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As falhas no registro de crianças no Censo de 1872: o caso fluminense

Errors in child registration in the Census of 1872: the case of Rio de Janeiro, Brazil

Errores en los registros infantiles del censo de 1872: el caso de Río de Janeiro, Brasil

Resumo

O Censo de 1872 apresenta relevantes incoerências demográficas nas idades infantis. Identificamos esses problemas, para as freguesias do Município Neutro e da província do Rio de Janeiro, a partir da aplicação de padrões demográficos gerais: a razão de sexo ao nascer e as proporções entre o número de anos-pessoa vividos nas primeiras idades segundo a tábua de vida Brasil 1870-1890. Ficam claras, nessa faixa etária, as inconsistências nos dados entre os sexos e em cada sexo, nas proporções relativas entre as idades. Mostramos, além disso, a grande diversidade nas formas e intensidades dessas incoerências, freguesia a freguesia. Em consequência, cremos que qualquer análise historiográfica a partir dos dados do Censo de 1872 requer o ajuste prévio dos totais publicados para as idades infantis para se tornar minimamente precisa.

Palavras-chave:
Censo de 1872; Erros de recenseamento; Escravidão; Rio de Janeiro

Abstract

The Census of 1872 contains relevant inconsistencies among young ages. We identified these problems, for the parishes of the Município Neutro and the Province of Rio de Janeiro, through the use of general demographic patterns: the sex ratio at birth and the proportions among the number of person-year lived during the first years of life, according to the life table Brazil 1870-1890. The inconsistencies among the data for each sex, in the young ages, and in the relative proportions among ages, for each sex, are clear. Furthermore, we show the great diversity of forms and intensities of these incoherencies among parishes. As a consequence, we believe that, to be precise, any historiographical analysis based on the data of the Census of 1872 requires previous adjustment of the totals published for young ages.

Keywords:
Census of 1872; Census errors; Slavery; Rio de Janeiro

Resumen

El Censo de 1872 presenta inconsistencias demográficas relevantes en las edades infantiles. Identificamos estos problemas en las parroquias del municipio Neutro y de la provincia de Río de Janeiro a partir de la aplicación de indicadores demográficos generales: razón de sexo al nacimiento y proporciones entre el número de personas según años vividos en las edades tempranas de acuerdo a la tabla de vida de Brasil para 1870-1890. En este grupo de edad son claras las inconsistencias de los datos sobre sexos y, en cada género, en las proporciones relativas a las edades. Se muestra también la gran diversidad de formas e intensidades de estas inconsistencias, parroquia por parroquia. En consecuencia, se entiende que cualquier análisis historiográfico a partir de los datos del Censo de 1872 requiere un ajuste previo de los totales publicados para las edades infantiles para que sean mínimamente precisas.

Palabras clave:
Censo de 1872; Errores censales; Esclavitud; Río de Janeiro

Introdução

Distribuições de uma população por idade constituem informação demográfica de grande relevância para a análise da mortalidade e da fecundidade, além de possibilitar a estimação do tamanho e composição etária da população retratada, em momentos anteriores e posteriores àquele no qual os dados foram levantados. Tendo por objeto de estudo uma sociedade, como a do Rio de Janeiro escravista, sobre a qual os dados demográficos são notoriamente incompletos e imprecisos, distribuições etárias também adquirem importância para a avaliação da coerência interna dos dados censitários publicados. Para este objetivo, o Recenseamento Geral do Império, de 1872, é fonte essencial, sendo o mais completo e informativo censo sobre a população fluminense na segunda metade do século XIX, o que, todavia, não significa que esteja livre de omissões e incoerências.

Sendo o primeiro recenseamento de abrangência nacional e o único a ter sido realizado durante o período escravista, esse censo, amplamente empregado em diversas ciências sociais, é especialmente importante para pesquisas de Demografia histórica. Como ocorre com a maioria das fontes históricas quantitativas, devemos ressaltar que os números ali publicados logo se transformam, na prática historiográfica, em valores aceitos como históricos e, assim, efetivamente não questionados, mesmo nos textos que fazem questão de anotar seus prováveis problemas de cobertura e imprecisão. Esse uso nominal dos números publicados não significa que não tenha havido críticas ao censo e a seus resultados, algumas das quais envolvendo elaboradas descrições dos erros nos procedimentos censitários que os produziram.1 1 Referindo-se somente a comentaristas a partir de meados do século XX, entre diversos trabalhos que abordam problemas nas atividades censitárias e nos resultados do Censo de 1872, Mortara (1940a, 1940b), além de outros textos seus, foca nas discrepâncias nas distribuições etárias; Arriaga (1976[1968]) demonstra subenumeração infantil; Slenes (1975) examina em detalhe a coerência dos dados sobre escravos recenseados em comparação com as estatísticas das matrículas; Martins (1980), Paiva e M. C. Martins (1983) e Paiva e R. B. Martins (1983) tratam das condições de recenseamento e apuração, explicitando, entre outros problemas, as diferentes datas-base em cada província, a omissão de paróquias e as inconsistências quantitativas na agregação freguesias-província-Império e nas totalizações por categorias; Paiva, Godoy e Rodarte (2012) expõem de modo compreensivo trabalhos de análise e ajuste efetuados ao longo de três décadas. Rodarte e Santos Jr. (2008) e Rodarte, Paiva e Godoy (2012) discutem principalmente a coerência dos totais classificados por categorias; Bissigo (2014, 2015, 2017) e Camargo (2018), entre outros, abordam aspectos sociológicos das categorias empregadas no censo e sua relevância para o entendimento das estruturas sociais oitocentistas.

Só podemos supor que essa prática seja tão frequente pelo efeito conjunto de dois elementos: um respeito tradicionalista pelas fontes enquanto indício, suposto autêntico, de um passado desaparecido; e um zelo imerecido pela precisão quantitativa inerente a todo número. Por certo, é usual e não suscita crítica o fato de pesquisadores experientes - e certamente conhecedores dos problemas de precisão existentes num censo do século XIX - se valerem dos números publicados para compor uma argumentação mais abrangente, em geral referente a longos períodos históricos.2 2 Como exemplos, em vários momentos das últimas décadas, de textos com temas abrangentes e que se valem sem ajustes quantitativos dos totais publicados no censo de 1872, podemos citar Klein (1969), Leff e Klein (1974), Merrick e Graham (1980), Oliveira (1997), Livi Bacci (2002), Melo (2008) e Papadia (2019). Como entender essa “atração fatal” pelo número descrito num censo que sabidamente sofre de omissões e imprecisões? Por um lado, sabemos que muitas das discrepâncias quantitativas eventualmente presentes podem mostrar-se pouco relevantes a argumentos historiográficos mais gerais, além de quase certamente demandarem pesquisas detalhadas e trabalhosas para serem avaliadas. Por outro, qualquer pesquisa sobre o tema “censo de 1872” encontra referências a críticas relevantes, que lançam dúvidas sobre a precisão numérica dos resultados publicados.

Para melhor contextualizar o presente texto, vale distinguir três tipos de crítica. Um primeiro tipo diz respeito ao conjunto das atividades censitárias, incluindo o contexto histórico do censo, a legislação, o planejamento, bem como a redação, o preenchimento e a compilação dos questionários. Essas críticas mostram, por exemplo, que o formulário do Censo de 1872 poderia induzir certos erros de preenchimento e mesmo alguma omissão de informações, além de apontarem a não realização do recenseamento em várias freguesias. Um segundo tipo de crítica decorreu de enorme esforço coletivo de verificação numérica dos resultados do censo, envolvendo digitalização dos números publicados, verificação de somas e comparação dos totais obtidos com os publicados. Esse trabalho foi realizado ao longo de três décadas por sucessivos grupos de pesquisa no Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar), da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), identificando erros de soma e, principalmente, incoerências entre os totais classificados segundo diferentes conjuntos de categorias. Os resultados corrigidos e coerentes que obtiveram formam um corpus quantitativo com consistência interna bem maior do que os dados conforme publicados.3 3 Iniciados em 1980, sucessivos projetos dedicaram-se à digitalização de dados, à checagem de somas e à verificação e ajuste da coerência interna entre os totais publicados nas várias tabelas do censo (MARTINS, 1980; PAIVA; M. C. MARTINS, 1983; PAIVA; R. B. MARTINS, 1983). Em 2004, os dados totalizados e revistos até então foram publicados em CD-ROM pelo Cebrap, São Paulo (PUNTONI, 2004). Em 2012, resultados mais apurados passavam a ser publicados no site http://www.nphed.cedeplar.ufmg.br, criticados e disponibilizados para o público de modo interativo (PAIVA; GODOY; RODARTE, 2012). Embora apresente dados coerentes em seus totais sob categorias cruzadas, o banco de dados assim compilado permanece sujeito a problemas relevantes para estudos de Demografia histórica, como é o caso da omissão de freguesias inteiras e, dentro de cada freguesia, da imprecisão no registro das idades, com marcada concentração em idades “atrativas”, fuga de idades “não atrativas”, rejuvenescimento de mulheres adultas e envelhecimento de recenseados mais velhos em geral.

No presente trabalho, pretendemos abordar um terceiro tipo de crítica, diretamente associada à imprecisão etária dos resultados. O exame das distribuições etárias, em especial de crianças, expõe grande irregularidade nos registros de suas idades e, ao serem analisadas por técnicas demográficas usuais, mostram evidências de clara subenumeração de crianças, que, além do mais, se exprime de modo muito desigual entre freguesias, entre os sexos e entre as condições sociais. Explicitamos aqui dois graves problemas detectados nos dados das primeiras idades abertos por faixas etárias. Em todas as freguesias do Município Neutro e da Província do Rio de Janeiro, esses dados mostram-se marcadamente incoerentes no curso das idades infantis e, dentro de cada idade, entre meninos e meninas. Além disso, os totais registrados de crianças cativas revelam-se significantemente menos precisos do que os de crianças livres.

Tratamos aqui exclusivamente dos dados do Censo de 1872. Outra fonte sobre a população infantil seriam os registros paroquiais de batismo e de óbito. A análise comparativa, freguesia a freguesia, entre essas duas fontes é projeto monográfico relevante, embora necessariamente minucioso e bastante complexo. Cremos, entretanto, que a avaliação de dados censitários por métodos demográficos seja a única forma capaz de obter estimativas para crianças eventualmente omitidas de ambas essas fontes.4 4 Uma primeira dificuldade comparativa é a necessidade de se empregar - pelo lado dos registros paroquiais - tanto os registros de batismos quanto de óbitos, para se chegar ao número de vivos na época do censo. Os registros de batismos são usualmente considerados bastante completos, embora sua cobertura dos primeiros meses seja reconhecidamente problemática, haja vista a importante quantidade de batismos realizados em crianças com mais de três meses. Sabendo que é nesse período que se concentra a maior proporção de óbitos, ficamos assim com um problema duplicado: crianças que morrem antes de serem batizadas, com grande probabilidade de também não terem seu óbito registrado. No caso de escravos, principalmente antes de setembro de 1871, essa situação deve ter sido majoritária. Como seria feita uma comparação entre ambas as fontes tendo, de um lado, crianças que morrem sem batismo e - em parte - sem registro de óbito e, de outro, crianças nunca registradas no censo? Ou seja, é certo haver um conjunto de crianças omitidas de ambas as fontes! O uso de parâmetros demográficos gerais, combinando o censo com uma tábua de mortalidade adequada, pode identificar e aproximar da melhor forma uma solução para essa lacuna nas fontes. É o que propomos neste texto.

Ao verificarmos a existência de relevantes discrepâncias demográficas nos dados censitários disponíveis, somos confrontados com a decisão de proceder ou não a ajustes, de modo a torná-los mais coerentes, segundo os critérios pelos quais foram avaliados; e, prosseguindo, devemos decidir como efetuar tais ajustes de forma que os dados sejam de fato “melhorados” em sua representação do passado desconhecido. Ou seja, será preciso acreditar em certas partes e certos aspectos dos dados e rejeitar outras partes e outros aspectos. O que for aceito servirá, então, como base metodologicamente defensável para ajustar o que tiver sido rejeitado.

Os diversos levantamentos da população fluminense realizados ao longo do século XIX apresentam grande variedade na forma de registro dos dados etários, principalmente no tocante à delimitação das faixas etárias empregadas na publicação dos resultados. De maior relevância que essas irregularidades foram as indubitáveis falhas nos processos de recenseamento e, especialmente, na anotação das idades, problema censitário reconhecido em todos os países e épocas. No século XIX, esses inconvenientes ainda se mostravam significativos, mesmo nos países pioneiros em promover censos na idade moderna.5 5 Como exemplo dessas dificuldades, na França no início do século XIX, J. Dupâquier (1974, p. 40-41) relata como Etienne van der Walle precisou recorrer a importantes ajustes aos dados etários oficiais antes de poder calcular taxas de fecundidade e de nupcialidade. No que segue, exemplificamos falhas na coerência quantitativa nos registros do Censo de 1872, o único, para o Rio de Janeiro antes de 1890, a ter dados informados em faixas anuais nas primeiras idades, isto é, com detalhamento suficiente para proporcionar avaliações demográficas mais precisas. Sem medo de errar, podemos supor que, nos recenseamentos anteriores a este primeiro de abrangência nacional, apesar da ausência de registros em idades anuais, os resultados agregados conforme publicados devem muito provavelmente incorporar erros análogos, que, no entanto, ficam ocultos em amplas faixas etárias.

Incoerências na idade de 0 ano em decorrência da Lei do Ventre-Livre

Concentramos nossas avaliações nas idades infantis, pois são estas as que terão sofrido menor influência de fluxos migratórios e, por isso, aquelas em que as forças demográficas naturais terão agido com maior transparência. Um primeiro problema para a análise dos dados do Censo de 1872 decorre do fato institucional de este ter sido realizado logo após a vigência da Lei do Ventre-Livre, fazendo com que filhos de escravas com até um ano de idade fossem classificados entre os “livres”. Apesar de corresponder à realidade jurídica, este critério falsifica, enquanto populações demograficamente completas, ambos os conjuntos de indivíduos - tanto os “livres” como os “escravos”. Para ajustar os dados quanto a esta discrepância, é preciso estimar o número de ingênuos classificados no grupo de “livres” e transferi-los para o grupo de “escravos”, melhorando a coerência demográfica de ambas as condições sociais. De fato, das 136 freguesias fluminenses com dados publicados nesse censo, não houve escravos recenseados na faixa até 11 meses de idade em 116 freguesias (para meninos) e em 118 freguesias (para meninas).6 6 Os dados publicados no Censo de 1872 referentes a crianças que ainda não haviam completado um ano de idade sofrem de um erro grave, que é não apresentar quantidades para crianças menores de um mês de idade. É de se supor que estas tenham sido incluídas na menor idade, de um mês completo.

Propomos mitigar este problema pela transferência de indivíduos do grupo de “livres” com 0 ano de idade para o de “escravos” da mesma idade. Estimamos este número de ingênuos de modo que, em cada freguesia, o total de “escravos” com 0 ano mantenha com os livres nesta idade a mesma proporção verificada entre o total de livres e de escravos de 1 a 5 anos. No conjunto, os ingênuos assim reclassificados representaram proporções relevantes dos recenseados com menos de um ano: 32% (meninos) e 30% (meninas) do total de livres. Lembramos que esta transferência foi realizada antes de termos ajustado a evidente subenumeração e desequilíbrio entre sexos que encontramos nas primeiras idades, conforme fica patente adiante. Esta ordem de ajustes se justifica, pois os ingênuos que desejamos reclassificar terão sido contados e registrados entre os livres.

Incoerências entre os totais das primeiras idades

A irregularidade quantitativa nos totais recenseados nas primeiras idades em 1872 foi constatada por vários analistas. Mortara (1940, p. 447) já havia apontado que: “O número dos recenseados no primeiro ano de idade, embora não seja exagerado em relação à população total, aparece muito alto em confronto com os números nos anos seguintes, que, em vez de diminuir, vão aumentando do segundo ao quinto ano de idade.”7 7 Em seus trabalhos de ajuste dos censos, Mortara assume postura bastante conservadora, supondo que a população infantil até os dez anos tenha sido totalmente recenseada, sem subenumeração, ficando os totais por idade imprecisos apenas por erros na anotação de idades. A revisão desses totais feita por Arriaga (1976[1968]) mostra que teria havido, sim, subenumeração nos vários censos de 1872 a 1920.

Avaliamos inicialmente, de modo agregado, a coerência dos dados registrados, em cada sexo, nas idades unitárias de 0 a 5 anos. Adotamos como padrão válido para uma população com pequena movimentação migratória entre crianças nesta faixa etária - o que consideramos ser o caso de todas as freguesias fluminenses nessa época - os parâmetros de vivos médios por idade, na tábua de mortalidade para brasileiros natos, calculada por G. Mortara (1946MORTARA, G. Tábuas brasileiras de mortalidade e sobrevivência. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1946., p.40) para o período 1870-1890. Estimamos esta “irregularidade média” na faixa de 0 a 5 anos, devida unicamente ao efeito da mortalidade, pelo indicador:

A m p = ( L x m á x i m o L x m í n i m o ) / L x m é d i o , p a r a x { 0, 1, 2, 3, 4 e 5 }

Os valores L x de 0 a 5 anos estão listados na Tabela 1. A amplitude relativa de 26,3%, calculada com os dados desta tábua, será considerada amplitude-padrão. Sendo 1880 o ano médio do período 1870-1890, para o qual Mortara calculou esta tábua, é de se supor que este critério incorpore mortalidade ligeiramente menor do que aquela que teria efetivamente ocorrido oito anos antes, em 1872.

TABELA 1
Tábua de vida. Anos-pessoa vividos em que cada idade (Lx ) e fração vivida pelos falecidos em cada idade (ax ) Brasil - 1870-1890

GRÁFICO 1
Amplitude relativa dos totais recenseados nas idades de 0 a 5 anos (homens livres e homens escravos), como múltiplo da amplitude padrão Município Neutro e Província do Rio de Janeiro - 1872

No Gráfico 1, de modo a enfatizar as enormes discrepâncias encontradas nos dados de cada freguesia, exprimimos estas amplitudes em múltiplos da amplitude-padrão obtida da tábua de vida. Fica claro que os dados publicados se mostram tão desencontrados que, entre os livres, a amplitude mediana é próxima de 4,8 vezes o valor-padrão (com média de 5,4 vezes) e, entre escravos, é de 6,2 vezes este padrão (com média de 6,7 vezes). Observa-se também que, em 98% das freguesias, a amplitude entre os dados para escravos é superior a 3 vezes o padrão. Entre os livres, 65% das freguesias ficam acima desse limite. Em resumo, nas primeiras idades, a qualidade do recenseamento de crianças cativas foi significantemente pior do que a dos livres, embora, em dois terços das freguesias, também o recenseamento de crianças livres tenha deixado muito a desejar quanto à precisão na anotação das idades.8 8 Devemos ter claro que a avaliação proposta aqui, que compara a amplitude nos dados publicados de cada freguesia com o mesmo indicador derivado da tábua Brasil 1870-1890, incorpora não somente eventuais erros na anotação das idades e sub ou superenumerações em cada idade - os problemas que desejamos identificar -, mas também discrepâncias devidas a efetivas irregularidades históricas nas distribuições etárias, consequências de aleatoriedade na natalidade, na mortalidade e, principalmente, nos fluxos migratórios, que supomos pouco relevantes, em conjunto, relativamente à irregularidade devida a erros censitários.

Desequilíbrio nos totais por sexo

Outra importante inconsistência nos dados do Censo de 1872 ocorre, em cada idade, entre os números publicados referentes a meninos e meninas. Avaliamos este problema, de modo agregado, pela proporção de freguesias cuja razão de sexo nas primeiras idades se enquadra num generoso limite de valores que consideramos mais prováveis (entre 90% e 110% da razão de sexo padrão para cada idade) em oposição àquelas que ficam abaixo ou acima desse limite. Na falta de tábuas relativas a anos anteriores a 1920 com valores separados por sexo, valemo-nos das tábuas do Distrito Federal mais 13 capitais, referentes a 1920, que foram calculadas por Bulhões Carvalho e posteriormente ajustadas por Mortara (1946MORTARA, G. Tábuas brasileiras de mortalidade e sobrevivência. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1946., p. 44-47), para calcular razões de sexo padronizadas para cada idade.9 9 A razão de sexo padronizada para a idade x foi calculada como rsx=1,05LxH/LxM, para x=0 a 5. Por faixa etária, este indicador foi calculado como rsY=1,05SYLYH/SYLYM, onde Y inclui as idades da faixa desejada. Não consideramos as tábuas calculadas por Arriaga (1976) referentes a 1872, por sexo, pois seu método, baseado em tábuas-modelo, impõe aos resultados as mortalidades específicas por idade dessas tábuas-modelos.

Como os recém-nascidos são reconhecidamente bastante subenumerados, distinguimos duas faixas etárias - uma de 0 a 1 ano e outra de 2 a 5 anos. Diferenças entre estas faixas surgem como mais relevantes no recenseamento dos escravos.

TABELA 2
Proporção das freguesias, segundo faixas de razão de sexo relativa à razão de sexo padrão Município Neutro e Província do Rio de Janeiro - 1872 Em porcentagem

Observa-se que, entre livres, somente cerca de um terço das freguesias apresenta dados minimamente coerentes quanto à proporção entre os sexos, para ambas as faixas etárias. Quanto a escravos, na faixa de 0 a 1 ano, somente 17% das freguesias encontram-se dentro do padrão aceitável, proporção que aumenta um pouco, para 27%, na faixa de 2 a 5 anos. No grupo de 0 a 1 ano de idade, em comparação com os livres, o fato de haver, entre escravos, maior proporção de freguesias abaixo do padrão significa que terá ocorrido maior subenumeração de meninos escravos do que de meninos livres. No conjunto de todas as idades até 5 anos, houve incontestável subenumeração de meninas: em cerca de dois terços das freguesias, para as livres, e em mais de 90%, para as cativas. Ou seja, na grande maioria das freguesias fluminenses, os dados do Censo de 1872 referentes às primeiras idades apresentam pouca coerência entre os totais ao longo das primeiras idades e também pouca coerência, em cada idade, entre os totais registrados por sexo.

Frente a resultados que apontam discrepâncias tão gritantes, surge a dúvida se de fato terá havido, em cada idade, esta enorme subenumeração de um ou de outro sexo apurada pelos cálculos. Nossa segura resposta positiva decorre de sabermos que os ajustes efetuados têm absoluto respaldo demográfico e abordam conhecidos problemas de recenseamento verificados na época. Entretanto, é preciso cautela ao procurar identificar fatos de um passado perdido sobre o qual só sobrevivem escassas evidências pontuais. Temos convicção de que houve, sim, grande subenumeração nas primeiras idades, principalmente de meninas, mas também sabemos que os parâmetros e as fórmulas que utilizamos para quantificar tais erros poderão, em cada freguesia, exagerar ou subestimar a realidade individual desconhecida, devido à particular combinação de realidade demográfica e erros de recenseamento verificada em cada paróquia. Mesmo tendo certeza dessa diversidade, consideramos que, com alta probabilidade, os dados ajustados se aproximam mais da realidade desconhecida do que os publicados.

A diversidade de configurações demográficas e de inconsistências censitárias

Diante desse quadro de acúmulo de vários tipos de inconsistências, certamente decorrentes de omissões de recenseamento e de imprecisões na anotação de idades, somos levados a procurar procedimentos que possam ajustar os dados da melhor forma. Em etapa preliminar da pesquisa, aplicamos um critério uniforme a todas as freguesias, o que, no entanto, se mostrou claramente impreciso para muitas delas, resultando em quantidades ajustadas improváveis e, daí, em indicadores de natalidade e fecundidade irreais. Em vista dessa variedade de casos, optamos por analisar individualmente os tipos de situações encontradas em cada freguesia, com o objetivo de chegar a ajustes específicos, apropriados a cada configuração demográfica e aos tipos de inconsistência no recenseamento local. É ampla a diversidade de combinações de erros censitários e de configurações demográficas em cada paróquia.

Apresentamos a seguir alguns casos ilustrativos dessas configurações e prováveis erros, que, do ponto de vista metodológico, deixam evidente a necessidade de ajustes individualizados por freguesia e, na perspectiva historiográfica, reforçam a diversidade demográfica do mosaico populacional fluminense, fato que aponta para a demanda de estudos monográficos sobre o tema. Nos gráficos, referentes a freguesias selecionadas, representamos os totais publicados para a população livre, nas idades de 0 a 15 anos, bem como as correspondentes razões de sexo em cada idade. Entre os escravos, as irregularidades encontradas foram significantemente mais acentuadas.

Começamos com um caso de óbvia subenumeração feminina. No Gráfico 2, observam-se os totais de recenseados para a freguesia de São José, no centro da cidade do Rio de Janeiro, em que fica clara uma enorme subenumeração de meninas livres, em todas as primeiras idades.

GRÁFICO 2
Livres recenseados e razões de sexo, segundo idade Município Neutro, Freguesia de São José - 1872

Tratando-se de centro urbano e portuário, a maioria masculina não chega a ser surpresa, mas surpreende, sim, que pudesse ter ocorrido tal maioria desde as primeiras idades. No Gráfico 2 também estão representadas as razões de sexo, em cada idade, na freguesia e, como referência, na tábua de vida Brasil 1870-1890. Analisando as incoerências nos totais publicados, verifica-se que as diferenças existentes até os dez anos são tão grandes que não poderiam ter ocorrido simplesmente por aleatoriedade estatística, fato espelhado na curva de razões de sexo. Por outro lado, sabemos que, a partir dos dez anos, torna-se mais provável ter havido imigração seletiva de jovens homens, o que poderia ter gerado totais próximos das quantidades publicadas. Para ajustar os dados desta freguesia, deveremos supor que, de fato, boa parte das meninas de até dez anos não tenha sido contada.

Na freguesia de N. S. da Guia de Pacopaíba, no município de Estrela, ao fundo da baía de Guanabara, encontramos configuração na qual o efeito migratório parece atuar com força: os totais de 0 a 5, de 6 a 10 e de 11 a 15 anos aparecem com tamanhos sucessivamente maiores, contrariando o que seria esperado numa população fechada a migrações. Sabendo que Estrela, devido à sua função como entreposto intermediário entre o transporte aquaviário e o terrestre, foi uma das localidades de maior movimentação populacional da província, seja rotineira, seja migratória, podemos pensar ter-se verificado nesta freguesia imigração mais relevante em idades abaixo dos dez anos. Antes de afirmarmos isso, contudo, vejamos se estes números podem ser considerados minimamente confiáveis. No Gráfico 3, observa-se que os recenseados aparecem em números crescentes conforme avança a idade, isto é, em proporção inversa àquela que seria decorrente exclusivamente da mortalidade, possivelmente refletindo a ocorrência, em anos anteriores ao do censo, de relevante imigração de crianças e jovens. Vejamos, no entanto, as inconsistências nas quantidades recenseadas de cada sexo.

GRÁFICO 3
Livres recenseados e razões de sexo, segundo idade Município de Estrela, Freguesia de N. S. da Guia de Pacopaíba - 1872

Também no Gráfico 3 verifica-se, para idades mais velhas, de 11 a 15 anos, uma razão de sexo média de 1,26 homens por mulher, valor absolutamente plausível para uma região de forte imigração de homens solteiros. Nas idades intermediárias, de 6 a 10 anos (que, lembramos, constituem uma única faixa etária na publicação), o número de meninas é maior do que o esperado, seja para uma população fechada, seja para uma população com imigração (quase sempre majoritariamente masculina). E, nas primeiras idades, observa-se fortíssima subenumeração dos meninos de 0, 1 e 2 anos; depois uma concentração igualmente irreal de meninos de 3 e 4 anos, retornando a subenumeração para os meninos de cinco anos. Na média de 0 a 5 anos, a razão de sexo fica em 0,77 meninos por menina, valor pouco provável em geral e também para uma zona de imigração.

Mais relevante do que as razões de sexo, entretanto, talvez seja a pequena quantidade de crianças de 0 a 5 anos recenseadas: 17 meninos e 22 meninas, em comparação com 123 meninos e 137 meninas na faixa seguinte, de 6 a 10 anos. A subenumeração generalizada de crianças pequenas parece ser o erro mais provável. Esta configuração demográfica é tão extrema que procuramos avaliar seu nível de plausibilidade por meio do indicador de “crianças por mulher”.

Como convencional, calculamos duas combinações de idades: o número de crianças de 0 a 5 anos por mil mulheres de 16 a 40 anos; e o número de crianças de 0 a 10 anos por mil mulheres de 16 a 50 anos. Fica corroborada nossa impressão de omissão no recenseamento. A freguesia de N. S. da Guia de Pacopaíba apresenta o menor valor desses indicadores entre todas as 136 freguesias fluminenses, correspondendo, respectivamente, a 9,9% e 10,9% da média desses indicadores para o conjunto das freguesias fluminenses. Ou o número de mães recenseadas na freguesia foi de fato muito pequeno, ao lado de uma grande maioria de mulheres sem filhos, possibilidade que, nesta localidade com forte atividade comercial e de transportes, não pode ser abandonada liminarmente; ou houve fortíssima subenumeração de crianças pequenas de ambos os sexos; ou ainda, é claro, combinação desses dois fenômenos. Será que, numa freguesia reconhecidamente de pouquíssimas crianças, os recenseadores já nem insistiam em saber se existiam? Enquanto os adultos certamente se concentravam próximos ao pequeno centro “urbano” e portuário, as famílias com crianças pequenas provavelmente morariam em locais mais afastados e eventualmente não visitados pelos recenseadores ou não informados a eles? Sendo impossível obtermos certeza do acontecido historicamente, supomos terem ocorrido tanto fenômenos sociodemográficos de antisseleção de mães e favoráveis à presença de mulheres solteiras na localidade, quanto grande subenumeração de crianças em geral, no recenseamento.

A freguesia de São Sebastião de Campos, caracterizada pela produção de açúcar e alimentos em geral, oferece configuração etária de provável estabilidade nas primeiras idades, combinada com alguma imigração de jovens a partir dos 11 anos. No Gráfico 4, observa-se que os totais das crianças com menos de um ano parecem verossímeis, enquanto a quase igualdade ao longo das idades seguintes, de 1 a 10 anos, foge bastante ao padrão que seria imposto pela alta mortalidade infantil da época. Os totais na faixa de 11 a 15 anos, bem superiores aos de 6 a 10 anos, provavelmente correspondem à imigração de jovens em número superior ao de eventual imigração em idades mais novas. No entanto, a distribuição entre os sexos nas idades até dez anos (à direita) mostra-se completamente improvável, com maior quantidade de meninas do que de meninos em todas essas idades. Conforme publicados, esses dados não têm qualquer plausibilidade demográfica. Investigação mais acurada talvez possa indicar se estas inconsistências se devam mais à subenumeração de meninos ou à superenumeração de meninas, sendo este último um caso bastante raro. O pico de meninas com cinco anos reflete a atração por esta idade e certamente inclui aquelas com idades de 3 a 7 anos. É estranho, contudo, ter sido anotado nesta idade um exagero somente de meninas.

GRÁFICO 4
Livres recenseados e razões de sexo, segundo idade Município de Campos, Freguesia de São Sebastião - 1872

Na freguesia de N.S. de Nazaré, em Saquarema, região costeira de pequena atração imigratória e de economia focada na produção de subsistência, com comercialização de pequenos excedentes, observa-se conformação etária parecida com a anterior, porém, com algumas características diferenciadas. Há maiores quantidades recenseadas de ambos os sexos nas idades de 1 a 10 anos, com forte pico nos cinco anos, aqui de ambos os sexos, como usual (Gráfico 5). Enquanto em São Sebastião a faixa de 11 a 15 anos mostra 160% mais homens e 87% mais mulheres do que na faixa de 6 a 10, em N.S. de Nazaré estes percentuais ficam em torno de 60% para ambos. Ou seja, parece haver estabilidade vegetativa em ambas as paróquias, mas São Sebastião teria sido polo atrator de imigração mais forte do que N.S. de Nazaré. No entanto, a sistemática maioria feminina em todas essas idades, dos 0 aos 15 anos, levanta forte suspeita de subenumeração masculina, pelo menos até os dez anos.

Em São Pedro e São Paulo, de Paraíba do Sul, freguesia do Vale do Paraíba do Sul, na fronteira com Minas Gerais, onde predominou a economia do café, temos evidência de população com mínima migração nas idades até os 15 anos (totais recenseados em cada idade decrescentes), porém, com importante subenumeração de meninas de 0 a 2 anos, o que se reflete em valores irreais da razão de sexo nessas idades (Gráfico 6).

GRÁFICO 5
Livres recenseados e razões de sexo, segundo idade Município de Saquarema, Freguesia de N. S. de Nazaré − 1872

A contagem dos meninos, por outro lado, parece plausível, com exceção da subenumeração dos 6 aos 10 anos, mesmo se levarmos em consideração que os dados nas idades de 6 a 15 anos foram publicados em faixas quinquenais, sem possibilidade de conhecermos sua distribuição por idades anuais. De todo modo, fica claro que a freguesia seria região de população em evolução estável, com perfil etário bastante próximo ao esperado de uma população pouco sujeita a fluxos migratórios.

GRÁFICO 6
Livres recenseados e razões de sexo, segundo idade Município de Paraíba do Sul, Freguesia de São Pedro e São Paulo − 1872

Ao apresentar estes exemplos pontuais, nosso objetivo foi expor parte da grande diversidade de combinações de configurações demográficas, bem como de claros erros de recenseamento que enfrentamos nos dados de 1872, o que torna complexa a tarefa de ajuste. Fica evidente a necessidade de os critérios de ajuste serem aplicados de modo específico e individualizado a cada configuração demográfica e aos tipos de erro encontrados em cada freguesia. Vejamos quais seriam os critérios mais defensáveis para efetuarmos os ajustes necessários à mitigação desses prováveis erros de recenseamento.

Os ajustes propostos

Constatada a existência dessas inúmeras incoerências quantitativas, somos forçados a buscar caminhos metodológicos para chegar, senão à sua eliminação, pelo menos à redução do problema. O reequilíbrio preliminar de ingênuos foi descrito acima. Ajustar as incoerências simultâneas entre idades e sexos exige critérios e cálculos mais apurados.

Devemos enfatizar que as avaliações apresentadas anteriormente indicam haver incoerências nos dados com relação às proporções por idade e entre os sexos relativamente às que seriam esperadas numa população infantil fechada a migrações e que seguisse perfeitamente os parâmetros adotados de mortalidade. Não cremos, é claro, que as populações recenseadas em 1872 tenham seguido à risca tal conformação sociodemográfica. A diversidade histórica é fato indiscutível. O que esperamos ter apontado é o alto grau de incoerência dos dados, em níveis muito acima de qualquer presunção do que possa ter sido o provável nas situações históricas brasileiras. Assim, é forçoso admitir que os dados conforme publicados incorporam erros que prejudicam de modo absoluto qualquer tentativa de entender fenômenos demográficos diretamente associados à idade, como a mortalidade e a fecundidade e, mesmo, as migrações. E mais, os ajustes necessários deverão ser construídos caso a caso, pois também é inegável que cada freguesia tem suas especificidades demográficas e de erros censitários.

Conforme mencionado anteriormente, os critérios que propomos para efetuar tais ajustes nos totais censitários infantis aproveitam parte da informação publicada, para alterar as partes consideradas falhas. Definida a faixa etária de maior credibilidade (e, simultaneamente, de menor probabilidade de erro), podemos calcular, segundo a tábua de mortalidade adotada, qual o número necessário de nascimentos para que tivesse sobrevivido a quantidade total de indivíduos recenseados nesta faixa. Ou seja, a partir de parte da informação censitária que reputamos mais precisa, estimamos uma informação que não consta do censo, nem que podemos encontrar, com a mesma ampla cobertura geográfica e social do censo, em fontes individualizadas, tais como os registros paroquiais.10 10 Comentamos a comparação de dados censitários com dados extraídos de registro paroquiais na nota 4.

Tendo calculado o número mais provável de nascimentos, surge nova surpresa, que contradiz o fato de que nascem, em média, 5% mais meninos do que meninas: no conjunto das freguesias, as estimativas obtidas para nascimentos masculinos e femininos raramente se conformam a essa proporção média.

Defrontamo-nos, portanto, com a necessidade de realizar mais um ajuste, de modo a equiparar demograficamente os totais por sexo, já que pretendemos construir estimativas que representem a mais provável população infantil. Não se justifica a possibilidade alternativa de que, em muitas ou mesmo em somente algumas freguesias, teria sido possível, como média estatística de várias dezenas ou centenas de nascimentos, haver grande excesso de nascimentos femininos. Fazemos este ajuste, portanto, adotando como estimativa para o número de nascimentos masculinos o maior valor entre: a própria estimativa de nascimentos de meninos; ou a estimativa de nascimentos de meninas multiplicada por 1,05. Ao efetuarmos este ajuste, o número de meninas nascidas e, portanto, também daquelas vivas nas primeiras idades calculadas a partir do total de nascimentos pode assumir valores bastante superiores àqueles registrados no censo. Por elevar significativamente o número de nascimentos, este ajuste terá importante repercussão sobre a fecundidade das mulheres em cada freguesia, calculada sobre as quantidades ajustadas. Mais uma vez, devemos advertir que, apesar de eventualmente resultar em ajustes bem mais altos do que os números censitários, cremos que a realidade demográfica fluminense de 1872 tem maior probabilidade de ter estado próxima das estimativas propostas do que dos números publicados.

Como último ajuste, aplicamos uma sequência de médias móveis para “suavizar” as curvas nas idades a partir de cinco anos e na passagem entre o número calculado de crianças até cinco anos e os dados publicados nas faixas de idade seguintes. Esse ajuste manteve a população total de 0 a 5 anos, mas pode ter gerado pequena alteração na faixa de 6 a 10 anos, de modo a produzir uma distribuição etária com continuidade plausível, como mostram os Gráficos 7 e 8.

Como padrão para estimar o número de nascimentos, foi adotada a soma das idades de 0 a 5 anos, quando os totais publicados para 0 a 1 ano são iguais ou superiores aos de 2 a 5 anos. Caso contrário, isto é, quando houve evidente subenumeração nas duas primeiras idades, recorremos à soma somente das idades de 2 a 5 anos como quantidade de referência. Esta última situação foi mais frequentemente encontrada para os dados de escravos, enquanto o padrão “soma de 0 a 5 anos” foi mais comum entre livres. Insistimos que, embora tendo eventualmente gerado importantes faltas ou excessos em certas freguesias, este critério é o que melhor aproveita os dados censitários, isto é, o que mais “acredita no recenseamento” e, simultaneamente, impõe aos dados ajustados proporções justificáveis enquanto fenômenos demográficos. A partir deste padrão, estimamos o número de nascidos e os sobreviventes nos primeiros anos conforme a tábua de vida Brasil 1870-1890.11 11 Usar esta tábua de vida (MORTARA, 1946), que representa a mortalidade geral dos brasileiros natos no ano médio de 1880, subestima o número de nascimentos em 1872, principalmente de escravos, certamente submetidos a uma mortalidade infantil bem superior à média. Esses ajustes foram executados freguesia a freguesia, para a população livre e para escravos, ou seja, para 272 conjuntos de dados, representando os dois grupos sociais nas 136 freguesias.

Apesar de a população fluminense, como um todo e em muitas de suas freguesias, estar em crescimento vegetativo (além do imigratório), não consideramos um fator de crescimento ao calcular o número de nascimentos a partir de uma média do número de vivos nas faixas etárias de 0 a 5 ou de 2 a 5 anos. Com este procedimento, chegamos a estimativas do número médio de nascidos nos seis anos anteriores ao censo muito provavelmente inferiores às médias históricas. Ou seja, com relação a esse aspecto, os ajustes propostos aqui subestimam a subenumeração ocorrida no recenseamento de 1872.

As distribuições etárias estimadas a partir do Censo de 1872

A seguir, comparamos graficamente os dados ajustados com os publicados, tornando explícitas suas diferenças para o total da população fluminense.

Ficam claros os erros nas primeiras idades, nos quais concentramos nossos ajustes, bem como o efeito da suavização das curvas por médias móveis, relativamente aos degraus etários nos quais foram publicados os resultados do censo. As “barrigas” aparentes nas idades entre 15 e 30 anos, nos quatro grupos por sexo e condição social, representam o excesso de imigrantes jovens e adultos relativamente à população local, em crescimento vegetativo (Gráficos 7 e 8). A população fluminense, de fato, cresceu por imigração durante boa parte do século XIX.12 12 Vale lembrar que, nas idades de 0 a 10 anos, as curvas foram ajustadas pelo número estimado de nascimentos a partir das quantidades do próprio sexo, nas idades de 0 a 5 ou de 2 a 5 anos, ou, caso tenha havido forte subenumeração em relação ao outro sexo, a partir das quantidades proporcionais aos nascimentos do outro sexo.

Nas curvas etárias referentes à população cativa, transparece a enorme subenumeração nas primeiras idades, ainda mais expressiva do que aquelas verificadas entre os livres e somente em pequena parte devido à ausência de ingênuos. A partir dos 15 anos, nossas estimativas só suavizaram os degraus etários, sem alterar os totais publicados no censo.

GRÁFICO 7
Totais publicados e ajustados da população livre, por sexo, segundo idade Província do Rio de Janeiro e Município Neutro - 1872

GRÁFICO 8
Totais publicados e ajustados da população escrava, por sexo, segundo idade Província do Rio de Janeiro e Município Neutro - 1872

Algumas características dos erros censitários

Ao calcularmos as diferenças percentuais médias, segundo os grupos sociais, chegamos aos resultados apresentados na Tabela 3, para o conjunto das freguesias fluminenses.

TABELA 3
Erro percentual médio entre as quantidades ajustadas e publicadas, na faixa de 0 a 5 anos, por grupo social Município Neutro e Província do Rio de Janeiro (136 freguesias) − 1872

Esses resultados confirmam a opinião usual de que crianças escravas eram mal recenseadas, com erros significantemente maiores do que as livres, e que meninas eram mais comumente subenumeradas do que meninos, o que se verifica em ambas as condições sociais.

Ao calcularmos médias segundo grupamentos geográficos, no entanto, não sobressaem resultados que permitam conclusões definitivas. Para ilustrar isso, mencionamos as médias destoantes - para mais ou para menos - como múltiplos do erro médio fluminense em cada grupo social. Entre homens livres, houve erro médio 4,2 vezes maior em Petrópolis e 80% maior na Costa Oeste do que na média da província mais Município Neutro. Entre mulheres livres, destacam-se como regiões de menor erro médio relativamente ao total: Petrópolis (-80%), Costa Oeste (-60%) e Norte (-40%). Entre homens cativos, a região urbana apresentou erro 60% maior. Entre escravas, o Vale Oeste teve erro médio 30% maior e a Costa Oeste, erro médio 40 menor.

Cremos haver demonstrado, por meio de diversos indicadores, as inconsistências existentes nas primeiras idades nos dados do Censo de 1872 para as freguesias fluminenses e a consequente necessidade de realização de ajustes nos dados publicados antes de se proceder a análises demográficas mais precisas, seja com base nos totais nas primeiras idades, seja na população agregada de todas as idades. Consideramos bastante provável esse resultado repetir-se nas demais paróquias brasileiras.

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  • SLENES, R. W. The demography and economics of Brazilian slavery: 1850-1888. Thesis (Ph.D) − University of Chicago, Chicago, 1975.
  • 1
    Referindo-se somente a comentaristas a partir de meados do século XX, entre diversos trabalhos que abordam problemas nas atividades censitárias e nos resultados do Censo de 1872, Mortara (1940aMORTARA, G. Estudos sobre a utilização do censo demográfico para a reconstrução das estatísticas do movimento da população do Brasil. II − Conjecturas sobre os níveis da natalidade e da mortalidade no Brasil no período 1870-1920. Revista Brasileira de Estatística, v. 1, n. 2, p. 229-242, 1940a. Disponível em: http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/periodicos/111/rbe_1940_v1_n2.pdf Acesso em: 19-mai-2015.
    http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizac...
    , 1940b), além de outros textos seus, foca nas discrepâncias nas distribuições etárias; Arriaga (1976ARRIAGA, E. E. New life tables for Latin American populations in the nineteenth and twentieth centuries. Westport, Conn: Greenwood Press-University of California, 1976 [1968].[1968]) demonstra subenumeração infantil; Slenes (1975SLENES, R. W. The demography and economics of Brazilian slavery: 1850-1888. Thesis (Ph.D) − University of Chicago, Chicago, 1975.) examina em detalhe a coerência dos dados sobre escravos recenseados em comparação com as estatísticas das matrículas; Martins (1980MARTINS, R. B. Growing in silence: the slave economy of nineteenth-century Minas Gerais, Brazil. Thesis (Ph.D of Philosophy in Economics) − Vanderbilt University, Nashville, Tennessee 1980.), Paiva e M. C. Martins (1983PAIVA, C. de A.; MARTINS, M. do C. S. Notas sobre o censo brasileiro de 1872. In: SEMINÁRIO SOBRE ECONOMIA MINEIRA, 2. 1983. Anais [...]. Diamantina: Cedeplar/Face/UFMG, 1983. p. 149-163. Disponível em: https://diamantina.cedeplar.ufmg.br/portal/content/1983/anais_Diamantina1983.pdf. Acesso em: 29 ago. 2021.
    https://diamantina.cedeplar.ufmg.br/port...
    ) e Paiva e R. B. Martins (1983) tratam das condições de recenseamento e apuração, explicitando, entre outros problemas, as diferentes datas-base em cada província, a omissão de paróquias e as inconsistências quantitativas na agregação freguesias-província-Império e nas totalizações por categorias; Paiva, Godoy e Rodarte (2012RODARTE, M. M. S.; PAIVA, C. A.; GODOY, M. M. O Recenseamento Geral do Império do Brasil de 1872: uma análise da consistência e uma proposta de correção dos dados. In: ENCONTRO NACIONAL DE ESTUDOS POPULACIONAIS, 28. Anais [...]. Águas de Lindóia, SP: Abep, 2012.) expõem de modo compreensivo trabalhos de análise e ajuste efetuados ao longo de três décadas. Rodarte e Santos Jr. (2008) e Rodarte, Paiva e Godoy (2012) discutem principalmente a coerência dos totais classificados por categorias; Bissigo (2014BISSIGO, D. N. A “eloquente e irrecusável linguagem dos algarismo”: a estatística no Brasil imperial e a produção do recenseamento de 1872. Dissertação (Mestrado em História) − Programa de Pós-graduação em História (PPGH), Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Florianópolis, 2014., 2015, 2017) e Camargo (2018CAMARGO, A. de P. R. O censo de 1872 e a utopia estatística do Brasil imperial. História Unisinos, v. 22, n. 3, p. 414-428, 2018. Disponível em: http://revistas.unisinos.br/index.php/historia/article/view/htu.2018.223.07. Acesso em: 02 set. 2021.
    http://revistas.unisinos.br/index.php/hi...
    ), entre outros, abordam aspectos sociológicos das categorias empregadas no censo e sua relevância para o entendimento das estruturas sociais oitocentistas.
  • 2
    Como exemplos, em vários momentos das últimas décadas, de textos com temas abrangentes e que se valem sem ajustes quantitativos dos totais publicados no censo de 1872, podemos citar Klein (1969KLEIN, H. S. The colored freedmen in Brazilian slave society. Journal of Social History, v. 3, n. 1, p. 30-52, 1969. Disponível em: https://web.stanford.edu/~hklein/Colored_Freedmen_Brazil_JSH_1969.pdf. Acesso em: 02 set. 2021.
    https://web.stanford.edu/~hklein/Colored...
    ), Leff e Klein (1974LEFF, N. H.; KLEIN, H. S. O crescimento da população não europeia antes do início do desenvolvimento: o Brasil do século XIX. Anais de História, v. 6, p. 51-70, 1974.), Merrick e Graham (1980MERRICK, T.; GRAHAM, D. População e desenvolvimento no Brasil: uma perspectiva histórica. In: NEUHAUS, P. (coord.) Economia brasileira: uma visão histórica. Rio de Janeiro: Campus, 1980. p.45-88.), Oliveira (1997OLIVEIRA, J. P. de. Pardos, mestiços ou caboclos: os índios nos censos nacionais no Brasil (1872-1980). Horizontes Antropológicos, v. 3, n. 6, p. 61-84, 1997. Disponível em: https://www.scielo.br/j/ha/a/fh9cpRfmbxt4QNkmvnZyffg/?format=pdf⟨=pt. Acesso em: 02 set. 2021.
    https://www.scielo.br/j/ha/a/fh9cpRfmbxt...
    ), Livi Bacci (2002), Melo (2008MELO, H. P. de. A Zona Rio Cafeeira: uma expansão pioneira. Revista Brasileira de Gestão e Desenvolvimento Regional, v. 4, n. 3, p. 49-82, 2008. Disponível em: http://www.rbgdr.net/extra_n02/artigo3.pdf. Acesso em: 01 set. 2021.
    http://www.rbgdr.net/extra_n02/artigo3.p...
    ) e Papadia (2019PAPADIA, A. Slaves, migrants and development in Brazil, 1872-1923. EH.net, Economic History Association, 2019. Disponível em: https://www.eh.net/eha/wp-content/uploads/2019/06/Papadia.pdf. Acesso em: 02 set. 2021.
    https://www.eh.net/eha/wp-content/upload...
    ).
  • 3
    Iniciados em 1980, sucessivos projetos dedicaram-se à digitalização de dados, à checagem de somas e à verificação e ajuste da coerência interna entre os totais publicados nas várias tabelas do censo (MARTINS, 1980MARTINS, R. B. Growing in silence: the slave economy of nineteenth-century Minas Gerais, Brazil. Thesis (Ph.D of Philosophy in Economics) − Vanderbilt University, Nashville, Tennessee 1980.; PAIVA; M. C. MARTINS, 1983PAIVA, C. de A.; MARTINS, M. do C. S. Notas sobre o censo brasileiro de 1872. In: SEMINÁRIO SOBRE ECONOMIA MINEIRA, 2. 1983. Anais [...]. Diamantina: Cedeplar/Face/UFMG, 1983. p. 149-163. Disponível em: https://diamantina.cedeplar.ufmg.br/portal/content/1983/anais_Diamantina1983.pdf. Acesso em: 29 ago. 2021.
    https://diamantina.cedeplar.ufmg.br/port...
    ; PAIVA; R. B. MARTINS, 1983). Em 2004, os dados totalizados e revistos até então foram publicados em CD-ROM pelo Cebrap, São Paulo (PUNTONI, 2004PUNTONI, P. Os recenseamentos do século XIX: um estudo crítico. In: PUNTONI, P. (org.). Os recenseamentos gerais do Brasil no século XIX: 1872 e 1890. CD-ROM. São Paulo: Cebrap, 2004.). Em 2012, resultados mais apurados passavam a ser publicados no site http://www.nphed.cedeplar.ufmg.br, criticados e disponibilizados para o público de modo interativo (PAIVA; GODOY; RODARTE, 2012RODARTE, M. M. S.; PAIVA, C. A.; GODOY, M. M. O Recenseamento Geral do Império do Brasil de 1872: uma análise da consistência e uma proposta de correção dos dados. In: ENCONTRO NACIONAL DE ESTUDOS POPULACIONAIS, 28. Anais [...]. Águas de Lindóia, SP: Abep, 2012.).
  • 4
    Uma primeira dificuldade comparativa é a necessidade de se empregar - pelo lado dos registros paroquiais - tanto os registros de batismos quanto de óbitos, para se chegar ao número de vivos na época do censo. Os registros de batismos são usualmente considerados bastante completos, embora sua cobertura dos primeiros meses seja reconhecidamente problemática, haja vista a importante quantidade de batismos realizados em crianças com mais de três meses. Sabendo que é nesse período que se concentra a maior proporção de óbitos, ficamos assim com um problema duplicado: crianças que morrem antes de serem batizadas, com grande probabilidade de também não terem seu óbito registrado. No caso de escravos, principalmente antes de setembro de 1871, essa situação deve ter sido majoritária. Como seria feita uma comparação entre ambas as fontes tendo, de um lado, crianças que morrem sem batismo e - em parte - sem registro de óbito e, de outro, crianças nunca registradas no censo? Ou seja, é certo haver um conjunto de crianças omitidas de ambas as fontes! O uso de parâmetros demográficos gerais, combinando o censo com uma tábua de mortalidade adequada, pode identificar e aproximar da melhor forma uma solução para essa lacuna nas fontes. É o que propomos neste texto.
  • 5
    Como exemplo dessas dificuldades, na França no início do século XIX, J. Dupâquier (1974DUPÂQUIER, J. Introduction à la démographie historique. Paris: Gamma, 1974., p. 40-41) relata como Etienne van der Walle precisou recorrer a importantes ajustes aos dados etários oficiais antes de poder calcular taxas de fecundidade e de nupcialidade.
  • 6
    Os dados publicados no Censo de 1872 referentes a crianças que ainda não haviam completado um ano de idade sofrem de um erro grave, que é não apresentar quantidades para crianças menores de um mês de idade. É de se supor que estas tenham sido incluídas na menor idade, de um mês completo.
  • 7
    Em seus trabalhos de ajuste dos censos, Mortara assume postura bastante conservadora, supondo que a população infantil até os dez anos tenha sido totalmente recenseada, sem subenumeração, ficando os totais por idade imprecisos apenas por erros na anotação de idades. A revisão desses totais feita por Arriaga (1976ARRIAGA, E. E. New life tables for Latin American populations in the nineteenth and twentieth centuries. Westport, Conn: Greenwood Press-University of California, 1976 [1968].[1968]) mostra que teria havido, sim, subenumeração nos vários censos de 1872 a 1920.
  • 8
    Devemos ter claro que a avaliação proposta aqui, que compara a amplitude nos dados publicados de cada freguesia com o mesmo indicador derivado da tábua Brasil 1870-1890, incorpora não somente eventuais erros na anotação das idades e sub ou superenumerações em cada idade - os problemas que desejamos identificar -, mas também discrepâncias devidas a efetivas irregularidades históricas nas distribuições etárias, consequências de aleatoriedade na natalidade, na mortalidade e, principalmente, nos fluxos migratórios, que supomos pouco relevantes, em conjunto, relativamente à irregularidade devida a erros censitários.
  • 9
    A razão de sexo padronizada para a idade x foi calculada como rsx=1,05LxH/LxM, para x=0 a 5. Por faixa etária, este indicador foi calculado como rsY=1,05SYLYH/SYLYM, onde Y inclui as idades da faixa desejada. Não consideramos as tábuas calculadas por Arriaga (1976ARRIAGA, E. E. New life tables for Latin American populations in the nineteenth and twentieth centuries. Westport, Conn: Greenwood Press-University of California, 1976 [1968].) referentes a 1872, por sexo, pois seu método, baseado em tábuas-modelo, impõe aos resultados as mortalidades específicas por idade dessas tábuas-modelos.
  • 10
    Comentamos a comparação de dados censitários com dados extraídos de registro paroquiais na nota 4.
  • 11
    Usar esta tábua de vida (MORTARA, 1946MORTARA, G. Tábuas brasileiras de mortalidade e sobrevivência. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1946.), que representa a mortalidade geral dos brasileiros natos no ano médio de 1880, subestima o número de nascimentos em 1872, principalmente de escravos, certamente submetidos a uma mortalidade infantil bem superior à média.
  • 12
    Vale lembrar que, nas idades de 0 a 10 anos, as curvas foram ajustadas pelo número estimado de nascimentos a partir das quantidades do próprio sexo, nas idades de 0 a 5 ou de 2 a 5 anos, ou, caso tenha havido forte subenumeração em relação ao outro sexo, a partir das quantidades proporcionais aos nascimentos do outro sexo.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Maio 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    01 Jul 2021
  • Aceito
    01 Nov 2021
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