Resumos
Este trabalho descreve uma nova metodologia para a estimativa auto-calibrada do albedo planetário da Terra com uma resolução sintética de 2,5° x 2,5°em latitude e longitude, pela análise dos dados telemetrizados do Experimento Célula Solar (ECS) do segundo satélite de coleta de dados ambientais do INPE (SCD2), lançado em outubro de 1998. Os resultados de um ensaio semi-quantitativo da nova metodologia e a descrição dos resultados obtidos para os anos de 1998 e 1999 são apresentados e discutidos. Este experimento abre as portas para o desenvolvimento de uma metodologia nacional de estudos do sistema climático através da monitoração das nuvens com emprego de satélites de baixos custo, peso e complexidade tecnológica.
Satélite; Célula Solar; Albedo Planetário; Nuvens; Clima
This work describes a new self-calibrated method for the assessment of the Earth's planetary albedo with a synthetic ground resolution of 2.5° latitude x 2.5° longitude by using the telemeterized data from the Solar Cell Experiment (SCE) of the second INPE's data collection satellite (SCD2), launched on October, 1998. A semi-empirical examination of this new method's result is reported, and the calculated planetary albedo for the years 1998 and 1999 is presented and discussed. This experiment may establish a cost-effective innovation for the Brazilian space program as regards to the study of the climate system by cloud cover monitoring.
Satellite; Solar Cell; Planetary Albedo; Cloud; Climate
Research Article
Estimativa do Albedo Planetário empregando dados do Experimento Célula Solar do satélite brasileiro SCD2
N. Veissid1 & E. B. Pereira2
Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais
1INPE/LAS - 2INPE/DGE
C. Postal 515, São José dos Campos, SP Brasil CEP: 12201-970
1(012) 345-6573, e-mail: veissid@las.inpe.br
2(012) 345-6741, e-mail: enio@dge.inpe.br
Este trabalho descreve uma nova metodologia para a estimativa auto-calibrada do albedo planetário da Terra com uma resolução sintética de 2,5o x 2,5o em latitude e longitude, pela análise dos dados telemetrizados do Experimento Célula Solar (ECS) do segundo satélite de coleta de dados ambientais do INPE (SCD2), lançado em outubro de 1998. Os resultados de um ensaio semi-quantitativo da nova metodologia e a descrição dos resultados obtidos para os anos de 1998 e 1999 são apresentados e discutidos. Este experimento abre as portas para o desenvolvimento de uma metodologia nacional de estudos do sistema climático através da monitoração das nuvens com emprego de satélites de baixos custo, peso e complexidade tecnológica.
Palavras-chave: Satélite; Célula Solar; Albedo Planetário; Nuvens; Clima.
Assessment of the Planetary Albedo by using data from the Solar Cell Experiment of the Brazilian SCD2 satellite-This work describes a new self-calibrated method for the assessment of the Earth's planetary albedo with a synthetic ground resolution of 2.5o latitude x 2.5o longitude by using the telemeterized data from the Solar Cell Experiment (SCE) of the second INPE's data collection satellite (SCD2), launched on October, 1998. A semi-empirical examination of this new method's result is reported, and the calculated planetary albedo for the years 1998 and 1999 is presented and discussed. This experiment may establish a cost-effective innovation for the Brazilian space program as regards to the study of the climate system by cloud cover monitoring.
Key words: Satellite; Solar Cell; Planetary Albedo; Cloud; Climate.
INTRODUÇÃO
Cerca de 30% da energia radiante do Sol que incide sobre a Terra é refletida de volta ao espaço. Essa fração refletida é denominada de albedo planetário. A variação temporal do albedo planetário da Terra é importante na monitoração das mudanças climáticas globais visto que o balanço energético global entre o fluxo de radiação solar incidente no topo da atmosfera e o que é devolvido ao espaço externo controla, em última instância, a temperatura média da atmosfera. A principal forçante moduladora do albedo planetário é a cobertura de nuvens (Harrison, et al., 1993). Fatores secundários, como as variações na composição da atmosfera e o albedo da superfície, são também importantes elementos de estudo mas não serão abordados neste trabalho. Particularmente no Brasil, mudanças no albedo de superfície originadas por desmatamentos e desertificações, além de mudanças na composição da atmosfera por introdução de aerossóis e gases minoritários oriundos da queima da biomassa (Pereira et al., 2000) constituem componentes importantes para o controle desse balanço energético da atmosfera (Eck et al., 1998).
Em média, as nuvens cobrem diariamente cerca de 50% a 55% da superfície do Terra. As maiores porcentagens de ocorrência estão sobre os trópicos, onde também ocorrem os sistemas convectivos e de escala sinóptica mais intensos (Liou, 1986; Weatherald & Manabe, 1988; Arking, 1990; Rossow, 1996). O Brasil tem a maior parte de sua área localizada nessa região de influência climática.
Alguns dos parâmetros atmosféricos que controlam o clima e o ciclo da água podem ser observados e quantificados adequadamente através do uso de satélites (Raschke, 1996), dentre eles pode-se destacar o albedo planetário. Isso tem sido feito com o emprego de satélites geoestacionários (GOES, METEOSAT) ou por satélites de órbitas oblíquas e polares (séries NOAA e NIMBUS). Por exemplo, o ISCCP (International Satellite Cloud Climatology Project) oferece uma excelente base de dados de nuvens (cobertura, temperatura, albedo) com diversos níveis de processamento, obtida a partir dos satélites GOES-8 e 9 (Schiffer & Rossow, 1985; Rossow et al., 1991).
No campo das aplicações do uso da radiação solar na engenharia civil, arquitetura, agricultura e como forma de energia renovável (solar-térmica e solar-fotovoltaica) as informações sobre o albedo são também de importância crucial ( Pereira et al., 1996; Pereira & Colle, 1997; Colle & Pereira, 1998) visto que as nuvens representam o fator mais importante de modulação da energia solar diária disponível na superfície, logo atrás da variação diurna.
Essa base de dados sobre o albedo planetário é obtida através do emprego de satélites de nações estrangeiras como Estados Unidos, a Rússia, países da Comunidade Européia e, mais recentemente, a Índia e a China. Isso coloca o nosso país em uma desconfortável posição de dependência de informação e de tecnologia. Recentemente, o Brasil ingressou no seleto clube detentor dessa tecnologia espacial através do lançamento com sucesso, no dia 14/10/1999, do primeiro satélite do Programa CBERS (China-Brazil Earth Resources Satellite / Satélite Sino-Brasileiro de Recursos Terrestres) em uma órbita a 763 km de altitude. Porém, antes disso, os dois únicos satélites funcionais, de tecnologia nacional em órbita eram os SCD-1 e 2, ambos ligados à Missão Espacial Completa Brasileira. Embora tais satélites não tivessem sido projetados primariamente para a monitoração remota da Terra, um experimento da engenharia espacial a bordo fornece dados de interesse no campo da climatologia. Trata-se do Experimento Célula Solar do INPE. Os dados obtidos com essa tecnologia simples permitiu o desenvolvimento de um novo método para o levantamento do albedo planetário sobre o território brasileiro. Embora constitua uma técnica em desenvolvimento e que não pretende substituir de imediato as modernas técnicas de imageamento multiespectral empregadas pelos satélites da rede internacional, apresenta evidências de sua potencialidade com relação aos sistemas mais complexos e custosos. A principal é por envolver um processo auto-calibrado que independe da degradação intrínseca dos sensores com o tempo. Além disso, por envolver sensores passivos simples, leves e baratos apresenta uma nova e promissora perspectiva de realização de pesquisas climáticas com orçamentos modestos. O objetivo deste trabalho é, portanto, descrever esta nova metodologia e o tratamento dos dados obtidos a partir do experimento Célula Solar do SCD-2 para obter o albedo planetário sobre a maior parte do território brasileiro e avaliar preliminarmente seu potencial como ferramenta para monitoramento climático com vistas a implementação dessa técnica em futuras plataformas de pesquisa de baixo custo e tecnologia inteiramente nacional, como no caso dos micro e mini satélites de pesquisa.
METODOLOGIA
Os satélites de coleta de dados meteorológicos (SCD1 e SCD2), lançados em fevereiro de 1993 e outubro de 1998 respectivamente, atuam como receptores e transmissores dos parâmetros medidos em plataformas terrestres espalhadas ao longo do território Brasileiro.
Desde 1980, o Laboratório Associado de Sensores e Materiais do INPE (LAS/CTE/INPE) desenvolve tecnologia para a fabricação de células solares para uso em satélite. Um dos marcos desta atividade foi o desenvolvimento do Experimento Célula Solar. Os dois Experimentos Célula Solar do SCD1 (ECS1) e do SCD2 (ECS2) têm o objetivo de estudar a degradação de células solares com a irradiação por partículas ionizantes (elétrons e prótons de alta energia) encontradas no espaço próximo ao planeta Terra. Estas partículas deterioram a cristalinidade dos substratos semicondutores e diminuem o desempenho dos dispositivos em satélites. As células solares destes experimentos foram projetadas e fabricadas no LAS/INPE usando a infra-estrutura do Laboratório de Microeletrônica da Escola Politécnica da USP em São Paulo (LME/EPUSP). Elas são homojunções tipo n+/p e foram fabricadas a partir de substratos de silício monocristalino com resistividades de 10 ohm.cm, para o ECS1 e 1 ohm.cm, para o ECS2. Vários artigos foram publicados relatando os resultados obtidos no ECS1 (Veissid et al., 1990; 1997; 1998). A conclusão principal desses artigos é que a degradação do desempenho das células solares pela radiação ionizante encontrada no espaço exterior está ocorrendo conforme o previsto para este dispositivo. Esta degradação é de 0,08% por ano em valores absolutos ou de 0,7% por ano em relação ao seu valor inicial de eficiência de conversão.
O Experimento Célula Solar (ECS2) colocado a bordo do SCD2 é composto por seis células solares ligadas em série de duas em duas (ver Fig. 1). Estes três pares de células simulam o funcionamento do dispositivo em condições diferentes. O primeiro par, ligado a uma baixa resistência de carga, simula o funcionamento na situação de curto circuito (Isc); o segundo simula a situação de máxima potência (Vmp); e o terceiro a de circuito aberto (Voc) (ver Fig. 2).
A eletrônica do ECS2 amplifica o valor de tensão lido na resistência do par Isc, que é proporcional a intensidade de radiação solar e passa para um conversor analógico-digital (AD). Este sinal é transmitido por telemetria para a Terra a cada meio segundo. O modelo matemático usado para determinar o desempenho das células solares a partir destes dados usa a rotação intrínseca do satélite (spin), que é mantida em torno de 34 rotações por minuto (rpm). Em função do algoritmo usado para interpretar os sinais verificou-se que, além da função principal do experimento de monitorar em tempo real o desempenho de suas células em missão, ele permite determinar os valores da radiação solar refletida pela Terra durante a passagem do SCD2 pela visada da estação receptora de Cuiabá em Mato Grosso. Sua rotação intrínseca permite também obter leituras da radiação incidente no topo da atmosfera durante o período em que o experimento está voltado em direção ao Sol e, desta forma, obter-se valores auto-calibrados do albedo planetário no campo de visada intantâneo - IFOV (instantaneous field of view) do Experimento ECS2. Através do algoritmo desenvolvido e descrito neste trabalho foi simulado o mosaico de albedo em uma grade sintética de células de 2,5o x 2,5o, em latitude e longitude, sobre a maior parte do território nacional e América do Sul.
O estudo do ECS2 e a interpretação dos sinais obtidos pela telemetria usa fundamentos teóricos da área da física da matéria condensada, para entendimento do dispositivo célula solar, e de mecânica orbital, para normalização dos sinais em função da geometria espacial.
Célula Solar
Uma célula solar pode ser representada pelo circuito equivalente dado na Fig. 3 e a partir deste, temos que a função característica corrente por tensão de uma célula solar pode ser representada pelo modelo de dupla exponencial (Hovel, 1976; Rauschenbach, 1980), o qual é dado por:
onde IL é a corrente fotogerada, IS1 e IS2 são as correntes de saturação, RS e RP são as resistências série e paralelo, T é a temperatura do dispositivo, k é a constante de Boltzmann e V é a tensão para uma dada corrente I. Esta equação é função explícita (T) e implícita com a temperatura (IL, IS1, IS2, RS e RP). Para este trabalho estas dependências não têm necessidade de serem consideradas.
A Fig. 2 mostra uma curva característica típica de corrente por tensão (IxV) de uma célula solar de silício iluminada pela irradiação solar encontrada fora da atmosfera terrestre. O ponto de trabalho situa-se ao longo desta curva IxV. Nesta figura podem ser observados os seguintes parâmetros de saída:
Isc ¾ corrente de curto circuito (short circuit current), corresponde ao ponto de operação da célula com uma resistência de carga nula ligada aos seus terminais.
Voc ¾ tensão de circuito aberto (open circuit voltage), corresponde ao ponto de operação da célula sem resistência de carga ligada aos seus terminais.
Vmpe Imp ¾ tensão e corrente de máxima potência, corresponde ao ponto da curva onde pode ser extraído a maior potência elétrica da célula solar, isto é, o maior produto de corrente por tensão (IxV).
h - eficiência de conversão de energia solar em energia elétrica.
Neste trabalho serão considerados apenas os dados telemetrizados provenientes do par de células solares que opera na condição de curto circuito (Isc), pois este valor é proporcional a intensidade luminosa solar (Veissid at al., 1995), tanto aquela vinda diretamente do Sol como a parte que é refletida pela Terra. Conforme explicado adiante neste trabalho, só é possível de ser observado o albedo quando a curva que o representa não se superpõe com a curva da radiação solar (ver Fig. 5). Portanto, esta condição de defasagem entre os picos das curvas só é satisfeita na visada de Cuiabá durante o horário local entre 9:00 e 15:00 horas.
Mecânica Orbital
A força gravitacional é radial e define a órbita do satélite. Considerando que a órbita seja circular e que a Terra seja uma esfera homogênea com seu centro de massa posicionado no centro desta esfera, podemos dizer que a velocidade radial do satélite é definida pelo equilíbrio entre a força gravitacional e sua força centrípeta. Para o caso do SCD2, temos que a altitude do satélite é de 750 km, então a sua velocidade radial é de aproximadamente 24000 km/h e o seu período, tempo que o satélite demora para dar uma revolução em torno da Terra, é de 100 min. Os dados recebidos pela telemetria do ECS2 estão na forma de um arquivo ASCII, composto pela hora universal, temperatura do satélite no ponto do ECS2 e sinais dos canais de Isc, Voc e Vmp. Para relacionar os valores do albedo com a posição orbital em latitude e longitude, é necessário uma rotina computacional que relaciona o tempo universal com a órbita do satélite. Para tal, os programas STSORBIT-PLUS e o TRAKSTAR-SGP4 encontrados nos endereços eletrônicos da NASA (http://www.dransom.com ou http://tie.jpl.nasa.gov/dransom/) permitem esta correlação. Estes dois programas usam parâmetros TLE (Two-Line Elements) dos satélites e os valores dos TLE podem ser obtidos por correio eletrônico junto ao NORAD (North American Aerospace Defense Command, http://www.spacecom.af.mil/NORAD).
Descrição do Experimento Célula Solar
O SCD2 é um satélite de coleta de dados meteorológicos e um retransmissor de dados ambientais. Estes dados são recebidos das plataformas terrestres distribuídas ao longo do território brasileiro e que trabalham de maneira remota. O plano da órbita do SCD2 está inclinado de 25° em relação ao plano do equador. A rotação ao redor do seu eixo é mantida em torno de 34 rpm. O SCD2 fica sob iluminação do Sol durante 65 min e o restante de cada órbita (35 min) é eclipsado pela sombra da Terra.
O ECS2 é composto por um arranjo de seis células solares conectadas de duas em duas em série. As células solares são estruturas semicondutoras tipo n+/p/p+ fabricadas sob lâminas de silício com resistividade de 10 ohm. cm. A descrição deste dispositivo encontra-se na referência (Veissid et al., 1990, 1997;1998). O arranjo de células solares é colocado na superfície externa de uma estrutura mecânica de alumínio. As células solares tem um material de cobertura de borosilicato com 5% de dióxido de cério, com espessura de 150 mm e fabricado pela Pilkington (CMX cover glass). Este dióxido serve para prevenir a formação de centros de cor no material de cobertura. A Fig. 1 mostra o diagrama estrutural do ECS2.
A placa de circuito impresso possui os componentes eletrônicos para o condicionamento de sinal. O ECS2 possui três pares de células, os quais são usados para operar em três condições distintas. O primeiro par (Isc) simula a condição de trabalho próximo de curto circuito, isto é, os terminais de uma resistência de carga de 1W estão ligados a um amplificador que aumenta o seu sinal para o valor na faixa de 0-5V. O segundo par tem uma resistência de carga de 8W e está ligado a um segundo amplificador, para simular a situação de potência máxima (Vmp). O terceiro par simula a condição de circuito aberto (Voc).
A Fig. 4 mostra como os sinais são recebidos para o par Isc. Nesta figura é mostrado os pontos de leitura da telemetria do sinal do ECS2 que, em função da rotação intrínseca do satélite, variam de um valor máximo quando o ECS2 está orientado para o Sol até um valor mínimo. Estes pontos estão separados de meio segundo, pois a amostragem de leitura do computador de bordo do satélite tem uma taxa de duas leituras por segundo. O valor da telemetria está na unidade de mA, pois a resistência de carga permite a conversão da tensão em corrente (Isc).
OBTENÇÃO DOS DADOS DE ALBEDO PLANETÁRIO
O pico da radiação solar ou amplitude solar As, é obtido pelo método dos mínimos quadrados no ajuste de uma parábola em torno do seu máximo (ver Fig. 5). Neste ajuste o único parâmetro variável é a rotação do satélite (r), que é determinado usando um algoritmo que estabelece o menor valor de c² dado pela Eq. 2.
onde: q = w ( t ¾Tint(t/T) ), int(t/T) é a parte inteira da razão t/T; w é a rotação angular do satélite, dada em radianos por segundo (w = 2p / T); T é o período de rotação (T = 60/r) dado em segundos e r é a sua rotação de spin em rpm (rotações por minuto). sV é o valor da precisão de leitura da telemetria (19,53 mV).
Os dados do ECS2 mostrados na Fig. 4 foram ajustados para se obter o melhor valor de r, que corresponde ao menor valor de c2 da Eq. (2). A Fig. 5 mostra a curva dos dados da Fig.4, obtida pela transformada de variável de t para q. Esta rotina de ajuste permite obter-se os valores experimentais dos picos associados as radiações refletida (Aa) e solar (As). Após correções geométricas, descritas a seguir, estes valores convertem-se nas intensidades das radiações refletida e solar e o albedo é calculado pela razão entre estas duas intensidades.
A radiação refletida é determinada usando os valores do pico da segunda parábola (Aa) encontrada na Fig. 5. Associando-se estes valores com a longitude e latitude do satélite, obtida usando os TLE e o programa TrakStar/SGP4 (http://celestrak.com), pode-se obter mapas da radiação refletividade da Terra. Para tal é necessário fazer-se correções geométricas nos valores das amplitudes do pico do albedo.
A radiação solar (S) é obtida pela correção devido à orientação do eixo de spin do satélite em relação ao Sol e é dada pela Eq. (3):
onde As é a amplitude do pico da radiação solar (Fig. 5) e a é o ângulo de iluminação do Sol em relação ao eixo de rotação do satélite. Esta correção transforma a incidência inclinada da radiação solar no ECS2 para uma incidência normal (a=90°). O valor corrigido Aadevido a enclítica do Sol, usando coordenadas esféricas centradas na Terra [q =90o - 23,452294 e j = 180o (0,5-FracDia) ], é dada pela Eq. (4):
onde o fator F é definido por:
lat e long são os valores de latitude e longitude do satélite SCD2 no momento da leitura da telemetria. Estes valores são obtidos pelo programa TRAKSTAR/SGP4 usando o valor da hora Greenwich fornecido pelo Centro de Controle do INPE. A correção feita pela Eq. (4) transforma a área efetiva de visão do ECS2 na sua área verdadeira, para normalização dos dados de leitura.
A correção devida ao ângulo de iluminação do Sol em relação à superfície da Terra, isto é, correção da área efetiva da superfície da Terra pela sua área verdadeira como se a iluminação estivesse acontecendo paralelamente à normal da superfície terrestre é dada por:
Desta forma, o valor do albedo obtido para a faixa espectral dos sensores do experimento (0,4mm to 1,1mm) é dado em termos absolutos pela Eq. (5):
Simulação e Validação do albedo visto pelo ECS
A Tab. 1 indica as faixas de valores médios para o albedo de diversas superfícies, em toda a faixa do espectro da radiação de ondas curtas.
O albedo medido pelo ECS2 corresponde a soma dos albedo de todas as áreas que estão sob o campo de visada IFOV do Experimento. Para estimar o albedo de cada parcela deste campo, foi considerado uma grade de 2,5° em latitude e 2,5° em longitude, a qual corresponde aproximadamente a dimensão de 250 km por 250 km, perto da linha do Equador, em cada uma das células da Fig. 6, mas com pesos diferentes.
No esquema mostrado na Fig. 6, é possível deduzir o efeito de cada uma das células da grade colocada na superfície da Terra, considerada plana para efeito de simplificação do método. A dependência com a distância radial Rij é dada pela Eq. 6.
Para testar a sensibilidade da influência da distância de cada um dos elementos da grade proposta na Fig. 6, em relação a grade localizada logo abaixo do ECS2, verificou-se a parcela do efeito em relação aos vizinhos.
A Fig. 6 também mostra a grade tomada como zero, a qual está imediatamente abaixo do satélite, e os seus primeiros vizinhos (1, 3 e 5) em relação a esta grade. A Fig. 7 mostra o efeito cumulativo dos vizinhos na parcela total devido ao albedo visto pelo ECS2. Vemos que a curva cresce assintóticamente para 100% conforme aumenta o número de pontos. Por exemplo, se for considerado apenas os primeiros vizinhos, a simulação pela grade irá considerar apenas 13% do seu valor total, considerando-se também os segundos vizinhos a parcela será de 26% e considerando-se os oito primeiros vizinhos esta parcela sobe para 70%. Para facilitar o cálculo da simulação computacional por grade, considerou-se a influência dos oito primeiros vizinhos, o que corresponde a observação de 289 células desta grade. Portanto, um fator multiplicativo de 70% é colocado na constante 1/(2p) da Eq. (6) que transforma esta constante em 1/(0,7x2p). Este cálculo das parcelas dos vizinhos no albedo visto pelo ECS2, foi necessário devido ao fato que o experimento tem uma visão de 180° da topografia abaixo do satélite por ter sido montado no painel lateral do SCD2.
Uma avaliação semi-quantitativa desta nova metodologia foi realizada através de uma simulação comparativa com dados do satélite GOES-8, no espectro VIS canal 1, do dia 24/01/1999 as 14:45 GNT (Fig. 8). Os valores de albedo nesse caso foram obtidos através do emprego do modelo de transferência radiativa BRASIL-SR que usa esses dados como entrada (Pereira et al., 1996; Colle & Pereira, 1998). A órbita do SCD2 na visada da estação receptora de Cuiabá corresponde ao percurso de aproximadamente 5000 km e está mostrada (0, 1 e 2), ao longo da latitude de 25°. Comparando-se com o valor medido pelo ECS2 e corrigido por este método, vemos que existe uma relação direta entre as respectivas leituras. Durante a passagem sobre as nuvens tivemos o maior valor de albedo e quando o satélite estava se dirigindo para o oceano o albedo diminuiu acentuadamente (Fig. 9).
A imagem do satélite GOES-8 no canal 1 (Fig. 8) mostra uma distribuição de nuvens que pode ser simulada para cálculo do albedo teórico visto pelo ECS2. Desta forma, é possível a comparação dos dados de albedo medido pelo ECS com os valores absolutos obtidos pelo método deste trabalho. A Fig. 10 mostra a grade com a geometria das nuvens do dia 24 de janeiro de 1999 às 14:45 horas. A Fig. 9 mostra o resultado do albedo experimental estimado pelo ECS2, já com as correções dadas pelas Eqs. (3), (4) e (5) e o resultado da simulação teórica por grade considerando os oito primeiros vizinhos.
Cálculo do albedo para os anos de 1998 e 1999
O satélite SCD2 foi colocado em órbita no dia 23 de outubro de 1998 e desde esta data o INPE vem recebendo entre 1 e 3 arquivos diários dos valores das telemetrias do Experimento Célula Solar. Todos estes dados juntos formam uma grande quantidade de informações sobre a variação temporal da radiação refletida pela Terra. Visto que dos dados do ECS são transmitidos em tempo real para a estação receptora de Cuiabá, eles fornecem estas informações apenas na visada desta estação. A Fig. 11 mostra varias trajetórias do SCD2 no período de novembro de 1998.
A fim de ilustrar a potencialidade do método no estudo da variabilidade inter-anual do albedo planetário da região coberta pela órbita do satélite, foram calculados os valores médios bimensais de albedo para os anos de 1998 e 1999 empregando a metodologia descrita neste trabalho. As Figs. 12(A-D) ilustram os valores de albedo planetário para o sexto bimestre de 1998 e para os primeiro a terceiro bimestres de 1999. O tamanho de cada célula nessas figuras é de 2,5ox 2,5o em latitude e longitude. As Figs. 12(A e B) retratam a situação de transição da nebulosidade entre o final da primavera e início do verão no hemisfério sul e, principalmente sobre a região amazônica. De uma maneira geral, a nebulosidade e a estação chuvosa na região norte do Brasil está associada ao posicionamento da Zona de Convergência Intertropical (ZCIT) que, sobre o continente, migra com a latitude em função da estação do ano na medida em que cresce o aquecimento solar sobre a superfície. No verão do hemisfério sul, a ZCIT encontra-se sobre a região amazônica ao sul da linha do equador imprimindo um grande aumento de nebulosidade que coincide com a estação chuvosa da região (Fisch et al., 1999). Observa-se nessas figuras o gradativo aumento do albedo associado a essa intensificação da nebulosidade. As Figs. 12(C e D) mostram a transição entre o final do verão e início do outono e a diminuição da nebulosidade.
O período de chuvas ou de forte atividade convectiva na região amazônica ocorre entre os meses de novembro a março. A estação chuvosa muda progressivamente em associação com a intensificação e migração para o sul da atividade convectiva. A evolução da nebulosidade persistente revelada pelo mosaico da Fig. 13 ilustra esta transição.
Nos meses de fevereiro e março, a condensação do ar úmido do mar trazido pelos ventos de leste da ZCIT é responsável pelo adensamento da cobertura de nuvens sobre a região, o que pode ser facilmente observado na Fig. 13(B). O cinturão de maiores valores de albedo localizado nas latitudes equatoriais aproximadamente entre 0o e 10o sul corresponde exatamente à contribuição dessa nebulosidade persistente. Nesta figura pode-se observar também a nebulosidade persistente sobre a foz do rio Amazonas, uma das regiões de maior índice de pluviosidade da região (Nimer, 1979).
Já os valores máximos de albedo, mostrados na Fig. 14, indicam a situação de máxima cobertura de nuvens e mostram um padrão bastante distinto das figuras anteriores. O sexto bimestre de 1998, ilustrado na Fig. 14(A), apresentou o máximo de cobertura deslocado para as regiões central e sudeste do Brasil. A Fig. 14(D) ilustra a entrada da região mais seca, portanto, com menores índices de nebulosidade em todo o país, com exceção da região NW do país que, sob a influência de massas de ar do tipo equatorial continental associada a ZCIT apresenta maior nebulosidade do tipo convectiva.
A variabilidade dos valores de albedo medidos pelo experimento (desvios relativos) foi calculada pelo desvio quadrático médio, dado por:
onde ai é o valor de albedo para a i-ésima passagem do satélite; <a> é o valor médio do albedo para a célula correspondente na imagem e n é o número total de passagens pela mesma célula em questão.
A variabilidade está ilustrada na Fig. 15. O período que apresentou maior variabilidade foi o sexto bimestre de 1998 conforme ilustra a Fig. 15(A). Nesta figura pode-se ver claramente o efeito das massas de ar tropicais marítimas que contribuem para a variabilidade na região da costa do oceano Atlântico numa faixa que vai do sul do país até aproximadamente o norte do estado da Bahia. Durante o período que antecede o inverno, ilustrado nas figuras. 15(C e D), pode-se observar a influência associada as frentes frias que conferem maior variabilidade ao sistema climático da região sul e, consequentemente, sobre a radiação refletida pelas nuvens.
CONCLUSÕES
O objetivo deste trabalho foi empregar uma tecnologia simples e de baixo custo em conjunto com um algoritmo adequado de tratamento de dados para obter valores de albedo planetário no território brasileiro a partir dos dados do experimento ESC2 do INPE no satélite SCD-2. Este método apresenta-se como uma alternativa tecnológica totalmente nacional para o emprego em satélites científicos de pequeno porte (até 150 kg) e promove o avanço da ciência e tecnologia espacial a custo moderado. Visto que o sinal do SCD2/ECS2 pode se manter provavelmente pelos próximos 10 anos, ou mais, espera-se que esta nova metodologia permita gerar maiores conhecimentos no desenvolvimento dos métodos para satélite de monitoração de longo período do albedo terrestre, dada a sua importância na climatologia e suas mudanças globais.
Os resultados da simulação empregando dados do ECS do SCD-2 mostraram que os mosaicos de valores de albedo, embora com baixa resolução na superfície (2,5° latitude x 2,5° longitude), podem ser empregados para gerar cartas de variabilidade inter-anuais e inter-sazonais com o objetivo de monitorar o clima e seus efeitos, tais como por exemplo o El-Niño e as migrações da "Alta da Bolívia", por exemplo. Devido ao fato de que a metodologia empregada independe da degradação natural das células dos sensores de radiação, tendo em vista o processo empregado de auto-calibração pelo processo de rotação intrínseca do satélite, esta nova metodologia representa um ponto importante quando se trata de investigar variações do albedo que podem ser muito pequenas mas representativas de tendências e forçantes climáticas importantes.
O experimento e a metodologia proposta podem ser adaptados para operar em janelas espectrais diferentes e possibilitar um estudo ainda mais detalhado, principalmente sob o ponto de vista do balanço radiativo da atmosfera.
AGRADECIMENTOS
Um dos autores (NV) agradece ao CNPq pelo auxílio individual a pesquisa, processo 467716/00-5.
Manuscript submitted March 3, 2000
Revised version accepted January 10, 2001
ASSESSMENT OF THE PLANETARY ALBEDO BY USING DATA FROM THE SOLAR CELL EXPERIMENT OF THE BRAZILIAN SCD2 SATELLITE.
The second satellite of the Brazilian Complete Space Mission (SCD2), launched on 23 October 1998, hosts a solar cell experiment (SCE2). The objective of the SCE2 is to study radiation damage in its solar cells. This work reports a by product of this experiment - a new methodology to simulate the Earth's planetary albedo. To achieve this objective the SCE2 experiment was employed as visible radiation sensor (range in wavelength of 0.4mm to 1.1mm) when it works at the short circuit current condition. With this configuration it was possible to simultaneously measure the solar radiation coming directly from the Sun and the radiation that is reflected from the Earth. The albedo is obtained by calculating the ratio between these two values after angular corrections based on satellite position in latitude and longitude are applied. Therefore, the method is self-calibrated insofar as the time deterioration of the cells can be dropped, and this constitutes the major advantage of this method.
The SCD2 satellite has a circular orbit of 750 km high, with a period of 100 min, at an inclination of 25°. It is under the Sun's illumination for approximately 65 minutes, the rest of the time it is shadowed by the Earth's shadow cone. The spin (rotation around its major axis) is 35 rpm, which corresponds to an intrinsic rotation period of 1.71 s. The SCE2 is located in the lateral solar panel and at each half second a SCE2 voltage signal is measured by the satellite telemetry. Data are received on line at a ground station in the city of Cuiabá, MT - Brazil, latitude ¾56° and longitude ¾16°. This limits the observation range of this experiment to a region in South America within latitudes from 10° to ¾30° and longitudes from ¾30° to ¾80°.
To obtain the albedo values it is necessary to perform a change of variables from the time domain to the angular domain, from the SCE2 signal. With the transformed variable, it is possible to clearly identify two peaks in the SCE2 signal curve as functions of the satellite spin angle. They are due to distinct sources of light. The higher peak is due to the direct illumination from the Sun whereas the other is due to the sunlight reflected by the Earth. After this first data treatment, the SCE2 signal is subjected to angular corrections using the position of the satellite with respect to the ground and Sun's position, at each instant. The computed simulation of the SCE2 albedo was compared with the corresponding GOES-8 satellite image indicating the capability of this new method .
The calculated albedo mounted on a synthetic 2.5o latitude x 2.5o longitude grid resolution was grouped every two months for the minimum, maximum, mean and deviation of the mean values. These groups of values allow obtaining geographical images of the albedo for a limited region of the Earth's surface that comprises most of the Brazilian territory. Visual inspection of these images reflects some important information, as far as the regional climate is concerned. For example, the group of images corresponding to the minimum albedo shows patches of persistent nebulosity in the Amazon forest area, East Pacific and West Atlantic equatorial oceans. The group corresponding to the maximum albedo reveals the effects of the intensive clouds formations during the two months period of data acquisition. The groups of images corresponding to deviations from the mean values are indicative of areas with high variability of cloud coverage.
The described method for assessment of the Earth's planetary albedo from a simple and relatively inexpensive experiment such as the SCE2 encourages its application for climate studies on a routine basis. This is supported by the fact that the described methodology does not requires calibration of the sensors since the measurements are self-calibrated by the simultaneous recordings of the Sun's and the Earth's radiances during each satellite spinning. Nevertheless, the uncollimated field-of-view of the SCE2 limits the ground resolution of the estimated albedo to about 500 km, measured at the equator. Studies are being performed to further develop this new methodology by including sensors with different spectral ranges in a future experiment.
NOTE ABOUT THE AUTHORS
Nelson Veissid
Formado em Física pela Universidade de São Paulo (USP) em 1976, com mestrado em física do estado sólido em 1980 também pela USP. Doutor em Engenharia elétrica em 1989 pela Escola Politécnica da USP e pós-Doutorado no Instituto Battelle de Frankfurt ¾ Alemanha em 1993. Pesquisador Titular no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) desde 1980 trabalhando no Laboratório Associado de Sensores e Materiais na área de caracterização de células solares para uso em satélites. Gerente e responsável pela análise dos dados dos experimentos de células solares colocados à bordo dos satélites SCD-1 e 2. É coordenador da Comissão de Estudos da ABNT para o estabelecimento de normas na área fotovoltaica. E-mail: veissid@las.inpe.br
Enio Bueno Pereira
É formado em Física pela Universidade de São Paulo (USP) em 1973, com mestrado em Geofísica em 1977, também na USP. Concluiu seu doutorado em Geofísica na W.M. Rice University no Texas - USA, em 1980. Foi professor no Instituto Astronômico e Geofísico da USP entre 1975 e 1981. Desde então é Pesquisador Titular no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). Suas áreas de interesse são a radiação e a energia solar, os aerossóis atmosféricos, a geofísica nuclear e o desenvolvimento de instrumentação geofísica. E-mail: enio@dge.inpe.br, endereço eletrônico: http://www.dge.inpe.br/radon
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
09 Out 2001 -
Data do Fascículo
Mar 2000
Histórico
-
Aceito
10 Jan 2001 -
Recebido
03 Mar 2000