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Substâncias da natureza com atividade anti-Trypanosoma cruzi

Natural compounds with anti-Trypanossoma cruzi activity

Resumos

A doença de Chagas, uma zoonose causada por Trypanosoma cruzi, afeta em todo o mundo cerca de 16 a 18 milhões de pessoas. Sua transmissão ocorre através das fezes de triatomíneos, insetos hematófagos conhecidos como barbeiro. Atualmente, a principal forma de transmissão da doença de Chagas em áreas urbanas é por meio de transfusão de sangue contaminado. A violeta de genciana é o único agente que pode ser empregado na quimioprofilaxia de sangue destinado à transfusão. No entanto, existem algumas restrições ao seu uso. A quimioterapia disponível para a doença de Chagas não é eficaz uma vez que as drogas disponíveis nifurtimox e benznidazol são ativas apenas na fase aguda da doença e apresentam sérios efeitos colaterais. Várias substâncias isoladas de plantas foram avaliadas como agentes anti-T. cruzi, objetivando encontrar drogas com menos efeitos colaterais e maior eficácia para a quimioprofilaxia e quimioterapia da doença de Chagas. Nesta revisão são apresentadas as substâncias de origem natural com atividade anti- T. cruzi.

Trypanosoma cruzi; doença de Chagas; substâncias naturais


Chagas'disease, a zoonose caused by Trypanosoma cruzi, affects 16-18 million people in the world. The most important mode of transmission of the disease is associated with the feces of several species of triatomine bugs that are strictly hematophagous. Actually, infected blood transfusion is the major mechanism of transmission in urban areas. Gentian violet is the only available prophylactic drug. Despite its effectiveness, there are some restrictions on its use. The available therapy of Chagas' disease is inadequate since the treatment of patients with the drugs nifurtimox and benznidazole presents serious toxic side effects. The search for new trypanocidal compounds to the treatment of Chagas'disease and to use for eliminating T. cruzi from blood, that are more effective and that do not affect red blood cells is the main goal in the prevention of Chagas' disease. In this review a large set of chemicals of plant origin are enumerated and their trypanocidal activity are briefly discussed.

Trypanosoma cruzi; Chagas' disease; natural compounds


REVISÃO

Substâncias da natureza com atividade anti-Trypanosoma cruzi

Natural compounds with anti-Trypanossoma cruzi activity

Dênia A. Saúde-Guimarães* * E-mail: saude@ef.ufop.br, Tel. +55-31-35591628 ; Angélica R. Faria

Laboratório de Estudos Químicos e Farmacológicos de Plantas Medicinais, Departamento de Farmácia, Escola de Farmácia, Universidade Federal de Ouro Preto, Rua Costa Sena 171, Centro, 35400-000, Ouro Preto, Minas Gerais, MG, Brasil

RESUMO

A doença de Chagas, uma zoonose causada por Trypanosoma cruzi, afeta em todo o mundo cerca de 16 a 18 milhões de pessoas. Sua transmissão ocorre através das fezes de triatomíneos, insetos hematófagos conhecidos como barbeiro. Atualmente, a principal forma de transmissão da doença de Chagas em áreas urbanas é por meio de transfusão de sangue contaminado. A violeta de genciana é o único agente que pode ser empregado na quimioprofilaxia de sangue destinado à transfusão. No entanto, existem algumas restrições ao seu uso. A quimioterapia disponível para a doença de Chagas não é eficaz uma vez que as drogas disponíveis nifurtimox e benznidazol são ativas apenas na fase aguda da doença e apresentam sérios efeitos colaterais. Várias substâncias isoladas de plantas foram avaliadas como agentes anti-T. cruzi, objetivando encontrar drogas com menos efeitos colaterais e maior eficácia para a quimioprofilaxia e quimioterapia da doença de Chagas. Nesta revisão são apresentadas as substâncias de origem natural com atividade anti- T. cruzi.

Unitermos:Trypanosoma cruzi, doença de Chagas, substâncias naturais.

ABSTRACT

Chagas'disease, a zoonose caused by Trypanosoma cruzi, affects 16-18 million people in the world. The most important mode of transmission of the disease is associated with the feces of several species of triatomine bugs that are strictly hematophagous. Actually, infected blood transfusion is the major mechanism of transmission in urban areas. Gentian violet is the only available prophylactic drug. Despite its effectiveness, there are some restrictions on its use. The available therapy of Chagas' disease is inadequate since the treatment of patients with the drugs nifurtimox and benznidazole presents serious toxic side effects. The search for new trypanocidal compounds to the treatment of Chagas'disease and to use for eliminating T. cruzi from blood, that are more effective and that do not affect red blood cells is the main goal in the prevention of Chagas' disease. In this review a large set of chemicals of plant origin are enumerated and their trypanocidal activity are briefly discussed.

Keywords:Trypanosoma cruzi, Chagas' disease, natural compounds.

INTRODUÇÃO

A doença de Chagas, uma zoonose causada por Trypanosoma cruzi, afeta em todo o mundo cerca de 16 a 18 milhões de pessoas, das quais 50 mil morrem a cada ano (Sigman, 2006). Apenas nas América Central e do Sul, existem em torno de 8 a 9 milhões de pessoas infectadas e 25 milhões sob o risco de infecção (WHO, 2002). A transmissão da doença de Chagas ocorre através das fezes de triatomíneos, insetos hematófagos conhecidos como barbeiro. No Brasil está forma de transmissão é controlada pelo uso de inseticidas. Atualmente, a principal forma de transmissão da doença de Chagas em áreas urbanas é através da transfusão de sangue contaminado, cujo risco é de 20% (Schmunis, 1999). Esse tipo de transmissão adquiriu especial relevância em regiões que não possuem o vetor, mas que recebem imigrantes de áreas afetadas. Outra forma de transmissão da doença ocorre de maneira esporádica e circunstancial, através de alimentos contaminados com o parasita, principalmente a partir de triatomíneos ou de suas dejeções. Também, pode ocorrer através da ingestão de carne crua ou mal cozida de caça, ou de alimentos contaminados por urina ou secreção anal de marsupiais infectados, ou mesmo por meio de hábitos primitivos de ingestão de triatomíneos (Dias, 2006).

A necessidade de se prevenir à transmissão da doença por transfusão levou à busca por drogas que eliminem o parasita no sangue, ou seja, uma abordagem quimioprofilática. Esta consiste na esterilização do sangue por substâncias que permitam transfundi-lo, com segurança, entre seres humanos. A violeta de genciana é o único agente empregado na quimioprofilaxia de sangue destinado a esse fim. No entanto, existem algumas restrições ao seu uso, pois este corante triarilmetânico confere ao sangue uma coloração púrpura, podendo manchar pele e mucosas, causar a microaglutinação e a aglomeração dos eritrócitos, além de apresentar propriedades mutagênicas (Dias; Wendel, 1992). O uso da violeta de genciana requer um tempo de exposição para a esterilização do sangue de 24 horas, tempo considerado longo para pequenos postos onde há carência de sangue estocado, bem como para aquelas situações de emergência, quando a transfusão de sangue requer ação imediata (Chiari et al., 1996). Assim, há necessidade da busca por novas drogas mais eficazes e com menores efeitos colaterais que a violeta de genciana e por novos procedimentos para a quimioprofilaxia da doença de Chagas adquirida por transfusão.

Ao longo dos anos, uma grande variedade de drogas foi investigada com o objetivo de estabelecer uma quimioterapia mais efetiva para a doença de Chagas. Os ensaios terapêuticos com nifurtimox foram iniciados em 1965 e com benznidazol em 1971. Estas drogas eliminam os parasitas na fase aguda da doença, diminuindo o curso da infecção. Assim, em alguns casos, pacientes são curados com o tratamento, fato que se deve, em parte, à heterogeneidade da população de parasitas. Um estudo realizado com cem portadores da forma indeterminada da doença, tratados com nifurtimox e benznidazol no período de 1965 a 1985, revelou que a freqüência de cura foi de apenas 6% para o primeiro e de 10% para o segundo (Ferreira, 1990). Ambas as drogas causam sérios efeitos colaterais, tais como anorexia, náusea, vômito, dor de cabeça, depressão do sistema nervoso central ou sintomas maníacos, vertigem, parestesias, polineuropatias periféricas e dermatites. Fato este que é particularmente problemático, visto que um grande número de doses deve ser administrado por um período longo para que o tratamento obtenha sucesso. Durante algum tempo estas drogas foram usadas no tratamento de pacientes chagásicos em fase aguda da doença, mas atualmente, o benznidazol é a única droga utilizada (Castro¸1993). Vale ressaltar que esse fármaco é eficaz se utilizado na fase aguda da doença e em quadros clínicos que não acometam o sistema cardiovascular. Várias cepas de T. cruzi foram isoladas de diferentes países e zonas geográficas. Diferenças importantes na resistência ou suscetibilidade às drogas em uso, em experimentação em laboratório, ou em estudos clínicos, foram relatados dentre as diferentes cepas do parasita. Esta situação dificulta a busca por novas drogas anti-T. cruzi (Morelo et. al., 1994). Assim, a carência de medicamentos mais eficazes para a cura da infecção nas suas fases aguda e crônica permanece (Figura 1).


Substâncias naturais com atividade anti-T. Cruzi

A tripanotiona, um metabólito encontrado unicamente no parasita tripanossomatídeo, e a sua enzima tripanotiona redutase desempenham além de outras importantes funções, papel central na manutenção do balanço tiol-redox da célula e, conseqüentemente, atraíram muito interesse como alvo quimioterapêutico contra a doença de Chagas (Fairlamb, 1994). O pré-tratamento, de formas tripomastigotas, com naftoquinonas e nitrofuranos levaram à redução na percentagem de células infectadas em culturas de músculo liso. Na presença de oxigênio, estes compostos não inativaram a tripanotiona redutase, mas produziram alterações em sua função protetora na regeneração de radicais livres. Como a tripanotiona é um intermediário crítico no metabolismo de tripanossomatídeos e está ausente no hospedeiro, inibidores desta enzima podem constituir agentes anti-T. cruzi muito promissores (Castro, 1993).

Substâncias de origem natural de diversas classes, como quinonas, flavonóides e terpenos mostraram-se ativas contra o T. cruzi, e são apresentadas a seguir.

Quinonas

A naftoquinona b-lapachona, presente em várias espécies vegetais da família Bignoniaceae, apresentou atividade contra as formas amastigota, epimastigota e tripomastigota do parasita. O seu derivado de transformação química, a 3-alil-b-lapachona, foi ativo contra formas tripomastigotas e tem sido sugerido como uma droga alternativa para o uso em bancos de sangue (Castro, 1993). Já a plumbagina, isolada de Pera benensis Rusby (Euphorbiaceae), foi 100% ativa na concentração 250 µg/mL de sangue contaminado e sua atividade foi comparada com a da violeta de genciana (Fournet et al., 1994) (Figura 2).


A espécie Oxalis erythrorhiza Gillies ex Hooker et Arnott, conhecida na província de San Juan, Argentina, como "boldo da cordilheira", é utilizada na medicina popular para problemas cardíacos e hepáticos. Das suas partes aéreas foram isoladas, a benzoquinona embelina e também alguns alquil fenóis. A embelina mostrou atividade contra o T. cruzi, com 100% de lise dos protozoários, em uma concentração de 100 µg/mL (Feresin et al., 2003) (Figura 3).


Flavonóides

O 3-metoxiflavonol penduletina e a flavanona sacuranetina, isolados de Trixis vauthieri L. (Asteraceae), eliminaram 99 e 100%, respectivamente, do parasita no sangue infectado, na concentração de 500 µg/mL. O cristal de violeta, utilizado como substância de referência, eliminou 50% do parasita na dosagem de 31 µg/mL no mesmo ensaio (Ribeiro et al., 1997).

Grael et al. (2005) isolaram sete substâncias ativas contra formas tripomastigotas de T. cruzi a partir de extratos de Lychnophora pohlii Schultz-Bip (Asteraceae). Do extrato metanólico, foram isolados os flavonóides luteolina e vicenina-2. Esses flavonóides demonstraram atividade tripanossomicida significativa na concentração de 500 µg/mL. Por comparação, essas substâncias foram menos ativas que a violeta de genciana (IC50 76 µmol/L e 31 µg/mL respectivamente).

O extrato de Lychnophora staavioides Mart. (Asteraceae) forneceu os flavonóides: tectochrysina (1), pinostrobina (2), pinobanksina (3), acetato de pinobanksina (4), pinocembrina (5), chrysina (6), galangina-3-metil éter (7), quercetina-3-metil éter (8), chrysoeriol (9) e vicenina-2 (10) que foram testados contra o T. cruzi. A substância mais ativa foi a quercetina-3-metil éter, que não causou lise de células sanguíneas e mostrou-se promissora para uso contra T. cruzi em bancos de sangue. Esta substância apresentou uma porcentagem de atividade tripanossomicida de 63,2 ± 4,1%, já a tectochrysina demonstrou 38,5 ± 8,3 % e o chrysoeriol 32,7 ± 7,1% de redução dos parasitas sangüíneos. Todas estas substâncias foram ativas na dose de 500 µg/mL (Takeara et al., 2003).

Do extrato clorofórmico de Moquinia kingii foi obtida a apigenina que apresentou ação contra tripomastigotas in vitro (Schinor et al., 2004). O valor da IC50 desta substância foi 181,6 µg/mL ou 0,68 mM e a IC50 para violeta genciana, usado como controle positivo, foi de 31 µg/mL ou 76 µM (Figura 4).


Alcalóides

Fournet e colaboradores realizaram um estudo no qual nove alcalóides bisbenzilisoquinolínicos foram testados. Sete dos nove alcalóides testados foram 100% ativos. São eles: cocsolina, dafnandrina e dafnolina, isolados de Albertisia cf. A. papuana Becc (Menispermaceae), limacina, obtida de Caryomene olivascens, girocarpina e feantina, isolados de Gyrocarpus americanus e isochondrodendrina, oriundo de Curarea candicans (L.C. Rich) Barneby and Krukoff (Menispermaceae) (Fournet et al., 1994) (Figura 5).


Estudos avaliaram os efeitos anti-T. cruzi do alcalóide piperina, principal metabólito secundário em Piper nigrum, conhecida popularmente como pimenta preta. A piperina foi testada contra epimastigotas e amastigotas do T. cruzi, demonstrando toxicidade dose-dependente, com IC50 de 7,36 µM para epimastigotas e IC50 de 4,91 µM para amastigotas. Dessa maneira, a piperina demonstrou ser uma potente substância tripanossomicida, sendo mais tóxica para amastigotas intracelulares que para epimastigotas (Ribeiro et al., 2004) (Figura 6).


Os alcalóides 2-n-propilquinolina, chimanina B e chimanina D, isolados de Galipea longiflora Krause (Rutaceae), apresentaram atividades similares às das drogas de referência nifurtimox e benznidazol, contra cinco cepas de formas epimastigotas do T. cruzi (Fairlamb, 1994). A 2-n-propilquinolina e a chimanina D apresentaram IC90 de 50 µg/mL para as cinco cepas de formas epimastigotas. Chimanina B mostrou IC90 de 25 µg/mL para as cinco cepas. As drogas de referência nifurtimox e benznidazol apresentaram IC90 variando de 25 a 100 e de 25 a 50 µg/mL, respectivamente (Figura 7).


Terpenos

O ácido caurenóico isolado de Mikania obtusata DC, Asteraceae (Alves et al., 1995), Xylopia frutescens Aubl., Annonaceae (Takahashi et al., 1994) e de Viguiera aspillioides Gardn., Asteraceae (Costa et al., 1995), apresentou 100% de atividade contra o T. cruzi, na concentração de 1000 µg/mL de sangue contaminado.

O ácido xilópico, diterpeno isolado de Xylopia frutescens Aubl., Annonaceae (Takahashi et al., 1994) e o caurenol, isolado de Viguiera aspillioides Gardn., Asteraceae (Costa et al., 1995) e de Xylopia frutescens Aubl., Annonaceae (Takahashi et al., 1994), foram ativos nas concentrações de 500 e 1000 µg/mL.

Os diterpenos 17-hidroxicauranol e o ácido traquilobânico, isolados de Viguiera aspillioides Gardn. (Asteraceae) foram ativos nas concentrações de 500 e 1000 µg/mL de sangue contaminado (Costa et al., 1995) (Figura 8).


Nascimento et al. (2004) avaliaram as atividades tripanossomicidas in vitro de terpenóides isolados de Mikania stipulacea e Mikania hoehnei, espécies vegetais conhecidas popularmente como guaco. O diterpeno ácido ent-9a-hidroxi-15b-E-cinnamoiloxi-16-cauren-19-óico apresentou atividade contra tripomastigotas, reduzindo o número de parasitas em 61,7, 62,8 e 69,4% nas concentrações de 100, 250 e 500 µg/mL, respectivamente. O gênero Mikania é conhecido por conter diterpenos caurenos, particularmente o ácido caurenóico, que demonstrou atividade parcial contra T. cruzi.

A espécie Dracocephalum komarovi Lipsky (Labiatae) é bastante usada no Uzbequistão na forma de chá para tratamento de doenças inflamatórias. Desta espécie foram isolados os diterpenos komarovispirona, dracocequinonas A e B que foram ativos contra epimastigotas com concentração letal mínima de 23, 12,5 e 25 µM, respectivamente (Uchiyama et al., 2004) (Figura 8).

Das partes aéreas de Alomia myriadenia, foram isolados os diterpenos ent-8S,12S-epoxi-7R,16-diidroxihalima-5(10),13-dien-15,16-olídeo, ent-16-hidroxilabda-7,13-dien-15,16-olídeo e ent-12R-hidroxilabda-7,13-dien-15,16-olídeo. Da avaliação destes três diterpenos, o último foi o que se mostrou mais ativo, quando testado in vitro contra formas tripomastigotas de T. cruzi em sangue infectado de murinos, causando a lise de 100% dos parasitas na concentração de 250 µg/mL (Scio et al., 2003) (Figura 8).

O taxol, um diterpeno com atividade antitumoral, isolado de Taxus brevifolia (Taxaceae), foi ativo, interferindo na proliferação dos epimastigotas, impedindo que a divisão celular se completasse, mas permitindo a multiplicação de organelas. O triterpeno tingenona, também extraído da mesma espécie, foi ativo contra epimastigotas, causando inibição da síntese de proteínas e ácidos nuclêicos no T. cruzi (Castro, 1993). Outros terpenos foram avaliados por Takahashi et al., 2002 e Leite et al., 2001) (Figura 8).

Estudos realizados com 55 espécies vegetais da família Asteraceae, visando obter substâncias com atividade tripanossomicida levaram a onze espécies ativas. Dessas, L. villosissima Mart., Lychnophora passerina (Mart ex. DC) Gardn, Lychnophora pinaster Mart., Lychnophora trichocarpha Spreng. e Hololepis pedunculata Backer já tiveram seus estudos fitoquímicos realizados (Tavares, 1990; Oliveira et al., 1996; Chiari et al., 1991 e 1996). Dentre outros constituintes químicos isolados destas quatro espécies, destacam-se as lactonas sesquiterpênicas 15-desoxigoiazensolídeo, goiazensolídeo, licnofolídeo, eremantolídeo C, isocentraterina e licnoforolídeo A. O goiasensolídeo, obtido de L. passerina (Mart ex. DC) Gardn, foi 100 % ativo na concentração de 240 µg/mL. O licnofolídeo, que inibiu 50 % do crescimento dos tripomastigotas na concentração de 150 µg/mL e o eremantolídeo C, 100 % ativo na concentração de 3600 µg/mL, foram isolados de L. trichocarpha Spreng. (Oliveira et al., 1996; Saúde et al., 1998). Licnoforolídeo A e isocentraterina, isolados de Hololepis pedunculata Backer (Almeida, 1997), inibiram 100 % do crescimento dos tripomastigotas nas concentrações de 0,38 e 0,51 mg/mL, respectivamente. De L. pinaster Mart isolou-se o ácido licnofóico, que inibiu 50 % do crescimento dos tripomastigotas na concentração de 12 µg/mL (Oliveira et al., 1996).

Cinaropicrina, lactona sesquiterpência isolada do extrato clorofórmico de Moquinia kingi, foi testada contra formas tripomastigotas (Schinor et al., 2004). Tanto o extrato como a cinaropicrina mostraram ação tripanossomicida, sendo a IC50 93,5µg/mL ou 0,26 mM para cinaropicrina e IC50 31µg/mL ou 76 µM para violeta de genciana, usada como controle positivo,.

A desidrozaluzanina C, lactona sesquiterpênica isolada de Munnozia maronii (Asteraceae), apresentou IC90 em quinze diferentes cepas de epimastigotas variando entre 5 e 50 µg/mL. Nifurtimox e benznidazol mostraram IC90 maior que 100 µg/mL. Desidrozaluzanina C foi, portanto, mais ativa que as drogas de referência em todas as cepas (Fournet et al., 1993) (Figura 8).

Os sesquiterpenos hidroperóxidos (11 a 13), obtidos de Pogostemon cablin (Blanco) Benth., espécie originada da Ásia, mostraram atividade contra epimastigotas do T. cruzi com concentração letal mínima de 0,84 M para 11 e de 1,7 M para 12 e 13 (Kuichi et al., 2004) (Figura 8).

Xantonas

Garciniaxantona B, isolada de Garcinia subelliptica e 8-Desoxigartanina, obtida das folhas de G. intermédia foram ativas contra formas epimastigotas nas concentrações de 66 M e 118 M e contra tipomastigotas nas concentrações de 8 M e 131 M, respectivamente (Abe et al., 2004) (Figura 9).


Neolignanas

As neolignanas tetrahidrofurânicas grandsina, (7R, 8R, 7'R, 8'R)-3',4'-metilenodioxi-3,4,5,5'-tetrametoxi-7,7'-epoxilignana (14) e (7R, 8R, 7'R, 8'R)-3,4,3',4'-dimetilenodioxi-5,5'-dimetoxi-7,7'-epoxilignana (15), isoladas das inflorescências de Piper solmsianum, apresentaram atividade contra epimastigotas do T. cruzi com IC50 igual a 8,74, 17,6 e 3,47 µg/mL, respectivamente (Martins et al., 2003) (Figura 10).


Benzofuranodiona

O ácido úsnico, isolado do líquen Cladonia substellata, foi ativo contra epimastigotas do T. cruzi em concentrações de 5 a 30 g/mL (De Carvalho et al., 2005). Análise dos epimastigotas tratados com esta substância mostrou danos a mitocôndrias e um aumento significativo no volume do cinetoplasto. Foi observada também a lise dos tripomastigotas em todas as concentrações testadas. Tratamento de macrófagos com 40 a 80 g/mL de ácido úsnico levou a alterações significativas dos amastigotas intracelulares sem causar danos ultraestruturais significativos para a célula hospedeira (Figura 11).


Peptídeos

Seis peptídeos antimicrobianos, isolados da secreção cutânea das espécies de sapo Phyllomedusa hypochondrialis e P.oreades foram avaliados, in vitro, contra o T. cruzi (Leite et al., 2005). Esses peptídeos foram nomeados como phylloseptinas (PSs). Os ensaios utilizaram sangue fresco puncionado de ratos albinos suíços durante o pico de parasitemia (Bastos et al., 1999). Os testes revelaram que dois peptídeos, denominados PS4 e PS5 foram ativos contra T. cruzi em níveis micromolares. Os valores de IC50 para PS4, PS5 e violeta genciana foram 5,1, 4,9 e 76 µM, respectivamente. Devido ao fato desses peptídeos agirem diretamente eliminando os tripomastigotas, eles evitam que haja invasão das células hospedeiras pelo T. cruzi. Dessa maneira, essas substâncias seriam bastante úteis na prevenção da transmissão do T. cruzi em transfusões sanguíneas.

CONCLUSÃO

Pelas informações aqui contidas, torna-se evidente a necessidade de um programa interdisciplinar de pesquisa para o desenvolvimento de novas drogas eficazes na quimioprofilaxia e, principalmente, na a quimioterapia da doença de Chagas. Substâncias que ao serem adicionadas ao sangue eliminem os tripomastigotas, e possam substituir a violeta de genciana, que apesar de ser eficaz apresenta efeitos colaterais que dificultam seu uso. Além de drogas ativas na fase crônica, forma predominante da doença, capazes de atuar em diferentes cepas do parasita e que possam substituir nifurtimox e benznidazol, substâncias eficazes apenas na fase aguda, que apresentam sérios efeitos colaterais, além de serem genotóxicas e produzirem danos aos tecidos dos mamíferos. Nesse sentido, as plantas têm se mostrado uma rica fonte de substâncias com atividade contra as formas amastigota, epimastigota e tripomastigota do T. cruzi, e se apresentam como uma das direções promissoras na busca de drogas eficazes na prevenção e tratamento da doença de Chagas.

Recebido em 16/10/06. Aceito em 24/04/07

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      11 Out 2007
    • Data do Fascículo
      Set 2007

    Histórico

    • Aceito
      24 Abr 2007
    • Recebido
      16 Out 2006
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