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Avaliação da toxicidade aguda, efeitos citotóxico e espasmolítico de Pomacea lineata (Spix, 1827) (Mollusca, Caenogastropoda)

Evaluation of the acute toxicity, cytotoxic and spasmolytic effects of Pomacea lineata (Spix, 1827) (Mollusca, Caenogastropoda)

Resumos

Pomacea sp. e sua desova têm uso popular para tratar diarréia e doenças respiratórias. Este trabalho objetivou avaliar a toxicidade aguda e os efeitos citotóxico e espasmolítico dos liófilos de Pomacea lineata e de sua desova. Os liófilos não apresentaram toxicidade aguda (até 2 g/kg v.o.) ou efeito citotóxico (até 1 mg/mL). P. lineata relaxou a traquéia pré-contraída com CCh na presença (Emax = 48,8 ± 6,4%) e na ausência (Emax = 47,3 ± 9,1%) de epitélio, já a desova relaxou apenas na presença (Emax = 36,3 ± 2,5%) de epitélio. Os liófilos foram ineficazes sobre o tônus espontâneo da traquéia. P. lineata foi mais potente em inibir as contrações do íleo induzidas por ACh (logCI50 = 2,5 ± 0,04 µg/mL) que por hist. (logCI50 = 2,7 ± 0,04 µg/mL). A desova inibiu igualmente as contrações induzidas por ACh (logCI50 = 2,5 ± 0,02 µg/mL) e hist. (logCI50 = 2,5 ± 0,06 µg/mL). P. lineata foi mais potente em relaxar o íleo pré-contraído com ACh (logCE50 = 1,7 ± 0,12 µg/mL) do que com KCl (logCE50 = 2,4 ± 0,06 µg/mL) ou hist. (logCE50 = 2,2 ± 0,18 µg/mL). A desova relaxou equipotentemente o íleo pré-contraído com KCl (logCE50 = 2,3 ± 0,15 µg/mL), ACh (logCE50 = 1,9 ± 0,14 µg/mL) ou hist. (logCE50 = 2,2 ± 0,16 µg/mL), sugerindo um bloqueio dos CaV. P. lineata e sua desova apresentam efeito espasmolítico justificando a sua utilização no tratamento de diarréia e de doenças respiratórias.

Pomacea lineata; toxicidade aguda; efeito citotóxico; efeito espasmolítico


Pomacea sp. and its eggs are used against diarrhea and respiratory diseases in folk medicine. The aim of this study was to investigate acute toxicity, cytotoxic and spasmolytic activity of lyophilized Pomacea lineata and its eggs. P. lineata and its eggs present no acute toxicity (until 2 g/kg p.o.) or cytotoxic effect (until 1 mg/mL). P. lineata and its eggs have no effect on guinea-pig trachea spontaneous tonus. P. lineata relaxed trachea pre-contracted with CCh in the presence (Emax = 48.8 ± 6,4 %) and absence (Emax = 47.3 ± 9,1 %) of epithelium, the eggs relaxed only in the presence (Emax = 36.3 ± 2.5 %) P. lineata was more potent to inhibit contractions induced by ACh (logIC50 = 2.5 ± 0.04 µg/mL) than histamine (logIC50 = 2.7 ± 0.04 µg/mL). The eggs inhibited contractions induced by ACh (logIC50 = 2.5 ± 0.02 µg/mL) and histamine (logIC50 = 2.5 ± 0.06 µg/mL) in a non-selective manner. P. lineata was more potent in relax ileum pre-contracted with ACh (logEC50 = 1.7 ± 0.12 µg/mL) than KCl (logEC50 = 2.4 ± 0.06 µg/mL) or histamine (logEC50 = 2.2 ± 0.18 µg/mL). The eggs were equipotent in relax ileum pre-contracted with of KCl (logEC50 = 2.3 ± 0.15 µg/mL), ACh (logEC50 = 1.9 ± 0.14 µg/mL) or histamine (logEC50 = 2.2 ± 0.16 µg/mL), that is suggestive of the blockade of the voltage-operated calcium channels. Collectively, the results validate folk use of P. lineata and its eggs to treat diarrhea and respiratory diseases.

Pomacea lineata; acute toxicity; cytotoxic effect; spasmolytic effect


ARTIGO

Avaliação da toxicidade aguda, efeitos citotóxico e espasmolítico de Pomacea lineata (Spix, 1827) (Mollusca, Caenogastropoda)

Evaluation of the acute toxicity, cytotoxic and spasmolytic effects of Pomacea lineata (Spix, 1827) (Mollusca, Caenogastropoda)

Hilzeth L.F. PessôaI, II,* * E-mail: hilzeth@ltf.ufpb.br, Tel. +55-83-32167126, Fax +55-83-32167365 ; Rita C.M. OliveiraI, II; Joelmir L.V. SilvaI; Rosimeire F. SantosI; José C. DuarteI; Maria J.C. CostaIV; Bagnólia A. SilvaI, V

ILaboratório de Tecnologia Farmacêutica "Prof. Delby Fernandes de Medeiros", Universidade Federal da Paraíba, Caixa Postal 5009, 58051-970, João Pessoa, PB, Brasil

IIDepartamento de Biologia Molecular, Universidade Federal da Paraíba, 58051-970, João Pessoa, PB, Brasil

IIINúcleo de Pesquisas em Plantas Medicinais, Departamento de Biofísica e Fisiologia, Universidade Federal do Piauí, 64049-550, Teresina, PI, Brasil

IVDepartamento de Nutrição, Universidade Federal da Paraíba, 58051-970, João Pessoa, PB, Brasil

VDepartamento de Ciências Farmacêuticas, Universidade Federal da Paraíba, 58051-970, João Pessoa, PB, Brasil

RESUMO

Pomacea sp. e sua desova têm uso popular para tratar diarréia e doenças respiratórias. Este trabalho objetivou avaliar a toxicidade aguda e os efeitos citotóxico e espasmolítico dos liófilos de Pomacea lineata e de sua desova. Os liófilos não apresentaram toxicidade aguda (até 2 g/kg v.o.) ou efeito citotóxico (até 1 mg/mL). P. lineata relaxou a traquéia pré-contraída com CCh na presença (Emax = 48,8 ± 6,4%) e na ausência (Emax = 47,3 ± 9,1%) de epitélio, já a desova relaxou apenas na presença (Emax = 36,3 ± 2,5%) de epitélio. Os liófilos foram ineficazes sobre o tônus espontâneo da traquéia. P. lineata foi mais potente em inibir as contrações do íleo induzidas por ACh (logCI50 = 2,5 ± 0,04 µg/mL) que por hist. (logCI50 = 2,7 ± 0,04 µg/mL). A desova inibiu igualmente as contrações induzidas por ACh (logCI50 = 2,5 ± 0,02 µg/mL) e hist. (logCI50 = 2,5 ± 0,06 µg/mL). P. lineata foi mais potente em relaxar o íleo pré-contraído com ACh (logCE50 = 1,7 ± 0,12 µg/mL) do que com KCl (logCE50 = 2,4 ± 0,06 µg/mL) ou hist. (logCE50 = 2,2 ± 0,18 µg/mL). A desova relaxou equipotentemente o íleo pré-contraído com KCl (logCE50 = 2,3 ± 0,15 µg/mL), ACh (logCE50 = 1,9 ± 0,14 µg/mL) ou hist. (logCE50 = 2,2 ± 0,16 µg/mL), sugerindo um bloqueio dos CaV. P. lineata e sua desova apresentam efeito espasmolítico justificando a sua utilização no tratamento de diarréia e de doenças respiratórias.

Unitermos:Pomacea lineata, toxicidade aguda, efeito citotóxico, efeito espasmolítico.

ABSTRACT

Pomacea sp. and its eggs are used against diarrhea and respiratory diseases in folk medicine. The aim of this study was to investigate acute toxicity, cytotoxic and spasmolytic activity of lyophilized Pomacea lineata and its eggs. P. lineata and its eggs present no acute toxicity (until 2 g/kg p.o.) or cytotoxic effect (until 1 mg/mL). P. lineata and its eggs have no effect on guinea-pig trachea spontaneous tonus. P. lineata relaxed trachea pre-contracted with CCh in the presence (Emax = 48.8 ± 6,4 %) and absence (Emax = 47.3 ± 9,1 %) of epithelium, the eggs relaxed only in the presence (Emax = 36.3 ± 2.5 %) P. lineata was more potent to inhibit contractions induced by ACh (logIC50 = 2.5 ± 0.04 µg/mL) than histamine (logIC50 = 2.7 ± 0.04 µg/mL). The eggs inhibited contractions induced by ACh (logIC50 = 2.5 ± 0.02 µg/mL) and histamine (logIC50 = 2.5 ± 0.06 µg/mL) in a non-selective manner. P. lineata was more potent in relax ileum pre-contracted with ACh (logEC50 = 1.7 ± 0.12 µg/mL) than KCl (logEC50 = 2.4 ± 0.06 µg/mL) or histamine (logEC50 = 2.2 ± 0.18 µg/mL). The eggs were equipotent in relax ileum pre-contracted with of KCl (logEC50 = 2.3 ± 0.15 µg/mL), ACh (logEC50 = 1.9 ± 0.14 µg/mL) or histamine (logEC50 = 2.2 ± 0.16 µg/mL), that is suggestive of the blockade of the voltage-operated calcium channels. Collectively, the results validate folk use of P. lineata and its eggs to treat diarrhea and respiratory diseases.

Keywords:Pomacea lineata, acute toxicity, cytotoxic effect, spasmolytic effect

INTRODUÇÃO

No Brasil as espécies de moluscos do gênero Pomacea apresentam distribuição setentrional e litorânea, sendo encontradas em habitats dulcícolas desde o Nordeste até o Sudeste do país (Thiengo, 1995). No estado da Paraíba, a espécie Pomacea lineata é encontrada em corpos d’água permanentes (Batalla, 1992). Durante a época de estiagem estes moluscos se enterram no solo e sobrevivem graças a sua capacidade de estivação (Lum-Kong; Kenny, 1989).

Nas regiões Norte e Nordeste do Brasil, as espécies do gênero Pomacea são utilizadas como fonte de alimento e tanto o molusco quanto a sua desova são empregados na cura de doenças do "peito", tais como tosse, asma e tuberculose (Mesquita, 1982). Na Argentina, a desova é utilizada na cura de disenteria (Santos, 1982). A partir dessas premissas o objetivo do presente trabalho foi avaliar a toxicidade aguda, a atividade hemolítica e o efeito espasmolítico do molusco Pomacea lineata e da sua desova.

MATERIAL E MÉTODOS

Animais experimentais

Foram utilizados ratos Wistar (230-250 g), camundongos Swiss albinos, machos e fêmeas (20-30 g) e cobaias de ambos os sexos (350-500 g) provenientes do Biotério Thomas George do LTF/UFPB. Os animais eram alimentados com ração tipo "pellets" (Purina), com livre acesso à água, com ventilação e temperatura (21 ± 1 °C) controladas e constantes. Os procedimentos experimentais foram aprovados pelo Comitê de Ética em Pesquisa Animal do LTF/UFPB (Certidão n° 0510/05).

Soluções fisiológicas

Para os experimentos com traquéia de cobaia foi utilizada a solução de Krebs (mM): NaCl (118,0), NaHCO3 (25,0), KCl (4,6), MgSO4.7H20 (5,7), KH2PO4.H2O (1,1), CaCl2.H2O (2,5) e glicose (11,0), e para os experimentos com íleo de cobaia solução de Krebs modificado por Sun e Benishin (1994) (mM): NaCl (117,0), NaHCO3 (25,0), KCl (4,7), MgSO4.7H20 (1,3), NaH2PO4.H2O (1,2), CaCl2.H2O (2,5) e glicoses (11,0), ambas foram ajustadas para pH 7,4 e aeradas com carbogênio (95% de O2 e 5% de CO2).

Aparelhos

As amostras de P. lineata e da sua desova foram liofilizadas em um liofilizador (Edwards - Brasil) por 72 h. Os eritrócitos de rato foram centrifugados em uma centrífuga (FANEM 206 - Brasil). A hemólise foi quantificada em espectrofotômetro (BECKMAN DU 640 - EUA). As contrações isométricas foram monitoradas por transdutores de força (7003 UGO BASILE- Itália) acoplados a um polígrafo (GEMINI 7070 - UGO BASILE - Itália). As contrações isotônicas foram registradas em cilindros esfumaçados de um quimógrafo (DTF - Brasil). Os valores de pH foram verificados em um pHmetro digital (PG 2000 GEHAKA, Brasil).

Preparação dos liófilos de P. lineata e de sua desova

Os exemplares de P. lineata e suas desovas foram coletados no rio Jaguaribe em uma área do Jardim Botânico Benjamim Maranhão - João Pessoa, Paraíba, Brasil (W34 52’14’’-W34 51’01’’), liofilizados e mantidos à -20 °C. Os liófilos de P. lineata e de sua desova foram solubilizados em cremofor (3 %) e dissolvidos em água destilada (10 mg/mL).

Determinação da toxicidade aguda e efeitos gerais dos liófilos de P. lineata e de sua desova em camundongos

Dois grupos de 6 machos e 6 fêmeas de camundongos receberam uma dose de 2 g/kg v.o. (Resolução-RE Nº 90, de 16/03/2004 - Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), Ministério da Saúde (MS), Brasil) de P. lineata e de sua desova, e foram feitas observações para a avaliação da atividade autônoma, atividade motora e reflexos a cada 30 min., durante 4 h consecutivas. A ocorrência de morte em cada grupo foi verificada após 24, 48 e 72 h e a DL50 determinada segundo Litchfield e Wilcoxon (1949).

Avaliação do efeito citotóxico: atividade hemolítica de P. lineata e de sua desova em eritrócitos isolados de rato

Os eritrócitos sedimentados foram ressuspensos em 0,5 mL de solução de Krebs. Os liófilos de P. lineata e de sua desova foram adicionados, em preparações diferentes nas concentrações de 1, 10, 100 e 1000 µg/mL,e incubados à temperatura ambiente por 1 h, sob agitação constante. Após este tempo, as suspensões foram centrifugadas a 5000 rpm por 3 min. e a ocorrência de hemólise foi quantificada em espectrofotômetro a 540 nm de acordo com Rangel et al., 1997.

Efeito dos liófilos de P. lineata e de sua desova sobre o tônus espontâneo e sobre as contrações tônicas induzidas por carbacol (CCh) em traquéia isolada de cobaia na presença e na ausência de epitélio funcional

As cobaias eram sacrificadas por deslocamento cervical seguida por secção dos vasos cervicais, o tórax era aberto e a traquéia retirada. Após a dissecção, segmentos contendo 3-4 anéis de traquéia foram suspensos por hastes de aço inoxidável em cubas de banho para órgãos contendo 6 mL de solução de Krebs, sob tensão de 1 g, à 37 °C e mantidos em repouso por 1 h. Após o período de estabilização do tecido, dois relaxamentos de magnitudes similares eram induzidos com 10-6 M de isoprenalina e após o retorno da preparação à tensão normal, concentrações crescentes de P. lineata ou de sua desova eram adicionadas, à cuba para observar se havia o relaxamento da traquéia no seu tônus basal. O relaxamento observado foi comparado com o relaxamento máximo obtido na presença de 10-6M de isoprenalina. Para avaliar o efeito dos liófilos sobre o relaxamento da traquéia pré-contraída com CCh, após o período de estabilização foram obtidas duas contrações tônicas de magnitudes similares induzidas por 10-6 M de CCh, e sobre o componente tônico da segunda curva foram adicionadas concentrações crescentes dos liófilos de maneira cumulativa. O epitélio da traquéia era removido mecanicamente e a integridade do mesmo era verificada pela adição de 10-4 M de ácido araquidônico à cuba durante a fase tônica da primeira resposta induzida por CCh, os anéis com relaxamento igual ou superior a 50 % foram considerados com epitélio e os com relaxamento inferior a 10 % foram considerados sem epitélio (Tschirhart et al., 1987). O relaxamento foi expresso como a percentagem reversa da contração inicial induzida por CCh e os valores da concentração de P. lineata e de sua desova que produziram uma resposta igual a 50 % do seu efeito máximo (CE50) foram obtidos por regressão não linear a partir de cada curva individual de relaxamento desses produtos, obtidas na ausência e na presença de epitélio funcional.

Efeito dos liófilos de P. lineata e de sua desova frente às contrações fásicas induzidas por acetilcolina (ACh) e histamina (hist.) em íleo isolado de cobaia

Os animais eram mantidos em jejum por 18 h e sacrificados como descrito anteriormente, o abdômen era aberto e o íleo retirado. Após a dissecção, segmentos de 2-3 cm de íleo eram suspensos por fio de algodão em cubas de banho para órgãos contendo 6 mL de solução Krebs modificado, sob tensão de 1 g à 37 °C e mantidos em repouso por 30 min. Após o período de estabilização, eram obtidas duas contrações fásicas de magnitude similares induzidas por 10-6 M de ACh ou de hist. e registradas através de uma alavanca isotônica de inscrição frontal em um cilindro esfumaçado de um quimógrafo. Os liófilos foram adicionados, em várias concentrações e em preparações diferentes. Após 15 minutos de incubação era induzida uma terceira contração na presença do mesmo agonista e os efeitos inibitórios dos liófilos eram avaliados comparando-se a resposta na ausência (controle) e na presença das diversas concentrações dos liófilos de P. lineata e de sua desova.

Efeito dos liófilos de P. lineata e de sua desova sobre as contrações tônicas induzidas por KCl, ACh ou hist. em íleo isolado de cobaia

Após o período de estabilização descrito no item anterior, foram induzidas duas contrações isométricas por 40 mM de KCl, 10-6 M de ACh ou hist., em preparações diferentes e sobre o componente tônico da segunda curva eram adicionadas concentrações crescentes dos liófilos de maneira cumulativa. O relaxamento foi expresso como descrito para traquéia.

Análise estatística

Os resultados foram expressos como média ± erro padrão da média (e.p.m.) e analisados estatisticamente empregando-se o teste "t" de Student (não-pareado) ou ANOVA "one-way" seguido do teste de Bonferroni, onde a diferença entre as médias foi considerada significante quando p < 0,05. Os valores de logCE50 e logCI50 (Neubig et al., 2003) foram calculados por regressão não-linear. Todos os dados foram analisados pelo programa Graph Pad Prism© versão 3.03.

RESULTADOS

Os liófilos de P. lineata e de sua desova, na dose de 2 g/kg de peso do animal v.o. não induziram mortes nem alterações comportamentais, quando da determinação da toxicidade aguda e efeitos gerais dos mesmos em camundongos; não sendo portanto necessário calcular a DL50 de acordo com a Resolução-RE Nº 90, de 16/03/2004 - ANVISA, MS, Brasil.

Os liófilos de P. lineata e de sua desova não apresentaram atividade hemolítica até a concentração de 1000 µg/mL quando da avaliação do efeito citotóxico através da quantificação da atividade hemolítica dos mesmos em eritrócitos de rato

Os liófilos de P. lineata e de desova não modificaram o tônus espontâneo da traquéia de cobaia, entretanto, o liófilo de P. lineata relaxou de maneira dependente de concentração (9-750 µg/mL) a traquéia pré-contraída com 10-6 M de CCh na presença (Emax = 48,8 ± 6,4 %) e na ausência (Emax = 47,3 ± 9,1 %), de epitélio funcional (Gráfico 1A). O liófilo da desova (9-750 µg/mL) relaxou a traquéia pré-contraída com 10-6 M de CCh apenas na presença (Emax = 36,3 ± 2,5 %) de epitélio funcional (Gráfico 1B). A responsividade da traquéia ao CCh foi revertida 60 min. após a retirada dos liófilos da cuba.



O liófilo de P. lineata inibiu de maneira dependente de concentração (27-750 µg/mL) as contrações fásicas induzidas por 10-6 M de ACh (logCI50 = 2,5 ± 0,04 µg/mL) e hist. (logCI50 = 2,7 ± 0,04 µg/mL) (Gráfico 2A e B), sendo mais potente em inibir as contrações induzidas por ACh. O liófilo da desova inibiu de maneira equipotente e dependente de concentração (27-750 µg/mL) as contrações fásicas induzidas por 10-6 M de ACh (logCI50 = 2,5 ± 0,02 µg/mL) e hist. (logCI50 = 2,5 ± 0,06 µg/mL) (Gráfico 2C e D). A responsividade do íleo aos agonistas testados foi revertida 30 min. após a retirada de ambos os liófilos da cuba.



O liófilo de P. lineata relaxou de maneira dependente de concentração (1 - 750 µg/mL) o íleo pré-contraído com 40 mM de KCl (logCE50 = 2,4 ± 0,06 µg/mL), 10-6 M de ACh (logCE50 = 1,7 ± 0,12 µg/mL) ou de hist. (logCE50 = 2,2 ± 0,18 µg/mL) (Figura 1A e Gráfico 3A). O liófilo de P. lineata foi mais potente em relaxar o íleo pré-contraído com ACh. O tempo médio de relaxamento foi de 66,1 28,6; 31,0 10,8; e 59,2 10,2 min. para KCl, ACh e hist., respectivamente. Por outro lado, o liófilo da desova relaxou de maneira dependente de concentração e equipotente (0,3 - 750 µg/mL) o íleo de cobaia pré-contraído com 40 mM de KCl (logCE50 = 2,3 ± 0,15 µg/mL), 10-6 M de ACh (logCE50 = 1,9 ± 0,14 µg/mL), ou de hist. (logCE50 = 2,2 ± 0,16 µg/mL) (Figura 1B e Gráfico 3B). O tempo médio de relaxamento foi de 90,2 27,1; 57,9 12,0 e 56,7 14,9 min. para KCl, ACh e hist., respectivamente. A responsividade do íleo aos agentes contráteis foi revertida 60 min. após a retirada de ambos os liófilos da cuba.





DISCUSSÃO

Neste trabalho foram investigados, a toxicidade aguda e os efeitos citotóxico e espasmolítico dos liófilos de Pomacea lineata e de sua desova sobre os músculos intestinal e respiratório.O dado mais importante deste estudo é a demonstração, pela primeira vez, que P. lineata e sua desova apresentam efeito relaxante em traquéia e íleo isolados de cobaia, sem apresentar toxicidade aguda ou efeito citotóxico.

Como P. lineata e sua desova são utilizadas na medicina popular com finalidades terapêuticas sem o conhecimento de seu potencial toxicológico procedeu-se a avaliação de sua toxicidade aguda assim como do seu efeito citotóxico. Verificou-se que P. lineata e sua desova não apresentam toxicidade aguda, até a dose de 2 g/kg v.o., nem efeito citotóxico, até a concentração de 1 mg/mL, indicando a segurança de seu uso como alimento e em futura indicação terapêutica.

Uma vez que P. lineata e sua desova são utilizados na medicina popular para o tratamento de doenças respiratórias decidiu-se investigar os seus efeitos sobre a traquéia de cobaia, músculo das vias aéreas superiores. O epitélio das vias aéreas está envolvido na regulação da reatividade dos brônquios através da liberação de substâncias relaxantes tais como: os produtos da ciclooxigenase (prostaglandina E2), óxido nítrico (Munakata et al., 1990) e fatores relaxantes derivados do epitélio (EpDRF) (Ismailoglu et al., 2004). Sendo assim, investigou-se o efeito de P. lineata e de sua desova sobre a traquéia de cobaia pré-contraída com CCh na presença e na ausência de epitélio funcional e observou-se que P. lineata induziu relaxamento de maneira independente de epitélio funcional, dependente de concentração e equipotente (Gráfico 1A), o que indica que os EpDRF provavelmente não estão envolvidos neste efeito relaxante. Já a desova, apresentou efeito relaxante dependente de epitélio funcional (Gráfico 1B) sugerindo que os EpDRF podem estar envolvidos neste efeito. O fato de P. lineata e de sua desova relaxar a traquéia pré-contraída com CCh pode explicar o seu uso popular no tratamento de doenças respiratórias, como a asma que é caracterizada por broncoconstricção. Interessantemente, verificou-se que os liófilos não apresentaram quaisquer efeitos sobre o tônus espontâneo da traquéia, o que é sugestivo de ausência de efeitos colaterais (contráteis ou relaxantes) nos músculos lisos respiratórios quando da sua utilização para outros fins, que não nas doenças respiratórias.

Uma vez que a desova é utilizada para o tratamento de diarréia, distúrbio caracterizado por espasmos intestinais, passou-se a investigar um possível efeito antiespasmódico dos liófilos em íleo de cobaia. Verificou-se que P. lineata inibiu de maneira dependente de concentração e não equipotente as contrações fásicas induzidas por ACh e hist. em íleo de cobaia sendo mais potente em relaxar o íleo pré-contraído com ACh (Gráfico 2A e B). A desova inibiu de maneira dependente de concentração, porém equipotente as contrações fásicas induzidas tanto por ACh quanto por hist. em íleo de cobaia (Gráfico 2C e D). Estes dados sugerem que P. lineata e a sua desova estariam agindo em um passo comum da via de sinalização que promove a contração do íleo e não por bloqueio de receptor, uma vez que cada um dos agonistas utilizados possui o seu receptor específico.

No músculo liso um aumento na concentração de cálcio intracelular é a causa primária da contração (Berridge et al., 2000), que depende de estímulos que levam a dois tipos de acoplamentos: o eletromecânico, que está envolvido com a mudança do potencial de membrana (Vm) e o fármaco-mecânico, que acontece quando a contração promovida por um agonista é sempre maior que a observada só com a mudança do Vm (Rembold, 1996). A contração no músculo liso em resposta a vários agentes é frequentemente composta por duas fases: um componente fásico rápido seguido por um lento mais sustentado, componente tônico (Bolton, 1979). Esta resposta bifásica é devido à fonte dual de Ca2+ no músculo liso. Em íleo de cobaia, os agonistas muscarínicos produzem esta resposta bifásica, e é sugerido que a contração fásica é causada por liberação de Ca2+ dos estoques intracelulares mediados por trisfosfato de inositol (InsP3) (Abdellatif, 1989; Kobayashi et al., 1989). Por outro lado, a contração tônica induzida pelos mesmos agonistas em íleo de cobaia é atribuída ao influxo de Ca2+através dos canais de Ca2+ dependentes de voltagem (CaV), uma vez que esta é suprimida pelo bloqueador de CaV, verapamil (Jim et al., 1981). A probabilidade de abertura dos CaV é favorecida por uma despolarização de membrana por estímulo mediado por acoplamento fármaco e eletromecânico (Rembold, 1996).

Para verificar se P. lineata e sua desova estariam agindo em nível de influxo de Ca2+ através da membrana plasmática, avaliou-se seu efeito sobre o componente tônico da resposta contrátil induzida por KCl (acoplamento eletromecânico), ACh ou hist. (acoplamento misto), em íleo de cobaia e observou-se que tanto o liófilo de P. lineata como o de sua desova relaxaram o íleo de cobaia pré-contraído com KCl, ACh ou hist. de maneira dependente de concentração (Figura 1A e B, Gráfico 3A e B). O efeito relaxante da desova sobre o íleo pré-contraído com KCl, ACh ou hist. pode justificar a sua utilização para o tratamento de diarréia. Uma vez que a ACh é o neurotransmissor excitatório primário no controle das atividades contráteis da musculatura intestinal (Dale, 1914), o efeito relaxante mais potente de P. lineata sobre o íleo pré-contraído com ACh pode indicar a sua utilização também para o tratamento da diarréia. Como no músculo liso, os Cav são considerados o principal caminho de influxo de Ca2+ (Hofmann; Klugbauer, 1996) e sabendo-se que a ativação dos Cav é o passo comum na via de sinalização dos agentes contráteis testados, pode-se sugerir que o efeito relaxante de P. lineata e de sua desova em íleo de cobaia seja devido ao bloqueio do influxo de Ca2+ através dos Cav, o que validaria o seu uso popular como antidiarréico.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem a direção do Jardim Botânico Benjamim Maranhão - João Pessoa - PB pela permissão para coleta de P. lineata e de sua desova, ao Prof. Paulo Roberto de Oliveira Rosa (LGA/CCEN/UFPB) pela determinação das coordenadas geográficas do local de coleta e ao Dr. Francisco José Pegado Abílio (DME/CE/UFPB) pela identificação dos espécimes de P. lineata.

Recebido em 19/04/06. Aceito em 15/09/06

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      22 Maio 2007
    • Data do Fascículo
      Mar 2007

    Histórico

    • Aceito
      15 Set 2006
    • Recebido
      19 Abr 2006
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