauber F, Campagnolo PDB, Hoffman DJ, Vitolo MR. Consumption of ultra-processed food products and its effects on children’s lipid profiles: A longitudinal study. Nutr Metab Cardiovasc Dis 2015; 25(1): 116-22. https://doi.org/10.1016/j.numecd.2014.08.001
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e risco de câncer de mama1313. Fiolet T, Srour B, Sellem L, Kesse-Guyot E, Allès B, Mejéan C, et al. Consumption of ultra-processed foods and cancer risk: results from NutriNet-Santé prospective cohort. BMJ 2018; 360: k322. https://doi.org/10.1136/bmj.k322
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.

Em função desse cenário, a nova edição do Guia Alimentar para a População Brasileira1414. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Guia alimentar para a população brasileira. 2ª ed. Brasília: Ministério da Saúde; 2014. 156 p. adotou como referencial teórico para suas recomendações a classificação NOVA1515. Monteiro CA, Cannon G, Levy R, Moubarac JC, Jaime PC, Martins AP, et al. The star shines bright. World Nutrition 2016; 7(1-3): 28-38., que considera o propósito e a extensão do processamento industrial dos alimentos. Essa classificação agrupa os alimentos nas seguintes categorias: alimentos in natura ou minimamente processados, ingredientes culinários, alimentos processados e alimentos ultraprocessados1414. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Guia alimentar para a população brasileira. 2ª ed. Brasília: Ministério da Saúde; 2014. 156 p.,1515. Monteiro CA, Cannon G, Levy R, Moubarac JC, Jaime PC, Martins AP, et al. The star shines bright. World Nutrition 2016; 7(1-3): 28-38.,1616. Food and Agriculture Organization of the United Nations. Guidelines on the collection of information on food processing through food consumption surveys. Rome: Food and Agriculture Organization of the United Nations; 2015..

Poucos estudos investigaram a associação independente entre características sociodemográficas e o consumo alimentar, de acordo com o grau de processamento, principalmente por a classificação NOVA ser relativamente recente. Entre os estudos internacionais, observou-se associação inversa entre o consumo de alimentos ultraprocessados com a idade1717. Adams J, White M. Characterisation of UK diets according to degree of food processing and associations with socio-demographics and obesity: cross-sectional analysis of UK National Diet and Nutrition Survey (2008-12). Int J Behav Nutri Phys Act 2015; 12: 160. https://doi.org/10.1186/s12966-015-0317-y
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,1818. Cediel G, Reyes M, Louzada MLC, Martinez Steele E, Monteiro CA, Corvalán C, et al. Ultra-processed foods and added sugars in the Chilean diet (2010). Public Health Nutr 2018; 21(1): 125-33. https://doi.org/10.1017/S1368980017001161
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,1919. Marrón-Ponce J, Sánchez-Pimienta T, Louzada M, Batis C. Energy contribution of NOVA food groups and sociodemographic determinants of ultra-processed food consumption in the Mexican population. Public Health Nutr 2018; 21(1): 87-93. https://doi.org/10.1017/S1368980017002129
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,2020. Baraldi LG, Martinez Steele E, Canella DS, Monteiro CA. Consumption of ultra-processed foods and associated sociodemographic factors in the USA between 2007 and 2012: evidence from a nationally representative cross-sectional study. BMJ Open 2018; 8(3): e020574. https://doi.org/10.1136/bmjopen-2017-020574
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. Em relação à associação com a escolaridade e renda, os resultados foram controversos1818. Cediel G, Reyes M, Louzada MLC, Martinez Steele E, Monteiro CA, Corvalán C, et al. Ultra-processed foods and added sugars in the Chilean diet (2010). Public Health Nutr 2018; 21(1): 125-33. https://doi.org/10.1017/S1368980017001161
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,2020. Baraldi LG, Martinez Steele E, Canella DS, Monteiro CA. Consumption of ultra-processed foods and associated sociodemographic factors in the USA between 2007 and 2012: evidence from a nationally representative cross-sectional study. BMJ Open 2018; 8(3): e020574. https://doi.org/10.1136/bmjopen-2017-020574
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. A maioria desses estudos não encontrou associação estatisticamente significativa entre o sexo e o consumo de alimentos segundo o grau de processamento1818. Cediel G, Reyes M, Louzada MLC, Martinez Steele E, Monteiro CA, Corvalán C, et al. Ultra-processed foods and added sugars in the Chilean diet (2010). Public Health Nutr 2018; 21(1): 125-33. https://doi.org/10.1017/S1368980017001161
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,1919. Marrón-Ponce J, Sánchez-Pimienta T, Louzada M, Batis C. Energy contribution of NOVA food groups and sociodemographic determinants of ultra-processed food consumption in the Mexican population. Public Health Nutr 2018; 21(1): 87-93. https://doi.org/10.1017/S1368980017002129
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,2020. Baraldi LG, Martinez Steele E, Canella DS, Monteiro CA. Consumption of ultra-processed foods and associated sociodemographic factors in the USA between 2007 and 2012: evidence from a nationally representative cross-sectional study. BMJ Open 2018; 8(3): e020574. https://doi.org/10.1136/bmjopen-2017-020574
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.

Entre os estudos nacionais, viu-se associação direta entre o consumo de alimentos ultraprocessados e sexo feminino, escolaridade2121. Bielemann RM, Motta JVS, Minten GC, Horta BL, Gigante DP. Consumption of ultra-processed foods and their impact on the diet of young adults. Rev Saúde Pública 2015; 49: 28. e renda77. Martins APB, Levy RB, Claro RM, Moubarac JC, Monteiro CA. Increased contribution of ultra-processed food products in the Brazilian diet (1987-2009). Rev Saúde Pública 2013; 47(4): 656-65. https://doi.org/10.1590/S0034-8910.2013047004968
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,2222. Monteiro CA, Levy RB, Claro RM, Castro IRR, Cannon G. Increasing consumption of ultra-processed foods and likely impact on human health: evidence from Brazil. Public Health Nutr 2010; 14(1): 5-13. https://doi.org/10.1017/S1368980010003241
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, no entanto tais estudos não avaliaram a associação com a idade, sendo que dois deles se referem à aquisição familiar de alimentos, e não ao consumo efetivo da população estudada77. Martins APB, Levy RB, Claro RM, Moubarac JC, Monteiro CA. Increased contribution of ultra-processed food products in the Brazilian diet (1987-2009). Rev Saúde Pública 2013; 47(4): 656-65. https://doi.org/10.1590/S0034-8910.2013047004968
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,2222. Monteiro CA, Levy RB, Claro RM, Castro IRR, Cannon G. Increasing consumption of ultra-processed foods and likely impact on human health: evidence from Brazil. Public Health Nutr 2010; 14(1): 5-13. https://doi.org/10.1017/S1368980010003241
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.

No presente estudo, investigou-se o consumo de alimentos de acordo com o grau de processamento e a associação com características sociodemográficas, em uma população de adultos brasileiros participantes do Estudo Pró-Saúde.

MÉTODOS

Trata-se de estudo transversal em uma subamostra de participantes do Estudo Pró-Saúde (EPS). O EPS é um estudo longitudinal concorrente com funcionários técnico- administrativos efetivos de campi universitários do estado do Rio de Janeiro, com foco na investigação de determinantes sociais e comportamentais relacionados à saúde2323. Faerstein E, Chor D, Lopes CS, Werneck GL. Estudo Pró-Saúde: características gerais e aspectos metodológicos. Rev Bras Epidemiol 2005; 8(4): 454-66. http://dx.doi.org/10.1590/S1415-790X2005000400014
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. Até o momento, foram realizadas quatro fases de coleta de dados (1999, 2001-2, 2006-7 e 2011-13). Na fase 4, adicionalmente uma subamostra de 520 indivíduos (16% da linha de base) foi selecionada aleatoriamente em estratos de sexo, idade e escolaridade, considerando as proporções desses estratos entre os participantes da linha de base. Nessa subamostra, foram conduzidas aferições adicionais e entrevistas face a face, incluindo a aplicação do Questionário de Frequência Alimentar (QFA). A coleta de dados foi realizada por entrevistadores treinados, entre julho de 2012 e 2013.

AVALIAÇÃO DO CONSUMO ALIMENTAR

Para avaliar o consumo alimentar, foi utilizado o Questionário de Frequência Alimentar (QFA) semiquantitativo, validado por Sichieri e Everhart2424. Sichieri R, Everhart J. Validity of a Brazilian food frequency questionnaire against dietary recalls and estimated energy intake. Nutr Res 1998; 18(10): 1649-59. https://doi.org/10.1016/S0271-5317(98)00151-1
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, contendo 82 alimentos ou grupo de alimentos, com quantidades pré-definidas e apresentadas em medidas caseiras ou por unidade do alimento.

Os entrevistados foram solicitados a indicar a frequência (> 3 vezes/dia; 2-3 vezes/dia; 1 vez/dia; 5-6 vezes/semana; 2-4 vezes/semana, 1 vez/semana; 1-3 vezes/mês; nunca ou quase nunca) e a quantidade média de consumo referente aos últimos seis meses.

CONSTRUÇÃO DA VARIÁVEL DE DESFECHO

A quantidade da porção relatada no QFA foi transformada em quantidade equivalente de medida caseira em gramas ou mililitros. A frequência de consumo relatada foi transformada em frequência diária e, posteriormente, associada à quantidade da porção reportada para o cálculo do valor energético de cada item alimentar. As informações sobre o valor energético dos itens alimentares foram obtidas da tabela de composição de alimentos do United States Department of Agriculture2525. United States Department of Agriculture. Agricultural Research Service. USDA National Nutrient Database for Standard Reference. Release, 15. Beltsville: United States Department of Agriculture; 2002. e da Tabela Brasileira de Composição de Alimentos2626. Universidade Estadual de Campinas. Núcleo de Estudos e Pesquisas em Alimentação. Tabela Brasileira de Composição de Alimentos - TACO. Campinas: Núcleo de Estudos e Pesquisas em Alimentação / Universidade Estadual de Campinas; 2004.. Em seguida, cada item alimentar foi dividido pelo total de calorias consumidas no dia, para cada indivíduo, obtendo-se o percentual relativo de calorias do item alimentar.

Os alimentos e as preparações do QFA foram classificados em três grupos:

  1. in natura, minimamente processados ou preparações culinárias à base desses alimentos;

  2. alimentos processados;

  3. alimentos ultraprocessados.

Optamos pela classificação dos alimentos de forma agregada em três grupos2727. Louzada MLC, Martins APB, Canella DS, Baraldi LG, Levy RB, Claro RM, et al. Ultra-processed foods and the nutritional dietary profile in Brazil. Rev Saúde Pública 2015; 49: 38. https://doi.org/10.1590/S0034-8910.2015049006132
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(em vez de quatro, conforme a classificação NOVA), incluindo as preparações culinárias baseadas em alimentos in natura ou minimamente processados, no primeiro grupo, por causa dos poucos itens do QFA referentes a esse grupo.

Considerando que alguns alimentos poderiam ser classificados em mais de um grupo, decidiu-se por dividir, por meio de estimativa, a participação desses alimentos em mais de um grupo, de acordo com o consumo observado na Pesquisa de Orçamento Familiar Brasileira (2008-9)2828. Levy RB, Claro RM, Mondini L, Sichieri R, Monteiro CA. Regional and socioeconomic distribution of household food availability in Brazil, in 2008-2009. Rev Saúde Pública 2012; 46(1): 6-15. https://doi.org/10.1590/s0034-89102011005000088
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e no Inquérito Nacional de Alimentação2727. Louzada MLC, Martins APB, Canella DS, Baraldi LG, Levy RB, Claro RM, et al. Ultra-processed foods and the nutritional dietary profile in Brazil. Rev Saúde Pública 2015; 49: 38. https://doi.org/10.1590/S0034-8910.2015049006132
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. Assim, para o item “pão francês ou pão de forma”, as calorias foram alocadas na proporção de 75% no grupo de alimentos processados e 25% para os ultraprocessados2727. Louzada MLC, Martins APB, Canella DS, Baraldi LG, Levy RB, Claro RM, et al. Ultra-processed foods and the nutritional dietary profile in Brazil. Rev Saúde Pública 2015; 49: 38. https://doi.org/10.1590/S0034-8910.2015049006132
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. O mesmo foi realizado para os itens ”manteiga ou margarina“ (17 e 83%, respectivamente)2828. Levy RB, Claro RM, Mondini L, Sichieri R, Monteiro CA. Regional and socioeconomic distribution of household food availability in Brazil, in 2008-2009. Rev Saúde Pública 2012; 46(1): 6-15. https://doi.org/10.1590/s0034-89102011005000088
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e para pizzas e “massas, como lasanha, nhoque, ravióli”, com metade das calorias alocadas em cada grupo.

O total do percentual relativo de calorias dos itens alimentares pertencentes a cada grupo foi distribuído para cada um deles, obtendo assim a variável desfecho (contínua): a participação energética relativa dos grupos de alimentos segundo o grau de processamento.

COVARIÁVEIS

As covariáveis estudadas foram sexo, idade (categorizada em ≤ 44, 45 a 49, 50 a 54, 55 a 59, ≥ 60 anos), escolaridade (até ensino fundamental completo, incluindo 2º grau incompleto; ensino médio completo, incluindo o 3º grau incompleto; e ensino superior completo ou mais) e renda domiciliar equivalente (categorizada em ≤ 3 salários mínimos, 3-6 salários mínimos e > 6 salários mínimos), considerando o salário mínimo de R$ 622 ou US$ 428, em 2012.

A questão sobre renda domiciliar possuía formato precodificado, contendo a ­categoria superior aberta (> R$ 7.000, ou US$ 3.139). O valor médio da última categoria (categoria aberta) foi estimado em R$ 9.429,16, utilizando fórmulas baseadas nas curvas de Pareto de distribuição de renda descritas por Parker & Fenwick2929. Parker RN, Fenwick R. The Pareto Curve and its utility for open-ended income distributions in survey research. Soc Forces 1983; 61(3): 872-85. https://doi.org/10.2307/2578140
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. Para o cálculo da renda domiciliar equivalente3030. Anyaegbu G. Using the OECD equivalence scale in taxes and benefits analysis. Econ Lab Market Rev 2010; 4(1): 49-54. https://doi.org/10.1057/elmr.2010.
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, foram utilizados os pontos médios de cada categoria da renda domiciliar divididos pela raiz quadrada do número de pessoas dependentes da renda, considerando-se, assim, o peso de cada indivíduo no custo de vida total da família.

ANÁLISE DE DADOS

Foi realizada análise descritiva da participação energética relativa de cada grupo de alimentos e de seus itens alimentares, para o conjunto da população estudada. A participação energética relativa de cada um dos três grupos de alimentos foi descrita segundo variáveis sociodemográficas.

Para análise da associação entre o consumo de cada um dos grupos de alimentos e as características sociodemográficas dos participantes, utilizou-se o modelo de regressão ­seemingly unrelated equations regression (SUR). Esse modelo, inicialmente aplicado em econometria3131. Zellner A. An Efficient Method of Estimating Seemingly Unrelated Regressions and Tests for Aggregation Bias. J Am Stat Assoc 1962; 57(298): 348-68., é uma generalização do modelo de regressão linear. Na regressão SUR, variáveis dependentes são modeladas simultaneamente e a correlação entre elas é considerada na modelagem, aumentando a precisão das estimativas. Quando comparadas ao método tradicional, com regressões separadas para cada um dos grupos de alimentos, as correlações entre as variáveis dependentes e entre os erros das equações não são consideradas3232. Keshavarzi S, Ayatollahi SM, Zare N, Sharif F. Quality of life of childbearing age women and its associated factors: an application of seemingly unrelated regression (SUR) models. Qual Life Res 2013; 22(6): 1255-63. https://doi.org/10.1007/s11136-012-0250-3
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. Como o consumo de alimentos de um grupo, segundo o grau de processamento, está relacionado ao consumo de alimentos dos demais grupos, as análises foram realizadas incluindo, simultaneamente, os três grupos de alimentos. Recomenda-se esse método quando as amostras são pequenas e quando os modelos não possuem a mesma quantidade de variáveis explicativas e não são aninhados3333. Jahanshad N, Nir TM, Toga AW, Jack CR Jr., Bernstein MA, Weiner MW, et al. Seemingly Unrelated Regression empowers detection of network failure in dementia. Neurobiol Aging 2015; 36(Supl. 1): S103-12. https://doi.org/10.1016/j.neurobiolaging.2014.02.032
https://doi.org/10.1016/j.neurobiolaging...
. O modelo final incluiu as covariáveis idade, sexo, renda equivalente e escolaridade. Adicionalmente, modelos de regressão linear simples e quantílica foram usados para avaliar a associação proposta. Todas as análises estatísticas foram feitas no software Stata versão 13.03434. StataCorp. Stata Statistical Software: Release 13. Collede Station: StataCorpLP; 2013..

ASPECTOS ÉTICOS

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa, CAAE nº 0041.0.259.000-11, em 18 de outubro de 2011, e CAAE nº 04452412.0.0000.5260, em 6 de setembro de 2012, do Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. A participação foi voluntária e todos os participantes assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido.

RESULTADOS

Entre os 520 participantes do estudo, aproximadamente metade era mulher, entre 45 e 54 anos, com ensino superior completo, e 2/5 dos participantes tinham renda per capita equivalente de três a seis salários mínimos.

Para o consumo médio de energia de 2.470 kcal, o grupo dos alimentos in natura, minimamente processados e preparações culinárias à base desses alimentos contribuiu com mais da metade do total energético (60%), seguido pelo grupo dos alimentos ultraprocessados, que contribuiu com cerca de um terço do total energético (27%) (Tabela 1). As frutas e as carnes de boi ou porco foram os maiores contribuintes energéticos do grupo de alimentos in natura, correspondendo a 9 e 6,5% do total energético, respectivamente. Entre os alimentos processados, o pão francês foi o maior contribuinte (7%), e, entre os alimentos ultraprocessados, as guloseimas (balas, chocolates, sorvetes) seguidas dos biscoitos salgados, que contribuíram com 4 e 3% da participação energética, respectivamente (Tabela 1).

Tabela 1.
Médias e intervalos de 95% de confiança (IC95%) do consumo relativo dos alimentos segundo grau de processamento. Estudo Pró-Saúde, Rio de Janeiro, Brasil, 2012-13.

Observou-se a presença de alimentos tradicionais da cultura alimentar brasileira, como o arroz e o feijão, contribuindo para o grupo de alimentos in natura, minimamente processados e preparações culinárias. No grupo de alimentos processados, destacou-se o pão francês (6,9%), característico do café da manhã brasileiro (5,5%). No grupo de alimentos ultraprocessados, o refrigerante destacou-se ao contribuir com o mesmo percentual energético proveniente do suco de fruta natural, do grupo de alimentos in natura, minimamente processados e preparações culinárias à base desses alimentos.

As médias dos percentuais energéticos dos três grupos alimentares, com os seus respectivos intervalos de confiança de 95% (IC95%), segundo as características sociodemográficas, encontram-se descritas na Tabela 2. Para os três grupos alimentares, observaram-se participações calóricas de consumo semelhantes nos estratos de sexo, escolaridade e renda, com a manutenção do grupo de alimentos in natura, minimamente processados e preparações culinárias como maior contribuinte energético. Entre os estratos de idade, nas faixas etárias mais elevadas, houve aumento do consumo de alimentos in natura, minimamente processados e preparações culinárias, concomitantemente à discreta redução do consumo de alimentos ultraprocessados.

Tabela 2.
Médias e intervalos de confiança de 95% (IC95%) do consumo relativo dos grupos de alimentos segundo características sociodemográficas. Estudo Pró-Saúde, Rio de Janeiro, Brasil, 2012-13.

Na análise múltipla (Tabela 3), quando comparados aos indivíduos mais jovens (≤ 44 anos), aqueles com idade ≥ 60 anos apresentaram maior consumo de alimentos in natura, minimamente processados e preparações culinárias à base desses alimentos (β = 4,6 IC95% 1,1; 8,2). Em contraste, o consumo de ultraprocessados foi menor em indivíduos com idades entre 55 e 59 anos (β = - 4,9 IC95% -8,0; - 2,0) e ≥ 60 anos (β = - 4,5; IC 95% IC -7,6; -1,5), comparados aos mais jovens (≤ 44 anos). Não foi encontrada associação com as demais características sociodemográficas investigadas.

Tabela 3.
Associação (seemingly unrelated equations regression - SUR) do consumo de alimentos segundo o grau de processamento e características sociodemográficas. Estudo Pró-Saúde, Rio de Janeiro, Brasil, 2012-13.

DISCUSSÃO

Neste estudo, conduzido com funcionários públicos do estado do Rio de Janeiro, a idade esteve associada ao consumo alimentar, segundo o grau de processamento, entre as características sociodemográficas investigadas. Adultos mais jovens (≤ 44 anos) apresentaram maior consumo de alimentos ultraprocessados, concomitantemente ao menor consumo de alimentos in natura, minimamente processados e preparações culinárias à base desses alimentos. Essa relação foi invertida entre os adultos de idade mais avançada, sobretudo entre os idosos.

O percentual de energia proveniente dos alimentos ultraprocessados observado neste estudo (27%) foi inferior ao encontrado em países de alta renda como Canadá (48% em 2004)3535. Moubarac J-C, Batal M, Louzada ML, Martinez Steele E, Monteiro CA. Consumption of ultra-processed foods predicts diet quality in Canada. Appetite 2017; 108: 512-20. https://doi.org/10.1016/j.appet.2016.11.006
https://doi.org/10.1016/j.appet.2016.11....
, Estados Unidos (58% em 2007-12)2020. Baraldi LG, Martinez Steele E, Canella DS, Monteiro CA. Consumption of ultra-processed foods and associated sociodemographic factors in the USA between 2007 and 2012: evidence from a nationally representative cross-sectional study. BMJ Open 2018; 8(3): e020574. https://doi.org/10.1136/bmjopen-2017-020574
https://doi.org/10.1136/bmjopen-2017-020...
e Reino Unido (53% em 2008-12)1212. Rauber F, Campagnolo PDB, Hoffman DJ, Vitolo MR. Consumption of ultra-processed food products and its effects on children’s lipid profiles: A longitudinal study. Nutr Metab Cardiovasc Dis 2015; 25(1): 116-22. https://doi.org/10.1016/j.numecd.2014.08.001
https://doi.org/10.1016/j.numecd.2014.08...
,1717. Adams J, White M. Characterisation of UK diets according to degree of food processing and associations with socio-demographics and obesity: cross-sectional analysis of UK National Diet and Nutrition Survey (2008-12). Int J Behav Nutri Phys Act 2015; 12: 160. https://doi.org/10.1186/s12966-015-0317-y
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. Nossos resultados foram semelhantes a de estudos realizados no Chile (29% em 2010)1818. Cediel G, Reyes M, Louzada MLC, Martinez Steele E, Monteiro CA, Corvalán C, et al. Ultra-processed foods and added sugars in the Chilean diet (2010). Public Health Nutr 2018; 21(1): 125-33. https://doi.org/10.1017/S1368980017001161
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e no México (30% em 2012)1919. Marrón-Ponce J, Sánchez-Pimienta T, Louzada M, Batis C. Energy contribution of NOVA food groups and sociodemographic determinants of ultra-processed food consumption in the Mexican population. Public Health Nutr 2018; 21(1): 87-93. https://doi.org/10.1017/S1368980017002129
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. Em amostras representativas da população brasileira adulta, em 2008-9, foi estimado consumo diário de 21% das calorias provenientes de alimentos ultraprocessados88. Louzada MLC, Baraldi LG, Steele EM, Martins APB, Canella DS, Moubarac JC, et al. Consumption of ultra-processed foods and obesity in Brazilian adolescents and adults. Prev Med 2015; 81: 9-15. https://doi.org/10.1016/j.ypmed.2015.07.018
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, resultado similar ao encontrado por Martins et al. (25%), utilizando dados de disponibilidade de alimentos77. Martins APB, Levy RB, Claro RM, Moubarac JC, Monteiro CA. Increased contribution of ultra-processed food products in the Brazilian diet (1987-2009). Rev Saúde Pública 2013; 47(4): 656-65. https://doi.org/10.1590/S0034-8910.2013047004968
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. Bielemann et al. analisaram dados de 2004-05 provenientes da coorte de Pelotas, cidade localizada no Sul do Brasil, e encontraram entre adultos jovens (21 a 23 anos) contribuição de 51,2% de alimentos ultraprocessados no total de energia consumida2121. Bielemann RM, Motta JVS, Minten GC, Horta BL, Gigante DP. Consumption of ultra-processed foods and their impact on the diet of young adults. Rev Saúde Pública 2015; 49: 28..

Ao avaliarmos a associação entre características sociodemográficas e o consumo alimentar segundo o grau de processamento, destacaram-se em nossos resultados, a partir dos 55 anos de idade, redução do consumo de alimentos ultraprocessados e aumento do consumo de alimentos do grupo in natura. Esse resultado sugere possível efeito de coorte, no qual participantes mais velhos (de diferentes gerações) formaram os seus hábitos alimentares em um período no qual o padrão alimentar moderno era menos acentuado e a cultura alimentar tradicional era mais preservada no país, enquanto os indivíduos mais novos foram mais expostos a esse novo padrão3636. Jaime PC, Monteiro CA. Fruit and vegetable intake by Brazilian adults. Cad Saúde Pública 2005; 21(Supl.): 19-24. https://doi.org//S0102-311X2005000700003
https://doi.org//S0102-311X2005000700003...
. O aumento da participação dos alimentos prontos para o consumo concomitantemente à diminuição dos alimentos in natura e minimamente processados começou a ser evidenciado nas áreas metropolitanas do Brasil a partir da década de 19802222. Monteiro CA, Levy RB, Claro RM, Castro IRR, Cannon G. Increasing consumption of ultra-processed foods and likely impact on human health: evidence from Brazil. Public Health Nutr 2010; 14(1): 5-13. https://doi.org/10.1017/S1368980010003241
https://doi.org/10.1017/S136898001000324...
. A época em que essas mudanças se iniciaram coincidiu com a fase de vida adulta dos participantes do presente estudo com idade acima de 50 anos , quando os seus hábitos alimentares já haviam sido formados.

Entre 1987-88 e 2008-09, a contribuição energética proveniente de alimentos ultraprocessados nas áreas metropolitanas do Brasil aumentou de 19 para 29% e a dos alimentos in natura ou minimamente processados reduziu de 44 para 39%77. Martins APB, Levy RB, Claro RM, Moubarac JC, Monteiro CA. Increased contribution of ultra-processed food products in the Brazilian diet (1987-2009). Rev Saúde Pública 2013; 47(4): 656-65. https://doi.org/10.1590/S0034-8910.2013047004968
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. A expansão dos alimentos ultraprocessados pode ser atribuída ao sistema de produção e abastecimento concentrado por grandes empresas transnacionais (big food), ao barateamento desses produtos e às suas características, como conveniência e mais tempo de prateleira55. Organização Pan-Americana da Saúde. Ultra-processed food and drink products in Latin America: Trends, impact on obesity, policy implications. Washington D.C.: Organização Pan-Americana da Saúde; 2015.,3737. Gehlhar M, Regmi A. Factors shaping global food markets. In: Regmi A, Gehlhar M, eds. New Directions in Global Food Markets. Agriculture Information Bulletin 794. Washington, D.C.: United States Department of Agriculture; 2005. p. 5-17..

Em relação à idade, nossos resultados foram consistentes com investigação recente realizada no Reino Unido na qual se verificou-se que idosos consomem menos alimentos ultraprocessados1717. Adams J, White M. Characterisation of UK diets according to degree of food processing and associations with socio-demographics and obesity: cross-sectional analysis of UK National Diet and Nutrition Survey (2008-12). Int J Behav Nutri Phys Act 2015; 12: 160. https://doi.org/10.1186/s12966-015-0317-y
https://doi.org/10.1186/s12966-015-0317-...
. Outras pesquisas internacionais têm detectado associação inversa do consumo de ultraprocessados com a idade1818. Cediel G, Reyes M, Louzada MLC, Martinez Steele E, Monteiro CA, Corvalán C, et al. Ultra-processed foods and added sugars in the Chilean diet (2010). Public Health Nutr 2018; 21(1): 125-33. https://doi.org/10.1017/S1368980017001161
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,1919. Marrón-Ponce J, Sánchez-Pimienta T, Louzada M, Batis C. Energy contribution of NOVA food groups and sociodemographic determinants of ultra-processed food consumption in the Mexican population. Public Health Nutr 2018; 21(1): 87-93. https://doi.org/10.1017/S1368980017002129
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,2020. Baraldi LG, Martinez Steele E, Canella DS, Monteiro CA. Consumption of ultra-processed foods and associated sociodemographic factors in the USA between 2007 and 2012: evidence from a nationally representative cross-sectional study. BMJ Open 2018; 8(3): e020574. https://doi.org/10.1136/bmjopen-2017-020574
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. Estudos nacionais não apontaram associação entre idade e consumo de alimentos segundo o grau de processamento, no entanto dados da Pesquisa de Orçamento Familiar (2008-9) revelaram consumo mais frequente de frutas, hortaliças e melhoria da qualidade da alimentação com o aumento da idade3636. Jaime PC, Monteiro CA. Fruit and vegetable intake by Brazilian adults. Cad Saúde Pública 2005; 21(Supl.): 19-24. https://doi.org//S0102-311X2005000700003
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,3737. Gehlhar M, Regmi A. Factors shaping global food markets. In: Regmi A, Gehlhar M, eds. New Directions in Global Food Markets. Agriculture Information Bulletin 794. Washington, D.C.: United States Department of Agriculture; 2005. p. 5-17.,3838. Ramalho AA, Dalamaria T, Souza OF. Regular consumption of fruits and vegetables by university students in Rio Branco, Acre, Brazil: prevalence and associated factors. Cad Saúde Pública 2012; 28(7): 1405-13..

Neste estudo, não encontramos associação entre o consumo segundo o grau de processamento dos alimentos e o sexo, assim como ocorreu com outros estudos internacionais1818. Cediel G, Reyes M, Louzada MLC, Martinez Steele E, Monteiro CA, Corvalán C, et al. Ultra-processed foods and added sugars in the Chilean diet (2010). Public Health Nutr 2018; 21(1): 125-33. https://doi.org/10.1017/S1368980017001161
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,1919. Marrón-Ponce J, Sánchez-Pimienta T, Louzada M, Batis C. Energy contribution of NOVA food groups and sociodemographic determinants of ultra-processed food consumption in the Mexican population. Public Health Nutr 2018; 21(1): 87-93. https://doi.org/10.1017/S1368980017002129
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,2020. Baraldi LG, Martinez Steele E, Canella DS, Monteiro CA. Consumption of ultra-processed foods and associated sociodemographic factors in the USA between 2007 and 2012: evidence from a nationally representative cross-sectional study. BMJ Open 2018; 8(3): e020574. https://doi.org/10.1136/bmjopen-2017-020574
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. Em estudo brasileiro com adultos jovens (Pelotas), o consumo de alimentos ultraprocessados foi associado diretamente ao sexo feminino2121. Bielemann RM, Motta JVS, Minten GC, Horta BL, Gigante DP. Consumption of ultra-processed foods and their impact on the diet of young adults. Rev Saúde Pública 2015; 49: 28..

Em nossa pesquisa, não vimos associação entre o consumo de alimentos segundo o grau de processamento e dois marcadores de posição socioeconômica (escolaridade e renda). Esse tema ainda foi pouco investigado em nosso meio2121. Bielemann RM, Motta JVS, Minten GC, Horta BL, Gigante DP. Consumption of ultra-processed foods and their impact on the diet of young adults. Rev Saúde Pública 2015; 49: 28..

Em relação à escolaridade, somente no México houve associação inversa com o consumo de ultraprocessados, porém nesse estudo se utilizou somente a escolaridade do chefe de família. No Brasil, apenas na coorte de Pelotas o consumo de alimentos ultraprocessados foi associado à escolaridade, sendo maior entre indivíduos com níveis educacionais mais altos2121. Bielemann RM, Motta JVS, Minten GC, Horta BL, Gigante DP. Consumption of ultra-processed foods and their impact on the diet of young adults. Rev Saúde Pública 2015; 49: 28..

No tocante à renda, no Chile foi encontrada associação direta do consumo de alimentos ultraprocessados com a renda familiar1818. Cediel G, Reyes M, Louzada MLC, Martinez Steele E, Monteiro CA, Corvalán C, et al. Ultra-processed foods and added sugars in the Chilean diet (2010). Public Health Nutr 2018; 21(1): 125-33. https://doi.org/10.1017/S1368980017001161
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, enquanto nos Estados Unidos essa associação foi inversa2020. Baraldi LG, Martinez Steele E, Canella DS, Monteiro CA. Consumption of ultra-processed foods and associated sociodemographic factors in the USA between 2007 and 2012: evidence from a nationally representative cross-sectional study. BMJ Open 2018; 8(3): e020574. https://doi.org/10.1136/bmjopen-2017-020574
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. No Brasil, a associação com a renda não foi investigada até o momento, porém, de acordo com dados nacionais provenientes da Pesquisa de Orçamento Familiar (2003-9), houve aumento da participação energética proveniente de alimentos ultraprocessados em todos os estratos socioeconômicos, de modo mais intenso entre indivíduos com menores níveis de renda77. Martins APB, Levy RB, Claro RM, Moubarac JC, Monteiro CA. Increased contribution of ultra-processed food products in the Brazilian diet (1987-2009). Rev Saúde Pública 2013; 47(4): 656-65. https://doi.org/10.1590/S0034-8910.2013047004968
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.

A ausência de associação do consumo alimentar com a escolaridade e renda em nosso estudo pode ser, ao menos em parte, explicada pela influência de fatores como acesso, disponibilidade3838. Ramalho AA, Dalamaria T, Souza OF. Regular consumption of fruits and vegetables by university students in Rio Branco, Acre, Brazil: prevalence and associated factors. Cad Saúde Pública 2012; 28(7): 1405-13.,3939. Vedovato GM, Trude ACB, Kharmats AY, Martins PA. Degree of food processing of household acquisition patterns in a Brazilian urban area is related to food buying preferences and perceived food environment. Appetite 2015; 87: 296-302. https://doi.org/10.1016/j.appet.2014.12.229
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e preço dos alimentos4141. Monteiro CA, Cannon G, Moubarac JC, Martins APB, Martins CA, Garzillo J, et al. Dietary guidelines to nourish humanity ant the planet in the twenty- first century. A blueprint from Brazil. Public Health Nutr 2015; 18(13): 2311-22. https://doi.org/10.1017/S1368980015002165
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,4242. Claro RM, Maia EG, Costa BVL, Diniz DP. Food prices in Brazil: prefer cooking to ultra-processed foods. Cad Saúde Pública 2016; 32(8): e00104715. https://doi.org/10.1590/0102-311X00104715
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. Ressalta-se também que a população deste estudo é formada por funcionários técnico administrativos de um mesmo campus universitário que vivenciam cotidianamente o mesmo ambiente alimentar4343. Franco A da S. Ambiente alimentar universitário: caracterização, qualidade da medida e mudança no tempo [tese]. Rio de Janeiro: Universidade do Estado do Rio de Janeiro; 2016.. Além disso, cerca de 60% dos participantes de nível de escolaridade mais baixo possuíam idade acima de 60 anos, o que ,possivelmente, resultou em redução do efeito desse marcador socioeconômico em nossos resultados.

Um estudo nacional realizado com dados de aquisição de alimentos da Pesquisa de Orçamento Familiar (2008-9) detectou que o grupo de alimentos in natura, minimamente processados e de ingredientes culinários apresentou menor preço médio por caloria (R$ 1,66/kcal) quando comparado aos alimentos processados e ultraprocessados (R$ 2,58/kcal), na Região Sudeste, no entanto itens alimentares in natura, como hortaliças, peixes e carnes frescas, destacaram-se com preços muito elevados. No mesmo estudo, foi verificado que a razão entre o preço pago pelos alimentos in natura, minimamente processados e ingredientes culinários (em conjunto) e o preço pago pelos alimentos processados e ultraprocessados se manteve estável entre os diferentes estratos de renda, indicando cenário econômico semelhante4242. Claro RM, Maia EG, Costa BVL, Diniz DP. Food prices in Brazil: prefer cooking to ultra-processed foods. Cad Saúde Pública 2016; 32(8): e00104715. https://doi.org/10.1590/0102-311X00104715
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, possivelmente justificando a ausência de associação com a renda nesse estudo.

Ressalta-se a abordagem analítica aqui utilizada: o modelo de regressão SUR para a análise múltipla. A principal vantagem desse modelo é a inclusão dos três grupos alimentares na mesma regressão para estimar a associação, dado que a participação calórica de cada grupo de alimentos é sempre dependente da participação dos demais grupos. Ao considerar a correlação entre os erros das equações, a precisão dos parâmetros estimados aumenta. De qualquer forma, nossos resultados foram semelhantes aos obtidos em análises de regressão linear e quantílica (resultados não apresentados). Além disso, a maior parte dos estudos que empregaram a classificação NOVA avaliou a relação entre consumo efetivo de alimentos e características sociodemográficas, focando apenas no consumo de alimentos ultraprocessados, não incluindo os demais grupos de alimentos1818. Cediel G, Reyes M, Louzada MLC, Martinez Steele E, Monteiro CA, Corvalán C, et al. Ultra-processed foods and added sugars in the Chilean diet (2010). Public Health Nutr 2018; 21(1): 125-33. https://doi.org/10.1017/S1368980017001161
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,1919. Marrón-Ponce J, Sánchez-Pimienta T, Louzada M, Batis C. Energy contribution of NOVA food groups and sociodemographic determinants of ultra-processed food consumption in the Mexican population. Public Health Nutr 2018; 21(1): 87-93. https://doi.org/10.1017/S1368980017002129
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,2121. Bielemann RM, Motta JVS, Minten GC, Horta BL, Gigante DP. Consumption of ultra-processed foods and their impact on the diet of young adults. Rev Saúde Pública 2015; 49: 28..

A utilização do QFA trouxe ao estudo limitações inerentes a esse método de avaliação do consumo alimentar, como dificuldades para a classificação de alguns itens segundo o grau de processamento em função do baixo nível de detalhamento das informações coletadas, quando comparado aos métodos de registro e recordatório alimentar. Para minimizar erros de classificação, utilizamos a divisão de calorias de alguns alimentos presentes em um mesmo item alimentar do QFA em diferentes grupos de processamento2727. Louzada MLC, Martins APB, Canella DS, Baraldi LG, Levy RB, Claro RM, et al. Ultra-processed foods and the nutritional dietary profile in Brazil. Rev Saúde Pública 2015; 49: 38. https://doi.org/10.1590/S0034-8910.2015049006132
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.

Recomenda-se que, em estudos futuros com objetivos similares ao deste trabalho, ao avaliar o consumo de alimentos segundo o grau de processamento, seja considerada a influência de fatores contextuais, além das características sociodemográficas.

CONCLUSÃO

Este estudo detectou associação entre a idade e o consumo alimentar segundo o grau de processamento dos alimentos, com importante participação de alimentos ultraprocessados na dieta, principalmente entre os adultos mais jovens. Esse resultado indica tendências futuras com implicações negativas na saúde dessa população. Diante disso, destaca-se a necessidade de intervenções que subsidiem políticas públicas com vistas a deter a progressão do consumo de alimentos ultraprocessados e promover o consumo de alimentos in natura e minimamente processados.

AGRADECIMENTOS

Prof. Dr. Carlos Augusto Monteiro e Dra. Maria Laura Louzada, as contribuições para a classificação dos alimentos.

REFERÊNCIAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Ago 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    14 Jun 2017
  • Revisado
    16 Jun 2018
  • Aceito
    13 Jul 2018
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