Open-access Sobrepeso, obesidade e fatores associados aos adultos em uma área urbana carente do Nordeste Brasileiro

RESUMO:

Introdução:   As mudanças produzidas no processo saúde/doença, sobretudo no campo da nutrição, corroboram a substituição das carências nutricionais com emergência do excesso de peso (sobrepeso/obesidade).

Objetivo:   Analisar a prevalência e fatores associados ao excesso de peso em adultos residentes em uma área urbana carente do Recife, Nordeste do Brasil.

Métodos:   Trata-se de um estudo transversal analítico, com uma amostra de 644 adultos de 20 a 59 anos. Analisaram possíveis associações do excesso de peso aos fatores demográficos, socioeconômicos, comportamentais e morbidades por meio de regressão de Poisson, considerando como estatisticamente significantes aquelas com valor de p < 0,05.

Resultados:   A prevalência do excesso de peso foi de 70,3%, sendo menor na faixa de 20-29 anos e maior na faixa etária de 30-39 anos, e estabilizando-se nas demais. No modelo de regressão multivariado, foi observado que a faixa etária, classe econômica, diabetes mellitus (DM) e hipertensão arterial sistêmica (HAS) mostraram-se diretamente associada ao excesso de peso, enquanto a variável consumo semanal de feijão mostrou-se inversamente associada. A alta prevalência do excesso de peso encontrado pressupõe que as comunidades carentes das quais os indivíduos fazem parte já se incluem no processo de transição nutricional que está em curso no país.

Conclusão:   Os resultados significativos de sobrepeso/obesidade detectados na área urbana carente estudada, impõe a necessidade de incluir esse problema como prioridade de saúde pública nessas comunidades.

Palavras-chave: Sobrepeso; Obesidade; Adulto; Pobreza

ABSTRACT:

Introduction:   The changes that occurred in the health/disease process, especially in the field of nutrition, corroborate the replacement of nutritional deficiencies with the pandemic emergency of overweight (overweight/obesity).

Objective:   To analyze the prevalence and factors associated with overweight in adults living in a poor urban area in Recife, Northeast Brazil.

Methods:   This is a cross-sectional study with a sample of 644 adults aged 20-59 years. Possible associations of overweight with demographic, socioeconomic, behavioral and morbidity factors were analyzed through Poisson Regression, considering as statistically significant those with p < 0.05.

Results:   The prevalence of overweight was 70.3%, being lower in the age range of 20-29 years, greater in the range of 30-39 years and stabilizing in the others. In the final multivariate model, it was observed that the age group, economic class, diabetes mellitus and high blood pressure were directly associated with overweight, while bean consumption showed an inverse association. The high prevalence of overweight found indicates that poor communities are already included in the nutritional transition process that is in course in country.

Conclusion:   The significant result of overweight found at this poor urban area imposes the need to include this problem as a public health priority in these communities.

Keywords: Overweight; Obesity; Adult; Poverty

INTRODUÇÃO

As grandes mudanças ocorridas no processo saúde/doença, a partir da segunda metade do século XX, passaram a apresentar uma configuração muito peculiar no campo da nutrição, tipificada pela superposição das carências nutricionais globais e específicas pela emergência epidêmica ou pandêmica do sobrepeso e obesidade1.

O sobrepeso e obesidade são caracterizados pelo acúmulo de gordura corporal, excedendo os padrões aceitáveis de normalidade antropométrica em diferentes graus e integram o grupo das doenças crônicas não transmissíveis (DCNT)2. Atuam como importantes fatores de risco para a morbimortalidade de populações adultas, associando-se a 63% do total global de mortes causadas pela DCNT. Desse valor, 78% da mortalidade ocorre em países de média e baixa renda3.

A prevalência mundial de sobrepeso/obesidade vem apresentando rápido e progressivo aumento nas últimas décadas, de modo que, atualmente, 2,1 bilhões de adultos estão nessa condição, o que representa quase 30% da população mundial. Destaca-se ainda que, de 1980 a 2013, o excesso de peso aumentou 27,5% entre os adultos4.

Em nosso país, mais da metade da população adulta, ou seja, 56,9%, encontra-se com excesso de peso5. Estudo realizado em adultos residentes em áreas urbanas carentes de Maceió encontrou 41,2% com o problema6 e em Pernambuco, de acordo com a III Pesquisa Estadual de Saúde e Nutrição (2006), 51,5% dos adultos estavam nessa condição7. Trata-se de um processo pandêmico que extrapola fronteiras geopolíticas, blocos econômicos, culturais e estratos sociais, com a observação surpreendente de que atualmente, ao contrário do passado, são as camadas mais pobres dos países ricos ou em desenvolvimento que constituem os segmentos mais expostos à sua ocorrência8,9. O sobrepeso e obesidade têm causas multifatoriais e resultam de uma complexa interação de fatores alimentares, predisposição genética e comportamento humano10,11. Ao lado da dieta e do sedentarismo, devem ser também avaliadas as condições de trabalho, moradia, redes de abastecimento e outros determinantes que podem estar incluídos nos modelos causais desse problema11.

Os estudos que avaliam como o excesso de peso se comportam em populações sob condições reconhecidamente precárias, sobretudo em áreas urbanas carentes (favelas), ainda são escassos e pontuais no Brasil, particularmente na Região Nordeste6. É oportuno considerar, entretanto, que 11 milhões de pessoas moram em áreas faveladas no país, representando cerca de 5% da população6,12.

Caracterizadas como comunidades com ausências de títulos de propriedade, as áreas urbanas carentes possuem usualmente um espaço de trabalho instável, baixa renda individual e familiar, ocupações informais, moradias insalubres, condições precárias de saneamento, falta ou insuficiência de serviços de saúde, de educação, e de segurança pública. Nesta configuração, como seria o estado nutricional da população em um cenário urbano típico de grandes restrições de bens e serviços?

Diante do contexto social, estrutural, ambiental, demográfico e econômico que permeia o contexto epidemiológico do sobrepeso/obesidade e o seu impacto no processo saúde/doença da população, principalmente em áreas urbanas carentes, justifica-se a realização deste estudo, que teve como objetivo analisar a prevalência e os fatores associados ao excesso de peso em adultos de 20-59 anos, residentes numa área urbana carente no Recife, nordeste do Brasil.

MÉTODOS

Trata-se de um estudo transversal de caráter descritivo e analítico, com base nos dados da pesquisa “Saúde, nutrição e serviços assistenciais numa população favelada do Recife: um estudo baseline”, desenvolvido pelo Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira (IMIP) em parceria com o Departamento de Nutrição da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e Prefeitura do Recife. A coleta de dados foi de base domiciliar e ocorreu entre junho a dezembro de 2014, na área urbana carente conhecida como Comunidade dos Coelhos, localizada no bairro da Boa Vista, no município do Recife, capital do Estado de Pernambuco.

Para o cálculo da amostra tomou-se como referência um universo de 3.816 adultos com idade entre 20 e 59 anos, a qual foi estimada pelo Sistema de Informação de Atenção Básica (SIAB) do Recife, prevalência de 51,5% de sobrepeso e obesidade dos adultos nessa faixa etária, na Região Metropolitana do Recife de Pernambuco7. Assumiu-se erro de estimativa de 4%, intervalo de confiança de 95% e foi acrescentado 10% para compensar possíveis perdas, casos de não resposta ou questionários eventualmente invalidados por inconsistências, obtendo-se assim uma amostra inicial de 570 participantes. Na amostra final, figurou um total de 644 adultos. O número de observações aqui avaliadas constitui um subconjunto da amostra representativa de pessoas com mais de 20 anos, calculada para representar o universo de adultos da comunidade dos Coelhos.

A amostragem foi do tipo probabilística e os adultos foram selecionados por sorteio aleatório simples, sem substituição. Foram excluídas as gestantes, os indivíduos com limitação física congênita ou adquirida, que impossibilitasse a aferição das medidas antropométricas, e os casos com edema visível ou transtornos psíquicos que dificultassem a colaboração.

A relação entre o peso e altura foi obtida com base no índice de massa corporal (IMC). De acordo com as recomendações da OMS13, os adultos foram classificados como: défice de peso (< 18,5 kg/m2), eutrofia (≥ 18,5 e < 25 kg/m2), sobrepeso (≥ 25 e < 30 kg/m2), obesidade (≥ 30 kg/m2) e obesidade grave (≥ 40 kg/m2). Para este estudo, a variável resposta foi representada pelo excesso de peso (sobrepeso/obesidade), considerando-se os adultos com IMC ≥ 25 kg/m2.

A tomada de peso deu-se em balança digital, da marca Seca® 876, com capacidade de até 250 kg e escala de 100 g, com os indivíduos descalços, usando indumentária mínima e sem qualquer objeto nos bolsos, nas mãos ou na cabeça. Para medição da altura, utilizou-se estadiômetro portátil, marca Alturexata LTDA., milimetrado, com precisão de até (1 mm). Os voluntários ficaram em posição ereta, descalços, com membros superiores pendentes ao longo do corpo. Para garantir a acurácia as mensurações, foram aferidas em duplicatas e, quando a diferença entre elas excedia 0,5 cm para altura e 100 g para o peso, repetia-se e anotavam-se as duas medições com valores mais próximos, sendo então utilizada a média dessas medidas.

As variáveis independentes foram apresentadas de forma categórica, sendo consideradas como:

  • demográficas: sexo (masculino e feminino) e faixa etária (20-29, 30-39, 40-49 e 50-59);

  • socioeconômicas: classe econômica, avaliada com base no critério da Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (ABEP)14, sendo definida com base em um sistema de pontos que considera a posse de bens e o grau de instrução do chefe de família (B1/B2, C1/C2 e D/E), escolaridade (analfabeto/fundamental 1 incompleto, fundamental 1 completo/fundamental, 2 incompleto, fundamental 2 completo/médio incompleto e médio completo/superior completo/superior incompleto), raça/etnia, informação autorreferida (branca, preta, parda e outras), ocupação (não trabalha, desempregado, trabalho esporádico, benefícios sociais, empregado/autônomo), habitação - parede (tijolo/alvenaria e outros), número de cômodos (> 4 e ≤ 4), saneamento básico - destino do lixo (coleta pública e outros), destino de dejetos e abastecimento de água (rede geral e outros);

  • comportamentais: consumo alimentar semanal - feijão, verduras e legumes, frutas, refrigerante ou suco artificial, (1-2 vezes na semana ou nunca, 3-4 vezes e 5-7 vezes), carnes com excesso de gordura (não e sim) e atividade física (suficientemente ativo e insuficientemente ativo);

  • DM e HAS (não/sim).

O consumo alimentar foi avaliado por meio do questionário de consumo semanal utilizado pelo Ministério da Saúde15. Para determinação do nível de atividade física foi utilizado o Questionário Internacional de Atividade Física (IPAQ), em sua versão curta16. Esse instrumento mede a frequência e duração das atividades físicas moderadas, vigorosas e caminhadas realizadas na última semana por pelo menos 10 minutos contínuos, incluindo exercícios padronizados, esportes, atividades físicas ocupacionais e recreacionais realizadas em casa, no tempo livre, como meio de transporte e no lazer.

Os critérios estabelecidos pelo IPAQ se referem à quatro categorias do nível de atividade física: muito ativo, ativo, irregularmente ativo e sedentário. Para fins de análise, foi realizada uma recategorização dessas variáveis em:

  • “suficientemente ativas” (muito ativo + ativo), aplicada às pessoas que referiram praticar atividade vigorosa com frequência maior ou igual a três vezes na semana por 20 minutos ou mais, ou que praticavam atividade moderada, ou de caminhada com frequência maior ou igual a cinco vezes na semana por 30 minutos no mínimo, ou ainda qualquer atividade que somada fosse equivalente a uma frequência maior ou igual a cinco vezes na semana e maior ou igual a 150 minutos na semana (caminhada + atividade moderada + atividade vigorosa);

  • “insuficientemente ativas” (irregularmente ativas + sedentário), as pessoas não enquadradas no critério supracitado.

Em relação às morbidades, o diagnóstico de DM foi realizado mediante exame bioquímico, sendo considerado “casos” os indivíduos com glicemia sanguínea ≥ 126 mg/dL ou com relato de uso de hipoglicemiante17. A pressão arterial foi aferida segundo procedimentos padronizados18. Foram efetuadas duas medidas em momentos distintos (intervalo de 15 minutos), e consideraram-se como casos os adultos com pressão arterial sistólica ≥ 140 mmHg, e/ou com pressão arterial diastólica ≥ 90 mmHg, ou com relato de uso de medicação anti-hipertensiva.

Inicialmente, foram efetuadas análises descritivas, a fim de caracterizar a distribuição de frequência das variáveis em estudo. Posteriormente, foram efetuadas análises bivariadas por meio da regressão de Poisson simples, para evidenciar possíveis associações ao excesso de peso com as variáveis independentes. No modelo ajustado, o critério para inclusão das variáveis foi a associação na análise bruta com o excesso de peso, com valor de p < 0,20. Permaneceram no modelo final as variáveis com p < 0,05, obtidas por meio da regressão de Poisson multivariada, com ajuste robusto do erro padrão. Os resultados foram expressos por razão de prevalência (RP) e IC95%. As análises estatísticas foram realizadas com auxílio do software SPSS, versão 13.0 (SPSS Inc., Chicago) e Stata, versão 13.0 (StataCorp., College Station, Estados Unidos).

O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do IMIP, protocolo nº 4017-14, de acordo com os requisitos da Resolução do CNS nº466/12. Todos os investigados foram informados quanto à participação voluntária na pesquisa e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

RESULTADOS

Na amostra final do presente estudo, figurou um total de 644 adultos, havendo, entretanto, diferenças de valores amostrais em algumas variáveis, por causa das perdas de resposta por conta de questionários incompletos e/ou por inconsistência de dados.

O estado nutricional da população estudada é apresentado na Figura 1. As prevalências do sobrepeso e da obesidade foram semelhantes, em torno de 35%, superando a prevalência de eutrofia. Detalha-se, ademais, que 3,4% do total de obesos tinham obesidade grave, o que equivale a praticamente o dobro da frequência dos casos de défice de peso. A frequência conjunta do sobrepeso/obesidade, configurando o excesso de peso, foi de 70,3%.

Figura 1.
Estado nutricional de adultos (20-59 anos) em uma área urbana de pobreza (Comunidade dos Coelhos). Recife, 2014.

As variáveis sexo, faixa etária, classe econômica, raça/etnia, ocupação, número de cômodos, abastecimento de água (Tabela 1), consumo semanal de feijão, consumo de carne com excesso de gordura, HAS e DM (Tabela 2) mostraram associação significativa com o excesso de peso (p < 0,20).

Tabela 1.
Prevalência e razão de prevalência (RP) bruta do excesso de peso em adultos (20-59 anos) em uma área urbana de pobreza, segundo variáveis demográficas e socioeconômicas. Recife, 2014.
Tabela 2.
Prevalência e razão de prevalência (RP) bruta do excesso de peso em adultos (20-59 anos) numa área urbana carente, segundo variáveis comportamentais e morbidades. Recife, 2014.

As RP ajustadas por meio da análise de regressão multivariada de Poisson mostraram que as categorias C1/C2 e B1/B2 mostraram associação ao excesso de peso, em relação à categoria de referência (D/E), revelando assim que quanto maior era a classe econômica maior era prevalência de excesso de peso. As faixas etárias de 30-39 anos e de 40-49 anos também mostraram associação ao desfecho, em relação à categoria de referência ­(20-29 anos), ou seja, à medida que a faixa etária aumenta, a prevalência do problema era maior, em relação à categoria de referência. A frequência semanal de consumo de feijão (≤ 2 ­vezes/­semana e nunca) mostrou associação ao excesso de peso, em relação à categoria de referência (5-7 vezes/semana), quanto menor a frequência semanal de consumo de feijão, maior a prevalência de excesso de peso. As morbidades referidas DM e HAS também se associaram ao desfecho, aqueles que tinham essas morbidades apresentaram maior frequência de excesso quando comparados àqueles que não referiram as morbidades (categoria de referência). Tais variáveis mantiveram-se significantemente associadas ao desfecho p < 0,05 (tabela 3).

Tabela 3.
Análise ajustada do excesso de peso em adultos (20-59 anos) em uma área urbana carente. Recife, 2014.

DISCUSSÃO

A elevada prevalência do excesso de peso encontrada pressupõe que as comunidades carentes ou de baixa renda já se incluem no processo de transição nutricional. Esse resultado seria inusitado em um ambiente urbano de marcante pobreza, visto que há alguns anos a previsão seria de frequências elevadas de défices ponderais9.

O estudo mais atual que pode ser tomado como referência foi realizado em 2009, em uma amostra de 3.214 adultos de áreas urbanas carentes de Maceió (AL)6. Nessa pesquisa, revelou-se que 41,2% dos adultos tinham sobrepeso/obesidade, enquanto no presente estudo foi encontrada prevalência de 70,3%, bem acima do valor encontrado no Brasil em 2013 (56,9%)5. Em nível internacional, foram encontradas prevalências praticamente idênticas da Comunidade dos Coelhos (em torno de 73%) em estudos com populações pobres dos Estados Unidos19 e do Afeganistão20.

A prevalência bem mais elevada obtida nessa avaliação poderia resultar em três possíveis interpretações. Como o excesso de peso representa uma epidemia rapidamente progressiva no Brasil, é admissível que uma diferença marcante em cinco anos possa resultar no próprio ritmo acelerado no aumento do problema. A segunda versão aceitaria que a situação dos adultos da área analisada possa ser bem distinta da encontrada em Maceió, em uma amostra maior e distribuída em diversas áreas faveladas. Uma terceira conjectura seria que as populações faveladas passam a reproduzir e até mesmo exceder um padrão generalizado para todo o país, como parte da homogeneização epidemiológica expressa como o cenário mais atualizado do estado nutricional da população brasileira. Esta pode representar a interpretação mais consistente, embora sem o apoio de dados sequenciais, atualizados e representativos sobre populações residentes nas urbanas carentes.

Na comunidade dos Coelhos, observou-se associação estatisticamente significante entre o sobrepeso/obesidade e a faixa etária, ressaltando uma maior prevalência entre os adultos de 30 a 39 anos, estabilizando-se então. No Brasil4, estudo sobre o estado nutricional dos beneficiários do Programa Bolsa Família21 e em mulheres de baixa renda no Rio de Janeiro22 também encontraram associação entre o problema e a faixa etária, evidenciando maior prevalência do excesso de peso entre os adultos com idade igual ou acima de 40 anos e a faixa de 50-59 anos, respectivamente. Esse achado pode estar relacionado à diminuição do nível atividade física23, bem como do metabolismo basal e das alterações hormonais que acontecem com o processo de envelhecimento, que levam o corpo a estocar mais gordura24. Em nível internacional, pesquisa realizada no distrito de Kalutara, na Ásia, encontrou uma maior prevalência de sobrepeso em adultos de baixa renda, a partir dos 40 anos, com redução no 50 anos de idade25. É provável que as diferenças de ecossistemas de vida próprios para cada população de baixa renda possam justificar esses desencontros nos resultados.

Não foi observada associação entre o excesso de peso e escolaridade. De acordo com o VIGITEL26, a frequência de excesso de peso tende a diminuir com o aumento da escolaridade, contudo não observamos isso neste estudo, já que a prevalência do excesso de peso foi similar nas diferentes faixas etárias, independente do grau de instrução, provavelmente porque a baixa condição socioeconômica e o contexto social ao qual a população em estudo está inserida acaba favorecendo a aquisição de alimentos mais baratos e calóricos.

Nas classes mais elevadas da amostra foram identificadas as maiores prevalências do excesso de peso (B1/B2). Entretanto, esta representava apenas 5,8% da amostra. O tamanho amostral do estudo pode ter influenciado nesse resultado, pois o que se esperava era encontrar maior prevalência do problema nas classes mais pobres. Contudo, deve-se considerar que a população estudada é uma comunidade carente e dessa forma, uma população homogênea, assim com uma amostra maior talvez fosse possível identificar o que esperávamos, como o caso do estudo realizado em Maceió6 e no Ceará27, nos quais foi observada maior prevalência do excesso de peso entre os adultos com menor renda.

Foi encontrada maior frequência do problema entre a raça/etnia preta e entre os adultos sem ocupação, embora não tenha sido observada associação significativa. É importante ressaltar que o excesso de peso vem deslocando sua focalização de risco para as etnias socialmente mais desfavorecidas, como negros e pardos ou outros agrupamentos aproximados pela condição de pobreza, como famílias do meio rural e estratos de renda mais baixa28,29.

No presente estudo, aproximadamente 70% da população consome feijão cinco ou mais vezes na semana. De acordo com a Pesquisa de Orçamento Familiar, nos anos 2008 e 2009, o feijão ainda figura entre os alimentos mais consumidos pela população brasileira (≅ 70%)30. Já o baixo consumo semanal de feijão (≤ 2 vezes) se mostrou associado ao excesso de peso neste trabalho, corroborando o estudo realizado em Belém (PA) sobre o consumo de feijão em adultos31, o que pode indicar maior consumo de alimentos ultraprocessados, em detrimento aos alimentos saudáveis, como o feijão. Ademais, não foram observadas associações com outras variáveis de consumo alimentar.

Não se evidenciou associação entre o nível de atividade física e a prevalência de excesso de peso. A coexistência de 70,2% de indivíduos suficientemente ativos e de aproximadamente 70% de sobrepeso/obesidade são resultados aparentemente conflitivos; achados semelhantes também foram observados, em Pernambuco7. A elevada prevalência de adultos ativos pode ser justificada pelo fato de a mensuração da atividade física ter sido realizada por um instrumento que considera as atividades desenvolvidas no lazer, deslocamento, em atividades domésticas e ocupacionais, bem como pela condição socioeconômica da população, que faz com que o deslocamento ativo, as tarefas ocupacionais e atividades domésticas sejam o tipo de atividade física predominante, em detrimento da atividade física realizada no tempo de lazer, que é mais comum em países desenvolvidos32,33.

Como esperado, de acordo com o que é demonstrado em outros estudos, a HAS e a DM se apresentaram associados ao sobrepeso/obesidade34,35,36. Trata-se de uma trilogia de comorbidades (HAS, diabetes tipo II e sobrepeso/obesidade) que muito comumente, estão em conjunto.

Ressalta-se como limitação do estudo o delineamento transversal, por constituir uma limitação nas análises de associação entre as variáveis associadas e o desfecho, pela impossibilidade de inferir relação de causalidade, desconsiderando a relação antes/depois que, por lógica formal, deve condicionar a relação.

O fato de o estudo ter sido desenvolvido em uma comunidade carente é considerado um ponto positivo, tendo em vista que ainda são realizados poucos estudos nessas comunidades e o conhecimento da situação de saúde das populações carentes é importante para o planejamento de intervenções.

CONCLUSÃO

A prevalência de 70% de sobrepeso/obesidade numa área carente do Recife está bem acima dos resultados identificados em outras populações urbanas de características semelhantes e até bem superiores em amostras representativas do Brasil. A elevada prevalência do problema, situando-se em cerca de 30% acima das frequências encontradas em estudos publicados no país após o ano de 2003, pressupõe que a população analisada se inclui no rápido processo de transição nutricional que o país experimenta nos últimos 40 anos.

Sob o ponto de vista analítico, dos 22 grupos de variáveis investigadas, faixa etária, classe econômica, consumo semanal de feijão, DM e HAS, foram as variáveis que compuseram o modelo final ajustado para definir os riscos associados ao excesso de peso.

Conclusivamente, a elevada prevalência de sobrepeso/obesidade detectados na área urbana carente estudada, impõe a necessidade de incluir esse problema como prioridade de saúde pública nessas comunidades. Mais ainda, impõe a recomendação de expandir estudos semelhantes e também de abordagem qualitativa para outras comunidades afins que se espalham no território nacional, de modo a retratar uma situação ainda pouco conhecida e sinalizar intervenções prioritárias nelas.

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  • Fonte de financiamento: Ministério de Ciência e Tecnologia/Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia do Estado de Pernambuco (FACEPE), APQ-2136-4.06/12

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Maio 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    15 Ago 2018
  • Revisado
    19 Mar 2019
  • Aceito
    20 Mar 2019
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