A cultura de camu-camu no Brasil
O camu-camuzeiro (Myrciaria dubia (H.B.K.) McVaugh) é uma das fruteiras tipicamente amazônicas, que crescem na beira dos rios e lagos de toda a bacia Amazônica. O seu habitat varia desde solos férteis da várzea do Peru, onde há influência direta dos Andes, até solos paupérrimos da praia de areia branca do Rio Negro. As plantas conseguem adaptar-se conforme seu habitat; em solos férteis, as raízes são curtas e ficam próximas ao caule principal; por outro lado, em solo pobre como areia branca, o sistema radicular pode estender-se três vezes ou mais da sua altura. Este fato pode influenciar diretamente na produção de fruto, onde a planta bem nutrida produz todos os anos, e as plantas em solos pobres produzem cada dois ou três anos, acumulando a reserva para poder produzir o fruto. Em solos de terra firme, onde os nutrientes e a água podem ser controlados, o camu-camuzeiro pode produzir mais de duas safras anuais, como acontece com outras espécies de Myrtaceae, como: jabuticaba (Myrciaria cauliflora), acerola (Malpighia glabra), araçá-boi (Eugenia stipitata) e outros.
É um arbusto lenhoso de 1,5 a 4 m de altura, apresentando um conjunto de caules quase do mesmo calibre emergindo do chão, podendo também, com menor freqüência, apresentar um curto caule antes da ramificação primária. Fruto bacáceo, globoso, com mesocarpo carnoso (gelatinoso) e esbranquiçado, de sabor cítrico; verde- pálido quando imaturo e vináceo quando maduro, de 1,4 a 2,7 cm de altura e 1,6 a 3,10 cm de diâmetro. A semente varia de 1 a 4 por fruto, reniforme, com fibrilas na superfície.
O camu-camu é conhecido como fruto mais rico em vitamina C, que varia de 800 a 6.100 mg/100 g de polpa, e sua estabilidade é muito boa. O fruto maduro tem maior teor do que o fruto verde, ao contrário da acerola. Sendo assim, tem potencial para alimentação rica em vitamina C (sulco, néctar, refrigerante gaseificado, geleia, sorvetes, bombons, balas), cosméticos (creme facial, xampu e condicionador) e fármacos (comprimido, tablete, microcapsulado). O suco de camu-camu, feito com fruto maduro, tem coloração róseo-vermelhada, bastante bonita, causada pela antocianina. Esta antocianina também é um poderoso antioxidante; comparando com outras frutas, superaram facilmente o açaí, mirtilo, maçã, laranja. A análise realizada pelo Laboratório de Brunswick, em Boston, Massachusetts, apresentou 52.969 µmol TE/g composto por cinco radicais, de antioxidantes.
A comercialização é feita em pequena, escala, em feiras, na região produtora, porém a grande parte é feita em forma de polpa congelada. O fruto é muito pouco conhecido dentro do País, mas é muito procurado pelos japoneses, americanos e europeus, sendo exportados em contêineres refrigerados, em tambor de 200 L. No Japão, a polpa é transformada em bebidas gaseificadas em latas de alumínio e vidros, vinagre, recheioa de pão, aperitivo, sorvetes, balas, comprimidos. No Brasil, a empresa de cosméticos Semprebella produziu xampu, modelador, desembaraçante e condicionador, e a empresa Tucuxi, em Manaus, o xarope.
O camu-camu natural ocorre em toda a bacia Amazônica, e em alguns locais pode dominar totalmente as margens dos rios; é uma das poucas espécies que vale a pena o extrativismo de frutas, principalmente para os pescadores, porque o fruto de camu-camu madurece no período das enchentes dos rios, quando os pescadores ficam sem trabalho; como eles conhecem bem os rios, sabem também onde encontrar a maior concentração de camu-camu natural e podem aproveitar seus barcos e canoas para coletar os frutos e armazenar em câmara refrigerada do barco e entregar na fábrica de polpa. A ocorrência de camu-camu em toda a bacia Amazônica significa que existem diferentes ecossistemas e haverá a variação genética nas plantas originárias de diferentes regiões. Estes fatos foram comprovados na coleção de germoplasma de camu-camu, instalada em terra firme, em Campo Experimental do INPA, verificando a arquitetura da planta, a análise físico-química dos frutos, o tipo de plântula, a morfologia foliar e outros. A semente foi distribuída em quase todos os Estados Brasileiros, sendo verificado também que alguns genótipos (< 5%) conseguiram adaptar-se na região de Minas Gerais e São Paulo, onde as progênies destas plantas se desenvolvem normalmente, mostrando mais uma vez a plasticidade de adaptação à nova região. Alguns produtores do interior de São Paulo já iniciaram a produção de camu-camu, principalmente na região do Vale do Ribeira, com o intuito de substituir lavouras de banana que não suportam a inundação. Como o camu-camu é nativo da beira dos rios e suportam as enchentes anuais de quatro a seis meses, a inundação não atrapalha o cultivo; desta forma, o cultivo em Iguape e Registro está em plena expansão.
Na região Amazônica, já existe a tecnologia de produção. Os materiais melhorados com alto teor de acido ascórbico e alta produtividade podem chegar a 10 e 23 kg de fruto/planta/safra, e por meio de técnicas de clonagem podem multiplicar-se vegetativamente.
Já existe a tecnologia para processamento de fruta, geleia, sorvete, néctar, com alta concentração de ácido ascórbico. Porém, o ponto mais interessante é a transformação de polpa em pó hidrossolúvel com alta concentração de ácido ascórbico (até 23%) e preservação de antocianinas para dar coloração no suco e permanência de aroma do fruto.
Kaoru Yuyama
Engenheiro Agrônomo, Dr., Professor, Bolsista do CNPq,
Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia,
Manaus-AM.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
25 Jul 2011 -
Data do Fascículo
Jun 2011