Editorial
Avaliando o impacto de intervenções em saúde
Cesar G. Victora
Programa de Pós-Graduação em Epidemiologia Universidade Federal de Pelotas, RS, Brasil
Nossas ações de saúde, preventivas e/ou curativas, estarão conseguindo melhorar a saúde da população? Para muitas pessoas, esta pergunta poderia parecer óbvia, mas existem diversas razões pelas quais a resposta pode ser negativa. Por exemplo, um medicamento eficaz pode estar sendo prescrito de forma errada, uma vacina pode estar sendo armazenada inadequadamente e perder suas propriedades imunogênicas, um micronutriente pode estar sendo distribuído a indivíduos que não necessitam de suplementação, ou uma campanha educativa pode ser ineficaz na mudança de comportamentos de risco. Além de demonstrar a eficácia de uma determinada intervenção em estudos experimentais realizados sob condições ideais, é essencial também comprovar que, sob condições rotineiras de serviços de saúde, a intervenção é efetiva para a redução da morbimortalidade1. Por todos esses motivos, é extremamente importante que epidemiologistas e outros profissionais de saúde investiguem constantemente se as intervenções em saúde estão resultando no impacto esperado.
As avaliações na área de saúde podem ser divididas em duas grandes categorias avaliações de processo e de impacto2. As primeiras investigam se a intervenção ou serviço está sendo ofertado adequadamente à população, se sua qualidade é apropriada, se a população está efetivamente utilizando o serviço, e se a cobertura alcançada é apropriada. Este tipo de avaliação é freqüentemente realizado em nosso país, sendo inúmeros os exemplos de estudos de ótima qualidade. Por outro lado, avaliações de impacto de intervenções ou serviços sobre a morbimortalidade, ou sobre comportamentos diretamente relacionados à saúde, são relativamente raras. Por esse motivo, os autores do III Plano Diretor para o Desenvolvimento da Epidemiologia no Brasil 2000-2004, reunidos em Brasília no mês de agosto de 20003, identificaram a necessidade de organizar um seminário nacional sobre avaliações de impacto. O Programa de Pós-Graduação em Epidemiologia da UFPEL foi indicado pela ABRASCO para coordenar esta atividade.
A preparação do seminário foi iniciada por uma pesquisa sistemática de estudos de impacto, realizados no Brasil durante os últimos 10 anos. A revisão, efetuada nas bases de dados LILACS e MEDLINE, foi complementada por consultas à Comissão de Epidemiologia da ABRASCO, levando à indicação dos participantes do seminário. Este foi realizado em Pelotas, de 6 a 8 de novembro de 2001, contando com a participação de 25 pesquisadores nacionais e do Prof. Jean Pierre Habicht, da Universidade de Cornell (EUA), autoridade mundial no assunto.
O seminário foi altamente produtivo. Foram apresentadas 18 avaliações de impacto e três trabalhos sobre fontes de dados para avaliação. Dos estudos de impacto, a grande maioria avaliou programas de saúde e nutrição infantil: seis trataram da promoção de aleitamento materno, quatro do estado nutricional, três da diarréia, um da anemia e outro da mortalidade neonatal. Os demais estudos abordaram doença de Chagas, esquistossomose e diabete mélito. Ficou evidente a alta qualidade metodológica dos estudos, assim como sua adaptação às características dos programas de saúde e aos dados disponíveis. Diversos delineamentos foram utilizados: ensaios comunitários randomizados, estudos de casos e controles, estudos de coorte, estudos transversais e estudos ecológicos. Em termos da terminologia proposta por Habicht et al.2, os diversos estudos apresentados permitiram inferências do tipo adequação (estudos descritivos), plausibilidade (estudos observacionais) e probabilidade (estudos experimentais).
Por outro lado, foi notado o número reduzido de trabalhos identificados na revisão da literatura, e em especial a falta de estudos sobre alguns dos principais problemas de saúde de nossa população, como as doenças crônico-degenerativas e as causas externas. Observou-se também a carência de estudos sobre custo-efetividade de intervenções. Finalmente, salientou-se a necessidade de planejar a avaliação nos estágios iniciais de novos programas, para permitir a realização de estudos de linha de base, permitindo avaliações prospectivas.
Avaliações de intervenções e serviços de saúde são cada vez mais importantes, e a publicação desse número especial da Revista Brasileira de Epidemiologia tem como objetivo reunir diferentes metodologias usadas nessa área e estimular pesquisadores brasileiros a desenvolver novos estudos.
Referências
1. Black N. Why we need observational studies to evaluate the effectiveness of health care. Br Med J 1996; 312: 1215-8.
2. Habicht JP, Victora CG, Vaughan JP. Evaluation designs for adequacy, plausibility and probability of Public Health programme performance and impact. Int J Epidemiol 1999; 28: 10-8.
3. ABRASCO. do III Plano Diretor para o Desenvolvimento da Epidemiologia no Brasil 2000-2004. Rio de Janeiro; 2000.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
30 Nov 2005 -
Data do Fascículo
Abr 2002