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Alterações hematológicas provocadas pelo ultra-som de 1MHz na forma contínua aplicadas no tratamento da fase aguda de lesão muscular iatrogênica em ratos

Resumos

CONTEXTUALIZAÇÃO: A literatura demonstra o efeito benéfico da terapia ultra-sônica de baixa intensidade sobre o processo de cicatrização de vários tecidos. OBJETIVO: Avaliar o efeito do ultra-som contínuo (USC) sobre a dinâmica hematológica do processo inflamatório agudo de lesão muscular iatrogênica. MÉTODOS: Foram utilizados 16 ratos da raça Wistar (350 a 400g), divididos em grupo controle (GC=8) e grupo experimental (G1=8), submetidos à incisão cirúrgica na face lateral do membro posterior direito, onde o músculo bíceps femoral foi lesionado transversalmente. O USC (1MHz) foi aplicado sobre o local da lesão a uma intensidade de 0,4W/cm², durante três minutos, na 1ª, 8ª e 24ª hora após a lesão. Nestes períodos, foram realizadas as coletas de sangue por punção venosa do plexo retroorbital para as análises sangüíneas das séries brancas e vermelhas. RESULTADOS: O USC diminui 8% dos eritrócitos na primeira coleta (9,9±0,1 versus 7,8±0,1; x10(5)/mm³, p<0,001); dobrou os neutrófilos segmentados na segunda coleta (3.166,8±161,4 versus 6.426,2±306,0; x10³/mm³ p=0,008) e os eosinófilos na terceira coleta (2.883,6±99,0 versus 4.714,4±275,2; x10³/mm³ p=0,011) em relação ao GC. Não se observaram diferenças entre os grupos no hematócrito, leucócitos totais, neutrófilos bastonetes, monócitos e linfócitos, nos três momentos estudados. CONCLUSÕES: A aplicação do USC no tratamento agudo de lesão muscular é contra-indicada nesta condição, pois promove a redução dos eritrócitos, aumento dos neutrófilos segmentados e dos eosinófilos, favorecendo a hemorragia e o aumento do processo inflamatório.

terapia por ultra-som; reabilitação; sistema musculosquelético; ferimentos e lesões; inflamação; hematologia


BACKGROUND: The literature shows the beneficial effects of low-intensity ultrasound therapy on the healing process of several biological tissues. OBJECTIVE: To evaluate the effects of continuous ultrasound (CUS) on the hematological dynamics of an acute inflammatory process in iatrogenic muscle injuries. METHODS: Sixteen Wistar rats (350 to 400g) were divided into a control group (CG=8) and an experimental group (G1=8). The rats were submitted to a surgical incision on the lateral aspect of the right hind limb, in which the biceps femoris muscle was transversally injured. The CUS (1MHz) was applied to the injury site at an intensity of 0.4W/cm², for three minutes, in 1, 8 and 24 hour after the injury. At these times, blood was drawn by venipuncture of the retroorbital plexus, for analysis of red and white blood cells. RESULTS: The CUS reduced erythrocytes in 8% at the first blood collection (9.9±0.1 versus 7.8±0.1; x10(5)/mm³; p<0.001); it doubled the number of segmented neutrophils at the second collection (3,166.8±161.4 versus 6,426.2±306.0; x10³/mm³; p=0.008) and the eosinophils at the third collection (2,883.6±99.0 versus 4,714.4±275.2; x10³/mm³; p=0.011), in relation to the CG. No differences between the groups were seen with regard to hematocrit, total leukocytes, rod neutrophils, monocytes or lymphocytes at the three times studied. CONCLUSIONS: Application of CUS for acute treatment of muscle injuries is contraindicated under this condition, because it promotes reductions in erythrocytes and increases in segmented neutrophils and eosinophils, thus favoring hemorrhage and increasing inflammatory process.

ultrasound therapy; rehabilitation; musculoskeletal system; wounds and injuries; inflammation; hematology


ARTIGO ORIGINAL

Alterações hematológicas provocadas pelo ultra-som de 1MHz na forma contínua aplicadas no tratamento da fase aguda de lesão muscular iatrogênica em ratos

Plentz RDMI, II, III; Stoffel PBI; Kolling GJIV; Costa STIV, V; Beck CIV; Signori LUI, II

IDepartamento de Fisioterapia, Universidade de Cruz Alta (Unicruz) – Cruz Alta (RS), Brasil

IIInstituto de Cardiologia, Fundação Universitária de Cardiologia – Porto Alegre (RS), Brasil

IIIDepartamento de Fisioterapia, Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA) – Porto Alegre (RS), Brasil

IVDepartamento de Medicina Veterinária, Unicruz – Cruz Alta (RS), Brasil

VDepartamento de Zootecnia, Centro de Educação Superior do Norte (CESNORT) – Palmeira das Missões (RS), Brasil

Correspondência para Correspondência para: Luis Ulisses Signori Curso de Fisioterapia, Unicruz Avenida General Osório, 1.323, Centro CEP 98005-150, Cruz Alta (RS), Brasil e-mail: l.signori@hotmail.com

RESUMO

CONTEXTUALIZAÇÃO: A literatura demonstra o efeito benéfico da terapia ultra-sônica de baixa intensidade sobre o processo de cicatrização de vários tecidos.

OBJETIVO: Avaliar o efeito do ultra-som contínuo (USC) sobre a dinâmica hematológica do processo inflamatório agudo de lesão muscular iatrogênica.

MÉTODOS: Foram utilizados 16 ratos da raça Wistar (350 a 400g), divididos em grupo controle (GC=8) e grupo experimental (G1=8), submetidos à incisão cirúrgica na face lateral do membro posterior direito, onde o músculo bíceps femoral foi lesionado transversalmente. O USC (1MHz) foi aplicado sobre o local da lesão a uma intensidade de 0,4W/cm2, durante três minutos, na 1ª, 8ª e 24ª hora após a lesão. Nestes períodos, foram realizadas as coletas de sangue por punção venosa do plexo retroorbital para as análises sangüíneas das séries brancas e vermelhas.

RESULTADOS: O USC diminui 8% dos eritrócitos na primeira coleta (9,9±0,1 versus 7,8±0,1; x105/mm3, p<0,001); dobrou os neutrófilos segmentados na segunda coleta (3.166,8±161,4 versus 6.426,2±306,0; x103/mm3 p=0,008) e os eosinófilos na terceira coleta (2.883,6±99,0 versus 4.714,4±275,2; x103/mm3 p=0,011) em relação ao GC. Não se observaram diferenças entre os grupos no hematócrito, leucócitos totais, neutrófilos bastonetes, monócitos e linfócitos, nos três momentos estudados.

CONCLUSÕES: A aplicação do USC no tratamento agudo de lesão muscular é contra-indicada nesta condição, pois promove a redução dos eritrócitos, aumento dos neutrófilos segmentados e dos eosinófilos, favorecendo a hemorragia e o aumento do processo inflamatório.

Palavras-chave: terapia por ultra-som; reabilitação; sistema musculosquelético; ferimentos e lesões; inflamação; hematologia.

Introdução

Lesões no tecido muscular são comuns na prática de atividades físicas e esportivas1; elas acontecem devido a vários mecanismos, incluindo traumas diretos (lacerações, contusões e tensões) e causas indiretas (isquemia e disfunções neurológicas)2,3. A terapia ultra-sônica é comumente recomendada para o tratamento das lesões musculares, porém as evidências científicas a respeito da sua efetividade ainda são controversas4-7.

Na Fisioterapia, é empregado o ultra-som (US) de baixa intensidade, o qual tradicionalmente varia em relação à freqüência (1 a 3MHz), intensidade ou dose (0,1 a 3W/cm2), tempo de aplicação e modo ou forma da onda (contínua e pulsada)8,9. Efeitos biofísicos do ultra-som são tradicionalmente separados em efeitos térmicos e mecânicos (não térmicos). Baker, Robertson e Duck8 sugerem ser inadequado assumir que os efeitos biofísicos térmicos correspondam à exposição à onda contínua, e os efeitos mecânicos à onda pulsada, pois estes efeitos ocorrem simultaneamente. Entretanto, os efeitos terapêuticos térmicos e/ou mecânicos são otimizados de acordo com a forma da onda8, bem como são dependentes dos demais parâmetros utilizados e da interação destes com os diferentes tecidos biológicos5,9,10.

Os US têm a peculiaridade de interagir com o sistema circulatório, onde são observadas alterações na coagulação pela fibrinólise11, trombólise12, alteração da vasomotricidade pela liberação do óxido nítrico13 e estímulo angiogênico14. Entretanto, estas respostas têm sido descritas em situações específicas e controladas.

A regeneração e o reparo muscular ocorrem em quarto estágios inter-relacionados e tempo-dependente, cujas fases são: degeneração, inflamação, regeneração e fibrose1. Imediatamente após a lesão do tecido musculosquelético, o espaço entre as fibras musculares encontra-se com exsudatos, onde os fibroblastos e os macrófagos são ativados, produzindo sinais quimiotáxicos adicionais (fator de crescimento, citoquinas, e quimiocinas) para a circulação das células inflamatórias1 e ativação das células satélites15. As miofibrilas lesadas sofrem necrose e autodigestão16, sendo que a rápida degeneração destas leva a ativação da inflamação e contribuem para renovação dos tecidos15. A inflamação é a fase mais importante no processo de regeneração muscular, em que as ações terapêuticas devem limitar a área envolvida pelo hematoma e a excessiva reação inflamatória17. O prejuízo funcional está associado à distribuição espacial e temporal das células inflamatórias, bem como ao tipo e à magnitude da resposta18.

O US de baixa intensidade (<1W/cm2) é comumente usado para acelerar o processo de regeneração tecidual após a lesão muscular19. Esta terapia tem sido sugerida por diminuir o tamanho da área lesada, aumentar a deposição de colágeno e aumentar a resistência elástica do tecido20; entretanto os mecanismos biológicos sobre seus efeitos ainda são pobremente entendidos19. Sabe-se que o local da lesão se torna uma fonte de sinais físico-químicos, modificando as concentrações hematológicas dos diferentes tipos de células brancas (leucócitos) e de células vermelhas (eritrócitos)1,15. Dados recentes do presente grupo de pesquisa sugerem que o US, na forma pulsada, em 24 horas após lesão muscular, promove a redução dos leucócitos totais, bem como nos neutrófilos (segmentados) e monócitos, sugerindo que o US pulsado promove a inibição da proliferação dos glóbulos brancos21, merecendo, desta forma, estudos mais aprofundados para compreender esta interação.

Estudos experimentais que avaliam o efeito do ultra-som contínuo (USC) na dinâmica hematológica, estimulada por lesão muscular aguda de origem iatrogênica, ainda não foram realizados. O objetivo deste trabalho foi avaliar o efeito do USC na dinâmica hematológica dos diferentes tipos de células brancas (leucócitos) e vermelhas (eritrócitos) nesta condição.

Materiais e métodos

Animais

A manipulação dos animais está de acordo com o guia para experimentos com animais, sendo este projeto aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade de Cruz Alta (Unicruz), sob o protocolo número 002/2008. Todos os animais foram mantidos por 12 horas em ciclo escuro-claro, com temperatura entre 20 a 24°C e umidade relativa do ar de aproximadamente 50%. A água e a comida eram ad libitum durante todo o protocolo experimental. O tempo de maturação dos animais foi de 29 semanas. Após a maturação, 16 ratos da raça Wistar (com peso entre, 350 a 400g) foram usados neste estudo. Os ratos foram randomizados em dois grupos: grupo controle (submetido ao protocolo de lesão e ao procedimento terapêutico, estando o equipamento de ultra-som desligado; CG=8) e grupo experimental tratado com USC (G1=8). Os grupos foram submetidos a uma incisão cirúrgica na face lateral do membro posterior direito de acordo com o protocolo de lesão.

Protocolo de lesão

Os animais foram anestesiados pela associação de xilazina (7mg/kg) e ketamina (70mg/kg) intraperitonial. Foi realizada uma incisão cirúrgica longitudinal na pele do membro posterior esquerdo, para facilitar a divulsão do tecido subcutâneo e proporcionar fácil acesso a porção média do músculo bíceps-femoral, o qual teve suas fibras de seu ventre muscular incididas transversalmente em aproximadamente 50% do seu volume. Posteriormente, a lesão cutânea foi fechada por sutura cirúrgica. Este músculo foi escolhido pelo seu fácil acesso nesses animais, e por não estar próximo a estruturas ósseas, o que indiretamente poderia interferir no estímulo terapêutico do US.

Tratamento ultra-sônico

Após a cirurgia, os ratos foram tratados com USC, sendo este aplicado diretamente sobre o local da lesão. O equipamento de ultra-som era AVATAR V (modelo 9075 Biosistemas Equipamentos Eletrônicos Ltda, Amparo, São Paulo, Brasil), que foi calibrado na fábrica antes do estudo, pelo método de força radiante, em que a energia ultra-sônica emanada do transdutor é aplicada sobre um cone imerso em água (alvo) e sua energia mecânica (ultra-som) é 'pesada', e então convertida em seu equivalente térmico (Watts). O tratamento ultra-sônico foi aplicado no modo contínuo, com uma freqüência de 1MHz, intensidade de 0,4W/cm2, durante três minutos, cabeçote (nº TR3CCE02) de 3cm de diâmetro (área efetiva de radiação – ERA: 5cm2), sendo realizado movimentos circulares do cabeçote de 1/3 de seu respectivo raio sobre o local da lesão22. O procedimento foi realizado imediatamente após a cirurgia, na 8ª e 24ª hora após o protocolo de lesão. Os animais do GC foram manipulados da mesma maneira, mas com o aparelho desligado.

Preparação e medidas hematológicas

Foram colhidas amostras de sangue por meio da venopunção do plexo orbital direito, com o auxílio de um capilar de microhematócrito previamente heparinizado, e acondicionados em tubos de ependorff com anticoagulante23. As coletas de amostras foram realizadas na 1ª, 8ª e 24ª hora após a lesão.

Para a determinação do número de leucócitos por mililitro (mL) de sangue, utilizou-se a câmara de Newbauer, utilizando a técnica da macrodiluição. Para tal, diluiu-se 20µL de sangue com 4mL do líquido de Türk e contou-se os leucócitos nos quatro quadrados grandes-angulares; multiplicou-se por 50, expressando os resultados em µL. Antes das contagens das células, a câmara de Neubauer permaneceu por cinco minutos dentro de uma placa de Petri invertida, contendo um chumaço de algodão úmido, permitindo assim a sedimentação das células. Para a observação da morfologia e contagem diferencial das células brancas, para as quais os avaliadores encontravam-se cegos frente ao protocolo experimental, fez-se um esfregaço de sangue em lâmina, que recebeu o corante de Romanowsky. Depois de lavada e secada à temperatura ambiente, examinou-se a lâmina no microscópio óptico. Foram contadas 100 células seguindo a técnica de zig-zag de Shilling, sendo os valores expressos em x103/mm3.

Para a determinação do número de hemácias por mL de sangue, utilizou-se a câmara de Newbauer, com a técnica da macrodiluição. O líquido de Marcano foi empregado como diluente para contagem dos eritrócitos, sendo utilizado 4mL do diluente para 20µL de sangue, contando-se os eritrócitos nos cinco quadrados médios do quadrado central e multiplicando-os por 10.000, e seus valores expressos em x105/mm3. Na determinação do hematócrito, o tubo de microhematócrito foi preenchido com sangue em aproximadamente 3/4 de sua capacidade e vedado em uma das extremidades com auxílio do bico de Bunsen. Então, colocou-se o capilar em microcentrífuga por cinco minutos, a 3.000rpm, realizando-se a leitura no cartão específico.

Análise estatística

Os dados estão apresentados em forma de média e erro padrão. Para as comparações das alterações hematológicas entre os grupos, foi utilizada a análise de variância ANOVA de duas vias para medidas repetidas, seguida de post hoc de Bonferroni. A taxa de erro alfa menor que 5% (p<0,05) foi considerada estatisticamente significante.

Resultados

O hematócrito apresentou uma redução progressiva (p<0,001), sendo que para o G1 esta redução foi observada apenas na última coleta e, para o GC esta ocorreu na oitava e na 24ª hora. Não se observaram diferenças entre os grupos (p=0,076) e na interação dos mesmos (p=0,077), conforme Tabela 1.

Os eritrócitos apresentaram uma redução de aproximadamente 8% na primeira coleta de sangue para o G1 (USC versus controle; p<0,001). O GC apresentou redução em relação à primeira hora, na segunda e na terceira coleta de aproximadamente 27% (p=0,011), e, no G1, esta variável não se modificou ao longo do tempo (Tabela 1). A modificação na interação entre os grupos (p<0,001) representa a manutenção nas concentrações de células vermelhas no G1 e a redução no GC (Figura 1).


Os leucócitos totais não sofreram alterações para ambos os grupos durante o protocolo experimental (Tabela 1). O G1 aumentou as concentrações sangüíneas dos neutrófilos segmentados na oitava hora (USC versus controle; p=0,008) e manteve-se inalterado ao longo do tempo. Já o GC os valores se modificaram ao longo do tempo (p=0,045), sendo que na última coleta estes representaram aproximadamente à metade da primeira hora (Figura 2). Os neutrófilos jovens (bastonetes) e os monócitos (p=0,014, não confirmados pelo teste de Bonforerroni) não apresentaram alterações durante o protocolo experimental (Tabela 1).


Os eosinófilos no G1, na última coleta, aumentaram três vezes em relação ao GC (USC versus controle; p=0,011); já em relação à primeira e a segunda coletas (tempo p=0,015), esta aumentou respectivamente, 225 e 360% (Tabela 1). As alterações na interação dos grupos (p=0,011) demonstram que, enquanto os dados do GC se mantiveram constantes na última coleta, no G1 os valores aumentaram (Figura 3).


Os linfócitos não apresentaram diferenças entre os grupos e ao longo do protocolo experimental (tempo). Entretanto, a interação (p<0,001) se modificou, sendo que na segunda coleta os valores para o G1 diminuíram em relação aos demais momentos (Tabela 1).

Discussão

O principal achado desse trabalho foi à demonstração, pela primeira vez na literatura, que o tratamento com USC, aplicado ao processo inflamatório agudo proveniente de lesão muscular iatrogênica, promove: a redução das células vermelhas (eritrócitos) na primeira hora; o aumento de porções das células brancas representadas pelos neutrófilos segmentados na oitava hora e pelos eosinófilos na 24ª hora.

O USC produziu uma maior redução dos eritrócitos na primeira hora após lesão muscular, possivelmente devido ao seu efeito térmico10, cujo estímulo provocaria uma hemorragia mais extensa. Sendo estas células as mais abundantes no sangue, esta hemorragia repercute na redução dos eritrócitos. A injúria do endotélio dispara uma seqüência de eventos, iniciando-se com a deposição das plaquetas, que leva a formação do trombo branco, que provisoriamente obstrui a lesão endotelial24. Esse trombo é rapidamente infiltrado pela fibrina, onde os eritrócitos são capturados, formando o trombo vermelho, principal responsável pela oclusão do vaso sangüíneo rompido25, mecanismo que provavelmente estava presente neste estudo.

Outro aspecto a ser considerado é que os eritrócitos apresentaram uma redução ao longo do tempo apenas no GC (na 8ª e 24ª hora), o que pode ter sido induzido pelas sucessivas coletas sangüíneas; este fato reforça que a hemorragia induzida pelo USC representou a diferença na primeira hora. O hematócrito reduziu ao longo do tempo para ambos os grupos, reforçando a hipótese que as sucessivas coletas e a hemorragia se associam na redução dos eritrócitos.

Além dos efeitos térmicos outros mecanismos estão descritos na literatura pelos quais o USC pode ter favorecido a hemorragia, dentre estes: a liberação do óxido nítrico que induz a vasodilatação dependente do endotélio 13, a fibrinólise 11 e a trombólise 12; sugerindo-se que esses fenômenos também estão envolvidos nesta resposta.

Uma vez que os neutrófilos são as células mais abundantes da série branca no sangue, um número significativo deles é passivamente coletado pelo trombo provisório durante o rompimento dos vasos26,27. Na fase precoce após o dano no tecido musculosquelético, leucócitos polimorfonucleares (neutrófilos) são as células mais abundantes no local da lesão1, sendo que um dia após a lesão, eles constituirão 50% das células migradas a esse sítio27. Este fenômeno pode explicar a redução dos neutrófilos segmentados no GC ao longo do experimento.

Após este extravasamento passivo, os neutrófilos migram para a superfície da lesão para formar uma barreira contra a invasão de microorganismos e promover o recrutamento ativo de mais neutrófilos a partir dos vasos adjacentes não lesados26,27. O USC alterou esta resposta, sendo que na oitava hora, a concentração sistêmica dos neutrófilos segmentados foi maior que no GC.

O início da reação inflamatória é ampliado depois com as células satélites e com os tecidos necróticos das fibras musculares, os quais são potencializados pela liberação no local de citoquinas (IL-6; IL-1β) e fatores de crescimento celular (TNF-α; FGF; IGF) que atuam na quimiotaxia, aumentando a resposta e o extravasamento das células inflamatórias1, sendo este mecanismo otimizado pelo efeito térmico do USC. Outro aspecto a ser considerado é que não foi observada a redução dos neutrófilos segmentados em relação à primeira hora no grupo experimental. Este aumento nas concentrações na oitava hora e o retardo na redução sistêmica na 24ª hora dos neutrófilos segmentados sugere uma resposta sistêmica pró-inflamatória desta terapia.

Os leucócitos polimorfonucleares (ou neutrófilos) vão sendo substituídos progressivamente pelos monócitos1, sendo que estes são muito abundantes no local da lesão entre o segundo e o quinto dia28, devendo as suas concentrações sangüíneas serem alteradas antes deste período. Os resultados encontrados no presente estudo sugerem que não houve alterações nas concentrações sistêmicas destas células durante o protocolo experimental, entretanto o tempo de 24 horas pode não ter sido suficiente para alterar esta variável.

De acordo com os princípios básicos de inflamação, os monócitos são transformados em macrofagócitos, que, então, se empenham ativamente na proteólise e fagocitose do material necrótico pela liberação de enzimas lisossômicas29. Fagocitose de macrofagócito é um processo notavelmente específico para o material necrótico, como os cilindros preservados das lâminas basais que cercam a região de necrose das miofibrilas lesadas sobreviventes ao ataque dos macrófagos, servindo de andaimes dentro dos quais as células satélite viáveis começam a formação de novas miofibrilas1.

Os monócitos, além de auxiliar os neutrófilos na eliminação de microorganismos pela fagocitose, também apresentam seus peptídeos pelo complexo maior de histo-compatibilidade às células T auxiliares. Desta forma, a fagocitose destas células atua como elo entre o sistema imune inato e o adaptativo28. Entretanto, os linfócitos, ao final da fase de reparação, constituem o subsistema mais abundante27; eles são atraídos para a região da lesão em igual número que os monócitos e, a partir do 14º dia, são os leucócitos que predominam na região30. As alterações na interação dos linfócitos para o G1 representam oscilações naturais na contagem destas células em avaliações repetidas, pois estas não são acompanhadas de diferenças entre os grupos ou diferenças no tempo.

Pela ação de mediadores inflamatórios, os capilares dos vasos não-lesados se dilatam, deixando mais lenta a circulação sanguínea, permitindo, assim, a marginação dos leucócitos e sua ligação às moléculas de adesão expressas nas células endoteliais. Os eosinófilos aparecem nas últimas fases da reparação e podem estar relacionados à produção de fatores de crescimento31. Os resultados da presente pesquisa sugerem que após 24 horas de lesão muscular tratada com USC, os eosinófilos aumentaram em aproximadamente três vezes a sua concentração celular, entretanto estes valores ainda se encontram dentro de parâmetros fisiológicos.

Os resultados desse trabalho na aplicação do USC diferem do estudo com ultra-som na forma pulsado21, o qual sugere que esta forma de aplicação leva a diminuição das séries brancas (leucócitos totais, neutrófilos segmentados e monócitos). De forma que nesse estudo houve um aumento das séries brancas e uma diminuição das séries vermelhas sangüíneas. Uma combinação de fatores, inclusive o tipo de tecido examinado, modelo de dano, e modo de aplicação (contínuo ou pulsado), intensidade, e freqüência de tratamento de US, podem explicar resultados diferentes de outros estudos21,32.

As limitações da pesquisa residem na ausência de análises histológicas e histoquímica tecidual, as quais permitiriam relacionar os dados hematológicos sistêmicos com os teciduais, bem como quantificar a área da lesão através de ultra-sonografia.

Conclusões

O presente estudo experimental demonstra que o uso do USC (na 1ª, 8ª e 24ª hora, com aplicações de três minutos de duração, a uma intensidade de 0,4W/cm2) na fase aguda de lesão muscular iatrogênica, promove alterações na dinâmica hematológica. Estas alterações se caracterizam pela redução dos eritrócitos, aumento dos neutrófilos segmentados e dos eosinófilos. Estas modificações sugerem o aumento da hemorragia e da amplificação da resposta inflamatória muscular, reforçando a contra-indicação da aplicação do USC na lesão muscular aguda.

Agradecimentos

Ao aluno Adão Saurin do curso de Fisioterapia e Danielli Maria Donadel aluna do Curso de Medicina Veterinária, que colaboraram nas coletas dados; à técnica de laboratório Jéssica Arsand do curso de Medicina Veterinária, que ajudou no processamento das análises hematológicas e aos funcionários do Biotério da Unicruz, Roberto Machado Moraes e Giovane Lopes Seccon.

Recebido: 21/04/2008

Revisado: 22/07/2008

Aceito: 29/09/2008

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  • Correspondência para:

    Luis Ulisses Signori
    Curso de Fisioterapia, Unicruz
    Avenida General Osório, 1.323, Centro
    CEP 98005-150, Cruz Alta (RS), Brasil
    e-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      30 Nov 2008
    • Data do Fascículo
      Dez 2008

    Histórico

    • Aceito
      29 Set 2008
    • Revisado
      22 Jul 2008
    • Recebido
      21 Abr 2008
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