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Pupunha no mercado de Manaus: preferências de consumidores e suas implicações

Peach palm in Manaus, market Amazonas, Brazil: consumer preferences and their implications

Resumos

A demanda para o fruto fresco de pupunha (Bactris gasipaes Kunth, Palmae) permanece estável após 50 anos de pesquisa e fomento na Amazônia. Entrevistas com 30 consumidores na principal feira de Manaus, durante a segunda safra, determinaram que o fruto preferido é o vermelho (por 53%), de tamanho médio (67%), moderadamente a oleoso (53% oleoso e 40% moderadamente), em cachos grandes (50%) e com um custo razoável (R$5/cacho em outubro 2001), diferente dos frutos usados no fomento (grandes, secos, mais caros) e de dificil criação por melhoristas. A quantificação e o detalhamento destas preferências são essenciais para reorientar a pesquisa e o fomento.

fruto fresco; aparência; cor; textura; preço


The demand for fresh fruit of peach palm (Bactris gasipaes Kunth) has remained stable through 50 years of research and promotion in the Brazilian Amazon. Interviews with 30 consumers at the principal market in Manaus, Amazonas, during the second harvest determined that red (by 53%), medium weight (67%), moderately oily fruit (53% oily and 40% moderately oily), in large bunches (50%) with a reasonable price (R$5 = US$2 / bunch in October 2001) is preferred, which is different from the fruit used in promotion (large, dry, higher price) and difficult for breeders to create. Quantifying and detailing these preferences are essential to guide future research and promotion.

fresh fruit; appearance; color; texture; price


COMUNICAÇÃO CIENTÍFICA

Pupunha no mercado de Manaus: preferências de consumidores e suas implicações1 1 (Trabalho 020/2002). Recebido: 25/01/2002. Aceito para publicação: 28/08/2002.

Peach palm in Manaus, market Amazonas, Brazil: consumer preferences and their implications

Charles R. ClementI, 2 2 Pesquisador Titular, Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia - INPA, Cx. Postal 478, 69011-970 Manaus, AM, Brasil. (55-92) 643-1862 cclement@inpa.gov.br Bolsista do CNPq ; Lenoir A. SantosII, 3 3 Eng. Agr., Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia - INPA, Cx. Postal 478, 69011-970 Manaus, AM, Brasil. (55-92) 643-1862 lsantos@inpa.gov.br

IPesquisador Titular, Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia - INPA, Cx. Postal 478, 69011-970 Manaus, AM, Brasil. (55-92) 643-1862 Bolsista do CNPq

IIEng. Agr., Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia - INPA, Cx. Postal 478, 69011-970 Manaus, AM, Brasil. (55-92) 643-1862

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Charles R. Clement Pesquisador Titular, Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia - INPA Cx. Postal 478 69011-970 Manaus, AM, Brasil (55-92) 643-1862 cclement@inpa.gov.br Bolsista do CNPq

RESUMO

A demanda para o fruto fresco de pupunha (Bactris gasipaes Kunth, Palmae) permanece estável após 50 anos de pesquisa e fomento na Amazônia. Entrevistas com 30 consumidores na principal feira de Manaus, durante a segunda safra, determinaram que o fruto preferido é o vermelho (por 53%), de tamanho médio (67%), moderadamente a oleoso (53% oleoso e 40% moderadamente), em cachos grandes (50%) e com um custo razoável (R$5/cacho em outubro 2001), diferente dos frutos usados no fomento (grandes, secos, mais caros) e de dificil criação por melhoristas. A quantificação e o detalhamento destas preferências são essenciais para reorientar a pesquisa e o fomento.

Termos para indexação: fruto fresco, aparência, cor, textura, preço.

ABSTRACT

The demand for fresh fruit of peach palm (Bactris gasipaes Kunth) has remained stable through 50 years of research and promotion in the Brazilian Amazon. Interviews with 30 consumers at the principal market in Manaus, Amazonas, during the second harvest determined that red (by 53%), medium weight (67%), moderately oily fruit (53% oily and 40% moderately oily), in large bunches (50%) with a reasonable price (R$5 = US$2 / bunch in October 2001) is preferred, which is different from the fruit used in promotion (large, dry, higher price) and difficult for breeders to create. Quantifying and detailing these preferences are essential to guide future research and promotion.

Index terms: fresh fruit, appearance, color, texture, price.

A pupunha (Bactris gasipaes Kunth, Palmae) foi domesticada4 4 Selecionada e propagada em sistemas agrícolas tradicionais até houve mudanças nos genótipos e fenótipos que fizeram a população mais útil aos humanos que praticavam a domesticação. Veja Clement (1999) para maiores detalhes para que seu fruto fosse usado na economia indígena nas formas de farinha, bebida fermentada e fruto cozido. Na economia atual, tanto urbana como rural, é usado como fruto cozido e é subutilizado (Clement, 2000). A demanda para fruto fresco (usado após cozido) manteve-se estável ao longo das últimas décadas, apesar de uma campanha de fomento à produção bem executada. Uma parte dessa campanha usou germoplasma de população de Fonte Boa (Amazonas), da raça mesocarpa 'Solimões', pois acreditava-se empiricamente que este germoplasma atenderia à demanda para fruto fresco em Manaus (Moreira Gomes et al., 1987), o maior mercado para pupunha no Estado do Amazonas. No entanto, os municípios do baixo Rio Solimões e alto Rio Amazonas, onde este germoplasma foi plantado, não são importantes fornecedores de pupunha para Manaus, hoje. Uma conseqüência de uma campanha de fomento que aumentou a oferta, mas não a demanda, é que os produtores perderam tempo e dinheiro, o que sugere falhas no plano de fomento e na pesquisa em que se baseava.

Cachos de pupunha do município de Fonte Boa obtinham os maiores preços na feira principal de Manaus, mesmo após os maus tratos de uma viagem de 1011 km no porão de um barco de linha. No entanto, as preferências dos consumidores não foram analisadas na época. O objetivo do presente estudo preliminar foi determinar algumas características dos frutos e cachos de pupunha que a população de Manaus acredita serem importantes, em preparação para um estudo mais detalhado, bem como avaliar as implicações destas preferências.

Na entressafra, no período do início de setembro ao final de outubro de 2001, foram entrevistadas 30 pessoas que compraram pupunha na Feira da Banana, o principal ponto de entrada e comercialização de pupunha no centro de Manaus. Procurou-se obter informações sobre as preferências para: cor do fruto (indiferente, amarela, alaranjada e vermelha); tamanho do fruto e do cacho (pequeno, médio e grande); textura do fruto (oleosa, mais oleosa que seca, meia:meia, mais seca que oleosa e seca); aparência do fruto (indiferente, casca lisa ou rachada5 5 Casca rachada é considerada fator de qualidade em Costa Rica (Clement, 1986) ; presença de danos por insetos na casca do fruto (não importa ou importa); como escolher qual cacho comprar (só olhando, apertando, descascando, abrindo ou amassando6 6 Amassar a polpa permite estimar a sua quantidade de óleo (Clement e Arkcoll, 1991) a polpa); preço pago pelo cacho (R$1,00=US$0,38); forma de consumo pretendido (só cozido, farinha ou outro). Observou-se o movimento da feira e obtiveram-se informações preliminares sobre a cadeia de comercialização centrada em Manaus.

Cachos de pupunha chegam diariamente à Feira da Banana vindos principalmente pelo Rio Solimões, especialmente de Coari (368 km via fluvial de Manaus), Tefé (663 km), Fonte Boa (1011 km) e Tabatinga (1650 km). A maior chegada de pupunha ocorreu nas 3as às 6as feiras. Os feirantes sabem que a distância até Manaus é positivamente correlacionada ao tamanho dos frutos ao longo do rio, o que permite verificar a informação do gerente do barco sobre sua origem. Barcos de linha geralmente trazem centenas de cachos, podendo trazer até 2.000 cachos num só lote. Os cachos geralmente são vendidos por R$3-4 nos cais do porto, embora cachos especialmente grandes e bonitos podem comandar preços de até R$8-9. Dependendo da quantidade e da aparência dos frutos, um lote leva de 3 a 7 dias para ser vendido.

Na Feira da Banana, uma controla a maioria absoluta da comercialização da pupunha que chega durante a safra menor, ocupando um espaço de 3 x 9 m cedida pela Prefeitura, onde espalha ou empilha os cachos diretamente no chão de cimento. A recomendação técnica é pendurar os cachos para melhor ventilação, o que maximiza a vida de prateleira (Mora Urpí et al., 1997). Durante uma manhã, em média, 50 pessoas passam por hora ao lado da área comercial, das quais metade olha e/ou examina os cachos, e sete realizam uma compra.

Mais de 50% acredita que frutos de cor vermelha são melhores (Figura 1A). A cor vermelha tende a ser altamente correlacionada à quantidade de coroteno na polpa (Mora Urpí et al., 1997), mesmo que sejam pigmentos distintos (antocianina vs caroteno).


A maioria dos compradores preferem frutos médios a grandes, em cachos grandes a médios (Figura 1B e C), e ao mesmo tempo preferem frutos algo oleosos (Figura 1D). Estas duas demandas são difíceis de atender, pois enquanto existe uma correlação alta e positiva entre tamanho e amido (ou seja, frutos secos), a correlação é alta e negativa entre amido e óleo (Clement et al., 1998), e,conseqüentemente entre tamanho e óleo. O resultado é que muitos acabam comprando cachos que não são de sua preferência (Figura 1E).

Setenta por cento dos compradores preferiram os frutos lisos e brilhantes, pois acreditam que têm boa qualidade da polpa (no caso polpa mais ou menos oleosa), mas não detalharam esta idéia; apenas 20% dos compradores manipularam os frutos para sentir a qualidade da polpa (Figura 1F). Apenas um comprador amassou a polpa entre os dedos. A maioria dos compradores (63%) não quis aceitar frutos com danos de insetos ou outras manchas, mas, na prática, teve que aceitá-los, porque é muito raro encontrar um cacho tão limpo como o desejado.

Os 30 compradores entrevistados pagaram em média R$7,10 (desvio-padrão ±4,60) por cacho. Um comprador pagou R$20 por um cacho grande e outros 3 pagaram de R$15 a R$18 por cachos maiores; todos estes cachos foram de Fonte Boa (Amazonas), confirmando assim a informação empírica de Moreira Gomes et al. (1987). A maioria dos compradores (57%), no entanto, preferiu pagar R$5 ou menos por cacho (Figura 1G); os compradores neste grupo pagaram R$4,10 (±1,10) por seu cacho. Mais uma vez ocorreu uma discrepância entre preferência e prática: o grupo que pagou R$5 / cacho incluiu indivíduos que preferiam cachos grandes, mas ficaram com cachos pequenos (Figura 1H).

Em resumo, a maioria dos 30 compradores de pupunha entrevistados nesta feira de Manaus preferia frutos médios, oleosos e vermelhos com preço razoável, embora houvesse um segundo grupo que aceitou pagar mais, mas com as mesmas preferências. Os frutos de pupunha de Fonte Boa, usados no programa de fomento mencionado, são de cor vermelha, de tamanho médio a grande (47±14 g; até 75 g) e secos (67,7±10,4% amido vs 8,8±6,1% óleo no peso seco; Clement et al., 1998). A implicação clara é que futuros programas de pesquisa e fomento deveriam concentrar-se em frutos com maior demanda, como os de Coari, por exemplo (32±9 g, até 50 g; 54,5±13,8% amido vs 21,0±11,6% óleo; Clement et al., 1998). Atender a essas demandas num programa de melhoramento será difícil, pois alguns pares de caracteres preferidos possuem correlações negativas. No entanto, a mensagem mais importante é que é essencial entender melhor o consumidor de pupunha, quantificando suas preferências com mais eficiência, bem como o tamanho e comportamento dos diferentes segmentos deste mercado.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem ao M.Sc. Johannes van Leeuwen pelas sugestões que melhoraram o manuscrito, e à Sra. Rosa Clement e um revisor anônimo pela revisão da linguagem.

Lenoir A. Santos

Eng. Agr., Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia - INPA

Cx. Postal 478

69011-970 Manaus, AM, Brasil

(55-92) 643-1862 lsantos@inpa.gov.br

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  • Endereço para correspondência
    Charles R. Clement
    Pesquisador Titular, Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia - INPA
    Cx. Postal 478
    69011-970 Manaus, AM, Brasil
    (55-92) 643-1862
    Bolsista do CNPq
  • 1
    (Trabalho 020/2002). Recebido: 25/01/2002. Aceito para publicação: 28/08/2002.
  • 2
    Pesquisador Titular, Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia - INPA, Cx. Postal 478, 69011-970 Manaus, AM, Brasil. (55-92) 643-1862
    cclement@inpa.gov.br Bolsista do CNPq
  • 3
    Eng. Agr., Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia - INPA, Cx. Postal 478, 69011-970 Manaus, AM, Brasil. (55-92) 643-1862
  • 4
    Selecionada e propagada em sistemas agrícolas tradicionais até houve mudanças nos genótipos e fenótipos que fizeram a população mais útil aos humanos que praticavam a domesticação. Veja Clement (1999) para maiores detalhes
  • 5
    Casca rachada é considerada fator de qualidade em Costa Rica (Clement, 1986)
  • 6
    Amassar a polpa permite estimar a sua quantidade de óleo (Clement e Arkcoll, 1991)
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      05 Maio 2003
    • Data do Fascículo
      Dez 2002

    Histórico

    • Aceito
      28 Ago 2002
    • Recebido
      25 Jan 2002
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