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Postura da mão e imagética motora: um estudo sobre reconhecimento de partes do corpo

Resumos

OBJETIVOS: Assim como a imagética motora, o reconhecimento de partes do corpo aciona representações somatosensoriais específicas. Essas representações são ativadas implicitamente para comparar o corpo com o estímulo. No presente estudo, investigou-se a influência da informação proprioceptiva da postura no reconhecimento de partes do corpo (mãos) e propõe-se a utilização dessa tarefa na reabilitação de pacientes neurológicos. MATERIAIS E MÉTODOS: Dez voluntários destros participaram do experimento. A tarefa era reconhecer a lateralidade de figuras da mão apresentada, em várias perspectivas e em vários ângulos de orientação. Para a figura da mão direita, o voluntário pressionava a tecla direita e para a figura da mão esquerda, a tecla esquerda. Os voluntários realizavam duas sessões: uma com as mãos na postura prona e outra com as mãos na postura supina. RESULTADOS: Os tempos de reação manual (TRM) eram maiores para as vistas e orientações, nas quais é difícil realizar o movimento real, mostrando que durante a tarefa, existe um acionamento de representações motoras para comparar o corpo com o estímulo. Além disso, existe uma influência da postura do sujeito em vistas e ângulos específicos. CONCLUSÕES: Estes resultados mostram que representações motoras são ativadas para comparar o corpo com o estímulo e que a postura da mão influencia esta ressonância entre estímulo e parte do corpo.

lateralidade funcional; tempo de reação; postura; reabilitação


OBJECTIVE: Recognition of body parts activates specific somatosensory representations in a way that is similar to motor imagery. These representations are implicitly activated to compare the body with the stimulus. In the present study, we investigate the influence of proprioceptive information relating to body posture on the recognition of body parts (hands). It proposes that this task could be used for rehabilitation of neurological patients. METHODS: Ten right-handed volunteers participated in this experiment. The task was to recognize the handedness of drawings of a hand that were presented in different perspectives and several orientations. For drawings of a right hand, the volunteers pressed the right key, and for drawings of a left hand, they pressed the left key. The volunteers underwent two sessions: one with their hands in a prone posture and the other with their hands in a supine posture. RESULTS: The manual reaction time was longer for perspectives and orientations for which the real movement was difficult to achieve. This showed that, during the task, motor representations were activated to compare the body with the stimulus. Furthermore, the subject's posture had an influence in relation to specific perspectives and orientations. CONCLUSIONS: These results showed that motor representations are activated to compare the body with the stimulus, and that the position of the hand influences this resonance between the stimulus and the body part.

functional handedness; reaction time; posture; rehabilitation


ARTIGO ORIGINAL

Postura da mão e imagética motora: um estudo sobre reconhecimento de partes do corpo

Lameira API; Guimarães-Silva SI; Ferreira FMI; Lima LVI; Pereira Jr AII; Gawryszewski LGI

IPrograma de Neuroimunologia, Departamento de Neurobiologia, Universidade Federal Fluminense (UFF) – Niterói (RJ), Brasil

IIDepartamento de Fisiologia, Universidade Federal do Pará (UFPA) – Belém (PA), Brasil

Correspondência para Correspondência para: Allan Pablo Lameira Programa de Neuroimunologia, Departamento de Neurobiologia, Universidade Federal Fluminense Caixa Postal 100180 CEP 24001-970, Niterói (RJ), Brasil e-mail: allanlameira@yahoo.com.br

RESUMO

OBJETIVOS: Assim como a imagética motora, o reconhecimento de partes do corpo aciona representações somatosensoriais específicas. Essas representações são ativadas implicitamente para comparar o corpo com o estímulo. No presente estudo, investigou-se a influência da informação proprioceptiva da postura no reconhecimento de partes do corpo (mãos) e propõe-se a utilização dessa tarefa na reabilitação de pacientes neurológicos.

MATERIAIS E MÉTODOS: Dez voluntários destros participaram do experimento. A tarefa era reconhecer a lateralidade de figuras da mão apresentada, em várias perspectivas e em vários ângulos de orientação. Para a figura da mão direita, o voluntário pressionava a tecla direita e para a figura da mão esquerda, a tecla esquerda. Os voluntários realizavam duas sessões: uma com as mãos na postura prona e outra com as mãos na postura supina.

RESULTADOS: Os tempos de reação manual (TRM) eram maiores para as vistas e orientações, nas quais é difícil realizar o movimento real, mostrando que durante a tarefa, existe um acionamento de representações motoras para comparar o corpo com o estímulo. Além disso, existe uma influência da postura do sujeito em vistas e ângulos específicos.

CONCLUSÕES: Estes resultados mostram que representações motoras são ativadas para comparar o corpo com o estímulo e que a postura da mão influencia esta ressonância entre estímulo e parte do corpo.

Palavras-chave: lateralidade funcional; tempo de reação; postura; reabilitação.

Introdução

Os seres humanos têm a habilidade de gerar processos cognitivos de percepção e ação na ausência de estímulos externos, uma função conhecida como imagética1. Esta operação cognitiva pode ser executada em diferentes modalidades, tais como visual, auditiva, tátil, cinestésica, olfativa, gustativa ou uma combinação de todos estes sentidos. A imagética do movimento é um termo geral que descreve o processo de imaginar o movimento de um objeto ou de uma pessoa. Quando o próprio corpo está envolvido, os investigadores preferem usar o termo imagética motora, que corresponde a um processo ativo em que a representação de uma ação específica é reproduzida mentalmente, sem que seja executada de fato2-4.

Existem similaridades psicofísicas e fisiológicas entre os movimentos corporais fisicamente executados e imaginados5-9. Em geral, o tempo de execução dos movimentos realizados fisicamente ou imaginados são similares. A lei de Fitts, que indica que movimentos mais difíceis levam mais tempo para serem executados fisicamente do que movimentos mais fáceis, se aplica também aos movimentos imaginados6,8. A congruência temporal entre movimentos imaginados e executados foi observada também após danos no cérebro10. Decety e Boisson11 relataram que pacientes com lesão cerebral unilateral levam mais tempo para imaginar um movimento com seu membro afetado do que com seu membro não afetado. Por outro lado, os pacientes com uma paraplegia ou tetraplegia, causada por lesão da medula espinhal, produziram tempos de movimento imaginado comparáveis com aqueles de sujeitos saudáveis11, suportando a idéia de que a imagética motora é um processo que depende da integridade das estruturas cerebrais, relacionadas com o planejamento e a execução do movimento.

A confirmação adicional da similaridade funcional entre movimentos executados e imaginados vem de estudos que mostram um aumento nas respostas autonômicas dos sujeitos (principalmente freqüência cardíaca e respiratória), realizando uma tarefa de imagética motora7,12,13. Estes estudos mostram que as mudanças nas reações autonômicas dos sujeitos, quando imaginam os movimentos, são menores do que quando os executam, mas são maiores do que na condição sem imaginação. Decety3 relatou que, durante atividades imaginadas, era como se a mente "iludisse " o corpo a acreditar que movimentos estavam sendo executados.

Evidências da correspondência entre movimentos imaginados e executados são fornecidas também com os estudos, empregando técnicas de mapeamento cerebral14-19. Estes estudos permitiram uma localização anatômica mais precisa das estruturas cerebrais implicadas nos movimentos imaginados e executados, e sugeriram que a área motora suplementar (SMA), o cerebelo, córtex pré-motor, córtex cingulado, córtex parietal superior e inferior e córtex motor primário e sensorial estão envolvidos na imaginação e execução dos movimentos.

A similaridade entre os movimentos imaginados e executados emerge também em tarefas que ativam implicitamente a imagética motora. Estudos psicofísicos mostram que para decidir se uma figura da mão é a mão esquerda ou direita, imagina-se a própria mão se movendo para a mesma orientação do estímulo, para comparar as formas, e assim decidir se é a mão direita ou esquerda5,6. Esses estudos mostram que o tempo necessário para julgar a lateralidade da figura da mão é similar ao tempo necessário para executar o movimento correspondente e também similar ao tempo necessário para imaginar o movimento correspondente6. Parsons et al.20, investigando pacientes com lesão no corpo caloso, observaram que o julgamento da lateralidade da mão ativa representações sensório-motoras específicas, que são controladas pelo hemisfério cerebral contralateral ao membro.

Evidências mostrando que o tempo para julgar a lateralidade da mão é fortemente influenciado pela posição real do corpo durante a tarefa6, confirmam que se julga a lateralidade da figura da mão simulando mentalmente o movimento da própria mão, ao invés de imaginar transformações espaciais de uma representação prototípica da mão6. Assim, a representação da postura do corpo parece ser a base funcional implícita da atividade motora também no domínio da simulação mental2,21.

No presente estudo, investigou-se a influência da postura da mão (prona ou supina) sobre o processo de julgamento da lateralidade de uma figura da mão para verificar como e se a informação proprioceptiva da postura atual do sujeito influencia este julgamento. Ao contrário de estudos anteriores, empregou-se uma metodologia em que o sujeito modificava a configuração do corpo (mão na postura prona ou supina), mas executava a resposta com o mesmo movimento (flexão do indicador). Em estudos anteriores6, o sujeito mudava drasticamente a postura da mão e a resposta era feita com os pés. No presente trabalho, a modificação discreta da postura do corpo (mão na postura prona ou supina) e manutenção do mesmo movimento de resposta permitiu entender, mais especificamente, o quão importante é a informação proprioceptiva nos processos de imagética motora. Além disso, sugeriu-se que a tarefa de reconhecimento de partes do corpo poderia ser usada como uma estratégia adicional na reabilitação de pacientes neurológicos.

Materiais e métodos

Participaram do experimento dez voluntários destros (quatro homens e seis mulheres, com idade entre 19 e 34 anos, com média de 22 anos). Todos eram saudáveis, tinham a acuidade visual normal e não sabiam o propósito do experimento. Um termo de anuência por escrito foi obtido dos participantes e o estudo foi aprovado pelo comitê de ética em pesquisa da Universidade Federal Fluminense (UFF), sob o parecer nº 158/05.

Os estímulos eram desenhos da mão direita e esquerda em diversas vistas (dorso, palma, face do dedo mínimo, face do polegar, vista do punho) e em vários ângulos de rotação múltiplos de 30º (Figura 1). Os vários ângulos de rotação variavam de 0º (dedos voltados para cima, exceto na vista do punho em que o 0º correspondia à palma da mão voltada para baixo) a 330º no sentido horário para mão direita e no sentido anti-horário para mão esquerda. Cada estímulo, medindo aproximadamente de 13,5 por 7,3º, era apresentado três vezes randomicamente, dando um total de 360 testes.


O experimento foi realizado em uma sala com som e iluminação controlados. Um microcomputador (PC 486) e o software Micro Experimental Laboratory (MEL, versão 2.0), desenvolvido por Schneider (Psychology Software Tools, Inc, Pittsburgh, EUA), foram utilizados para a apresentação dos estímulos e para o registro das respostas do voluntário. Os voluntários permaneciam sentados em frente ao monitor, localizado a 57 cm, com a cabeça descansando num apoiador de fronte e mento. A seqüência temporal dos eventos começava com a apresentação de um ponto de fixação central que permanecia na tela por 1.000ms. Em seguida, o estímulo era apresentado no centro da tela, ali permanecendo até a resposta do sujeito. Após a resposta, o estímulo desaparecia e mostrava-se no monitor o tempo de reação do sujeito em caso de resposta correta ou a palavra erro, por 500ms. Em seguida, aparecia novamente o ponto de fixação e um novo teste era iniciado. A resposta era executada pressionando um dos dois interruptores localizados à direita e à esquerda da linha média do corpo. A tarefa era pressionar o interruptor direito quando a figura da mão direita aparecia e pressionar o interruptor esquerdo quando a figura da mão esquerda aparecia. O parâmetro medido no teste era o tempo de reação manual (TRM), ou seja, a latência entre o aparecimento do estímulo e a execução da resposta. As figuras apareciam no centro da tela e o voluntário era instruído a responder o mais rápido possível após o aparecimento do estímulo. O voluntário realizava duas sessões em dias diferentes e consecutivos: uma sessão com as mãos na postura prona e outra sessão na postura supina. Na postura prona, os voluntários permaneciam com a palma da mão para baixo e realizavam uma flexão do dedo indicador para pressionar a tecla de resposta. Na postura supina, o participante voltava a palma da mão para cima e novamente realizava uma flexão do dedo indicador para pressionar a tecla, que fazia um giro de 180º.

As médias do TRM para cada vista foram empregadas separadamente em uma análise de variância (ANOVA), com os seguintes fatores: postura da mão do voluntário (postura prona e postura supina) e ângulo de rotação do estímulo (0 a 330º).

Resultados

Encontrou-se (Figura 2) um efeito significativo do ângulo para todas as vistas (p<0,001) e uma interação entre postura e ângulo para a vistas do punho e face do polegar (p<0,001).


Uma análise post-hoc, empregando o método de Newman-Keuls, mostrou que na vista dorsal (F1,9=12,608; p<0,001), os ângulos 150 e 180ºdiferem significativamente de todos os outros, apresentando os TRM mais lentos. Na vista da palma (F1,9=9,543; p<0,001), os TRM mais lentos aparecem nos ângulos 90, 120, 150, 180 e 210º, diferindo significativamente de todos os outros. Na vista do dedo mínimo (F1,9=3,304; p<0,001), os ângulos 120, 150, 270, 300 e 330º diferem com relevância dos ângulos 0 e 30º. Na vista do polegar (F1,9=7,955; p<0,001), os ângulos 120, 150 e 180º diferem de todos os outros, apresentando os TRM mais lentos, e na vista do punho (F1,9=8,257; p<0,001), os TRM mais lentos são nos ângulos 240, 270 e 300º e diferem dos demais. Desta forma, o grau de rotação da figura da mão influencia o TRM para o reconhecimento da lateralidade.

Além disso, para a vista do punho e para a face do polegar (Figura 2), a informação proprioceptiva da postura da mão do voluntário modifica significativamente a influência do ângulo de rotação sobre o tempo de reação. Na vista do punho, existem diferenças relevantes entre os TRM obtidos nas duas posturas, nos ângulos 240 e 270º, enquanto que na vista do polegar a diferença ocorre no ângulo 180º.

Discussão

No presente estudo, investigou-se como a postura da mão influencia o reconhecimento da lateralidade de mãos. Parsons6 também investigou a influência da postura do voluntário no reconhecimento da lateralidade de figuras da mão. Os voluntários permaneciam em duas posturas drasticamente diferentes, uma canônica (palma da mão apoiada na mesa na frente deles) e uma bastante incomum (com os dorsos voltados um para o outro) e executavam as respostas pressionando interruptores localizados no chão com os pés. O autor observou que a posição do corpo do voluntário influenciava o reconhecimento da lateralidade da mão e concluiu que o voluntário simula o movimento do próprio corpo a partir da sua posição atual, e não de uma representação fixa no cérebro.

Neste trabalho, distintamente de Parsons6, realizou-se uma alteração menos drástica da postura do voluntário para observar o quão importante é a informação proprioceptiva da posição do corpo. Os voluntários realizavam a tarefa com as mãos na postura prona (palmas voltadas para baixo) e na postura supina (palmas voltadas para cima). O movimento para executar a resposta era o mesmo em ambas as posturas e os voluntários realizavam uma pequena flexão do indicador tanto na postura prona quanto na supina, pois os interruptores permitiam um giro de 180º.

Parsons6 observou que os TRM na postura bastante incomum (dorsos voltados um para o outro) eram paralelos, porém maiores do que os observados na postura canônica (palma da mão apoiada na mesa na frente deles). Neste trabalho, observou-se que, mesmo com uma alteração menor na configuração do corpo, existe uma influência da informação proprioceptiva da postura atual do sujeito no reconhecimento da forma da mão. Porém, agora, essa influência só ocorre em vistas e ângulos específicos (vista do punho no ângulo 240 e 270º e da face do polegar no ângulo 180º, conforme Figura 2) e não mais globalmente como no estudo feito por Parsons6. Acredita-se que isso tenha ocorrido com essas duas vistas porque elas são canônicas, isto é, o sujeito visualiza sua própria mão, na maior parte do tempo, nessas duas perspectivas. Quando se posiciona a própria mão em frente (como se fosse alcançar um objeto à frente) ou quando se adota uma postura para escrita, visualiza-se a mão da perspectiva do punho e da face do polegar. Desta forma, fica mais fácil uma interação entre a informação visual do estímulo e a informação proprioceptiva da postura. Para as outras vistas (dorso, palma e face do dedo mínimo), a simulação mental do movimento, a partir da postura prona e da supina, não difere significativamente, provavelmente porque a mudança da configuração do corpo é muito discreta.

No presente estudo, complementou-se os achados de Parsons5,6, mostrando que modificações não drásticas da postura influenciam a resposta a figuras representando determinadas vistas da mão. Observa-se também que o grau de rotação da figura da mão influencia o TRM para o julgamento da lateralidade. Quando o estímulo se encontra numa orientação em que o movimento real para aquela orientação seria facilmente executado, os TRM, para julgar a sua lateralidade, são menores do que quando o estímulo se encontra numa orientação em que o movimento real seria de difícil execução.

Outros estudos comportamentais e de mapeamento cerebral evidenciaram a influência da informação proprioceptiva, relacionada com a postura do corpo nos processos de imagética motora. Sirigu e Duhamel22, numa tarefa que envolvia imaginar a mão numa determinada orientação no espaço e fazer o julgamento da lateralidade, observaram que uma mudança na postura real da mão do voluntário e na instrução de como imaginar a mão (primeira ou terceira pessoa) influenciava os TRM para o julgamento da lateralidade. Ionta et al.23, estudando o julgamento da lateralidade de mãos e pés, observaram que mudanças na postura real da mão influenciavam apenas os TRM para o reconhecimento da lateralidade das mãos e não dos pés, mostrando que a postura influencia na imagética motora de acordo com regras somatotópicas.

Vargas et al.24 investigaram, através da estimulação magnética transcraniana (TMS), como a facilitação da excitabilidade corticoespinhal induzida pela simulação mental de um movimento da mão é afetada pela postura real da mão. Os voluntários imaginavam o movimento de juntar as pontas do polegar e do dedo mínimo, mantendo uma postura da mão compatível ou incompatível com o movimento imaginado. Os resultados mostraram que a excitabilidade corticoespinhal era maior quando os voluntários imaginaram a tarefa com a mão mantida em uma postura compatível, indicando que a postura real da mão exerce um efeito modulatório no processo de imagética motora.

Mercier et al.25, também usando TMS e uma metodologia similar ao estudo de Vargas et al.24, estudaram o papel da informação proprioceptiva e da visão no processo de imagética motora. Neste estudo, foi solicitado para um paciente deaferentado imaginar o movimento de juntar as pontas do polegar e do dedo mínimo, mantendo uma postura da mão compatível ou incompatível com o movimento imaginado. O paciente realizava a tarefa com os olhos fechados e com os olhos abertos. Mercier et al.25 mostraram que, quando o paciente permanecia de olhos fechados, não existia efeito da postura real do corpo durante a imaginação do movimento, porém quando este permanecia de olhos abertos, a postura exercia um efeito modulatório na excitabilidade corticoespinhal. Esses resultados sugerem que na ausência de propriocepção, a visão pode facilitar ou inibir as representações do corpo, corroborando a idéia de que a posição dos membros no cérebro é organizada por representações multissensoriais.

As principais características da tarefa de reconhecimento da lateralidade da mão e seu concomitante imaginário motor são as sensações cinestésicas similares àquelas que caracterizam o movimento real26. Essa observação sugere que o reconhecimento da lateralidade de uma figura da mão, visualmente apresentada, requer uma simulação mental de um movimento da mão, que usa programas sensório-motores específicos, localizados no córtex sensório-motor contralateral27,28.

Implicações práticas

Como aplicação prática para esse estudo, sugere-se que o acionamento implícito de representações sensório-motoras, durante o reconhecimento de partes do corpo, pode ser útil na reabilitação de pacientes neurológicos. Nos casos em que a condição neurológica não permite que os pacientes produzam movimentos, a imagética motora ajuda manter o programa motor ativo, facilitando a execução futura dos movimentos29.

Com base nessas evidências, é razoável sugerir e/ou propor que as tarefas de reconhecimento de partes do corpo também podem favorecer a reabilitação de pacientes neurológicos. Essas tarefas acionam a imagética motora e ativam representações sensório-motoras específicas. Essa ativação se dá de modo implícito, pois em nenhum momento é solicitado ao paciente que simule um movimento. Esse tipo de tarefa é mais fácil de ser aplicada, tendo em vista que não necessita de comandos verbais complexos e facilita a compreensão, principalmente por crianças. Além disso, através da análise dos TRM e das taxas de erros, é possível para o fisioterapeuta quantificar objetivamente a performance do sujeito e acompanhar sua evolução.

Porém, o potencial terapêutico dessa técnica necessita ser testada em estudos clínicos. Mais especificamente, será útil elaborar protocolos para determinar a utilização dessas tarefas no processo de reabilitação. Além disso, é necessário verificar se os déficits cognitivos provocados pelas lesões cerebrais afetam a capacidade de imaginar um movimento (imagética motora), bem como escolher instrumentos adequados capazes de detectar pequenas mudanças na performance. Estes dois parâmetros são fundamentais na implementação dessa técnica.

Agradecimentos

À Lawrence M. Parsons, que deu permissão para a utilização das figuras da mão como estímulos, à Júlio César Santos Silva, por colaboração técnica e a participação dos voluntários nesse experimento. Este estudo recebeu apoio financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico e Ministério da Ciência e Tecnologia (CNPq/MCT), Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj), Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), Pró-reitoria de Pesquisa e Pós-graduação da Universidade Federal Fluminense (PROPP-UFF), UFF, Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (Pibic-UFF/CNPq).

Recebido: 19/10/2007

Revisado: 22/04/2008

Aceito: 19/06/2008

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  • Correspondência para:

    Allan Pablo Lameira
    Programa de Neuroimunologia, Departamento de Neurobiologia, Universidade Federal Fluminense
    Caixa Postal 100180
    CEP 24001-970, Niterói (RJ), Brasil
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      11 Dez 2008
    • Data do Fascículo
      Out 2008

    Histórico

    • Aceito
      19 Jun 2008
    • Revisado
      22 Abr 2008
    • Recebido
      19 Out 2007
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