Open-access Notas sobre a estimação de saldos migratórios de brasileiros no Brasil a partir de censos demográficos

Notes on estimation of net migration of Brazilians in Brazil from demographic census

Notas sobre la estimación de los saldos migratorios de brasileños en Brasil a partir del censos demográficos

Resumo

Este trabalho apresenta a adaptação do método residual para a estimação da contribuição da migração líquida sobre a variação total de estoque de brasileiros em território nacional. Para tanto, foram utilizados os dados dos Censos Demográficos de 2000 e 2010 para captar o efeito direto da migração de brasileiros e o efeito indireto na geração de brasileiros natos, tanto de mães brasileiras quanto estrangeiras. Os resultados demonstram que a migração internacional impactou pouco na variação do contingente de brasileiros no período estudado, em confluência com o resultado de outros trabalhos. Ao mesmo tempo, sinaliza-se para a aplicação do método ao período 2010 a 2022, quando os dados de nacionalidade e naturalidade do Censo Demográfico de 2022 estiverem disponíveis, permitindo uma análise mais precisa do saldo migratório de brasileiros e do impacto da migração sobre a população brasileira.

Palavras-chave:
Estimação por resíduo; Técnicas indiretas; Migração de brasileiros; Migração internacional

Abstract

This paper adapts the residual method for estimating the contribution of net migration to the total variation in the stock of Brazilians on national territory. To this end, data from the 2000 and 2010 demographic censuses were used to capture the direct effect of Brazilian migration and the indirect effect on the generation of native Brazilians, both from Brazilian and foreign mothers. The results show that international migration had little impact on the variation in the stock of Brazilians during the studied period, consistent with the findings of other studies. At the same time, it points to the application of the method to the period between 2010 and 2022, when data from the 2022 Demographic Census on place of birth will be available, thus allowing for a more precise analysis of the migration balance of Brazilians and the impact of migration on the Brazilian population.

Keywords:
Residual estimation; Indirect techniques; Migration of Brazilians; International migration

Resumen

El presente estudio adapta el método residual para la estimación de la contribución de la migración neta sobre la variación total del acervo de brasileños en territorio nacional. Para ello, se utilizaron los datos de los censos demográficos de 2000 y 2010 con el fin de captar el efecto directo de la migración de brasileños y el efecto indirecto en la generación de brasileños nativos, tanto de madres brasileñas como extranjeras. Los resultados demuestran que la migración internacional tuvo un impacto limitado en la variación del acervo de brasileños durante el período estudiado, en consonancia con los hallazgos de otros estudios. Asimismo, se señala la aplicación del método al período comprendido entre 2010 y 2022, cuando estén disponibles los datos de nacionalidad y origen del Censo Demográfico de 2022, lo que permitirá un análisis más preciso del saldo migratorio de brasileños y del impacto de la migración en la población brasileña.

Palabras clave:
Estimación por resíduo; Técnicas indirectas; Migración de brasileños; Migración internacional

Introdução

Este trabalho apresenta uma estratégia demográfica de estimação da migração internacional líquida de naturais do país, utilizando censos demográficos para a identificação da variação de estoque de brasileiros. O desafio imposto de produção de variações populacionais resultantes dos fluxos migratórios não é algo novo, especialmente em países que não dispõem de registros contínuos de tais movimentos. Na ausência de quesitos que permitam expressar o saldo migratório em intervalos intercensitários, o método residual é comumente utilizado (Carvalho, 1982, 1985), fornecendo estimativas por idade e sexo sobre a variação do estoque populacional resultante da migração.

O método possui um princípio bastante simples, baseado na equação do crescimento demográfico, em que a migração líquida é determinada pela diferença entre a população observada em um determinado momento e a população projetada, considerando apenas os efeitos da fecundidade e da mortalidade dessa população (equação 1).

P t = P t n + B t n , t D t n , t + I t n , t E t n , t I t n , t E t n , t = P t ( P t n + B t n , t D t n , t ) (1)

Onde: I t-n,t - E t-n,t é o saldo migratório ou migração líquida, dada pela diferença entre os imigrantes e emigrantes que sobreviveram até o final do período; e P t-n , P t , B t-n,t e D t-n,t são, respectivamente, a população do início do período, a população do final do período, os nascimentos e os óbitos ocorridos entre os tempos t-n e t. Como a estimação da migração líquida é dada por resíduo, erros de enumeração censitária, sub-registro das estatísticas vitais ou desvios das estimativas de tabelas de sobrevivência são amalgamados em seu resultado.

A proposta de utilizar a população por unidade territorial de nascimento já foi desenvolvida por outros autores (Carvalho, 1985; Jensen, 2013; Dorrington, 2013). Essa estratégia pode ser recomendada quando há uma seletividade em relação ao local de nascimento no processo migratório para determinados destinos, tendo como resultante padrões ou níveis de migração que são diferentes entre naturais e não naturais de um determinado território. Jensen (2013), por exemplo, sugere que se use o saldo migratório de estrangeiros (não naturais), considerando que o saldo migratório de naturais seria pouco expressivo.

De fato, o autor se debruça sobre o comportamento da migração estadunidense e a afirmação sobre a maior expressão da migração de estrangeiros pode ser válida para o Norte, mas não para o Sul Global, onde a emigração de naturais é expressiva. No caso da migração líquida de brasileiros, sugere-se sua estimação por meio da variação da população de brasileiros natos, incluindo aqueles resultantes dos efeitos indiretos da migração líquida de estrangeiros. Cumpre destacar que o foco sobre brasileiros natos repousa sobre três pontos: estimativas recentes que demonstram que o Brasil se tornou um país de forte emigração; maior participação de nativos em países que são fortes emissores de migrantes; e necessidade de validação de estimativas de fontes distintas para melhor orientar o planejamento público de serviços para essa população.

Os parágrafos seguintes se dedicam a explicitar a metodologia, com uma demonstração para o período 2000-2010 e a sugestão para que seja feita a estimativa quando os dados de nacionalidade e naturalidade do Censo Demográfico de 2022 estiverem disponíveis.

Estimação do saldo migratório de brasileiros

O uso de dados sobre nacionalidade depende da existência do quesito de país de nascimento, presente nos censos brasileiros.1 Entretanto, destaca-se que, entre as fontes de erro existentes na aplicação de técnicas indiretas, os erros de cobertura censitária não podem ser corrigidos por meio de relações intercensitárias de sobrevivência nesse contexto, uma vez que o principal pressuposto para seu uso é justamente a população ser fechada à migração internacional.2

Idealmente, aplicar-se-iam à população os eventos vitais registrados para determinar qual a população esperada no final do período, na ausência de fluxos migratórios. No cenário em que estatísticas vitais não estão disponíveis, discriminando eventos vitais de estrangeiros e naturais, a alternativa mais adequada é o uso de tabelas de sobrevivência. Nesse caso, estima-se o saldo migratório da seguinte forma:

R x ( b r ) t , t + n E x ( b r ) t , t + n = P x ( b r ) t + n ( S x n t , t + n P x n ( b r ) t ) , x n (2)

Onde: Rx(br)t,t+n é o número de brasileiros que retornaram ao Brasil e sobreviveram até o final do intervalo; Ex(br)t,t+n é o número de brasileiros emigrantes no período intercensitário; Px(br)t+n é a população de brasileiros residentes no Brasil enumerada no segundo censo demográfico; Pxn(br)t é a população de brasileiros residentes no Brasil enumerada no primeiro censo demográfico; e Sxnt,t+n é uma razão de sobrevivência, retirada de uma tabela de vida representativa dos riscos de óbito do período intercensitário para os brasileiros natos. Na ausência de tabelas de sobrevivência que atendam a esses requisitos, a tabela representativa do país poderia ser utilizada, uma vez que a maior fração da população brasileira é composta por naturais, assumindo assim que não há diferenciais de riscos de óbitos entre migrantes e não migrantes.

Em verdade, na perspectiva de identificar o montante de brasileiros no conjunto de outros países, o uso do saldo migratório de naturais oferece as trocas ocorridas em relação ao Brasil. Se há o interesse em identificar a variação de estoque em cada país estrangeiro, pode-se considerar o saldo de brasileiros, de forma indireta, no Brasil e, simultaneamente, aplicar a mesma técnica em outros países. Para tanto, é necessário que existam estimativas, de preferência censitárias, do número de brasileiros residentes em outros países, ao menos em dois momentos, e aplicar a mesma técnica, isto é, a partir de uma razão de sobrevivência retirada de uma tabela de vida que seja representativa para os brasileiros em cada país.

Na prática, essa alternativa pode não ser viável para todo o conjunto de países existentes, pela ausência de quesitos sobre país de nascimento, por erros de cobertura, presença de quesitos apenas em amostras e erros associados a estas. Nesse caso, uma combinação entre as estimativas censitárias de saldos indiretos de brasileiros no Brasil e em alguns dos países que são conhecidos por abrigar a maior parte dos brasileiros no exterior pode ser uma opção oportuna, considerando que a perda seria residual e passível de ser extrapolada a partir de alguma estimativa sobre a participação de brasileiros no exterior, oriunda de outra base de dados. Assim, ter-se-ia que:

I x ( b r , e ) t , t + n E x ( b r , e ) t , t + n = P x ( b r , e ) t + n ( S x n t , t + n P x n ( b r , e ) t ) , x n (3)

Onde: 3, Ix(br,e)t,t+n é o número de imigrantes brasileiros que chegaram a um país estrangeiro, sobreviveram, não reemigraram e não retornaram ao Brasil no período intercensitário; Ex(br,e)t,t+n é o número de brasileiros emigrantes do país estrangeiro, que podem ou não ter retornado ao Brasil, não retornando ao país de saída e que sobreviveram ao final do período; Px(br,e)t+n e Pxn(br,e)t são, respectivamente, a população de brasileiros no país estrangeiro no final e no início do período intercensitário; e Sxnt,t+n é uma razão de sobrevivência adequada para a população de brasileiros no país estrangeiro.

Ao combinar saldos migratórios estimados com censos brasileiros e estrangeiros, a interpretação torna-se similar a outras medidas de saldos migratórios estimados por resíduo, a saber: se há saldo positivo de adultos brasileiros nos censos brasileiros, isso indicaria migração de retorno liquida; se há saldo negativo de adultos brasileiros nos censos brasileiros, isso indicaria emigração internacional liquida; se há saldo positivo de adultos brasileiros em censos estrangeiros, haveria indícios de emigração do Brasil - se somados em seu conjunto - ou mobilidade de brasileiros natos entre países; e se há saldo negativo de adultos brasileiros no conjunto dos censos estrangeiros, haveria indícios de retorno.

Caso se consiga obter dados para todos os países, ou para a maioria deles e extrapolado para o resíduo não determinado, tem-se que:

R x ( b r ) t , t + n E x ( b r ) t , t + n = 1 K I x ( b r , k ) t , t + n E x ( b r , k ) t , t + n (4)

Onde: Ix(br,k)t,t+n e Ex(br,k)t,t+n são, respectivamente, os brasileiros natos imigrantes e emigrantes no país. Em outros termos, o saldo migratório de brasileiros com levantamentos censitários no Brasil (lado esquerdo da equação 4) deveria ser igual à soma de todos os saldos de brasileiros no exterior, estimados pelos diversos censos demográficos, porém com sinal inverso (lado direito da equação 4). No cenário em que predominaria a emigração do lado direito da equação, o resultado possível é que há mais retornados que emigrantes do lado esquerdo da equação. Caso os imigrantes brasileiros predominem do lado direito da equação, há emigração líquida estimada do lado esquerdo da equação.

Nota-se que a soma dos saldos migratórios de brasileiros no Brasil e no exterior deveria ser igual a zero. Contudo, erros advindos de diferenciais de enumeração, erros amostrais, falta de dados sobre brasileiros natos em todos os países e falta de pareamento de períodos de referência entre os diversos censos impedem a existência da igualdade determinada na equação 4. Ainda assim, se estatísticas de levantamentos de diferentes países forem harmonizadas, a variação de brasileiros no Brasil, estimada de forma indireta pelos censos demográficos brasileiros, pode ser combinada com a estimativa indireta dos brasileiros em outros países para identificar erros de cobertura entre os levantamentos.

O método descrito depende de que os períodos de referência dos censos brasileiros e estrangeiros sejam os mesmos ou minimamente harmonizados para evitar o efeito de dupla contagem (indivíduo residente em um país e em outro nos diferentes períodos de referência de coleta), ou mesmo evitar que parte dos indivíduos seja perdida via mortalidade (caso o óbito tenha ocorrido no intervalo entre períodos de referência dos censos de países distintos). Além disso, o método é dependente do conhecimento sobre tabelas de sobrevivência aderentes ao padrão de mortalidade tanto de brasileiros residentes no Brasil, quanto daqueles residentes em cada país de destino. Caso seja aplicado com base nos registros de óbitos, seriam necessários os registros específicos de brasileiros em cada um dos países.

Diante dessas limitações, a proposta de utilizar a informação de brasileiros natos em dois censos para estimação indireta da migração líquida mostra-se uma alternativa robusta para a resolução da equação 4. Nota-se que, se brasileiros migraram entre países estrangeiros e faleceram no período, sua participação no saldo é nula. Nesse caso, a estimativa sinaliza para a variação de brasileiros em território nacional e, de forma complementar, uma estimativa de brasileiros fora do país, independentemente de sua mobilidade externa.

Da mesma forma que na estimação do saldo migratório para a população total, a enumeração censitária pode gerar distorções na estimativa. Um nível de subenumeração que seja igual nos dois censos demográficos geraria uma queda na estimativa do saldo migratório, porém não na taxa de migração líquida. Um nível de subenumeração maior no segundo censo demográfico atribuiria erroneamente à emigração a ausência de indivíduos. Por sua vez, uma subenumeração censitária maior no primeiro censo demográfico levaria a uma sobrestimação da imigração, ao considerar o maior grau de enumeração do segundo censo. Variações na enumeração por grupo de idade aumenta a complexidade da análise, além da presença do bloco de quesitos de migração no questionário da amostra do censo demográfico, adicionando variabilidade em decorrência do erro amostral.

Estimação do saldo da população com idade inferior ao período intercensitário

A estimação de saldos migratórios de brasileiros com idade inferior ao período intercensitário dependeria de registros de nascimentos que discriminem o status migratório das mães, algo que não existe no Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (Sinasc) e no Registro Civil brasileiro. O uso de razões criança-mulher aos saldos migratórios de naturais pode servir como substitutos, alterando sua interpretação (equação 5).3

R ' 0 4 ( b r ) t , t + n E 0 4 ( b r ) t , t + n + I 0 4 ( b r , e ) t , t + n Q 0 4 ( b r , e ) t , t + n = P 0 4 P 15 44 f ( 15 40 R x ( b r , f ) t , t + n E x ( b r , f ) t , t + n ) (5)

Onde: P04 é a população, no final do período intercensitário, com idade entre 0 e 4 anos; P1544f é a população feminina, no final do período intercensitário, com idade entre 15 e 44 anos; 1540Rx(br,f)t,t+nEx(br,f)t,t+n é o saldo feminino de brasileiras no censo brasileiro, estimado pela diferença, entre as idades de 15 a 44 anos, de mulheres que retornaram, sobreviveram e não reemigraram e aquelas que emigraram, sobreviveram e não retornaram no período intercensitário; R'04(br)t,t+n e E04(br)t,t+n são, respectivamente, o número de crianças brasileiras filhas de retornadas, que nasceram no segundo quinquênio do decênio, sobreviveram e não emigraram e o número de crianças emigrantes brasileiras que nasceram no segundo quinquênio, sobreviveram e não retornaram até o final do período; I04(br,e)t,t+n é o número de imigrantes estrangeiros, com idade entre 0 e 4 anos, filhos de retornadas brasileiras que nasceram, sobreviveram e não reemigraram no período intercensitário; e Q04(br,e)t,t+n é o número de crianças nascidas no período intercensitário, filhas de emigrantes brasileiras do mesmo período e que nasceram no estrangeiro, sobreviveram e não emigraram para o Brasil no período intercensitário.

Utilizando o algoritmo de Lee (1957), pode-se definir o lado esquerdo da equação 5 como:

  • se positivo, ¾ são, predominantemente, brasileiros natos, filhos de retornadas no período intercensitário, que sobreviveram e não emigraram (efeito indireto da migração → R'04(br)t,t+n);

  • se positivo, ¼ corresponde, predominantemente, a estrangeiros, filhos de brasileiras que estavam no exterior e retornaram no período intercensitário, que sobreviveram e não emigraram (efeito direto da migração e indireto da migração de retorno → I04(br)t,t+n);

  • se negativo, ¼ corresponde, predominantemente, a brasileiros natos, filhos de emigrantes brasileiras no período intercensitário, que migraram, sobreviveram e não retornaram (efeito direto da emigração → E04(br)t,t+n);

  • se negativo, ¾ são, predominantemente, estrangeiros, filhos de emigrantes brasileiras no período intercensitário que sobreviveram e não imigraram para o Brasil no período intercensitário (efeito indireto da migração → Q04(br,e)t,t+n).

A estimativa indireta para o grupo etário com idade inferior ao período intercensitário a partir das estimativas de saldos migratórios de brasileiras subestima o efeito da migração de mulheres estrangeiras que, no período intercensitário, tiveram seus filhos no Brasil. Nesse caso, para os primeiros grupos etários, torna-se necessário estimar o efeito da migração de estrangeiras na natalidade de brasileiros, ou seja, seus efeitos indiretos. Assim, podemos reescrever a equação da seguinte forma:

I 0 4 ( e ) t , t + n E 0 4 ( e ) t , t + n + V 0 4 ( e , b r ) t , t + n Q 0 4 ( e , b r ) t , t + n = P 0 4 P 15 44 f ( 15 40 I x ( e , f ) t , t + n E x ( e , f ) t , t + n ) (6)

Onde: P 0-4 é a população, no final do período intercensitário, com idade entre 0 e 4 anos; P1544f é a população feminina, no final do período intercensitário, com idade entre 15 e 44 anos; 1540Ix(e,f)t,t+nEx(e,f)t,t+n é o saldo feminino de estrangeiras no censo brasileiro, estimado pela diferença, entre as idades de 15 a 44 anos, de mulheres estrangeiras que imigraram, sobreviveram e não reemigraram e aquelas que emigraram, sobreviveram e não retornaram no período intercensitário; I04(e)t,t+n e E04(e)t,t+n são, respectivamente, o número de crianças estrangeiras filhas de estrangeiras, que sobreviveram e não reemigraram e o número de crianças emigrantes brasileiras, filhas de estrangeiras que sobreviveram e não retornaram até o final do período; V04(e,br)t,t+n é o número crianças brasileiras, com idade entre 0 e 4 anos, filhas de estrangeiras que nasceram, sobreviveram e não emigraram no período intercensitário; e Q04(br,e)t,t+n é o número de crianças nascidas no período intercensitário, filhas de emigrantes estrangeiras do mesmo período que nasceram no estrangeiro, sobreviveram e não emigraram para o Brasil no período intercensitário.

Utilizando o algoritmo de Lee (1957), pode-se definir o lado esquerdo da equação 6 como:

  • se positivo, ¾ são, predominantemente, brasileiros natos, filhos de mulheres imigrantes no período intercensitário, que sobreviveram e não emigraram (efeito indireto da migração → V04(e,br)t,t+n);

  • se positivo, ¼ corresponde, predominantemente, a estrangeiros, filhos de estrangeiras que estavam no exterior e imigraram no período intercensitário, sobreviveram e não reemigraram (efeito direto da migração → I04(e)t,t+n);

  • se negativo, ¼ corresponde, predominantemente, a crianças brasileiras, filhas de emigrantes estrangeiras que, no período intercensitário, emigraram, sobreviveram e não retornaram (efeito direto da emigração → E04(e)t,t+n);

  • se negativo, ¾ são, predominantemente, estrangeiros, filhos de emigrantes estrangerias no período intercensitário que sobreviveram e não imigraram para o Brasil no período intercensitário (efeito indireto → Q04(e,br)t,t+n).

Nesse caso, a relação criança-mulher pode ser estimada para a população total, assumindo os pressupostos de não existência de diferenciais entre imigrantes e naturais, quanto à fecundidade e sobrevivência das mulheres e dos seus filhos, além de ser a migração de crianças totalmente atrelada às mães. O motivo do pressuposto é a possibilidade de que mulheres imigrantes com maior tempo de residência tenham filhos brasileiros, ao passo que o grande volume de imigração recente poderia gerar efeitos diretos da migração. Assumir esse pressuposto favoreceria a redução das distorções do tempo da migração sobre os primeiros grupos etários.

Nesse cenário, o saldo de brasileiros natos para o primeiro grupo etário no período intercensitário será definido como:

S M 0 4 b r = R ' 0 4 ( b r ) t , t + n E 0 4 ( b r ) t , t + n + V 0 4 ( e , b r ) t , t + n E 0 4 ( e ) t , t + n (7)

Ou seja, o saldo migratório de naturais é uma conjunção de efeitos indiretos de imigração e efeitos diretos de emigração, tanto de mulheres naturais quanto estrangeiras, sob o pressuposto de total atrelamento da migração entre crianças e suas mães.

Para demonstrar o uso da técnica proposta, utilizaram-se dos dados dos Censos Demográficos de 2000 e 2010 disponíveis no sítio eletrônico do IBGE4 e as tabelas de vida da última projeção populacional (IBGE, 2024). Para distinguir a população brasileira nata da população estrangeira (inclusive naturalizados), foram empregados os quesitos sobre nacionalidade, ou seja, se brasileiro nato, naturalizado ou estrangeiro (V0419 em 2000 e V0620 em 2010). Os dados foram agregados por grupos quinquenais de idade (a partir do quesito V4752 em 2000 e V6036 em 2010 sobre idade em anos completos) e sexo (V0401 em 2000 e V0601 em 2010). As tabelas de vida, por sexo, para o Brasil foram aplicadas para os naturais e os não naturais, não distinguindo possíveis diferenciais de mortalidade entre os dois grupos.

Para reduzir o efeito da subenumeração dos grupos etários abaixo de dez anos em 2000 sobre as estimativas de saldo daqueles que terão entre 10 e 19 anos no final do intervalo, aplicaram-se os fatores de correção propostos por Santos e Gonçalves (2018), elaborados a partir do método indicado por Preston (1983). Nesse sentido, foram aplicados aos grupos etários de 0 a 4 e 5 a 9 anos, ambos os sexos, os fatores de 1,0495 e 1,0242, respectivamente. Não foi necessário aplicar fatores de correção em 2010, uma vez que a estimativa de saldo parte da informação de taxas de migração líquidas que, por sua vez, não sofrem efeito da subenumeração censitária.

Resultados de variação de estoque populacional de brasileiros residindo no Brasil

A estimativa do saldo migratório de brasileiros entre 2000 e 2010 é positiva em 1.201.843 indivíduos. Esse valor, portanto, sugere um retorno de brasileiros vindos do exterior em quantidade maior do que saída para os principais destinos migratórios de brasileiros na década.5 No entanto, esse saldo positivo foi responsável por apenas 0,63% do total da população de brasileiros em 2010.

O Gráfico 1 reafirma o baixo impacto da migração internacional no período, inclusive por idade e sexo. A estrutura etária apresenta regularidades já vistas em outros períodos (Carvalho, 1996), com perdas populacionais no grupo etário de 25 a 29 anos e ganhos em grupos adultos mais avançados, como 35 a 39 e 40 a 44 anos. Tal padrão, apesar de pouco expressivo para a década, ressalta o papel temporário da migração laboral de brasileiros no exterior, com a saída de jovens adultos e o retorno de adultos em anos subsequentes.

GRÁFICO 1
Efeito da migração internacional entre 2000 e 2010 sobre a estrutura etária de brasileiros residentes Brasil - 2010

Ao analisar os efeitos da migração por grupos de idade, destacam-se as perdas líquidas de jovens adultos e os saldos positivos nas idades subsequentes (Gráfico 2), refletindo os efeitos tanto diretos quanto indiretos de saída e retorno de brasileiros e de estrangeiros que tiveram seus filhos em território nacional.

GRÁFICO 2
Efeitos líquidos da migração de brasileiros em território nacional, por grupos de idade Brasil - 2010

A maior participação dos efeitos indiretos resultante da mobilidade de brasileiras deve-se ao seu montante, mas não ao seu padrão etário. Percebe-se, ainda, que a migração de brasileiros tem fortes marcas de mobilidade laboral, diferentemente da mobilidade de estrangeiros. Além disso, para a década 2000-2010 nota-se uma segmentação bem definida sobre as idades de migração líquida positiva e negativa de estrangeiros, com a predominância da saída de não naturais acima de 45 anos e migração líquida positiva abaixo dessa idade. Quando observadas as taxas específicas de migração líquida por idade, percebe-se que a contribuição relativa das mulheres emigrantes é superior ao das mulheres brasileiras retornadas (Gráfico 3).

GRÁFICO 3
Taxas específicas de migração líquida de brasileiras e estrangeiras, por grupos de idade Brasil - 2000-2010

Considerações finais

Embora a década de 2000-2010 tenha tido pouca participação da migração internacional na variação de estoque da população brasileira (Carvalho et al., 2016, 2018), o relatório Comunidades brasileiras no exterior, produzido pelo Ministério das Relações Exteriores, sugere que a emigração de brasileiros foi intensa entre 2010 e 2022 (Brasil, 2024). O número de brasileiros residindo no exterior teria passado de 3.122.813, em 2010, para 4.598.735, em 2022, um aumento de 47,3% que corresponde a uma taxa de crescimento anual de 3,2%. Em 2023, o número de brasileiros no exterior teria chegado a 4.996.951, correspondendo a um acréscimo de 8,7% em relação ao ano anterior (Brasil, 2024). Os dados do MRE, no entanto, não explicitam o número de brasileiros que retornaram ao Brasil, bem como não deixam clara a metodologia de tratamento de dados para a produção da estimativa. Assim, sem os dados do Censo Demográfico de 2022 ou de registros administrativos com informação suficiente ou existente, não é possível afirmar se há e qual o tamanho da perda líquida de população nascida no Brasil.

A utilização da estimação do saldo migratório de brasileiros não apenas permite dar uma resposta a essa questão, mas também ajuda a entender se o padrão migratório por idade e sexo se manteve ou se sofreu alteração na década atual em relação à anterior. Entende-se que os censos demográficos ainda oferecem boas estimativas, com a flexibilidade de identificar padrões etários e por sexo, além de sua fácil aplicação e adaptação para decompor o saldo por unidade da federação. Nesse sentido, o presente trabalho segue como uma recomendação metodológica para o tratamento dos dados do Censo Demográfico de 2022, tão logo os microdados, em especial aqueles sobre naturalidade e nacionalidade dos indivíduos, estejam disponíveis.

Reconhecimentos:

Não aplicável.

Referências

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  • LEE, E. S. et al. Population redistribution and economic growth: United States - 1870-1950. Philadelphia: The American Philosophical Society, v. 1, 1957.
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  • SANTOS, R. O.; GONÇALVES, G. Q. Métodos para estimação da subenumeração do grupo etário de 0 a 4 anos no Censo Demográfico brasileiro de 2000. Revista Brasileira de Estudos de População, v. 35, n. 1, e0061, 2019.
  • UNITED NATIONS. VI Manual: methods of measuring internal migration. New York: United Nations Publication, 1970.
  • Financiamento:
    Não aplicável.
  • Aprovação ética:
    Não aplicável.
  • Disponibilidade de dados e material:
    Os conteúdos já estão disponíveis.
  • 1
    Para mais detalhes, ver United Nations (1970), Rees (1977), Carvalho (1982, 1985) e Dorrington (2013).
  • 2
    Desenvolvimentos sobre esse assunto, como utilizar outras relações intercensitárias de sobrevivência estimadas, devem ser cuidadosamente testados para reduzir os erros de se utilizar diretamente indicadores de tabelas de sobrevivência. Entretanto, esse tema não será tratado aqui.
  • 3
    Serão omitidas as formulações para o grupo entre 5 e 9 anos. A interpretação é similar, diferenciando-se pelas proporções de efeitos diretos e indiretos: para a população entre 5 e 9 anos, – da taxa de migração líquida das mulheres em idade reprodutiva correspondem ao efeito direto da migração, ao passo que ¼ refere-se ao efeito indireto (Lee, 1957).
  • 4
    Disponível em: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/downloads-estatisticas.html.
  • 5
    Carvalho et al. (2016, 2018) chegaram à conclusão similar para o período entre 2005 e 2010.

Editado por

  • Editor:
    Bernardo Lanza Queiroz

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Jul 2025
  • Data do Fascículo
    2025

Histórico

  • Recebido
    11 Nov 2024
  • Aceito
    24 Abr 2025
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