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Recuperação de compostos bioativos a partir do bagaço de uva

Recovery of bioactive compounds from grape pomace

Resumos

As indústrias de frutas destacam-se pelo volume de resíduo gerado e, principalmente, pela composição dos mesmos. O Brasil vem-se consolidando como um importante produtor mundial de suco de uva, gerando grande quantidade de resíduos diversos, como o bagaço, que corresponde a aproximadamente 20% da fruta processada. O bagaço constitui-se de casca e semente, e apresenta uma composição rica e heterogênea em compostos fenólicos (flavonoides e não flavonoides), razão pela qual foi empregado como matéria-prima no presente trabalho para a obtenção de um extrato bioativo. As extrações enzimática e etanólica foram avaliadas para a recuperação destes compostos para fins alimentícios. Dentre as condições avaliadas nos dois planejamentos experimentais, a extração hidroetanólica foi mais eficiente na recuperação dos compostos bioativos (p< 0,01), cujo extrato apresentou uma capacidade antioxidante de 1.965 µmol Trolox por 100 g de bagaço, 25% superior à do extrato obtido com a melhor condição enzimática (1.580 µmol Trolox por 100 g de bagaço).

reaproveitamento de coprodutos; Vitis sp; compostos fenólicos; antioxidantes; extração etanólica; extração enzimática


Fruit industries are highlighted by the residue amount and especially, for its composition. Brazil thereby is consolidating as an important grape juice producer, generating a large amount of diverse residues like grape pomace, which corresponds around 20% of total fruit processed. Grape pomace is constituted by seeds and peel and presents rich and heterogeneous composition in phenolic compounds (flavonoids and non flavonoids), reason why it was employed as raw material to obtain a bioactive extract in this study. Enzymatic and ethanolic extractions were evaluated to recover these compounds as they are able for application in food products. Between the evaluated conditions in both experimental design, ethanolic extraction was more efficient for the recovery of bioactive compounds (p<0,01), which extract presented an antioxidant activity of 1.965 µmol Trolox per 100 g of grape pomace, 25% higher than the extract obtained in the better enzymatic extraction (1.580 µmol Trolox per 100 g of grape pomace).

by-products reuse; Vitis sp; phenolic compounds; antioxidants; ethanolic extraction; enzymatic extraction


PROCESSAMENTO

Recuperação de compostos bioativos a partir do bagaço de uva1 1 (Trabalho 200-13).

Recovery of bioactive compounds from grape pomace

Ana Paula Gil GruzI; Carla Guimarães Silva e SousaII; Alexandre Guedes TorresIII; Suely Pereira FreitasIV; Lourdes Maria Correa CabralV

IUFRJ – Doutoranda em Ciências de Alimentos (PGCAL) - Laboratório de Bioquímica Nutricional e de Alimentos - Instituto de Química/UFRJ - Av. Athos da Silveira Ramos, 149 – CT Bloco A, sala 528A, Ilha Fundão, 21941-909 - Rio de Janeiro, RJ – Brasil. E-mail: *ana_gil@uol.com.br

IIUFRRJ – graduanda em Engenharia Química – DEQ - BR 465, km 7, 23890-000 – Seropédica/RJ- Brasil. E-mail: carlagss29@yahoo.com.br

IIIUFRJ – Prof. Dr. Departamento de Bioquímica - Laboratório de Bioquímica Nutricional e de Alimentos - Instituto de Química/UFRJ - Av. Athos da Silveira Ramos, 149 – CT Bloco A, sala 528A, Ilha Fundão, 21941-909 - Rio de Janeiro, RJ – Brasil. E-mail: torres@iq.ufrj.br

IVUFRJ- Profª. Drª. Departamento de Engenharia Química – Escola de Química/UFRJ – Av. Athos da Silveira Ramos, 149 – CT Bloco E, Sala 211, Ilha Fundão, 21941-909 - Rio de Janeiro, RJ – Brasil. E-mail: freitasp@eq.ufrj.br

VEMBRAPA Agroindústria de Alimentos – Pesquisadora - Av. das Américas, 29501, 23020-470 Rio de Janeiro/RJ, Brasil. E-mail: lourdes.cabral@embrapa.br

RESUMO

As indústrias de frutas destacam-se pelo volume de resíduo gerado e, principalmente, pela composição dos mesmos. O Brasil vem-se consolidando como um importante produtor mundial de suco de uva, gerando grande quantidade de resíduos diversos, como o bagaço, que corresponde a aproximadamente 20% da fruta processada. O bagaço constitui-se de casca e semente, e apresenta uma composição rica e heterogênea em compostos fenólicos (flavonoides e não flavonoides), razão pela qual foi empregado como matéria-prima no presente trabalho para a obtenção de um extrato bioativo. As extrações enzimática e etanólica foram avaliadas para a recuperação destes compostos para fins alimentícios. Dentre as condições avaliadas nos dois planejamentos experimentais, a extração hidroetanólica foi mais eficiente na recuperação dos compostos bioativos (p< 0,01), cujo extrato apresentou uma capacidade antioxidante de 1.965 µmol Trolox por 100 g de bagaço, 25% superior à do extrato obtido com a melhor condição enzimática (1.580 µmol Trolox por 100 g de bagaço).

Termos de indexação: reaproveitamento de coprodutos, Vitis sp., compostos fenólicos, antioxidantes, extração etanólica; extração enzimática.

ABSTRACT

Fruit industries are highlighted by the residue amount and especially, for its composition. Brazil thereby is consolidating as an important grape juice producer, generating a large amount of diverse residues like grape pomace, which corresponds around 20% of total fruit processed. Grape pomace is constituted by seeds and peel and presents rich and heterogeneous composition in phenolic compounds (flavonoids and non flavonoids), reason why it was employed as raw material to obtain a bioactive extract in this study. Enzymatic and ethanolic extractions were evaluated to recover these compounds as they are able for application in food products. Between the evaluated conditions in both experimental design, ethanolic extraction was more efficient for the recovery of bioactive compounds (p<0,01), which extract presented an antioxidant activity of 1.965 µmol Trolox per 100 g of grape pomace, 25% higher than the extract obtained in the better enzymatic extraction (1.580 µmol Trolox per 100 g of grape pomace).

Index terms: by-products reuse, Vitis sp, phenolic compounds, antioxidants, ethanolic extraction, enzymatic extraction.

INTRODUÇÃO

A produção de alimentos vem sendo redirecionada para uma produção limpa, com o objetivo de minimizar a geração de resíduos e maximizar o aproveitamento dos recursos empregados. O aproveitamento de resíduos da indústria de alimentos, através da implantação de novos processos integrados, permite aliar a produtividade com a eficiência ambiental (ARVANITOYANNS; VARZAKAS, 2008). As indústrias de alimentos, em especial as processadoras de frutas e hortaliças, geram elevados volumes de subprodutos e resíduos potencialmente ricos em substâncias de alto valor nutricional e funcional (KOSSEVA, 2009). Para minimizar impactos ambientais, esses resíduos têm sido destinados para adubação de terras e complementação de ração animal. A uva é uma das frutas mais cultivadas no mundo e aproximadamente 80% da produção mundial destina-se à fabricação de vinhos e derivados, gerando diversos resíduos, especialmente, engaço, borra e bagaço. No Brasil, a distribuição da safra apresenta um perfil diferenciado, com pouco menos de 50% destinado ao processamento, sendo o suco de uva (integral e concentrado) o produto de maior destaque e em plena expansão (MELLO, 2012). O bagaço, na vitinicultura, representa um problema ambiental em função de sua elevada quantidade, de aproximadamente 20% do volume total processado, gerado em curto intervalo de tempo, com características poluentes (BUSTAMANTE et al., 2008).

O bagaço apresenta teores relativamente elevados de compostos fenólicos com ação fitotóxica e antibacteriana, que dificultam seu descarte ou a utilização direta como adubo ou ração animal (BUSTAMANTE et al., 2007). No entanto, estes mesmos compostos apresentam bioatividade em humanos e vêm-se destacando por sua ação específica em prevenir doenças crônicas graves, tais como doenças cardiovasculares e câncer (LEIFERT; ABEYWARDENA, 2008; PETTI; SCULLY, 2009). Os compostos fenólicos compreendem, simultaneamente, estruturas simples, tais como os ácidos fenólicos, e outras mais complexas, tais como os flavonoides, que apresentam distribuição não homogênea entre os vegetais (NAZCK; SHAHIDHI, 2004). A distribuição de compostos fenólicos na uva é heterogênea quanto aos tecidos do fruto e quanto às classes de compostos. A uva apresenta teores fenólicos totais de 5-8% nas sementes, 1-4% no engaço e 1-2% na casca (SHRIKHANDE, 2000). Além disso, nas cascas, encontram-se flavonoides, tais como antocianinas, flavonóis, flavonóis e proantocianidinas, e não flavonoides, tais como ácidos fenólicos e estilbenos (MAZZA, 1995; MAZZA et al., 1999; MONTEALEGRE et al., 2006; PERESTRELO et al., 2012). Por outro lado, nas sementes, ocorrem predominantemente os taninos condensados.

A recuperação dos compostos fenólicos a partir do bagaço de uva vem sendo investigada, especialmente pela aplicação de diversas tecnologias envolvendo a extração sólido:líquido auxiliada por micro-ondas, pulsos elétricos, alta pressão hidrostática (CORRALES et al. 2008), extração com fluido supercrítico (PALENZUELA et al., 2004) e/ou β-ciclodextrinas (RATNASOORIYA; RUPASINGHE, 2012). A aplicação potencial dos extratos é o principal fator a ser considerado na escolha das técnicas de extração de componentes bioativos de resíduos da vitivinicultura. Em geral, soluções hidroalcoólicas ou água sulfurada aquecida são os solventes mais utilizados na indústria de alimentos (JU; HOWARD, 2005; MAZZA, 1995). A aplicação de preparações enzimáticas vem sendo investigada como alternativa tecnológica mais sustentável para a obtenção de extratos bioativos (MUÑOZ et al., 2004) de interesse da indústria de alimentos.

Alguns extratos naturais têm sido empregados em formulações alimentícias, tais como os de antioxidantes naturais, com vistas à substituição total ou parcial de aditivos sintéticos potencialmente tóxicos. Devido à pluralidade das espécies químicas de componentes bioativos naturais, tais como os fenólicos, observam-se diferentes mecanismos de ação e grande potencial para sinergismos, que podem aumentar sua ação nos sistemas a serem empregados, em comparação com o uso de substâncias isoladas (DOSSIÊ ANTIOXIDANTES, 2009).

O objetivo do presente trabalho foi comparar dois processos tecnológicos na recuperação de compostos bioativos do bagaço da uva com vistas à aplicação em alimentos. Foram avaliadas as extrações enzimática e hidroetanólica, ambas em escala laboratorial.

MATERIAIS E MÉTODOS

Material

A uva rosada, normalmente usada para a produção de sucos, foi adquirida no comércio local. O bagaço de uva utilizado nos experimentos foi obtido por prensagem hidráulica de 7,8 kg das uvas desengaçadas manualmente, sanitizadas e acondicionadas em sacos com tela de náilon (diâmetro de 150 µm).

Enzima: A preparação enzimática empregada possui atividade de pectinase e hemicelulase proveniente dos microrganismos Aspergillus niger e Trichoderma reseei, semelhante à melhor preparação testada por Muñoz et al. (2004) para a recuperação de antocianinas do bagaço de uva fermentado.

Metodologia

Extração: - Os processos de extração foram avaliados a partir de dois planejamentos fatoriais 24 com triplicata no ponto central. Os fatores avaliados nos dois planejamentos experimentais foram o pH, a razão solvente/substrato e a temperatura. Adicionalmente, foram avaliados o teor de etanol e a concentração de enzimas para as extrações hidroetanólica e enzimática, respectivamente, cujos níveis estão apresentados na Tabela 1. As variáveis de resposta selecionadas foram o teor de compostos fenólicos totais, teor de antocianinas totais e monoméricas, bem como a capacidade antioxidante.

As misturas foram preparadas em erlenmeyers, e os experimentos de extração, conduzidos em shaker com temperatura controlada e agitação de 60 rpm, por 120 minutos. Os sólidos em suspensão foram reduzidos através da filtração em funil de Büchner sem papel de filtro, e os extratos obtidos foram congelados a -20 ºC até análise.

Determinação dos compostos fenólicos totais (FT): - Os compostos fenólicos totais foram quantificados como descrito por Singleton e Rossi (1965), de acordo com as modificações de Georgé et al. (2005), usando-se ácido gálico como padrão analítico. Os extratos foram diluídos em acetona a 70% e após 30 minutos de agitação magnética foram filtrados em papel de filtro de filtração rápida. Uma alíquota de 0,5 mL do filtrado diluído em água destilada ou de solução de ácido gálico foi transferida para um tubo de ensaio. A seguir, foram adicionados 2,5 mL de reativo de Folin-Ciocalteau a 10% em água e 2,0 mL de carbonato de sódio a 7,5% em água. Os tubos foram agitados, transferidos para um banho-maria a 50ºC e, após 15 minutos de reação, os mesmos foram conservados em um banho de gelo. A absorvância das soluções à temperatura ambiente foi medida em espectrofotômetro (Bioespectro modelo SP210) a 760 nm. A quantificação baseou-se na curva de calibração de ácido gálico (0 a 80 mg/L), e os resultados foram expressos como ácido gálico equivalente por 100 g de extrato (mg/100 g).

Determinação das antocianinas totais (AT) e monoméricas (AM): - As antocianinas totais e monoméricas foram quantificadas pelo método do pH diferencial (GIUSTI; WROLSTAD, 2001), utilizando a cianidina-3-glucosídeo como referência e os dados de coeficiente de extinção molar (ε) da literatura (26.900 M-1cm-1) e massa molecular (PM) de 449,2 g.gmol-1. Os extratos obtidos foram diluídos em tampão pH 1,0 e pH 4,5, separadamente, e após 30 minutos de estabilização, as absorbâncias das soluções foram lidas a 510 e 700nm.

A quantificação das antocianinas totais (AT) foi realizada de acordo com a equação 1, enquanto as antocianinas monoméricas (AM) foram quantificadas de acordo com a equação 2. Os resultados foram expressos em mg cianidina-3-glucosídeo por 100 g de extrato.

Determinação da capacidade antioxidante: -Os extratos obtidos no item 2.1 foram submetidos à extração analítica prévia, de acordo com Rufino et al. (2007), e a determinação da capacidade antioxidante foi avaliada pelo método do ABTS expresso em equivalentes de Trolox (RE et al., 1999). O radical ABTS+ foi obtido quimicamente por oxidação estequiométrica do ABTS por persulfato de potássio. Alíquotas das soluções aquosas de ABTS 7 mM e Persulfato de Potássio 140 mM foram transferidas para um frasco âmbar na razão estequiométrica de 1:0,5 (mol:mol). Para a completa reação e estabilização do radical, o frasco permaneceu ao abrigo da luz, à temperatura ambiente, por 14 horas, sendo esta a solução radicalar concentrada. A solução concentrada ABTS.+ foi diluída em etanol a 95% até se atingir uma absorbância a 734 nm de 0,700 ± 0,02. Soluções de Trolox® (100; 500; 1.000; 1.500 e 2.000 µM em etanol a 95%) e os extratos foram transferidos para tubos de ensaio onde reagiram por 6 minutos com a solução diluída de ABTS.+, na proporção de 1:10, à temperatura ambiente e ao abrigo da luz. A cada triplicata analítica, um branco com etanol a 95% foi lido, e a diferença entre as absorbâncias do branco e as amostras ou o padrão foi utilizada para os cálculos. Os resultados obtidos foram expressos em µmol Trolox/g extrato.

Análise estatística:- Os resultados analíticos dos extratos foram calculados em termos de rendimento, referente a 100 g de bagaço. Os resultados foram expressos como média e desvio-padrão com, ao menos, três replicatas analíticas. Os resultados do planejamento experimental (fatorial 24 com triplicata no ponto central) e as médias analíticas foram avaliados, empregando-se os softwares Statistica 7.0 e software XLSTAT 7.5. Os fatores avaliados foram considerados estatisticamente significativos para valores de p < 0,05 e marginalmente significativos para 0,05 < p < 0,10.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Extração Enzimática: - Todas as variáveis investigadas apresentaram distribuição normal, de acordo com os testes de Shapiro-Wilk e Kolmogorov-Smirnov.

A quantidade de enzima adicionada teve por base dados reportados na literatura para extração de suco de amora-preta (SANTIAGO, 2010). Na faixa analisada, os resultados obtidos para a extração enzimática indicaram a influência positiva dos fatores razão solvente/substrato e temperatura para todas as variáveis de resposta. Como esperado, o aumento da razão solvente/carga favoreceu a transferência de massa da matriz sólida para a solução extratora, por aumentar o gradiente de potencial químico. Neste caso o solvente, água pura, foi capaz de extrair os compostos mais polares e fracamente ligados na estrutura da matriz.

O aumento da temperatura também contribuiu de forma positiva para a recuperação dos compostos bioativos, muito provavelmente pelas características da preparação enzimática empregada, cuja condição ótima é alcançada a 50 ºC e pH 3.5, porém com uma faixa de atividade entre 10 a 50 ºC e pH de 3,0 a 5,5. Como pode ser observado no gráfico de valores marginais (Figura 1), o aumento da temperatura de 30 para 50 ºC em pH 2.0 promoveu acréscimo de 47% na atividade antioxidante do extrato, passando de 644 para 946 µmol TE/100 g. Em pH 4,0, o efeito da temperatura foi maior ainda, uma vez que o extrato obtido a 50ºC apresentou atividade antioxidante 83% superior ao obtido a 30 ºC (Figura 1).


A redução do pH da solução promoveu amento das antocianinas no extrato, muito provavelmente por estabilizar o núcleo flavílio. Porém, para a capacidade antioxidante, o pH mostrou-se marginalmente significativo (p< 0,10). Neste caso, o aumento do pH da solução aumentou a capacidade antioxidante do extrato, que pode ser decorrente da maior estabilidade da preparação enzimática e, consequentemente, maior extração de compostos bioativos e não somente os compostos fenólicos determinados neste trabalho.

A capacidade antioxidante é favorecida com o aumento da temperatura e da razão solvente/substrato (Figura 2); no entanto, o fator de interação entre estas duas variáveis independentes foi apenas marginalmente significativo (p< 0,10). Já para a extração dos compostos fenólicos, o fator de interação entre a temperatura e a razão solvente/substrato foi significativo (Figura 3).



Embora os maiores rendimentos de extração dos compostos fenólicos totais (286,1 ± 1,8 mg/100 g) e antocianinas (32,8 ± 0,6 mg/100 g) tenham ocorrido nas condições do ensaio 10 - pH 2,0; 50 ºC; razão solvente/substrato 3:1; e 630 UI/100 g bagaço (Tabela 2) - a capacidade antioxidante do extrato foi maior em pH 4,0 (ensaios 12 e 16). Como a curvatura não foi significativa estatisticamente, pode-se inferir que, dentre as condições avaliadas, as dos ensaios 12 e 16 foram as mais eficientes quando se trata da capacidade antioxidante, e não apresentaram diferença significativa entre si (p>0,1). As condições destes ensaios foram: pH 4,0 (+1), razão solvente/substrato de 3:1 (+1), temperatura de 50 ºC (+1) em ambos os níveis de enzima (210 e 630 UI/100 g de bagaço), respectivamente, sugerindo um excesso da preparação enzimática no meio extrator.

Extração Hidroetanólica:

Os valores de rendimento em capacidade antioxidante variaram de 600 a 2.000 µmol Trolox equivalente por 100 g de bagaço na extração hidroetanólica (Tabela 3), um pouco acima da faixa de 440 a 1.600 µmol Trolox equivalente por 100 g de bagaço observada para a extração enzimática (Tabela 2).

Assim como no processo enzimático, a razão solvente/carga e a temperatura foram os parâmetros estatisticamente significativos para todas as variáveis de resposta avaliadas. A influência destes fatores foi positiva, porém verificou-se que, para as antocianinas, a razão solvente/carga foi mais relevante que a temperatura (Figura 4), enquanto para os fenólicos totais e atividade antioxidante ocorreu o inverso, o aumento da temperatura atuou mais fortemente que a razão solvente/substrato (Figuras 5 e 6).




A temperatura teve um efeito positivo no rendimento de extração etanólica, provavelmente devido ao aumento do coeficiente de difusão e da solubilidade das moléculas no solvente, promovidos pelo aumento da temperatura. Spigno et al. (2007) verificaram o mesmo comportamento, sendo a extração dos fenólicos de bagaço de uva a 60ºC mais eficiente que a conduzida a 45ºC. Contudo, após 20 horas de extração, foram observadas perdas nos rendimentos, em ambas as temperaturas. Embora a maioria dos compostos bioativos recuperados sejam termolábeis, não se verificaram perdas com a temperatura de 50ºC, muito provavelmente por o tempo de extração ser de apenas duas horas. Os aumentos no teor de etanol e na temperatura da extração favoreceram o rendimento em atividade antioxidante (Figura 6).

O aumento do teor de etanol favoreceu a extração dos compostos fenólicos totais, enquanto para as antocianinas o efeito foi oposto (Figura 7). Acredita-se que, embora as antocianinas pertençam à classe dos compostos fenólicos, outras subclasses também são mensuradas pela metodologia de Folin empregada, e, neste caso, a modificação da polaridade pelo aumento do teor de etanol seja mais favorável para a maioria destas subclasses. Para as antocianinas, observa-se que o etanol somente influi negativamente quando em temperatura mais baixa (30 ºC), em que a solubilidade destes compostos depende mais fortemente da polaridade por serem pigmentos hidrossolúveis. Entretanto, a 50ºC, acredita-se que efeito da concentração do etanol na solução seja sobreposto pelo aumento do coeficiente de difusão ocasionado pelo aumento da temperatura. Outro fato importante que deve ser considerado é o baixo teor de antocianinas nesta matriz, se comparado ao de outros alimentos, tais como o açaí e outras uvas tintas, que pode ser um fator a contribuir para a maior intensidade das interações mencionadas acima.


O pH teve efeito significativo e foi diretamente associado com os teores de antocianinas totais no extrato, assim como observado na extração enzimática, e diferentemente do observado por Valduga et al. (2008). Possivelmente, em pH 4,0, a quantidade de água livre, capaz de solvatar as antocianinas, foi maior do que no pH 2,0, uma vez que a acidificação se deu por adição de um ácido fraco (ac. cítrico). Adicionalmente, o pH 4,0 é suficientemente ácido para manter a estabilidade do cátion flavílio (FRANCIS, 1982) e, portanto, essa foi a condição mais favorável no presente trabalho. Em contraste, Valduga et al. (2008) observaram melhor extração de antocianinas nos menores valores de pH, provavelmente devido ao uso de um ácido forte (ác. clorídrico) que não provocou o efeito de salting-out comentado acima. É possível que em valores de pH< 2,0, especialmente pelo uso de um ácido corrosivo, possa ter ocorrido ruptura de estruturas celulares, favorecendo a recuperação das antocianinas. Por outro lado, na extração enzimática, o pH atuou na estabilização do preparado enzimático, favorecendo sua ação.

Amendola et al. (2010) obtiveram um extrato hidroetanólico de bagaço de uva com teor de fenólicos totais de 7,2 g/L, um teor muito superior a 1,2 g/L, atingido neste trabalho no experimento 16, muito provavelmente em decorrência não somente da cultivar, mas das condições de processo que, no trabalho citado, envolveram a secagem e a moagem do bagaço, casca e semente. Embora seja de conhecimento que a área de contato do material está diretamente relacionada ao rendimento da extração, no presente trabalho optou-se por utilizar o bagaço com as dimensões iniciais para reduzir o número de operações unitárias do processamento e também o teor de taninos condensados nos extratos, uma vez que estes se encontram majoritariamente nas sementes. Embora os taninos condensados contribuam fortemente para a atividade antioxidante, são responsáveis pela adstringência nos alimentos e reduzem a digestibilidade de proteínas (NAZCK; SHAHIDHI, 2004). Desta forma, poderiam, respectivamente, afetar as propriedades sensoriais e reduzir a qualidade nutricional dos produtos nos quais o extrato fosse empregado ou até limitar seu uso em preparações alimentícias.

Embora, na maioria dos casos, o aumento da temperatura, da razão solvente/carga e do teor de solvente melhore a extração de solutos, as características da matriz e dos compostos de interesse são primordiais para se estabelecer a condição operacional mais favorável do ponto de vista termodinâmico e econômico.

Considerando que a capacidade antioxidante do extrato é a variável de resposta que traduz a condição dos compostos extraídos, pode-se observar que as melhores condições do processo enzimático e etanólico foram as dos ensaios 12 e 16 para ambos. De acordo com a análise de variância e comparação de médias pelo teste de Fisher (p<0,05), as extrações hidroetanólicas foram as mais apropriadas para a obtenção de extrato bioativo de bagaço de uva rosada.

CONCLUSÃO

Os fatores razão solvente/substrato e a temperatura influenciaram positivamente na capacidade antioxidante dos extratos obtidos via extração aquosa enzimática e etanólica. De acordo com os resultados obtidos, recomenda-se a extração com etanol:água (30:70, v/v) conduzida a 50 ºC, com pH 4,0, e razão solvente/substrato 3:1, como a condição termodinâmica mais favorável para a obtenção de extrato bioativo do bagaço de uva rosada.

AGRADECIMENTO

CAPES, CNPQ e FAPERJ, pelo apoio financeiro; a Selma Terzi, pelas análises de atividade enzimática da preparação enzimática comercial utilizada, e a Luiz Fernando Menezes da Silva, pela elaboração das imagens.

Recebido em: 20-05-2013.

Aceito para publicação em: 28-10-2013.

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    (Trabalho 200-13).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      30 Jan 2014
    • Data do Fascículo
      Dez 2013

    Histórico

    • Recebido
      20 Maio 2013
    • Aceito
      28 Out 2013
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