Open-access Dinâmica intergeracional de ocupação e educação no Brasil em lares biparentais: uma análise a partir da PNAD 2014

Intergenerational dynamics of occupational and educational stratification in two-parent households in Brazil: an analysis based on the 2014 PNAD

Dinámica intergeneracional de ocupación y educación en Brasil en hogares biparentales: un análisis basado en la PNAD 2014

Resumo

O presente estudo tem como objetivo identificar os efeitos da diferença educacional e ocupacional entre pai e mãe sobre a dinâmica intergeracional (educacional e ocupacional) e a probabilidade de o indivíduo pertencer ao estrato inferior de educação e/ou ocupação. O estudo tem como base as informações da Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios (PNAD) de 2014. O artigo se valeu de instrumentos de tratamento de dados paramétricos e não paramétricos. Do lado não paramétrico, foram construídas matrizes de transição markovianas com o intuito de obter indicadores de mobilidade e medidas de persistência por faixa de renda e escolaridade. Do lado paramétrico, foi estimado um modelo probit bivariado com o objetivo de obter informações a respeito dos determinantes da mobilidade condicionada a características dos pais, considerando o nível educacional e ocupacional. Os resultados sugerem que o fato de a mãe pertencer a um estrato superior ao do pai promove uma maior mobilidade, seja para educação, seja para ocupação. Observou-se que quanto maior for a escolaridade da mãe em relação à do pai, não só mais escolarizado será o filho, mas menor será a probabilidade de o filho pertencer ao estrato inferior de educação e/ou de ocupação.

Palavras-chave:
Mobilidade intergeracional; Educação; Ocupação; Processos de Markov; Probit bivariado

Abstract

The present study aims to identify the effects of educational and occupational disparities between fathers and mothers on intergenerational dynamics-specifically educational and occupational mobility-and on the probability of individuals belonging to the lower educational and/or occupational strata. The analysis is based on data from the 2014 National Household Sample Survey. Both parametric and non-parametric analytical methods were employed. On the non-parametric side, Markov transition matrices were constructed to derive mobility indicators and persistence measures across income and education levels. On the parametric side, a bivariate probit model was estimated to assess the determinants of mobility conditioned on parental characteristics, particularly their educational and occupational levels. The results suggest that when the mother belongs to a higher stratum than the father, intergenerational mobility-both educational and occupational-is more likely. Furthermore, it was observed that the higher the mother’s educational attainment relative to the father’s, the greater the likelihood that the child will achieve higher education levels, and the lower the probability that the child will remain in the lower educational and/or occupational strata.

Keywords:
Intergenerational mobility; Education; Occupation; Markov process; Bivariate probit

Resumen

El presente estudio tiene como objetivo identificar los efectos de las disparidades educativas y ocupacionales entre el padre y la madre sobre la dinámica intergeneracional -tanto educativa como ocupacional- y sobre la probabilidad de que el individuo pertenezca al estrato más bajo en términos de educación y/o ocupación. El análisis se basa en datos de la Encuesta Nacional por Muestreo de Hogares de 2014. Se utilizaron herramientas de análisis tanto paramétricas como no paramétricas. En el enfoque no paramétrico, se construyeron matrices de transición de Markov con el fin de obtener indicadores de movilidad y medidas de persistencia según nivel de ingresos y escolaridad. En el enfoque paramétrico, se estimó un modelo probit bivariado para analizar los determinantes de la movilidad condicionada a las características parentales, considerando los niveles educativo y ocupacional. Los resultados sugieren que cuando la madre pertenece a un estrato más alto que el padre, se favorece una mayor movilidad intergeneracional, ya sea educativa u ocupacional. Asimismo, se observó que cuanto mayor es el nivel educativo de la madre en relación con el del padre, mayor es la probabilidad de que el hijo alcance un mayor nivel de escolaridad, y menor la probabilidad de que pertenezca al estrato más bajo en términos educativos y/o ocupacionales.

Palabras clave:
Movilidad intergeneracional; Educación; Ocupación; Procesos de Markov; Probit bivariado

Introdução

A educação é uma das variáveis fundamentais para a análise da dinâmica socioeconômica, seja em um nível mais agregado, seja na tomada de decisão dos agentes. Em uma perspectiva macroeconômica ou mesmo regional, e educação é um dos fatores mais importantes para explicar o desenvolvimento socioeconômico. No campo das decisões individuais, a educação constitui forte preditor dos rendimentos que o indivíduo irá receber ao longo de sua vida. Nesse contexto, constata-se a importância do estudo da mobilidade educacional para uma melhor compreensão dos impactos da educação tanto sobre o agregado quanto sobre o indivíduo. Um outro aspecto relevante é a relação intrínseca entre mobilidade educacional e mobilidade de renda ou de ocupação.

No entanto, o estudo sobre a mobilidade educacional deve levar em conta dois aspectos. Em primeiro lugar, é preciso considerar a qualidade do aprendizado e o desenvolvimento de habilidades não relacionadas diretamente à educação formal. Um grande obstáculo em relação a esse aspecto é a dificuldade em mensurar a qualidade do ensino e o desenvolvimento de habilidades requeridas pelo mercado de trabalho.

Em segundo lugar, a relação entre mobilidade na educação e mobilidade na renda (ou de ocupação) depende, em especial, de como os mercados de trabalho recompensam as habilidades e como as conexões dos pais afetam as oportunidades econômicas - fatores que podem variar entre as economias e ao longo do tempo. Esse último aspecto indica que a mobilidade educacional depende de elementos internos (background familiar) e externos, relacionados aos aspectos presentes no local onde a família reside e a conjuntura econômica (Galor; Tsiddon, 1997; Galor; Zeira, 1993).

Diante do exposto, o presente estudo busca identificar como a dinâmica educacional e ocupacional intergeracional é afetada pela situação relativa entre pais e mães (ou seja, pelo fato de pai e mãe pertencerem ou não à mesma classe educacional ou ocupacional), tendo como base os microdados da PNAD de 2014. Adicionalmente, analisou-se como a diferença educacional e ocupacional entre pai e mãe afeta a probabilidade de o indivíduo pertencer ao nível inferior de educação e/ou ocupação a partir do modelo probit bivariado.

Este trabalho traz uma contribuição ao debate sobre o estudo da mobilidade educacional em dois aspectos. O primeiro é o de relacionar educação e ocupação, seja na construção da estratificação e ordenação das ocupações, seja no uso de modelos de probabilidade condicionada (probit multivariado). Dessa forma, é possível identificar como a educação, medida em termos de escolaridade formal, se traduz efetivamente em ganhos de mercado, medidos a partir do nível de ocupação.

A segunda contribuição diz respeito ao enfoque na análise dos efeitos dos diferenciais educacionais e ocupacionais entre pais e mães sobre a mobilidade e sobre a persistência em estratos educacionais e ocupacionais mais baixos. Esse enfoque permite analisar uma camada do efeito do background familiar sobre o status educacional e ocupacional dos filhos.

O presente estudo está dividido em quatro partes além desta introdução. Na segunda e terceira partes são apresentadas, respectivamente, a fundamentação teórica e a metodologia do estudo. A quarta é reservada para a exposição dos resultados empírico e na quinta e última seção são feitas as considerações finais.

Revisão da literatura

É importante destacar que o estudo da mobilidade educacional e, consequentemente, da mobilidade de renda ou de oportunidade tem como fundamento o conceito de capital humano, entendido como um conjunto de atributos pessoais, tais como educação, experiência, habilidades, boa saúde, etc., que repercutem no processo produtivo. O nível de investimento em capital humano é resultado de um processo de decisão dos indivíduos e suas famílias (Becker, 1981; Becker; Murphy; Tamura, 1990). Ao mesmo tempo, é fato estilizado que as decisões que envolvem investimento em habilidades têm papel decisivo no processo de crescimento e desenvolvimento econômico das nações (Lucas, 1988).

No tocante aos determinantes da mobilidade educacional, merecem destaque os estudos de Ermisch e Francesconi (2001) e Nicoletti e Ermisch (2008) para a Grã-Bretanha, que enfatizam a importância da escolaridade dos pais e da dotação de riqueza para a mobilidade intergeracional educacional. De acordo com os resultados de Ermisch e Francesconi (2001), há baixa mobilidade intergeracional em lares monoparentais. No estudo de Nicoletti e Ermisch (2008), os resultados sugerem que a mobilidade intergeracional não tem mudanças significativas para indivíduos nascidos em 1950 e 1972.

Lee e Lee (2021) realizaram um estudo comparativo analisando a persistência intergeracional da educação de 30 países. Segundo os autores, a mobilidade educacional piorou ao longo das gerações na maioria países. A pesquisa também demonstrou que a mobilidade intergeracional da educação tende a diminuir com a desigualdade de renda, inflação e restrições de crédito e se eleva com o aumento do PIB per capita e dos gastos públicos com educação primária em relação ao ensino superior.

O estudo de Jiménez e Jiménez (2019) examinou a mobilidade educacional intergeracional na América Latina, levando em conta a existência da igualdade das oportunidades. Os autores identificaram um aumento significativo nos níveis médios de mobilidade educacional entre gerações. No entanto, não se verificou melhoria nas medidas de igualdade de oportunidades entre filhos de pais com níveis de educação mais baixos. Ou seja, houve uma elevação na média da educação para os jovens, mas os benefícios não foram uniformes e não atingiram da mesma forma os grupos mais vulneráveis de menor escolaridade.

Sobre mobilidade de renda, grande parte dos estudos baseia-se na previsão de ganhos dos pais em vez do nível salarial observado. Nesse contexto, destacam-se os trabalhos de Solon (1992) e Zimmerman (1992), voltados para os Estados Unidos, e os de Fortin e Lefebvre (1998), Corak e Heisz (1999) e Corak (2020), para o Canadá.

Considerando os estudos empíricos nacionais, Barros e Lam (1993) e Barros et al. (2001) apresentam uma convergência em seus resultados no sentido de observar a relevância das características familiares para o desempenho educacional dos filhos, bem como importantes assimetrias quanto a este efeito do ponto de vista espacial. O primeiro estudo utiliza a PNAD de 1982 e, o segundo, a PNAD de 1996.

Behrman, Gaviria e Szekely (2001) abordam o impacto das reformas econômicas ocorridas na América Latina sobre os indicadores de pobreza e desigualdade de renda. Em linhas gerais, com base nos dados do suplemento social da PNAD de 1996, os autores encontraram evidências que sugerem uma elevada persistência educacional no Brasil, mesmo se comparado aos países latino-americanos.

Ainda a partir da PNAD 1996, Ferreira e Veloso (2003) observaram uma alta persistência intergeracional educacional no Brasil na comparação com os demais países latino-americanos. Em paralelo, também foi constatada uma assimetria na relação escolaridade do pai e filho de acordo com o nível de educação, região geográfica e características familiares. Posteriormente, Mahlmeister et al. (2019), usando a mesma metodologia de Ferreira e Veloso (2003) para os dados da PNAD 2014, constataram um aumento na mobilidade intergeracional da educação, principalmente para os filhos cujos pais tinham baixa escolaridade, e estabilidade no nível educacional para as crianças com pais acima de 11 anos de estudo.

Os estudos nacionais apresentados anteriormente não consideram os filhos corresidentes em sua análise. Nesse sentido, merecem destaque os trabalhos de Figueiredo, Netto Junior e Porto Junior (2007) e Netto Junior, Ramalho e Silva (2013). No primeiro, utilizando informações das PNAD de 1987 a 2005, a principal conclusão é que, ao longo deste período, houve aumento da mobilidade intergeracional educacional associada à redução da persistência do pai analfabeto. O segundo estudo, com base nos microdados dos Censos Demográficos do IBGE de 1991 e 2000, ressalta a grande heterogeneidade da dinâmica educacional inter-regional e como ela se diferencia considerando indivíduos migrantes e não migrantes.

Mais recentemente, Garcias e Kassouf (2021) analisaram a mobilidade educacional e ocupacional intergeracional no Brasil a partir do banco de dados da pesquisa de transição escola-trabalho (SWTS) da Organização Internacional do Trabalho de 2013. Os resultados desse estudo sugerem que houve avanço substancial na mobilidade educacional intergeracional, sobretudo quando os pais tinham níveis de escolaridade mais baixos, embora tenha se verificado que a mobilidade ocupacional ocorreu de forma menos expressiva. Os autores observaram, ainda, que a educação dos jovens e dos seus pais tem forte influência sobre os rendimentos recebidos dos filhos, principalmente para as mulheres. O grupo de mulheres com ensino superior ganhou, em média, o dobro daquelas com apenas ensino médio.

O estudo de Araújo, Netto Junior e Siqueira (2022) trata do impacto dos arranjos familiares (lares bi e monoparentais) sobre a mobilidade intergeracional de educação e sobre a acumulação de capital humano dos filhos, a partir dos dados da PNAD de 2014. Os resultados sugerem que lares uniparentais chefiados por mulheres possuem maior mobilidade e menor persistência no estrato inferior de renda, enquanto os lares biparentais apresentam uma maior persistência no estrato educacional superior. Em relação à acumulação de capital humano, o estudo observou uma maior acumulação para os filhos de lares biparentais e uma menor acumulação em lares uniparentais chefiados por homens.

Metodologia

Fonte de dados e estratégia empírica

Neste estudo, foram utilizados dados da Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios (PNAD) de 2014, bem como seu suplemento sobre mobilidade sócio-ocupacional. O banco de dados foi formado por indivíduos de ambos os sexos, entre 25 e 65 anos, que responderam ao suplemento sobre mobilidade. Em especial, foram considerados os indivíduos que apresentaram informações sobre educação e ocupação do pai e da mãe.

Para a informação de educação, foram construídas duas variáveis categóricas com diferentes graus de agregação, ambas representando estratos de educação. A construção da variável categórica de educação mais desagregada seguiu os critérios adotados em Araújo, Netto Junior e Siqueira (2022), Ferreira e Veloso (2003), Mahlmeister et al. (2019a) e Ramalho e Netto Junior (2018). A segunda variável categórica de educação foi resultado de um nível maior de agregação da primeira, conforme apresentado no Quadro 1.

QUADRO 1
Compatibilização das informações relacionadas à escolaridade dos indivíduos

Para tratar as informações de ocupação, partiu-se da agregação realizada e utilizou-se a estratificação em nove categorias apresentada em IBGE (2016), a qual é ordenada pelo rendimento médio.1 Posteriormente, essas nove categorias foram ordenadas pela escolaridade média e agregadas em quatro estratos.2 A abordagem de estratificação e ordenação de ocupação pela renda média e/ou pela educação média é adotada em Ferreira e Veloso (2006), Figueiredo, Silva e Rego (2012), Netto Junior, Ramalho e Silva (2013) e Pero e Szerman (2008).

O Quadro 2 apresenta as categorizações de ocupação utilizadas neste estudo.

QUADRO 2
Compatibilização das informações relacionadas à ocupação dos indivíduos

A análise dos efeitos das diferenças de educação e ocupação entre pais e mães sobre a dinâmica da mobilidade intergeracional foi realizada a partir de duas abordagens: não paramétrica e paramétrica. A primeira foi feita por meio de matrizes de transição e processos de Markov, permitindo o cálculo de índices de mobilidade não paramétricos e dos vetores de convergência.3 De modo a verificar o impacto da diferença de níveis educacionais e de ocupação entre pai e mãe, foram considerados quatro cenários, conforme apresentado no Quadro 3.

QUADRO 3
Cenários considerados para a construção das matrizes de transição

Os indicadores paramétricos de mobilidade foram estimados a partir de uma regressão linear, com o uso de variáveis de interação para captar o efeito dos diferenciais de educação e ocupação entre pais e mães. A comparação entre os diversos indicadores (não paramétricos e paramétricos) permite testar a robustez dos resultados.

Para analisar o grau de persistência especificamente nos níveis mais baixos de educação e ocupação, foi estimado um modelo probit bivariado, permitindo identificar quais fatores estão relacionados à probabilidade de o indivíduo possuir baixa escolaridade, condicionado ao seu status ocupacional.

Todas as estimações de estatísticas descritivas e modelos econométricos realizadas neste estudo consideraram o plano amostral complexo inerente aos dados da PNAD. As variáveis utilizadas neste estudo são apresentadas no Quadro 4.

QUADRO 4
Descrição das variáveis utilizadas no estudo

Matriz de transição, vetor de convergência e indicadores não paramétricos de mobilidade

Foram utilizados métodos não paramétricos e paramétricos para o cálculo de indicadores de mobilidade e persistência. Todos os indicadores de mobilidade/persistência intergeracional de educação e de ocupação utilizados neste estudo foram calculados tomando o pai como referência.

Os métodos não paramétricos partem de matrizes de transição construídas a partir das informações de nível educacional e ocupacional do pai (tempo t) e do indivíduo (tempo t + 1). Considere-se uma matriz de transição para estados:

T = [ p 11 p 1 k p k 1 p k k ] (1)

Em que pij0i,j, j=1kpij=1 e pij indicam a probabilidade de a variável estar no estado j no tempo t + 1, dado que esteve no estado i no tempo t. Observe-se que a diagonal principal da matriz de transição fornece as probabilidades de persistências em cada estrato.

A literatura apresenta uma série de indicadores de mobilidade construídos a partir da matriz de transição (Geweke; Marshall; Zarkin, 1986; Savegnago, 2016; Shorrocks, 1978). Dois dos índices mais comumente utilizado na literatura são:

M t = r t r ( T ) r 1 (2)

M d = 1 | λ 2 | (3)

Em que r é a ordem da matriz de transição e tr(T) é o traço da matriz de transição, λ 2 é o segundo autovalor da matriz de transição e det (T) é o determinante da matriz de transição. Esses indicadores expressam o grau ou intensidade da mobilidade: quanto mais próximo da unidade, maior é o grau/intensidade da mobilidade.

A dinâmica descrita por um processo de Markov pode convergir para um estado estacionário, já que as probabilidades de transição são consideradas homogêneas, invariáveis, no tempo. Nesses casos, o estado estacionário corresponde ao vetor π = [π 1 π 2 ... π k ] que soluciona o seguinte sistema:

{ π = π T i = 1 k π i = 1 (4)

Outra forma de se encontrar o estado estacionário é elevando a matriz de transição por uma potência que tende ao infinito. Ou seja:

[ π π ] = I T n | n (5)

Em que I é a matriz identidade.4

Para a construção das matrizes de transição e dos cenários foram utilizados como referência o estrato de educação 2 (Quadro 1) e o estrato de ocupação 2 (Quadro 2).

Modelo de regressão linear e indicadores paramétricos de mobilidade

O índice paramétrico de mobilidade foi estimado apenas para a educação, a partir de uma regressão linear especificada como:5

E d u f i l h o = x β + β E d u p a i E d u p a i + ε (6)

Em que Edufilho e Edupai indicam, respectivamente, o nível de educação dos indivíduos e de seus pais, x é o vetor das demais variáveis explicativas (além da escolaridade do pai) e ε é o termo de erro clássico. O termo β Edupai mede a persistência intergeracional de educação, sendo (1 - β Edupai ) uma medida de grau de mobilidade intergeracional. De acordo com Ferreira e Veloso (2003a), mesmo considerando uma variável dependente categórica, o modelo de regressão linear traz vantagens em relação aos modelos ordenados, como, por exemplo, a de fornecer uma medida sumária de persistência/mobilidade.

O efeito dos diferenciais educacionais e ocupacionais entre pais e mães sobre a mobilidade foi estimado a partir da interação entre variáveis categóricas (dummies) e a educação do pai (Edupai). Considerando-se, por exemplo, a variável dummy que indica que a educação do pai é superior à educação da mãe (Dedupai), tem-se:

E d u f i l h o = x β + β E d u p a i E d u p a i + β E f e i t o ( E d u p a i D e d u p a i ) + ε (7)

Portanto, para os indivíduos cujo pai é mais escolarizado do que a mãe, tem-se que Dedupai = 1 e, portanto, a expressão (7) passa a ser:

E d u f i l h o = x β + ( β E d u p a i + β E f e i t o ) E d u p a i + ε (8)

Dessa forma, o indicador de mobilidade para esse grupo de indivíduos é dado por [1 - (β Edupai + β Efeito )], em que β Efeito mede o impacto do fato de o pai ter maior escolaridade em relação à mãe sobre o indicador paramétrico de mobilidade.

Para a estimação do modelo linear, considerou-se a escala mais desagregada de educação, por resultar em um melhor ajuste.6 Entre os regressores, foram consideradas variáveis relacionadas à ocupação dos pais e das mães, bem como variáveis que captam a diferença entre o nível de escolaridade/ocupação do pai e da mãe. No caso de ocupação, manteve-se a classificação ocupacional 2 (Quadro 2) devido à ordenação das ocupações.

Modelo probit bivariado

O modelo probit bivariado é uma extensão do modelo probit clássico, em que se passa a considerar duas equações cujos termos de erro estão correlacionados. Por esse motivo faz parte dos conjuntos de modelos de equações aparentemente não relacionadas (SUR). A especificação mais geral para o modelo é:

y 1 * = x 1 ' β 1 + ε 1 , y 1 = 1 s e y 1 * > 0 e y 1 = 0, c a s o c o n t r á r i o (9)

y 2 * = x 2 ' β 2 + ε 2 , y 2 = 1 s e y 2 * > 0 e y 2 = 0, c a s o c o n t r á r i o (10)

Em que y * i é uma variável latente; y i é uma variável dicotômica observável, x i é o vetor de variáveis explicativas e εi são os termos de perturbação (i = 1,2). Admite-se:

E [ ε 1 | x 1 , x 2 ] = E [ ε 2 | x 1 , x 2 ] = 0 (11)

V a r [ ε 1 | x 1 , x 2 ] = V a r [ ε 2 | x 1 , x 2 ] = 1 (12)

C o v [ ε 1 , ε 2 | x 1 , x 2 ] = ρ (13)

O modelo probit bivariado é estimado a partir da função de máxima verossimilhança, especificada em sua forma logarítmica como (Greene, 2003):

ln ( L ) = ln Φ 2 ( w i 1 , w i 2 , ρ i * ) (14)

Em que:

Φ 2 ( w i 1 , w i 2 , ρ i * ) = Pr o b ( y 1 = y i 1 , y 2 = y i 2 | x 1 , x 2 ) (15)

é a função de distribuição acumulada normal bivariada

w i j = q i z i j ( j = 1, 2 ) (16)

z i j = x i j ' β j ( j = 1, 2 ) (17)

ρ i * = q i 1 q i 2 ρ ( j = 1, 2 ) (18)

{ q i 1 = 2 y i 1 1 q i 2 = 2 y i 2 (19)

Para estimação do modelo probit bivariado foram consideradas as seguintes variáveis dependentes:

y 1 = { 1 s e o i n d í v i d u o p o s s u i r a t é 4 a n o s d e e s t u d o 0, c a s o c o n t r á r i o (20)

y 2 = { 1 s e o i n d í v i d u o p e r t e n c e r a o 1 º e s t r a t o o c u p c i o n a l d a e s c a l a o r d e n a d a 0, c a s o c o n t r á r i o (21)

Adotou-se a mesma estratégia da estimação da regressão linear, considerando a classificação educacional 1 (Quadro 1) e a classificação ocupacional 2 (Quadro 2).

Apresentação e análise dos resultados

Descrição da amostra

A amostra conta com 8.191 indivíduos, projetando uma população da ordem de 4.762.666. A Tabela 1 apresenta os valores de média e erro padrão das variáveis utilizadas no estudo.

TABELA 1
Valores de média e desvio/erro padrão das variáveis utilizadas no estudo Brasil - 2014

É possível observar uma melhora intergeracional na mobilidade dos filhos. A educação média dos filhos, da ordem de 9,19 anos de estudo, é consideravelmente maior do que a dos pais (da ordem de 4,03) e a das mães (4,43). O mesmo comportamento é observado para a ocupação, com um posicionamento ocupacional médio de 2,1 para os filhos e médias da ordem de 1,46 e 1,7 para pais e mães, respectivamente. Esse comportamento pode evidenciar uma mobilidade líquida ascendente tanto para educação quanto para ocupação.

Um outro aspecto que chama a atenção nos dados é o fato de a mãe possuir, na média, uma maior escolaridade e melhor situação ocupacional em relação ao pai, sendo a diferença da ordem de 0,4 e 0,23 a favor da mãe, respectivamente, para educação e posição ocupacional.

A Tabela 2 apresenta a distribuição dos indivíduos (filhos) e seus pais de acordo com a classificação educacional 1 (Quadro 1).

TABELA 2
Distribuição dos indivíduos, pais e mães de acordo com a classificação educacional 1 Brasil - 2014

A Tabela 3 apresenta a distribuição dos indivíduos (filhos) e seus pais de acordo com a classificação educacional 2 (Quadro 1) e com a classificação ocupacional 2 (Quadro 2).

TABELA 3
Distribuição dos indivíduos, pais e mães de acordo com a classificação educacional 2 e a classificação ocupacional 2 Brasil - 2014

Matrizes de transição, índices de mobilidade e convergência

A Tabela 4 apresenta as matrizes de transição intergeracional para educação e ocupação, considerando quatro cenários, conforme especificado na metodologia. A persistência da educação, observada a partir da diagonal principal da matriz de transição, apresenta um comportamento padrão para todos os cenários. Observa-se uma queda nos percentuais passando do estrato 1 para o estrato 2, que voltam a crescer a partir desse estrato. Adicionalmente, constatam-se percentuais nulos ou próximos de zero de indivíduos pertencentes aos menores estratos educacionais, cujo pai pertence ao maior estrato educacional. A persistência da ocupação mostra um comportamento similar ao descrito para a persistência da educação.

TABELA 4
Matrizes de transição para educação e ocupação, segundo os cenários considerados Brasil - 2014

A Tabela 5 apresenta os valores dos indicadores não paramétricos de mobilidade e persistência, calculados a partir das matrizes de transição. Pode-se constatar que o cenário (iii) tem os maiores índices de mobilidade, evidenciando que o fato de a mãe pertencer a um estrato superior ao do pai aumenta a mobilidade intergeracional, tanto para educação quanto para ocupação. Os menores indicadores de mobilidade são observados no cenário (ii) para educação e cenário (iv) para ocupação. Ou seja, o fato de o pai pertencer a um estrato educacional superior ao da mãe reduz a mobilidade intergeracional de educação. No caso da ocupação, a mobilidade intergeracional é menor quando o pai e a mãe pertencem ao mesmo estrato ocupacional.

TABELA 5
Indicadores de mobilidade e persistência para educação e ocupação Brasil - 2014

Os maiores índices de persistência no estrato mais elevado ocorrem nos cenários (iii) e (iv), ou seja, quando a mãe pertence a um estrato superior ou igual ao do pai, tanto para educação quanto para ocupação. A maior persistência no estrato inferior é observada, tanto para educação quanto para ocupação, nos cenários (ii) e (iii), ou seja, quando o pai pertence a um estrato inferior ou igual ao da mãe.7

A Tabela 6 apresenta os vetores de convergência calculados a partir das matrizes de transição. Observa-se que o cenário (iii) registra o maior percentual de indivíduos no estrato superior de educação (92,1%) e de ocupação (49,56%). Por outro lado, o cenário (ii) mostra o maior percentual de indivíduos pertencentes ao estrato inferior, sendo da ordem de 2,36% e 33,46% para educação e ocupação, respectivamente.

TABELA 6
Vetores de convergência para educação e ocupação Brasil - 2014

De modo geral, os indicadores não paramétricos evidenciam maiores mobilidade e persistência no estrato mais elevado, o que está associado ao fato de a mãe pertencer a um estrato superior ou igual ao do pai. Por outro lado, a menor mobilidade e maior persistência no estrato mais baixo estão relacionadas ao fato de o pai pertencer a um estrato superior ou igual ao da mãe.

Estimativas do modelo de regressão linear

A Tabela 7 traz as estimativas do modelo de regressão linear, tendo como variável dependente o nível de escolaridade dos indivíduos baseado na classificação educacional 2 (Quadro 1). Foram estimados dois modelos. O modelo geral apresenta os resultados para todas as variáveis consideradas no estudo, enquanto o modelo ajustado computa apenas as variáveis cujas estimativas associadas se mostraram estatisticamente significativas a 10%.

TABELA 7
Estimativas do modelo de regressão linear Brasil - 2014

Como o intuito é verificar a persistência e mobilidade intergeracional educacional, a análise estará focada nas estimativas associadas às variáveis de interação com a educação do pai. O coeficiente associado à variável de interação Dedupai*Edupai possui sinal positivo e estatisticamente significativo, indicando que o fato de o pai possuir um nível de escolaridade maior do que o da mãe está associado a uma menor mobilidade. Por outro lado, a escolaridade da mãe maior do que a do pai (Dedumei*Edupai) não apresentou significância estatística.

O sinal negativo associado às variáveis de interação com ocupação do pai e da mãe (Docuppai*Edupai e Docupmae*Edupai, respectivamente) indica um aumento de mobilidade associado ao fato de pai e mãe pertencerem a estratos ocupacionais diferentes. O efeito é maior quando o pai pertence a um estrato ocupacional maior do que o da mãe.

No que se refere aos impactos regionais, apenas o Nordeste apresentou significância estatística, registrando uma menor mobilidade em relação às demais regiões (sinal do coeficiente positivo). Adicionalmente, residir em áreas urbanas implica maior grau de mobilidade em relação à zona rural (sinal do coeficiente negativo).

Quanto às características do indivíduo, constata-se que o fato de o indivíduo corresidir com os pais (ou seja, ser dependente) não é significante estatisticamente. Já o fato de o indivíduo ser do sexo feminino ou ser branco está associado a uma maior mobilidade intergeracional de educação.

O sinal negativo do coeficiente relacionado à variável Difedu indica que, quanto maior for o nível de escolaridade da mãe em relação ao pai, maior será o nível de escolaridade do indivíduo. Constata-se uma relação positiva e estatisticamente significativa entre o nível de escolaridade do filho e a ocupação do pai. Por fim, o fato de os pais não pertencerem ao mesmo estrato ocupacional contribui positivamente para a escolaridade do filho, sendo o efeito mais forte quando a mãe pertence a um estrato superior em relação ao do pai.

Estimativas do modelo probit bivariado

A Tabela 8 apresenta as estimativas do modelo probit bivariado para a probabilidade de o indivíduo possuir até quatro anos de estudo e a probabilidade de o indivíduo pertencer ao primeiro nível da classificação ocupacional 2 (Quadro 2).

TABELA 8
Estimativas do modelo probit bivariado Brasil - 2014

Pode-se observar que ambas as probabilidades estão negativamente relacionadas à educação do pai e positivamente relacionadas à diferença de educação entre pai e mãe, sendo o efeito significante estatisticamente. Ou seja, quanto mais educada for a mãe em relação ao pai, menor será a probabilidade de o indivíduo pertencer a estrato inferior de educação ou de ocupação.

Os coeficientes relacionados à ocupação do pai e o fato de a mãe pertencer a um nível de ocupação superior ao do pai (Dedumae) apresentaram efeito estatisticamente significante negativo para ambas as probabilidades. Apenas a probabilidade de o indivíduo pertencer a um baixo estrato ocupacional se mostrou sensível ao fato de o pai pertencer a um estrato ocupacional superior ao da mãe, verificando-se um efeito significante positivo. Os resultados evidenciam a importância da mãe na ascensão educacional e ocupacional dos indivíduos.

A idade apresentou uma relação estatisticamente significativa positiva com a probabilidade associada à educação e parabólica com a probabilidade associada à ocupação. Quanto maior a idade, maior é a probabilidade de o indivíduo pertencer ao primeiro estrato ocupacional até determinada idade, a partir da qual se observa uma relação inversa entre idade e probabilidade relacionada à ocupação. Tomando o modelo ajustado como referência, a idade crítica para ocupação é da ordem de 32,4 anos.

Constatam-se diferenças regionais em ambas as probabilidades. As regiões Sudeste e Sul estão associadas a uma menor probabilidade de o indivíduo possuir baixa escolaridade, não havendo efeito significativo estatisticamente das demais regiões. Quanto à probabilidade associada à ocupação, apenas o Sul apresentou significância estatística, estando associada a uma maior probabilidade.

O fato de o indivíduo ser do sexo feminino, ser branco ou morar na zona urbana reduz ambas as probabilidades. O fato de o indivíduo ser dependente (ou seja, corresidir com os pais) está positivamente relacionado à probabilidade de possuir baixa escolaridade, não tendo efeito estatisticamente significativo sobre a probabilidade associada à ocupação.

A significância estatística dos coeficientes associados ao Atanh(ρ) e ρ indica que os erros das duas equações estão, de fato, correlacionados e, portanto, o modelo bivariado é mais adequado.

A Tabela 9 apresenta as estimativas de efeitos marginais, calculadas a partir das médias das variáveis, considerando apenas o modelo ajustado.8 Pode-se observar que as variáveis Edupai, Ocuppai, Docupmae, Branco e Urbano estão positivamente relacionadas à probabilidade de o indivíduo possuir baixa escolaridade e pertencer ao estrato ocupacional inferior, pr(y 1 = 0; y 2 = 0), e negativamente relacionadas com as probabilidades das demais situações.

TABELA 9
Estimativas de efeito marginal a partir o modelo probit bivariado ajustado Brasil - 2014

A diferença de escolaridade entre pai e mãe está negativamente relacionada à probabilidade de o indivíduo possuir baixa escolaridade e pertencer ao estrato ocupacional inferior, pr(y 1 = 0, y 2 = 0), e positivamente relacionada à probabilidade associada às demais possibilidades.

O fato de o pai pertencer a um estrato ocupacional superior ao da mãe está positivamente relacionado às probabilidades associadas à situação em que o indivíduo pertence ao estrato ocupacional inferior (y 1 = 1) e negativamente relacionado com as probabilidades associadas à situação em que o indivíduo não pertence a esse estrato (y 2 = 0), independentemente de o indivíduo possuir ou não baixa escolaridade. O fato de o indivíduo pertencer ao sexo feminino possui comportamento inverso, sendo negativo quando y 2 = 1 e positivo quando y 2 = 0.

As variáveis idade e dependente estão positivamente relacionadas às probabilidades associadas à situação em que o indivíduo possui baixa escolaridade (y 1 = 1) e negativamente relacionadas com as probabilidades associadas à situação em que o indivíduo não possui baixa escolaridade (y 1 = 0), independentemente de o indivíduo pertencer ou não ao estrato ocupacional inferior. A região Sudeste apresenta um comportamento inverso, estando negativamente relacionada quando y 1 = 1 e positivamente relacionada quando y 1 = 0.

A região Sul está positivamente relacionada à possibilidade de o indivíduo não possuir baixa escolaridade e pertencer ao estrato ocupacional inferior, pr(y 1 = 0, y 2 = 0), apresentando um efeito negativo na probabilidade das demais possibilidades.

O maior valor de efeito marginal relacionado à probabilidade de o indivíduo possuir baixa escolaridade e pertencer ao estrato ocupacional mais baixo, pr(y 1 = 1, y 2 = 1), está associado ao fato de o pai pertencer a um estrato ocupacional superior ao da mãe, da ordem de 1,3 ponto percentual. O fato de residir na zona urbana tem o menor valor de efeito marginal associado à essa probabilidade, da ordem de -11 pontos percentuais. Observa-se uma inversão da posição dessas variáveis quando se considera pr(y 1 = 0, y 2 = 0), sendo da ordem de -10,4 e pontos percentuais, respectivamente, para Docuppai e Urbano.

No tocante aos resultados referentes à mobilidade intergeracional educacional, estes reforçam os obtidos por Ferreira e Veloso (2003), Figueiredo, Netto Junior e Porto Junior (2007) e Mahlmeister et al. (2019). Usando banco de dados e metodologias diferenciadas, observou-se que o Brasil possui uma baixa mobilidade intergeracional educacional e as regiões mais deprimidas sofrem com uma elevada persistência nos estratos educacionais mais baixos. Contudo, verificou-se um aumento da mobilidade intergeracional ao longo do tempo.

Quanto à dinâmica ocupacional e de renda, os estudos de Ferreira e Veloso (2006), Netto Junior, Ramalho e Silva (2013) e Pero e Szerman (2008) ressaltam uma elevada persistência de renda de indivíduos de baixa renda. Netto Junior, Ramalho e Silva (2013) e Ribeiro (2017) observaram uma mobilidade mais intensa quando se consideram indicadores educacionais se comparada com a de renda. Entretanto, segundo Ribeiro (2017), a dinâmica de renda é mais intensa que a dinâmica ocupacional.

Considerações finais

O presente estudo buscou analisar os determinantes da mobilidade intergeracional educacional e de ocupação, tendo como foco o efeito das diferenças entre pai e mãe no que tange à escolaridade (principalmente) e à ocupação. Complementarmente, observou-se como essa diferença entre pai e mãe afeta a probabilidade de o indivíduo pertencer ao estrato inferior de educação e ocupação.

Os resultados obtidos nesse estudo evidenciam a importante contribuição da mãe não só sobre a dinâmica intergeracional, mas também sobre o acúmulo de capital humano e a persistência nos níveis inferior e superior de educação e renda.

As análises não paramétricas, desenvolvidas a partir das matrizes de transição, indicam uma maior mobilidade e menor persistência no estrato inferior associadas ao fato de a mãe pertencer a um estrato superior ao do pai. Esse cenário também converge para o menor percentual de indivíduos pertencentes ao estrato inferior e o maior percentual associado ao estrato superior no estado estacionário. Esses resultados são válidos tanto para educação quanto para ocupação.

O modelo de regressão linear não só corrobora essas evidências quanto à mobilidade, como também aponta para uma relação positiva entre o capital humano do filho (medido pelos anos de estudo) e o excesso de educação da mãe sobre a educação do pai. Adicionalmente, o nível de escolaridade do filho também é afetado positivamente pelo fato de a mãe pertencer a um estrato ocupacional superior ao do pai.

As estimativas do modelo probit bivariado também reforçam essas evidências. A diferença de escolaridade entre mãe e pai está associada negativamente não só à probabilidade de o indivíduo pertencer ao estrato inferior de educação ou ao estrato inferior de ocupação (de forma independente), mas também à probabilidade de o indivíduo pertencer, simultaneamente, ao estrato inferior de educação e de ocupação.

Adicionalmente, o fato de a mãe pertencer a um estrato ocupacional superior ao do pai afeta negativamente a probabilidade de o indivíduo pertencer ao estrato inferior de ocupação e a probabilidade de o indivíduo pertencer, simultaneamente, ao estrato inferior de educação e de ocupação.

Os resultados complementam a literatura empírica sobre os impactos de fatores relacionados às características da família em relação à mobilidade intergeracional, acumulação de capital humano e persistência. Araújo, Netto Junior e Siqueira (2022) encontraram evidência de que famílias uniparentais chefiadas por mães possuem uma maior mobilidade intergeracional de educação. Adicionalmente, entre as famílias uniparentais, os filhos pertencentes àquelas chefiadas por mães apresentam maior acúmulo de capital humano, perdendo apenas para as famílias biparentais.

Referências

  • ARAÚJO, A. F. V. de; NETTO JUNIOR, J. L. da S.; SIQUEIRA, L. B. O. de. Estrutura familiar e dinâmica educacional entre gerações. Revista Brasileira de Estudos de População, v. 39, Artigo e0192, 2022.
  • BARROS, R. P. de; LAM, D. Desigualdade de renda, desigualdade em educação e escolaridade das crianças no Brasil. Pesquisa e Planejamento Econômico, v. 23, n. 2, p. 191-218, 1993.
  • BARROS, R. P. de; MENDONÇA, R.; SANTOS, D. D. dos; QUINTAES, G. Determinantes do desempenho educacional no Brasil. Pesquisa e Planejamento Econômico, v. 31, n. 1, p. 1-42, 2001.
  • BECKER, G. A treatise on the family. Cambridge, MA: Harvard, 1981.
  • BECKER, G. S.; MURPHY, K. M.; TAMURA, R. Human capital, fertility, and economic growth. Journal of Political Economy, v. 98, n. 5, Part 2, p. S12-S37, 1990.
  • BEHRMAN, J. R.; GAVIRIA, A.; SZEKELY, M. Intergenerational mobility in Latin America. Economía, v. 2, n. 1, p. 1-31, 2001.
  • CORAK, M. The Canadian geography of intergenerational income mobility. The Economic Journal, v. 130, n. 631, p. 2134-2174, 16 out. 2020.
  • CORAK, M.; HEISZ, A. The intergenerational earnings and income mobility of Canadian men: evidence from longitudinal income tax data. Journal of Human Resources, v. 34, n. 3, 1999.
  • ERMISCH, J.; FRANCESCONI, M. Family matters: impacts of family background on educational attainments. Economica, v. 68, n. 270, p. 137-156, 2001.
  • FERREIRA, S. G.; VELOSO, F. A. Mobilidade intergeracional de educação no Brasil. Pesquisa e Planejamento Econômico, v. 33, n. 3, p. 481-513, 2003.
  • FERREIRA, S. G.; VELOSO, F. A. Intergenerational mobility of wages in Brazil. Brazilian Review of Econometrics, v. 26, n. 2, p. 181-211, 2006.
  • FIGUEIREDO, E. A. de; NETTO JUNIOR, J. L. da S.; PORTO JUNIOR, S. da S. Distribuição, mobilidade e polarização de renda no Brasil: 1987 a 2003. Revista Brasileira de Economia, v. 61, n. 1, p. 7-32, 2007.
  • FIGUEIREDO, E. A.; SILVA, C. R. da F.; REGO, H. de O. Desigualdade de oportunidades no Brasil: efeitos diretos e indiretos. Economia Aplicada, v. 16, n. 2, p. 237-254, 2012.
  • FORTIN, N. M.; LEFEBVRE, S. Intergenerational income mobility in Canada. In: CORAK, M. (Ed.). Labour markets, social institutions, and the future of Canada’s children. Ontario: Statistics Canada, 1998. p. 1-179.
  • GALOR, O.; TSIDDON, D. The distribution of human capital and economic growth. Journal of Economic Growth, v. 2, n. 1, p. 93-124, 1997.
  • GALOR, O.; ZEIRA, J. Income distribution and macroeconomics. Review of Economic Studies, v. 60, n. 1, p. 35-52, 1993.
  • GARCIAS, M. O.; KASSOUF, A. L. Intergenerational mobility in education and occupation and the effect of schooling on youth’s earnings in Brazil. EconomiA, v. 22, n. 2, p. 100-113, 2021.
  • GEWEKE, J.; MARSHALL, R. C.; ZARKIN, G. A. Mobility indices in continuous time markov chains. Econometrica, v. 54, n. 6, p. 1407-1423, 1986.
  • GREENE, W. H. Econometric analysis. 8. ed. New Jersey: Pearson Education, 2003.
  • IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Mobilidade sócio-ocupacional 2014. Rio de Janeiro: IBGE, 2016.
  • JIMÉNEZ, M.; JIMÉNEZ, M. Intergenerational educational mobility in Latin America. An analysis from the equal opportunity approach. Cuadernos de Economía, v. 38, n. 76, p. 289-330, 2019.
  • LEE, H.; LEE, J. W. Patterns and determinants of intergenerational educational mobility: evidence across countries. Pacific Economic Review, v. 26, n. 1, p. 70-90, 2021.
  • LUCAS, R. E. On the mechanics of economic development. Journal of Monetary Economics, v. 22, n. 1, p. 3-42, 1988.
  • MAHLMEISTER, R.; FERREIRA, S. G.; VELOSO, F.; MENEZES-FILHO, N.; KOMATSU, B. K. Revisitando a mobilidade intergeracional de educação no Brasil. Revista Brasileira de Economia, v. 73, n. 2, p. 159-180, 2019.
  • NETTO JUNIOR, J. L. da S.; RAMALHO, H. M. de B.; SILVA, E. K. da. Transmissão intergeracional de educação e mobilidade de renda no Brasil. Economia e Desenvolvimento (Recife), v. 12, n. 2, p. 6-34, 2013.
  • NICOLETTI, C.; ERMISCH, J. Intergenerational earnings mobility: changes across cohorts in Britain. The B.E. Journal of Economic Analysis & Policy, v. 7, n. 2, p. 1-38, 2008.
  • PERO, V.; SZERMAN, D. Mobilidade intergeracional de renda no Brasil. Pesquisa e Planejamento Econômico, v. 38, n. 1, p. 1-36, 2008.
  • RAMALHO, H. M. de B.; NETTO JUNIOR, J. L. da S. Dinâmica intergeracional de educação e corresidência entre pais e filhos adultos no Brasil. Análise Econômica, v. 36, n. 69, p. 231-266, 2018.
  • RIBEIRO, C. A. C. Occupational and income intergenerational mobility in Brazil between the 1990s and 2000s. Sociologia e Antropologia, v. 7, n. 1, p. 157-185, 2017.
  • SAVEGNAGO, M. Igmobil: a command for intergenerational mobility analysis in stata. Stata Journal, v. 16, n. 2, p. 386-402, 2016.
  • SHORROCKS, A. F. The measurement of mobility. Econometrica, v. 46, n. 5, p. 1013-1024, 1978.
  • SOLON, G. Intergenerational income mobility in the United States. American Economic Review, v. 82, n. 3, p. 393-408, 1992.
  • ZIMMERMAN, D. J. Regression toward mediocrity in economic stature. American Economic Review, v. 82, n. 3, p. 409-429, 1992.
  • Reconhecimentos:
    Não aplicável.
  • Financiamento:
    Não aplicável.
  • Aprovação ética:
    Os autores certificam que o trabalho não inclui seres humanos ou animais.
  • Disponibilidade de dados e material:
    dados estão disponíveis sob demanda dos pareceristas.
  • 1
    Embora a classificação do IBGE (2016) apresente nove estratos, o estrato “Membros das Forças Armadas e auxiliares” fica de fora da ordenação.
  • 2
    O intuito de realizar uma segunda classificação pela escolaridade foi o de considerar aspectos relacionados às habilidades dos indivíduos. A opção de adotar uma classificação de quatro estratos teve como objetivo tornar a análise não paramétrica da ocupação similar à análise da educação. Por fim, ressalta-se que o estrato “Membros das Forças Armadas e auxiliares” foi incluído na análise, sendo agregado e ordenado conforme a escolaridade média.
  • 3
    As próprias matrizes de transição permitem uma visualização detalhada da mobilidade intergeracional. O vetor de convergência consiste em uma simplificação da matriz de transição, de modo a facilitar comparações. Os indicadores de mobilidade expressam o grau ou intensidade da mobilidade.
  • 4
    A convergência de longo prazo é garantida se a cadeia for ergótica e regular. Diz-se que uma cadeia é ergótica se todos os estados possuírem uma recorrência positiva e aperiódica. Uma cadeia é regular quando existe um n ≥ 1, tal que a matriz T n possua todas as entradas positivas.
  • 5
    A análise não foi realizada para ocupação porque apenas a variável mais agregada representa uma ordenação e não se obteve um bom ajuste do modelo linear ao considerá-la.
  • 6
    Ver Quadro 1, estrato educacional 1.
  • 7
    Cabe ressaltar que os cenários (ii) e (iv) possuem os mesmos indivíduos quando o pai pertence ao estrato inferior e os cenários (iii) e (iv) possuem os mesmos indivíduos quando os pais pertencem ao estrato superior. Por esse motivo, os indicadores de persistência são iguais entre cenários no estrato em que ocorre a intersecção.
  • 8
    Como o modelo é especificado para estimar y1 dado y2, os efeitos marginais só podem ser calculados para as variáveis incluídas na equação (6). Ou seja, as estimativas de efeito marginal são calculadas apenas para as variáveis que explicam a probabilidade de o indivíduo pertencer ao estrato educacional mais baixo.

Editado por

  • Editores:
    Bernardo Lanza Queiroz, Júlia Almeida Calazans e Maria Carolina Tomás

Disponibilidade de dados

dados estão disponíveis sob demanda dos pareceristas.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Nov 2025
  • Data do Fascículo
    2025

Histórico

  • Recebido
    08 Mar 2025
  • Aceito
    31 Ago 2025
location_on
Associação Brasileira de Estudos Populacionais Rua André Cavalcanti, 106, sala 502., CEP 20231-050, Fone: 55 31 3409 7166 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: editor@rebep.org.br
rss_feed Acompanhe os números deste periódico no seu leitor de RSS
Reportar erro