Acessibilidade / Reportar erro

Incontinência urinária e função muscular perineal em idosas praticantes e não-praticantes de atividade física regular

Resumos

OBJETIVO: Identificar a presença de incontinência urinária (IU) e comparar a função muscular perineal entre idosas praticantes e não-praticantes de atividade física regular. MÉTODOS: Participaram deste estudo 39 idosas, sendo 28 praticantes (GP) e 11 não-praticantes de atividade física regular (GNP). Foram coletados dados referentes aos fatores de risco para enfraquecimento do assoalho pélvico e presença de IU. A avaliação da função perineal foi feita por meio do esquema PERFECT e da perineometria. Utilizou-se estatística descritiva (frequência simples, porcentagem, medidas de posição e dispersão) e inferencial (teste do qui-quadrado ou Exato de Fisher, quando necessário, e teste de Mann-Whitney). O nível de significância adotado foi de 5%. RESULTADOS: A variável idade (p=0,04) apresentou média superior no GP. A ocorrência de IU na amostra foi de 56,4%. A IU de urgência associou-se com o GNP (p=0,022). Todas as variáveis do esquema PERFECT foram superiores entre as idosas do GP em relação ao GNP, com diferença significativa para a variável repetições (p=0,008) e rapidez (p=0,022). Na perineometria, as funções das fibras de contração rápida (p=0,008) e das fibras de contração lenta (p=0,05) foram superiores no GP. CONCLUSÃO: As idosas do GP apresentam melhor função muscular do assoalho pélvico. Entretanto, a prevalência de IU foi maior nesse grupo, sugerindo influência da variável idade no mecanismo de continência urinária.

assoalho pélvico; períneo; força muscular; incontinência urinária; atividade física; idoso


OBJECTIVE: To identify the presence of urinary incontinence and compare perineal muscle function among physically active and sedentary older women. METHODS: The sample consisted of 39 elderly women, 28 of whom got regular physical activity (AG) and 11 did not (SG). We collected data on risk factors for pelvic floor weakness and the presence of urinary incontinence (UI). The evaluation of perineal function was performed using PERFECT and perineometry. The data were processed with descriptive (simple frequencies, percentages, measures of position and dispersion) and inferential statistics (Chi-square or Fisher Exact Test, when necessary, and Mann-Whitney) with a significance level of 5%. RESULTS: There was a higher mean age (p=0.04) in AG. The occurrence of UI in the sample was 56.4%. Urge UI was associated with SG (p=0.022). All PERFECT variables were higher in AG than SG, with significant differences for the variables "repetitions" (p=0.008) and "fast" (p=0.022). Perineometry revealed that fast twitch fibers (p=0.008) and slow twitch fibers (p=0.05) were higher in the AG. CONCLUSION: AG had better pelvic floor muscle function. However, the prevalence of UI was higher in this group, which suggested the influence of age on the urinary continence mechanism.

pelvic floor; perineum; muscle strength; urinary incontinence; physical activity; elderly


Incontinência urinária e função muscular perineal em idosas praticantes e não-praticantes de atividade física regular

Janeisa F. VirtuosoI; Giovana Z. MazoII; Enaiane C. MenezesIII

IFisioterapeuta

IIDepartamento de Educação Física, Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), Florianópolis, SC, Brasil

IIICurso de Educação Física, UDESC

Correspondência para

RESUMO

OBJETIVO: Identificar a presença de incontinência urinária (IU) e comparar a função muscular perineal entre idosas praticantes e não-praticantes de atividade física regular.

MÉTODOS: Participaram deste estudo 39 idosas, sendo 28 praticantes (GP) e 11 não-praticantes de atividade física regular (GNP). Foram coletados dados referentes aos fatores de risco para enfraquecimento do assoalho pélvico e presença de IU. A avaliação da função perineal foi feita por meio do esquema PERFECT e da perineometria. Utilizou-se estatística descritiva (frequência simples, porcentagem, medidas de posição e dispersão) e inferencial (teste do qui-quadrado ou Exato de Fisher, quando necessário, e teste de Mann-Whitney). O nível de significância adotado foi de 5%.

RESULTADOS: A variável idade (p=0,04) apresentou média superior no GP. A ocorrência de IU na amostra foi de 56,4%. A IU de urgência associou-se com o GNP (p=0,022). Todas as variáveis do esquema PERFECT foram superiores entre as idosas do GP em relação ao GNP, com diferença significativa para a variável repetições (p=0,008) e rapidez (p=0,022). Na perineometria, as funções das fibras de contração rápida (p=0,008) e das fibras de contração lenta (p=0,05) foram superiores no GP.

CONCLUSÃO: As idosas do GP apresentam melhor função muscular do assoalho pélvico. Entretanto, a prevalência de IU foi maior nesse grupo, sugerindo influência da variável idade no mecanismo de continência urinária.

Palavras-chave: assoalho pélvico; períneo; força muscular; incontinência urinária; atividade física; idoso.

Introdução

Com o processo de envelhecimento, o trato urinário inferior feminino apresenta algumas alterações, tais como atrofia muscular devido à deficiência de estrógenos1,2, substituição de tecido muscular por tecido adiposo3 e consequente diminuição da força de contração dos músculos do assoalho pélvico4, o que pode provocar perda involuntária de urina.

Segundo a Sociedade Internacional de Continência, incontinência urinária (IU) é definida como a queixa de qualquer perda involuntária de urina, sendo classificada em IU de esforço (IUE), quando associada a situações em que ocorre aumento da pressão intra-abdominal; IU de urgência (IUU), quando é associada a um forte desejo de urinar, e IU mista (IUM), quando ambos os tipos estão presentes5. A prevalência de perda urinária aumenta com a idade, sendo 26,6% entre mulheres de 65 a 74 anos e 41,8% naquelas de 75 anos ou mais6.

Diante disso, algumas estratégias podem minimizar os efeitos da IU durante o processo de envelhecimento. A prática de atividade física age positivamente no mecanismo da continência, pois exerce forte influência na manutenção do peso corporal e prevenção da obesidade, uma vez que a adiposidade pode causar elevação crônica da pressão intra-abdominal, enfraquecendo as estruturas de suporte pélvico7,8. Para Ree, Nygaard e Bø9, o treinamento de força, por meio da atividade física, pode aumentar o volume dos músculos do assoalho pélvico, tornando-os capazes de contrair em determinados momentos durante o aumento da pressão intra-abdominal.

Entretanto, alguns estudos10,11 apontam que a prática de atividade física é um fator de risco para o desenvolvimento da IU em mulheres, principalmente durante os esforços, devido o aumento da força de reação do solo e, consequentemente, da pressão abdominal, exercendo influência sobre os músculos do assoalho pélvico9. Jiang et al.12 afirmam que, segundo a frequência com que os exercícios físicos são realizados, principalmente aqueles de alto impacto, pode ocorrer perda do mecanismo de continência funcional (suporte da bexiga) devido o comprometimento dos mecanismos de sustentação, suspensão e contenção da musculatura pélvica, que sofre sobrecarga intensa e repetida, promovendo o enfraquecimento do assoalho pélvico13,14.

Nesse contexto, um estudo desenvolvido por Borin15, cujo objetivo foi avaliar a pressão da musculatura do assoalho pélvico de mulheres atletas, observou que praticantes de voleibol e basquetebol apresentaram valores inferiores aos das mulheres sedentárias. Todavia, a maioria dos estudos15,16 analisa grupos de atletas jovens, praticantes de atividades físicas de alto impacto, tornando pouco conhecido o comportamento da função perineal em idosas praticantes de atividades físicas moderadas quando comparado ao de seus pares não-praticantes. Além disso, a literatura aponta que o sexo feminino e o avanço da idade são fatores de risco importantes para a gênese da IU17-19.

Assim, diante do fenômeno de transição demográfica, chamado de feminização da velhice20, em que a presença relativa de mulheres na população idosa é superior à dos homens, e devido à maior participação das mulheres em programas de atividades físicas21, torna-se importante estudar variáveis que envolvam essa população. Portanto, este estudo tem como objetivo identificar a presença de IU e comparar a função muscular perineal entre idosas praticantes e não-praticantes de atividade física regular.

Materiais e métodos

Tipo de estudo e casuística

Para este estudo descritivo e transversal22, foram selecionadas mulheres idosas, com idade igual ou superior a 60 anos, mediante voluntariado. As participantes foram divididas em dois grupos: um praticante de atividades físicas regulares (GP) e outro não-praticante (GNP).

Cada grupo apresentou critérios de inclusão diferentes. O GP (n=28) foi composto por idosas praticantes de exercícios físicos nos projetos de atividades físicas do Grupo de Estudos da Terceira Idade (GETI) da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), Florianópolis, SC, Brasil, e do Grupo de Atividades Físicas para Idosos do Centro Federal de Educação Tecnológica (CEFET) há, pelo menos, seis meses. O GNP (n=11) foi composto por idosas que não praticavam qualquer modalidade de exercícios físicos há, pelo menos, seis meses e foram selecionadas no GETI em modalidades que não representavam exercícios físicos, como informática e cantoterapia.

Foram excluídas da amostra idosas que relataram alguma lesão do trato urinário inferior, presença de dor ao urinar ou qualquer outro indicativo de infecção urinária.

Instrumentos e coleta de dados

Primeiramente, ambos os grupos foram avaliados por meio de uma entrevista semiestruturada, com perguntas abertas e fechadas, referentes aos fatores de risco para o enfraquecimento dos músculos do assoalho pélvico, divididos em: ginecológicos, obstétricos, clínicos, comportamentais, hereditários e antropométricos. Também foi identificada a presença de sintomas de IU pela questão: "Durante o último ano, você perdeu urina (sem querer, na calcinha) pelo menos uma vez no mês?", proposta no estudo de Huang et al.23.

A tipologia da IU foi identificada por meio das questões: a) "Você perde urina quando tosse, espirra, faz força ou carrega peso?" A resposta positiva indica IUE. b) "Você perde urina antes de chegar ao banheiro depois de sentir forte vontade de urinar ou sem perceber?" A resposta positiva indica IUU. Quando ambos os tipos estão presente, considerou-se IUM.

Para categorizar as idosas em praticantes e não-praticantes de atividade física, aplicou-se o domínio "Atividades Físicas de Recreação, Esporte, Exercício e de Lazer" do Questionário Internacional de Atividade Física – IPAQ – adaptado para idosos a partir dos estudos de Mazo24 e de Benedetti, Mazo e Barros25. As idosas foram consideradas ativas (GP) quando praticavam atividades físicas moderadas e/ou vigorosas durante uma semana habitual, por tempo igual ou superior a 150 minutos por semana. As idosas do GNP contabilizaram zero minutos por semana nesse domínio.

Para identificar a massa corporal, utilizou-se uma balança digital Plenna Wind MEA 07710, e para a estatura, um estadiômetro WCS 217 cm, com plataforma. Para aferição das circunferências da última costela e crista ilíaca, utilizou-se uma fita métrica da marca ISP.

No exame físico, a participante foi posicionada em decúbito dorsal em uma maca, com a cabeça apoiada em um travesseiro, o quadril flexionado e levemente abduzido, os joelhos flexionados e os pés apoiados na maca. Foram verificadas a tonicidade do centro fibroso do períneo, a distância anuvulvar, a consciência da contração dos músculos do assoalho pélvico, a utilização de musculatura parasita (músculos adutores e glúteos) e a influência da articulação lombossacra durante essa contração. Esse roteiro para realização do exame físico foi proposto por Chiarapa, Cacho e Alves14 e Moreno26.

Ainda nessa posição, mas com os joelhos apoiados em uma cunha de aproximadamente 20 cm de altura, realizou-se um toque vaginal a fim de verificar a simetria dos feixes do assoalho pélvico e a presença de prolapsos durante a manobra de Valsalva. Posteriormente, a função muscular subjetiva do assoalho pélvico foi avaliada pelo esquema PERFECT, desenvolvido por Bø e Larsen27, cujo objetivo é quantificar a intensidade, a duração e a sustentação da contração muscular perineal (Anexo 1).

Para mensurar a função muscular perineal objetiva, utilizou-se um perineômetro digital Perina da marca QUARK®. Trata-se de um eletromiógrafo de pressão que registra os potenciais de ação das contrações musculares do assoalho pélvico e traduz sua intensidade em sinais visuais. utiliza uma sonda vaginal inflável como sensor e mede a função muscular perineal por meio da ativação pressórica dos músculos do assoalho pélvico em contração. A unidade de medida do equipamento é em cm H2O.

Durante essa etapa, a participante permaneceu na mesma posição anterior. A sonda vaginal, protegida com um preservativo não-lubrificado, foi introduzida no canal vaginal da participante. Após a introdução, o insuflador foi lentamente pressionado uma vez, até que uma leve resistência fosse percebida. Adotou-se essa padronização, pois não há estudos científicos sobre a pressão ideal que se deve impor ao insuflador. Por meio desse procedimento, a parte central da sonda foi inflada. Para captar corretamente a pressão da contração dos músculos perineais, a idosa foi orientada a relaxar e, antes de iniciar a contração, o marcador do perineômetro foi zerado para que a parte central da sonda pudesse se acomodar ao tônus vaginal.

Foram realizadas cinco contrações perineais rápidas de 1 s, com intervalo de 5 s cada. Posteriormente, realizaram-se cinco contrações perineais lentas, conforme observado no item "Repetições" do esquema PERFECT. Utilizou-se o mesmo tempo em segundos para repouso entre as contrações. Todos os valores atingidos foram registrados.

As contrações perineais foram realizadas durante a expiração, e as participantes foram orientadas quanto à contração correta dos músculos do assoalho pélvico, evitando o uso da musculatura parasita. O uso da cunha para apoiar os joelhos também minimizou esse problema. Acrescenta-se que apenas uma pesquisadora entrevistou e avaliou todas as participantes.

Tratamento dos dados

Os dados foram armazenados no programa Microsoft Excel®, e cada participante foi cadastrada segundo um número codificador. A análise estatística foi realizada no pacote estatístico Statistical Package for Social Sciences (SPSS)– versão 17.0.

Inicialmente, todas as variáveis foram analisadas descritivamente por meio de frequência simples e porcentagens (variáveis categóricas) e medidas de posição e dispersão (variáveis numéricas). Para associação entre variáveis categóricas, utilizou-se o teste do qui-quadrado (χ2) ou Exato de Fisher, quando necessário. A comparação entre dois grupos, com variáveis numéricas, foi realizada pelo teste de Mann-Whitney. O nível de significância adotado foi de 5%.

Procedimentos éticos

Esta pesquisa foi conduzida dentro dos padrões exigidos pela resolução n.º 196/96 do Conselho Nacional de Saúde do Brasil e aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisas em Seres Humanos da UDESC, sob o protocolo número 03/2010.

Ao concordarem em participar da pesquisa, as idosas assinaram um termo de consentimento em duas vias, ficando uma via de posse da idosa e a outra, do pesquisador.

Resultados

A amostra do presente estudo foi composta de 39 mulheres idosas (60 anos ou mais), sendo 11 não-praticantes (GNP) e 28 praticantes de atividades físicas (GP). As modalidades de exercícios físicos praticadas pelo GP foram: ginástica (23; 85,7%), natação (02; 10,7%), dança (02; 10,7%) e musculação (01; 2,6%).

Com relação aos dados sociodemográficos, a maioria das idosas deste estudo é casada (22; 56,4%) ou viúva (13; 33,7%), apresenta ensino médio completo (13; 33,7%) ou fundamental incompleto (11; 28,2%) e, atualmente, é aposentada (21; 53,8%).

Na Tabela 1, verifica-se a comparação dos fatores de risco para o enfraquecimento dos músculos do assoalho pélvico entre o GP e o GNP. Observa-se que as amostras possuem características semelhantes, com exceção da variável idade (p=0,040), que apresentou médias superiores no GP. Entre os fatores antropométricos, o índice de massa corporal (IMC) e a circunferência da cintura (CC) também chamaram atenção, pois apresentaram médias superiores no GP, apesar da ausência de significância (p=0,158 e p=0,149, respectivamente).

Quanto à associação entre os sintomas de IU e a prática de atividade física (Tabela 2), no total de mulheres entrevistadas, 56,4% apresentavam queixa de incontinência, e a IUE foi o tipo mais comum (51,3%). A presença de IUU foi relatada por 28,2% da amostra e associou-se significantemente com o GP e o GNP (χ2=5,25; p=0,022), havendo uma tendência de as idosas do GNP (54,5%) apresentarem esse tipo de sintoma (ajuste residual >2,0). Apesar da ausência de significância na IUM em ambos os grupos, observa-se uma tendência do GNP (55,6%) em apresentar esse tipo de perda urinária. Acrescenta-se ainda que apenas uma idosa do GP referiu perda urinária durante a prática de exercícios físicos.

Com relação ao exame físico, observa-se que não houve associação entre as variáveis categóricas e os grupos GP e GNP. No entanto, chama atenção a alta frequência de prolapso vesical (82,4%) bem como a presença de consciência de contração dos músculos do assoalho pélvico (78,1%) entre as mulheres do GP (Tabela 3). Quanto ao esquema PERFECT (Força, Resistência, Repetições, Rapidez), todas as variáveis apresentaram medianas superiores no GP, sugerindo que a função do assoalho pélvico é melhor nesse grupo. A repetição das contrações mantidas (Repetições) e as contrações rápidas (Rapidez) apresentaram diferença significante entre GP e GNP (U=70,0; p=0,008 e U= 81,0; p=0,022, respectivamente).

Na perineometria, a função das fibras de contração rápida do GP foi significativamente superior à do GNP, com medianas 22 e 6,5, respectivamente (U=70,5; p=0,008). Esse fato também ocorreu na função das fibras de contração lenta, com mediana 10 no GP e 2 no GNP (U=91,0; p=0,050).

Discussão

O fator idade, principalmente na mulher, tende a ser causa importante de distúrbios urinários devido a alterações, como diminuição de fibras colágenas3, diminuição da capacidade de armazenamento da bexiga e baixos níveis de estrógenos na pós-menopausa29. A história obstétrica e ginecológica também pode contribuir para o enfraquecimento dessa musculatura30. A ocorrência de IU no presente estudo foi superior (56,4%) aos valores encontrados em um estudo recente de Smith et al.31, cuja prevalência foi de 29,5% entre mulheres com 60 anos ou mais. Acredita-se que essa alta prevalência deva-se ao fato de que a maioria das mulheres interessadas em participar do exame correspondeu àquelas com perdas urinárias e, portanto, preocupadas com a função dos músculos do assoalho pélvico. Esse tipo de viés pode ocorrer em pesquisas cuja seleção da amostra se dá por voluntariado. No entanto, tratando-se do público idoso, torna-se difícil desenvolver um estudo com exame físico ginecológico de outro modo.

Quanto à tipologia das perdas urinárias, a maioria das idosas relatou IUE (50,1%), enquanto 28,2% apresentou IUU, e 23,1% IUM. Barros, Lucena e Anselmo1 e Mourão et al.3 explicam que, devido à deficiência de estrógenos, o trato urinário inferior feminino apresenta algumas alterações, tal como a diminuição da força de contração dos músculos do assoalho pélvico, que pode provocar a perda involuntária de urina mediante esforços. Além disso, com o processo de envelhecimento, alterações estruturais do músculo detrusor, como desenvolvimento de fibroses e hipersensibilidade à noradrenalina, resultam em redução da capacidade vesical e desenvolvimento de contrações involuntárias32, provocando sintomas de urgência miccional e/ou IUU.

Com relação à prática de atividade física, nota-se que as idosas do GP apresentaram maior incidência de perdas urinárias (63,6%). Esses resultados vão de encontro aos da literatura. Smith et al.31 encontram associação entre a prática de exercícios físicos e menores taxas de IU. Conforme os autores, exercícios de intensidade moderada devem ser incentivados a fim de promover a continência urinária. Em outro estudo, desenvolvido por Kikuchi et al.33, encontrou-se uma prevalência menor de IU entre idosos com alto nível de atividade física, quando comparados a idosos com baixo nível, indicando que o exercício físico pode prevenir a ocorrência de perdas urinárias.

Quanto ao tipo de IU, nota-se a tendência de as idosas sedentárias do GNP apresentarem sintomas de urgência (p=0,022). Em estudo transversal, Song et al.34 observaram que as mulheres que se exercitavam, pelo menos, uma vez por semana eram menos propensas a apresentar IUU. Townsend et al.7 também encontraram menores taxas de IUU em mulheres com maior nível de atividade física (OR=0,53; IC 95%=0,31 a 0,90). Esses resultados demonstram que os sintomas de urgência miccional também podem ser amenizados com a prática regular de exercícios físicos.

Com relação à perda de urina durante o exercício físico, apenas um idosa relatou essa queixa. Nygaard et al.35 e Bø13 afirmam que a prática esportiva profissional constitui um risco adicional ao desenvolvimento de IU, principalmente quando relacionada a atividades de alto impacto. Acredita-se que o cunho recreativo da ginástica para idosos, modalidade praticada pela maioria (85,7%), pode justificar a baixa incidência de perdas urinárias durante o exercício físico.

Bernardes et al.36 apontam que um assoalho pélvico com função muscular deficiente ou inadequada é um fator etiológico relevante na ocorrência da IU. De acordo com Bø e Sherburn37, a função muscular do assoalho pélvico é definida como a habilidade de realizar a contração correta, apertando ao redor da abertura pélvica e movimentando internamente o assoalho. Conforme exposto no presente trabalho, a prática de atividade física parece contribuir para uma melhor função perineal entre mulheres idosas. Bø13 relata essa hipótese ao sugerir que, simultaneamente ao aumento da pressão abdominal durante o exercício físico, ocorre uma contração reflexa dos músculos do assoalho pélvico. Ree, Nygaard e Bø9 afirmam que o exercício físico pode aumentar o volume dos músculos do assoalho pélvico, tornando-os capazes de contrair durante o aumento da pressão intra-abdominal.

Um estudo desenvolvido por Stach-Lempinen et al.38 avaliou 82 mulheres com IU utilizando a escala de Oxford, que se trata de uma medida subjetiva da contractilidade perineal. Os autores encontraram associação entre o nível de atividade física e a contração da musculatura pélvica, em que 43,5% das mulheres mais ativas atingiram um nível de contração boa, contra 27% entre as menos ativas. No presente estudo, todas as variáveis da funcionalidade da contração perineal também se apresentaram superiores entre as mulheres idosas praticantes de atividade física regular. Além disso, um estudo clássico de Bø e Finckenhagen39 apontou que a força média máxima de contração perineal entre mulheres saudáveis foi de 19,7±3,2 cm H2O. Tal valor é semelhante ao encontrado na mensuração das fibras rápidas no grupo de idosas praticantes (Md=22,0 cm H2O).

Ainda com relação à função muscular perineal, observou-se que as variáveis referentes às fibras lentas, tanto no esquema PERFECT(Endurance e Repetitions) quanto na perineometria, apontaram medianas inferiores quando comparadas às fibras rápidas em ambos os grupos. Segundo Danforth et al.40, o avanço da idade determina o envelhecimento natural das fibras musculares, com consequente hipotrofia ou substituição delas por adipócitos que, no assoalho pélvico, pode contribuir de maneira efetiva no seu enfraquecimento e no processo de IU.

Conforme observado no presente estudo, a ocorrência de IU, mesmo na presença de um assoalho pélvico íntegro, costuma ser frequente na prática clínica. Para Souza et al.41, deve-se ter cuidado em atribuir somente ao suporte uretral inadequado ou à atrofia dos músculos do assoalho pélvico o fator etiológico das perdas urinárias. Nesse contexto, Figueiredo et al.42 relatam que mulheres com o mesmo grau de função muscular perineal podem relatar diferentes sintomas de IU. Dessa forma, é importante considerar que existem múltiplos fatores de risco associados à falência da musculatura do assoalho pélvico41.

A partir dessa observação, acredita-se que a alta prevalência de IU entre as mulheres idosas do GP possa estar influenciada tanto pela idade quanto pelas variáveis antropométricas que apresentaram médias superiores nesse grupo. Segundo Delancey43, a pressão máxima de fechamento uretral e o número de fibras periuretrais diminuem com o avanço da idade e, para Townsend et al.44 e Krause et al.45, o IMC e a CC aumentam o risco de desenvolvimento da IUE devido ao aumento da pressão intra-abdominal e os efeitos sob as estruturas uretrais. Assim, o tecido adiposo centralmente distribuído pode causar uma elevação crônica na pressão intra-abdominal e, consequentemente, na pressão intravesical, resultando em tensão nas estruturas uretrais de sustentação e aumento no risco de perdas urinárias aos esforços, mesmo na presença de uma função muscular íntegra do assoalho pélvico45.

Diante dos resultados encontrados, observa-se que as idosas praticantes de atividades físicas apresentam melhor função muscular do assoalho pélvico do que as idosas não-praticantes. Portanto, o incentivo à prática de atividade física é de fundamental importância para a população idosa, pois, além de todos os benefícios que promove, acrescenta-se ainda a melhora da funcionalidade do assoalho pélvico. Essa prática também pode colaborar, de sobremaneira, no controle do sobrepeso, já que se trata de um fator modificável da IU46. Os resultados também sugerem que exercícios específicos de contração do assoalho pélvico devem ser incorporados à prática de atividade física, proporcionando melhor automatismo das contrações reflexas do assoalho pélvico durante momentos de aumento da pressão intra-abdominal.

A amostra reduzida pode ser considerada uma limitação deste estudo, principalmente a diferença entre os grupos. No entanto, esta pesquisa é de grande importância, uma vez que a funcionalidade do assoalho pélvico vem sendo estudada no âmbito nacional apenas em mulheres jovens, praticantes de atividades físicas, negligenciando a população idosa feminina, que vem crescendo constantemente.

Sugere-se que estudos futuros invistam no controle do tamanho da amostra a fim de que os grupos sejam mais homogêneos e na presença de um avaliador cego, para que não saiba a que grupo a participante pertence. Avançar no controle da modalidade de atividade física que as idosas praticam também pode ser interessante para controlar a modalidade de atividade física praticada por elas, bem como avaliar o tempo da prática (GP) ou o tempo de afastamento dessas atividades (GNP). Além disso, podem-se incluir outros métodos para avaliar as medidas antropométricas, como as dobras cutâneas e a impedância bioelétrica, assim como o controle de outros fatores de risco, já que, nas mulheres idosas, vários deles estão envolvidos no enfraquecimento do assoalho pélvico e na sintomatologia da IU.

Referências

  • 1. Barros JD, Lucena ACT, Anselmo CWSF. Incontinência urinária de esforço em atletas do sexo feminino: uma revisão da literatura. An Fac Med Univ Fed Pernamb. 2007;52(2):173-80.
  • 2. Ramos JGL, Schmidt AP, Martins-Costa SH. Anormalidade da estática pélvica. In: Freitas F, Menke CH, Rivoire WA, Passos EP. Rotinas em ginecologia. 5Ş ed. Porto Alegre: Artmed; 2006.
  • 3. Mourão FAG, Lopes LN, Vasconcellos NPC, Almeida MBA. Prevalência de queixas urinárias e o impacto destas na qualidade de vida de mulheres integrantes de grupos de atividade física. Acta Fisiátrica. 2008;15(3):170-5.
  • 4. Pauls J. Incontinência urinária e comprometimento do assoalho pélvico no idoso. In: Guccione AA. Fisioterapia Geriátrica. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2002. p. 322-32.
  • 5. Abrams P, Cardozo L, Fall M, Griffiths D, Rosier P, Ulmsten U, et al. The standardization of terminology of lower urinary tract function: report from the standardization sub-committee of the international continence society. Neurourol Urodyn. 2002;21(2):167-78.
  • 6. Espunã-Pons M, Guiteras PB, Sampere DC, Bustos AM, Penina AM. Prevalência de incontinência urinaria en Cataluña. Med Clin (Barc). 2009;133(18):702-5.
  • 7. Townsend MK, Danforth KN, Rosner B, Curhan GC, Resnick NM, Grodstein F. Physical Activity and Incident Urinary Incontinence in Middle-Aged Women. J Urol. 2008;179(3):1012-7.
  • 8. Danforth KN, Shah AD, Townsend MK, Lifford KL, Curhan GC, Resnick NM, et al. Physical Activity and Urinary Incontinence Among Healthy, Older Women. Obstet Gynecol. 2007;109(3):721-7.
  • 9. Ree ML, Nygaard I, Bø K. Muscular fatigue in the pelvic floor muscles after strenuous physical activity. Acta Obstet Gynecol Scand. 2007;86(7):870-6.
  • 10. Thyssen HH, Clevin L, Olesen S, Lose G. Urinary incontinence in elite female athletes and dancers. Int Urogynecol J Pelvic Floor Dysfunct. 2002;13(1):15-7.
  • 11. Bø K, Borgen JS. Prevalence of stress and urge urinary incontinence in elite athletes and controls. Med Sci Sports Exerc. 2001;33(11):1797-802.
  • 12. Jiang K, Novi JM, Darnell S, Arya LA. Exercise and urinary incontinence in women. Obstet Gynecol Surv. 2004;59(10):717-21.
  • 13. Bø K. Urinary incontinence, pelvic floor dysfunction, exercise and sport. Sports Med. 2004;34(7):451-64.
  • 14. Chiarapa TR, Cacho DP, Alves AFD. Avaliação Cinético Funcional. In: Chiarapa TR, Cacho DP, Alves AFD. Incontinência urinária feminina: assistência fisioterapêutica e multidisciplinar. São Paulo: Livraria Médica Paulista; 2007. p. 71-122.
  • 15. Borin LCMS. Avaliação pressórica da musculatura do assoalho pélvico de mulheres jovens atletas [dissertação]. Piracicaba: Universidade Metodista de Piracicaba; 2006.
  • 16. Larosa AV, Magnani PS. Comparação da funcionalidade do assoalho pélvico entre mulheres atletas e não-atletas [TCC]. Araraquara: Centro Universitário de Araraquara; 2005.
  • 17. Alvaro R, Araco F, Gravante G, Sorge R, Overton J, Vellone E, et al. Epidemiological aspects of urinary incontinence in a female population of an Italian region. Int Urogynecol J Pelvic Floor Dysfunct. 2010;21(7):873-83.
  • 18. Yagmur Y, Ulukoca N. Urinary incontinence in hospital-based nurses working in Turkey. Int J Gynaecol Obstet. 2010;108(3):224-7.
  • 19. Onur R, Deveci SE, Rahman S, Sevindik F, Acik Y. Prevalence and risk factors of female urinary incontinence in eastern Turkey. Int J Urol. 2009;16(1):566-9.
  • 20. Neri AL. Idosos no Brasil vivências, desafios e expectativas na terceira idade. Fundação Perseu Abramo; 2007.
  • 21. Andreotti MC, Okuma SS. Perfil sócio demográfico e de adesão inicial de idosos ingressantes em um programa de educação física. Rev Paul Educ Fís São Paulo. 2003;17(2):142-53.
  • 22. Gil AC. Como elaborar projetos de pesquisa. 4Ş Ed. São Paulo: Atlas; 2009.
  • 23. Huang AJ, Brown JS, Thom DH, Fink HA, Yaffe K. Urinary incontinence in older community-dwelling women: the role of cognitive and physical function decline. Obstet Gynecol. 2007;109(4):909-16.
  • 24. Mazo GZ. Atividade física e qualidade de vida de mulheres idosas [tese]. Portugal: Faculdade de Ciências do Desporto e de Educação Física, Universidade do Porto; 2003.
  • 25. Benedetti TB, Mazo GZ, Barros MVG. Aplicação do Questionário Internacional de Atividades Físicas para avaliação do nível de atividades físicas de mulheres idosas: validade concorrente e reprodutibilidade teste-reteste. Rev Bras Ciên Mov. 2004;12(1):25-34.
  • 26. Moreno AL. Avaliação Fisioterapêutica. In: Moreno AL. Fisioterapia em Uroginecologia. São Paulo: Manole; 2004. p. 101-6.
  • 27. Bø K, Larsen S. Pelvic floor muscle exercise for the treatment of female stress urinary incontinence. Classification and characterization of responders. Neurourol Urodyn. 1992;11(1):497-507.
  • 28. Ortiz OC, Nuoez FC, Gutnisky R, Cortece G. Valoración dinâmica de la disfuncion perineal em la mujer. Propuesta de classificación. Obstet Ginec Lat Americ. 1994;52(1):92-8.
  • 29. Higa R, Lopes MHBM, Reis MJ. Fatores de risco para incontinência urinária na mulher. Rev Esc Enferm USP. 2008;42(1):187-92.
  • 30. Moller LA, Lose G, Jorgensen T. Risk factors for lower urinary tract symptoms in women 40 to 60 years of age. Obstet Gynecol. 2000;96(3):446-51.
  • 31. Smith AL, Wang PC, Anger JT, Mangione CM, Trejo L, Rodrigues LV, et al. Correlates of urinary incontinence in community-dwelling older latinos. J Am Geriatr Soc. 2010;58(6):1170-6.
  • 32. Siroky MB. The aging bladder. Rev Urol. 2004;6 Suppl 1:S3-7.
  • 33. Kikuchi A, Niu K, Ikeda Y, Hozawa A, Nakagawa H, Guo H, et al. Association between physical activity and urinary incontinence in a community-based elderly population aged 70 years and over. Eur Urol. 2007;52(3):868-74.
  • 34. Song YF, Zhang WJ, Song J, Xu B. Prevalence and risk factors of urinary incontinence in Fuzhou Chinese women. Chin Med J. 2005;118(11):887-92.
  • 35. Nygaard IE, Thompson FL, Svengalis SL, Albright JP. Urinary incontinence in elite nulliparous athletes. Obstet Gynecol. 1994;84(2):183-7.
  • 36. Bernardes NO, Péres FR, Souza ELBL, Souza OL. Métodos de tratamento utilizados na incontinência urinária de esforço genuína: um estudo comparativo entre cinesioterapia e eletroestimulação endovaginal. Rev Bras Ginecol Obstet. 2000;22(1):49-54.
  • 37. Bø K, Sherburn M. Evaluation of female pelvic-floor muscle function and strength. Phys Ther. 2005;85(3):269-82.
  • 38. Stach-Lempinen B, Nygard C, Laippala P, Metsanoja R, Kujansuu E. Is physical activity influenced by urinary incontinence? BJOG. 2004;111(5):475-80.
  • 39. Bø K, Finckenhagen HB. Vaginal palpation of pelvic floor muscle strength: inter-test reproducibility and the comparison between palpation and vaginal squeeze pressure. Acta Obstet Gynecol Scand. 2001;80(10):883-7.
  • 40. Danforth KN, Townsend MK, Lifford K, Curhan GC, Resnick NM, Grodsten F. Risck factors for urinary incontinence among middle-aged women. Am J Obstet Gyneco. 2006;194(2):339-45.
  • 41. Souza CEC, Lima RM, Bezerra LMA, Pereira RW, Moura TK, Oliveira RJ. Estudo comparativo da função do assoalho pélvico em mulheres continentes e incontinentes após a menopausa. Rev Bras Fisioter. 2009;13(6):535-1.
  • 42. Figueiredo EM, Lara JO, Cruz MC, Quintão DMG, Monteiro MVC. Perfil sociodemográfico e clínico de usuárias de serviço de fisioterapia uroginecológica da rede pública. Rev Bras Fisioter. 2008;12(2):136-42.
  • 43. Delancey JO. Why do women have stress urinary incontinence. Neurourol Urodyn. 2010;29 Suppl 1:S13-7.
  • 44. Townsend MK, Curhan GC, Resnick NM, Grodstein F. BMI, waist circumference, and incident urinary incontinence in older women. Obesity. 2008;16(4):881-6.
  • 45. Krause MP, Albert SM, Elsangedy HM, Krinski K, Goss FL, da Silva SG. Urinary incontinence and waist circumference in older women. Age Ageing. 2010;39(1):69-73.
  • 46. Goode PS, Burgio KL, Richter HE, Markland AD. Incontinence in older women. JAMA. 2010;303(21):2172-81.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Ago 2011
    • Data do Fascículo
      Ago 2011

    Histórico

    • Revisado
      13 Jan 2011
    • Recebido
      28 Jul 2010
    • Aceito
      22 Mar 2011
    Associação Brasileira de Pesquisa e Pós-Graduação em Fisioterapia Rod. Washington Luís, Km 235, Caixa Postal 676, CEP 13565-905 - São Carlos, SP - Brasil, Tel./Fax: 55 16 3351 8755 - São Carlos - SP - Brazil
    E-mail: contato@rbf-bjpt.org.br