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Prevalência de fragilidade e fatores associados em idosos pós-acidente vascular cerebral

Resumo

Objetivo

avaliar a prevalência da fragilidade e fatores associados em idosos acometidos por acidente vascular cerebral (AVC).

Método

estudo transversal, com pacientes de idade igual ou maior que 60 anos, assistidos em ambulatório de neurologia. A coleta de dados foi realizada por questionário contendo dados sociodemográficos, clínicos, hábitos de vida e assistência na área de reabilitação e pelos instrumentos Mini Exame do Estado Mental e Escala de Fragilidade de Edmonton.

Resultados

a população do estudo foi composta por 69 pessoas idosas, com média de idade de 72 (±7,4) anos. Entre os frágeis estavam os indivíduos mais longevos (90,9%), do sexo feminino (92,3%), com estado civil que representasse ter tido companheiro em algum momento da vida (separado, divorciado ou viúvo) (94,4%), que não moravam sozinhos (80,3%), sem nenhuma escolaridade (80,6%) e renda (100%), que se declararam da cor negra (100%) e de religião espírita (100%). A maioria não apresentou comorbidades ou hábitos de vida deletérios, a exceção da hipertensão arterial sistêmica. Houve ainda, baixa assistência na área de reabilitação. A avaliação pelo MEEM indicou estado mental alterado para 83,7% dos idosos frágeis. Foram encontradas associações significativas entre a fragilidade e o estado civil (p=0,042), com a presença da diabetes mellitus (p=0,002), e ausência de infarto agudo do miocárdio (p=0,030).

Conclusão

Sugere-se a realização de estudos que possam acompanhar esse tipo de população acometida pelo AVC, desde a hospitalização até a alta da reabilitação, com vistas a esclarecer o processo de declínio funcional e cognitivo e sua relação com a fragilidade.

Palavras-Chave:
Saúde do Idoso; Fragilidade; Acidente Vascular Cerebral

Abstract

Objective

to assess the prevalence of frailty and associated factors in old people affected by cerebrovascular accident (CVA)

Method

a cross-sectional study with patients aged 60 years or older assisted in a neurology outpatient clinic. Data were collected by a questionnaire containing sociodemographic, clinical, lifestyle, and assistance data in the rehabilitation area, and by the Mini-Mental State Examination and Edmonton Frail Scale.

Results

The study population comprised 69 old people with an average age of 72 (±7.4) years. Among the frail patients were the longest-lived individuals (90.9%), females (92.3%), with marital status representing having had a partner at some point in life (separated, divorced, or widowed - 94.4%), those who did not live alone (80.3%), with no education (80.6%) and income (100%), and self-declared to be black (100%) or spiritist (100%). Most did not present any comorbidities nor harmful lifestyle habits, except for systemic arterial hypertension. There was also low assistance in the rehabilitation area. The MMSE assessment indicated altered mental status for 83.7% of frail old people. Significant associations were found between frailty and marital status (p=0.042), with the presence of diabetes mellitus (p=0.002), and absence of acute myocardial infarction (p=0.030).

Conclusion

We suggest further studies to follow this type of population affected by CVA from hospitalization to rehabilitation discharge to clarify the process of functional and cognitive decline and its relation with frailty.

Keywords
Health of the Elderly; Frailty; Stroke

INTRODUÇÃO

Considerando a complexidade das mudanças que influenciam o envelhecimento, deve-se analisar, além das alterações da idade cronológica, a variação na função física e cognitiva. De fato, as pessoas idosas são mais propensas a experimentar problemas múltiplos, coexistentes e inter-relacionados e frequentemente observados pela presença das síndromes geriátricas mais amplas, tais como fragilidade e cognição prejudicada, ou pela perda de funcionalidade11 Beard JR, Bloom DE. Towards a comprehensive public health response to population ageing. Lancet 2015;385(9968):658-61..Uma avaliação gerontológica efetiva associada a cuidados coordenados demonstram que avaliações funcionais dessas síndromes mostraram ser melhores preditores de sobrevivência do que a presença ou número de doenças específicas11 Beard JR, Bloom DE. Towards a comprehensive public health response to population ageing. Lancet 2015;385(9968):658-61..

Um dos desafios do sistema de saúde junto ao envelhecimento da população consiste no ajuste dos serviços ofertados, visando a qualidade de vida da população idosa. Contudo, com o aumento das Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNT) haverá uma sobrecarrega nos serviços de saúde, afetando principalmente as populações de baixa renda, por estarem mais vulneráveis, mais expostas aos riscos e terem menor acesso a serviços e práticas de promoção de saúde e prevenção de doenças, resultando em consequências devastadoras para indivíduos, famílias e comunidades22 Malta DC, Bernal RTI, Lima MG, de Araújo SSC, da Silva MMA, Freitas MIF, et al. Doenças crônicas não transmissíveis e a utilização de serviços de saúde: análise da pesquisa nacional de saúde no Brasil. Rev Saúde Pública. 2017;51(1):1-10. Disponível em: https://doi.org/10.1590/s1518-8787.2017051000090.´. Entre as DCNT, as doenças cardiovasculares (DCV) representam a principal causa de morte no Brasil e no mundo, correspondendo a um terço do total de óbitos, e por isso são consideradas um grave problema de saúde pública33 Freire AKS, Alves NCC, Santiago EJP, Tavares AS, Teixeira DS, Carvalho IA, et al. Panorama no Brasil das doenças cardiovasculares dos últimos quatorze anos na perspectiva da promoção à saúde. Rev Saúde Desenvol. 2017;11(9):21-44.,44 Malta DC, Teixeira R, de Oliveira GMM, Ribeiro AL. Mortalidade por doenças cardiovasculares segundo o sistema de informação sobre mortalidade e as estimativas do estudo carga global de doenças no Brasil, 2000-2017. Arq Bras Cardiol. 2020;115(2):152-60.. As DCV apresentam diversos fatores de risco que incluem o aumento da idade33 Freire AKS, Alves NCC, Santiago EJP, Tavares AS, Teixeira DS, Carvalho IA, et al. Panorama no Brasil das doenças cardiovasculares dos últimos quatorze anos na perspectiva da promoção à saúde. Rev Saúde Desenvol. 2017;11(9):21-44..

Pesquisas realizadas nos EUA e na Europa apontaram uma relação significativa entre os componentes da fragilidade e o acometimento por doenças cerebrovasculares, com repercussões na sobrevivência e recuperação após o episódio, devido ao comprometimento do desempenho funcional. Assim como, da escassez de programas de prevenção e reabilitação dos componentes da fragilidade mais atingidos nessa população55 São Romão Preto L, Dias Conceição MC, Soeiro Amaral SIS, Martins Figueiredo T, Ramos Sánchez A, Fernandes-Ribeiro AS. Frailty in the elderly living in the community with and without prior cerebrovascular disease. Rev Científica la Soc Enferm Neurol. 2017;46:11-7.,66 Winovich DT, Longstreth Jr. WT, Arnold AM, Varadhan R, Zeki Al Hazzouri A, Cushman M, et al. Factors associated with ischemic stroke survival and recovery in older adults. Stroke 2017;48(7):1818-26..

A fragilidade é uma síndrome geriátrica comum e importante, conceitualmente definida como um estado clinicamente reconhecível de adultos mais velhos onde ocorre um aumento da vulnerabilidade a eventos adversos à saúde, resultante de declínios associados à idade na reserva fisiológica e função de múltiplos sistemas orgânicos77 Chen X, Mao G, Leng SX. Frailty syndrome: an overview. Clin Interv Aging. 2014;9:433-41. Disponível em: https://doi.org/10.2147/CIA.S45300. Além disso, a fragilidade estaria fundamentada no tripé das diferentes alterações relacionadas com o processo de envelhecimento, constituído por sarcopenia, disfunção imunológica e desregulação neuroendócrina88 Fhon JRS, Diniz MA, Leonardo KC, Kusumota L, Haas VJ, Rodrigues RAP. Síndrome de fragilidade relacionada à incapacidade funcional no idoso. Acta Paul Enferm. 2012;25(4):589-94. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/ape/v25n4/aop1812.pdf ..

A partir da observação de que a fragilidade e pré-fragilidade são comuns em pessoas com DCV, foram apontadas a necessidade de identificar e avaliar essa síndrome em sobreviventes de acidente vascular cerebral (AVC), e como as possíveis implicações clínicas podem afetar o prognóstico99 Palmer K, Vetrano DL, Padua L, Romano V, Rivoiro C, Scelfo B, et al. Frailty syndromes in persons with cerebrovascular disease: a systematic review and meta-analysis. Front Neurol. 2019:1-10. Disponível em: https://doi.org/10.3389/fneur.2019.01255.
https://doi.org/10.3389/fneur.2019.01255...
. Visto que, o AVC está entre as quatro doenças que mais contribuíram para a ocorrência de hospitalizações, incluindo diabetes e hipertensão, e faz parte da lista brasileira de internações que podem ser evitadas por meio de ações efetivas em outros níveis de assistência1010 Melo-Silva AM, Mambrini JVM, Souza Jr. PRB, Andrade FB, Lima-Costa MF. Hospitalizações entre adultos mais velhos: resultados do ELSI-Brasil. Rev Saúde Pública. 2018;52(2):1-11. Disponível em: https://doi.org/10.11606/s1518-8787.2018052000639..

Considerando o processo de envelhecimento populacional, o aumento das DCNT, com destaque às DCV, em particular o AVC, e sua relação com a fragilidade em idosos, sugere-se a realização de pesquisas voltadas a síndrome da fragilidade e os fatores associados, com vista a otimização das políticas e ações em saúde no Brasil e as especificidades de sua população idosa. Neste sentido, pretendeu-se avaliar a prevalência da fragilidade e fatores associados em idosos acometidos por AVC.

MÉTODO

Este estudo caracterizado como observacional de corte transversal e caráter quantitativo foi realizado em um ambulatório de egressos de um hospital de referência estadual em neurologia, localizado na Região Metropolitana de Recife, Pernambuco. A amostra do estudo foi não probabilística, sendo obtida por meio de sinalização dos usuários e familiares que, em entrevista inicial, confirmavam o perfil desejado, uma vez que o serviço não era específico para o desfecho almejado.

Foram avaliados 69 pacientes no ano de 2019, em um período de aproximadamente cinco meses, que atenderam aos critérios de inclusão (idade igual ou superior a 60 anos, diagnóstico de AVC e ser assistido nesse serviço), excluindo aqueles que apresentaram comprometimento cognitivo grave ou comprometimento de comunicação, junto a ausência de um informante, de tal modo que impossibilitasse a obtenção de respostas às perguntas apresentadas no questionário e escalas abaixo descritos.

O questionário aplicado com os idosos e seus cuidadores abarcou dados sociodemográficos, clínicos, de hábitos de vida e sobre assistência na área de reabilitação. Este foi composto pelas seguintes questões: idade, sexo, estado civil, se morava acompanhado, escolaridade, ocupação, vínculo com instituição previdenciária, renda, cor da pele autorreferida, religião, presença de comorbidades como infarto agudo do miocárdio, hipertensão arterial sistêmica, diabetes mellitus, etilismo ou tabagismo e assistência na área de reabilitação por Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional.

Um dos instrumentos utilizados foi o Mini Exame do Estado Mental (MEEM) voltado a avaliação do estado mental, mais especificamente para sintomas de demência. Para investigar a presença de comprometimento cognitivo foram utilizados os seguintes pontos de corte: 13 pontos para idosos analfabetos, 18 pontos para aqueles com escolaridade baixa e média (até oito anos de escolaridade) e 26 pontos para idosos com escolaridade alta (acima de oito anos de escolaridade)1111 Bertolucci PHF, Brucki SMD, Campacci SR, Juliano Y. O Mini-Exame do estado Mental em uma população geral: impacto da escolaridade. Arq Neuropsiquiatr. 1994;52(1):1-7..

E por fim, a Escala de Fragilidade de Edmonton (EFE) que visa a avaliação da fragilidade em idosos, sendo traduzida e validada no Brasil. Essa escala abrange nove domínios: cognição, estado geral de saúde, independência funcional, suporte social, uso de medicamentos, nutrição, humor, continência e desempenho funcional, investigados por 11 itens. Sua pontuação máxima é 17 e representa o nível mais elevado de fragilidade. Os escores para análise da fragilidade são: 0-4, não apresenta fragilidade; 5-6, aparentemente vulnerável; 7-8, fragilidade leve; 9-10, fragilidade moderada; 11 ou mais, fragilidade severa1212 Fabrício-Wehbe SCC, Schiaveto FV, Vendrusculo TRP, Haas VJ, Dantas RAS, Rodrigues RAP. Adaptação cultural e validade da Edmonton Frail Scale-EFS em uma amostra de idosos brasileiros. Rev Latinoam Enferm. 2009;17(6):1043-9. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/S0104-11692009000600018..

Para análise dos dados foi construído um banco na planilha eletrônica Microsoft Excel, a qual foi exportada para um software estatístico onde foi realizada a análise. Na caracterização do perfil com as informações do questionário foram calculadas as frequências percentuais e construídas as respectivas distribuições de frequência. Para comparar os percentuais encontrados nos níveis dos fatores avaliados foi aplicado o teste qui-quadrado para comparação de proporção.

Para avaliar quais os fatores que influenciaram na classificação da EFE, foram construídas tabelas de contingências e aplicado o teste qui-quadrado para independência. Nos casos em que as suposições do teste foram violadas, aplicou-se o teste Exato de Fisher. Na avaliação de quais os fatores que conjuntamente influenciaram no nível de fragilidade do paciente, foi ajustado um modelo multivariado de Poisson com variância robusta. As variáveis que apresentam significância estatística de até 20% (0,2) na análise bivariada foram incluídas no modelo inicial. Para permanência das variáveis no modelo foi considerado o nível de significância de 5% no teste de Wald. Ainda, foram calculadas as razões de prevalências para comparar o risco de fragilidade nos grupos de pacientes com perfil de maior risco para essa síndrome.

A pesquisa foi desenvolvida de acordo com os procedimentos éticos preconizados pela Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde (CNS) e aprovada pelo do Comitê de Ética em Pesquisas com Seres Humanos do Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira (IMIP) sob o parecer de nº 3.196.109. Os participantes foram previamente informados e esclarecidos sobre os objetivos da pesquisa, das possíveis implicações da sua participação e ao concordarem em participar do estudo, assinaram o TCLE.

RESULTADOS

A população do estudo foi composta por 69 pessoas idosas, com média de idade de 72 (±7,4) e variação de 60 a 86 anos, assistidas em um ambulatório de neurologia em função do acometimento por acidente vascular cerebral (AVC). Foi encontrado um perfil no qual 43,5% dos indivíduos tinham de 70 a 79 anos (n=30), 62,3% eram do sexo masculino (n=43), 52,2% eram casados ou em regime de união estável (n=36), 95,7% moravam acompanhados (n=66), 53,7% que não haviam completado nenhum ano do ensino regular (n=36). Conquanto 81,2% dos indivíduos afirmassem ter tido alguma ocupação em idade produtiva (n=56), a aposentadoria representou a principal fonte de renda somente para 62,3% desses idosos (n=38), onde essa renda estava restrita a um salário mínimo para 81,8% (n=54), representado por R$ 998,00 (novecentos e noventa e oito reais) vigente no ano 2019. Além disso, 63,8% desses idosos se declararam como de cor da pele parda (n=44) e 69,3% de religião católica (n=45).

A tabela 1 expõe a distribuição da classificação da EFE segundo o perfil sociodemográfico dos pacientes idosos. Observa-se maior prevalência de fragilidade no grupo de pacientes com 80 anos ou mais, do sexo feminino, com estado civil que representasse ter tido companheiro em algum momento da vida, que morava acompanhado, de nenhuma escolaridade, que não possuía ocupação, com outros vínculos com instituição previdenciária, que não tinha renda, que se declarava da cor negra e de religião espírita. Todavia, o único aspecto descrito que apresentou resultado significativo no teste de independência estava relacionado ao sexo dos pacientes.

Tabela 1
Distribuição da classificação da EFE segundo o perfil sociodemográfico de idosos acometidos por AVC assistidos em um ambulatório de neurologia. Recife, Pernambuco, 2019.

Na tabela 2, observa-se a distribuição da classificação da EFE segundo as comorbidades e hábitos dos pacientes avaliados onde houve maior prevalência de fragilidade no grupo de pacientes com ausência de infarto agudo do miocárdio (IAM), da presença de hipertensão arterial sistêmica (HAS) e de diabetes mellitus (DM), e na ausência do etilismo e tabagismo. Mesmo sendo encontrada maior prevalência de fragilidade no grupo de pacientes com o perfil descrito, o teste de independência foi significativo apenas para o IAM e DM, indicando que esses fatores alteram de forma relevante o nível de classificação do EFE.

Tabela 2
Distribuição da classificação da EFE segundo as comorbidades e hábitos de vida em idosos acometidos por AVC assistidos em um ambulatório de neurologia. Recife, Pernambuco, 2019.

A distribuição da classificação da EFE segundo assistência na área de reabilitação, apresentada na tabela 3, demonstra maior prevalência de fragilidade no grupo de pacientes que não eram acompanhados pela fisioterapia, fonoaudiologia ou terapia ocupacional. Contudo, ainda que encontrada maior prevalência de fragilidade para os pacientes que não recebiam qualquer assistência na área de reabilitação, o teste de independência não foi significativo para os fatores avaliados, indicando que o acompanhamento não é determinante para uma melhor classificação do EFE.

Tabela 3
Distribuição da classificação da EFE segundo assistência na área de reabilitação e da classificação do MEEM em idosos acometidos por AVC assistidos em um ambulatório de neurologia. Recife, Pernambuco, 2019.

Ainda na tabela 3, na parte inferior, observa-se a distribuição da classificação da EFE segundo a classificação do MEEM, na qual se verifica maior prevalência de fragilidade no grupo de pacientes com alteração do estado mental. Mesmo sendo observada diferença no percentual da pior classificação da fragilidade nos grupos descritos, o exame pelo teste de independência não foi significativo, indicando que a classificação no MEEM não é determinante para a classificação do EFE.

Por fim, o modelo multivariado de Poisson para fragilidade do paciente é apresentado na tabela 4. Para a análise multivariada foram incluídas as variáveis que apresentaram significância estatística menor que 0,2 na análise multivariada: sexo, estado civil, tipo de vínculo com o INSS, IAM, assistência por fonoaudiologia e escore observado do MEEM. No ajuste final do modelo as variáveis que apresentaram significância estatística de até 0,05 foram: estado civil (p-valor =0,042), IAM (p-valor =0,030) e DM (p-valor =0,002). Os grupos de pacientes solteiro e separado/divorciado/viúvo apresentaram maior risco de fragilidade, com 18% e 35%, respectivamente, quando comparados com o grupo de pacientes casado/em união estável. Entretanto, observa-se um risco aumentado de fragilidade nos pacientes que não tiveram IAM (74%), quando comparados com o grupo de pacientes que já tiveram IAM. Na presença de DM ocorreu um aumento de 37% no risco de fragilidade quando comparado com o grupo de pacientes sem DM.

Tabela 4
Ajuste de modelo multivariado de Poisson para fragilidade EFE em idosos acometidos por AVC assistidos em ambulatório de neurologia. Recife, Pernambuco, 2019.

DISCUSSÃO

A população de idosos acometidos por AVC no presente estudo, egressos de um hospital de referência estadual em neurologia, foi representada em sua maioria por idosos jovens, do sexo masculino, casados ou que possuíam companheiro, com nenhuma escolaridade, aposentada, e com renda de até um salário mínimo. Esses resultados se assemelham a aspectos encontrados por pesquisadores de São Paulo para uma população de idosos após a alta hospitalar, onde a média de idade foi de 71,2 anos (±8,4), com maior prevalência do sexo masculino, casada, no entanto, com escolaridade de 1 a 4 anos completos no ensino regular1313 dos Santos EB, Rodrigues RAP, Marques S, Pontes-Neto OC. Estresse percebido nos idosos sobreviventes do AVC após a alta hospitalar para casa. Rev Esc Enferm USP. 2015;49(5):709-803..

Fora do âmbito hospitalar podem ser encontrados dados similares, como na pesquisa de Damata et al.1414 Damata SRR, Formiga LMF, Araújo AKS, Oliveira EAR, Oliveira AKS, Formiga RCF. Perfil epidemiológico dos idosos acometidos por acidente vascular cerebral. Rev Interdiscipl Uninovafapi. 2016;9(1):107-17. Disponível em: https://revistainterdisciplinar.uninovafapi.edu.br/index.php/revinter/article/view/751, no Piauí, relacionada a atenção especializada por meio de um serviço de reabilitação, na qual foi observado que esse é o perfil de usuário que permanece na rede de serviços de saúde após o AVC.

Observa-se que, assim como na presente pesquisa, na maioria dos estudos supracitados são os idosos do sexo masculino com companheira que constituem o público assistido nos serviços de saúde voltados a essa condição, refletindo que a situação conjugal desses serviria como suporte à manutenção desses cuidados, considerando a construção da tarefa de cuidar enquanto um papel feminino1414 Damata SRR, Formiga LMF, Araújo AKS, Oliveira EAR, Oliveira AKS, Formiga RCF. Perfil epidemiológico dos idosos acometidos por acidente vascular cerebral. Rev Interdiscipl Uninovafapi. 2016;9(1):107-17. Disponível em: https://revistainterdisciplinar.uninovafapi.edu.br/index.php/revinter/article/view/751. Neste sentido, publicações voltadas para cuidadores de idosos nesse perfil apontam uma predominância do sexo feminino, seja no âmbito familiar, formal ou informal no exercício de assistência, o que pode estar relacionado aos cuidados direcionados ao público masculino, consequentemente1515 Oliveira JF, Delfino LL, Batistoni SST, Neri AL, Cachioni M. Qualidade de vida de idosos que cuidam de outros idosos com doenças neurológicas. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2018;21(4):428-38.,1616 Pereira RA, Santos EB, Fhon JRS, Marques S, Rodrigues RAP. Sobrecarga dos cuidadores de idosos com acidente vascular cerebral. Rev Esc Enferm. 2013;47(1):182-8.,1717 Araújo O, Lage I, Cabrita J, Teixeira L. Eficácia do programa InCARE na sobrecarga dos cuidadores informais de pessoas idosas após um AVC. Rev Port Enferm Saúde Ment. 2016;(Ed. Esp. 3):1-10. Disponível em: http://dx.doi.org/10.19131/rpesm.0110
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Ainda assim, no que concerne a influência dos arranjos familiares e renda na população idosa, considerando a presença de companhia na moradia e a precária situação econômica encontrada nesta pesquisa, questiona-se o papel desse cuidador frente à situação onde os idosos são arrimo de família, enquanto uma deliberação não só do idoso e de sua família, mas como reflexo de fatores histórico, sociocultural, político, econômico e demográfico na prestação de cuidados1818 Melo NCV, Teixeira KMD, Barbosa TL, Montoya AJA, Silveira MB. Arranjo domiciliar de idosos no Brasil: análises a partir da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (2009). Rev Bras Geriatr Gerontol. 2016;19(1):139-51..

Segundo Paulo, Wajnman e Hermeto1919 Paulo MA, Wajnman S, de Oliveira AMCH. A relação entre renda e composição domiciliar dos idosos no Brasil: um estudo sobre o impacto do recebimento do Benefício de Prestação Continuada. Rev Bras Estud Popul. 2014;30(Supl.):25-43., “a saúde do idoso e a sua idade tem grande importância na determinação da composição domiciliar do idoso”, uma vez que a faixa etária e condições de saúde seriam preditores quanto ao acúmulo de incapacidades e consequente dependência de terceiros. Além disso, enquanto há uma menor sobrevida e maior probabilidade de nova formação familiar ou casamento para os homens, no caso de viuvez ou divórcio, as mulheres idosas tendem à constituição de domicílios unipessoais e de sua autonomia financeira.

Neste sentido, as características mais prevalentes, relacionadas ao sexo e constituição familiar em idosos que tiveram AVC e que estão associadas à fragilidade, foram ser do sexo feminino, não ter companheiro (ainda que morasse sozinho), ter baixa escolaridade, receber renda igual ou inferior a um salário mínimo e não ser branco. Corroborando com esses achados, Bushnell2020 Bushnell CD, Chaturvedi S, Gage KR, Herson PS, Hurn PD, Jiménez MC, et al. Sex differences in stroke: challenges and opportunities. J Cereb Blood Flow Metab. 2018;38(12):2179-91. faz referência ao sexo e a cor da pele, apontando uma prevalência maior de fragilidade em mulheres do que em homens, além da alta vulnerabilidade entre as mulheres afro-americanas. Entretanto, estes resultados diferem daqueles encontrados em pesquisa realizada na China, no qual as mulheres idosas foram consideradas menos propensas a declinar quanto ao status de fragilidade do que os homens2121 Lee JSW, Auyeung TW, Leung J, Kwok T, Woo J. Transitions in frailty states among community-living older adults and their associated factors. J Am Medl Dir Assoc. 2014;15(4):281-6..

Quanto às comorbidades encontradas, ainda que de modo geral tenha se destacado a prevalência da presença da HAS frente à ausência das outras condições analisadas de IAM e DM, assim como dos hábitos de vida de etilismo e tabagismo, na população estudada, no que tange à fragilidade, foram considerados fatores de risco: a ausência de IAM prévio e a presença de DM.

No que tange à ausência do IAM enquanto fator relacionado ao aumento no risco para fragilidade em idosos acometidos por AVC, um estudo longitudinal realizado com população idosa na Holanda também não encontrou associação significativa entre a DCV, IAM e fragilidade. Todavia, destacou outras condições, tais como doença arterial periférica e insuficiência cardíaca, tornariam esses sujeitos mais propensos a serem frágeis, enquanto numa análise de associação inversa a fragilidade não precederia o desenvolvimento de DCV2222 Kleipool EEF, Hoogendijk EO, Trappenburg MC, Louis Handoko M, Huisman M, Peters MJL. Frailty in older adults with cardiovascular disease: cause, effect or both? Aging Dis. 2018;9(3):489-97.. Além do exposto, por representar um risco mais acentuado para os idosos longevos nos eventos relacionados ao IAM, estudos sugerem a avaliação da fragilidade enquanto fator prognóstico no tratamento dessa população2323 Yoshioka N, Takagi K, Morishima I, Morita Y, Uemura Y, Inoue Y, et al. Influence of preadmission frailty on short- and mid-term prognoses in octogenarians with st-elevation myocardial infarction. Circ J. 2019;84(1):109-18..

Em relação à diabetes, embora ausente na maioria da população estudada, apresentou alto percentual nos indivíduos classificados como frágeis e se configurou enquanto fator de risco no desenvolvimento dessa condição. Corroborando com esse achado, Schernthaner e Schernthaner-Reiter2424 Schernthaner G, Schernthaner-Reiter MH. Diabetes in the older patient: heterogeneity requires individualisation of therapeutic strategies. Diabetologia 2018;61(7):1503-16. apontam que o diabetes está associado a fragilidade, demência e comprometimento cognitivo, além de possuir relação direta com o aumento de comorbidades, tais como infarto do miocárdio, acidente vascular cerebral, doença arterial periférica e insuficiência renal, em comparação com idosos não diabéticos.

Neste sentido, enquanto a ocorrência de fragilidade depende de uma deterioração da função muscular e nervosa, com consequente diminuição da reserva cardiopulmonar e perda de função executiva, o DM frequentemente causa comprometimento funcional em cada um dos sistemas citados, levando a uma perda da homeostase do corpo inteiro e à deterioração da função física2525 Yanase T, Yanagita I, Muta K, Nawata H. Frailty in elderly diabetes patients. Endocr J. 2018;65(1):1-11.. Por isso o conhecimento dessas condições clínicas concomitantes, AVC e diabetes, tem influência sobre a conduta terapêutica a ser seguida, uma vez que um objetivo menos rigoroso deve ser adotado para idosos frágeis, bem como aqueles com declínio cognitivo2626 Tun TT, Arunagirinathan G, Munshi SK, Pappachan JM. Diabetes mellitus and stroke: a clinical update. World J Diabetes. 2017;8(6):1-10..

Quanto aos hábitos de etilismo e tabagismo, houve uma maior prevalência na ausência desses dois hábitos na população estudada, embora o número de fumantes e não fumantes fosse semelhante. Noronha et al.2727 Noronha BP, Nascimento-Souza MA, Peixoto SV. Padrões de consumo de álcool e fatores associados entre idosos brasileiros: Pesquisa Nacional de Saúde (2013). Ciênc Saúde Colet. 2019;24(11):4171-80., em estudo nacional, encontraram um padrão próximo ao observado em outras populações, nas quais idosos com relatos de doenças do coração, AVC e DM apresentavam menor consumo de álcool. A relação sugerida foi a de que os sujeitos acometidos por essas doenças estivessem menos propensos a beber pelas possíveis interações negativas com medicamentos, assim como, por receberem acompanhamento médico mais frequente por essas condições crônicas.

Contudo, ainda que haja um declínio da prevalência de fumantes com o aumento da idade, possivelmente relacionado ao surgimento de ações que explanam o aparecimento de agravos pela não cessação do consumo de cigarros, pela maior probabilidade de óbito precoce de fumantes e a crescente preocupação com a saúde com a adoção de comportamentos mais saudáveis, permanece elevada a prevalência em idosos com doenças graves, incluindo o AVC2828 Zaitune MPA, Barros MBA, Lima MG, César CLG, Carandina L, Goldbaum M, et al. Fatores associados ao tabagismo em idosos: inquérito de saúde no estado de São Paulo (ISA-SP). Cad Saúde Pública. 2012;28(3):583-95..

Na avaliação de deficit cognitivo pelo MEEM, houve maior frequência de um estado mental alterado entre o grupo de idosos com fragilidade, mesmo que a análise estatística não tenha apontado significância entre do desempenho cognitivo e a presença de fragilidade. Isso sugere que indivíduos acometidos pelo AVC podem apresentar comprometimento cognitivo e fragilidade, que embora presentes simultaneamente, podem não estar relacionados entre si, considerando as características próprias de cada condição.

Mijajlović et al.2929 Mijajlović MD, Pavlović A, Brainin M, Heiss WD, Quinn TJ, Ihle-Hansen HB, et al. Post-stroke dementia: a comprehensive review. BMC Med. 2017;15(1):1-9. Disponível em: https//:doi.com/10.1186/s12916-017-0779-7. apontam que sobreviventes de AVC têm maior risco de desenvolver deficit cognitivos, assim como, de prejuízos de funções executivas, desempenho funcional e na qualidade de vida. E que, apesar da disponibilidade de informações sobre o assunto, se observa resultados conflitantes entre o efeito cognitivo após um evento de AVC e o declínio cognitivo associado à idade e fatores de risco vascular. Razão pela qual, após um AVC, as deficiências físicas tendem a melhorar, enquanto os deficit cognitivos pioram progressivamente, por razões que permanecem desconhecidas.

Um outro conceito, proposto pelo Grupo de Consenso Internacional da Academia Internacional de Nutrição e Envelhecimento e a Associação Internacional de Gerontologia e Geriatria, a partir de achados epidemiológicos relacionados à fragilidade e deterioração cognitiva, é o de “fragilidade cognitiva” definido pela presença simultânea de fragilidade física e comprometimento cognitivo em idosos sem um diagnóstico claro de demência. Outra característica dessa fragilidade cognitiva seria a sua reversibilidade, tornando-a objetivo de ações de prevenção de processos neurodegenerativos3030 Gómez-Gómez ME, Zapico SC. Frailty, Cognitive decline, neurodegenerative diseases and nutrition interventions. Int J Molecular Sci. 2019;20(11):1-9. Disponível em: https://doi.org/10.3390/ijms20112842.

Neste âmbito, a fragilidade física, então, poderia estar associada ao comprometimento cognitivo no final da vida e a presença de outras comorbidades, tais como as demências, incluindo a Doença de Alzheimer, o comprometimento cognitivo leve, a demência vascular3030 Gómez-Gómez ME, Zapico SC. Frailty, Cognitive decline, neurodegenerative diseases and nutrition interventions. Int J Molecular Sci. 2019;20(11):1-9. Disponível em: https://doi.org/10.3390/ijms20112842.

Mesmo não se tendo obtido resultados significativos quanto à influência do tipo de assistência prestada na área de reabilitação entre os idosos frágeis e não frágeis, foi observado que a maioria dos idosos que recebiam assistência estavam no grupo daqueles considerados frágeis. A fisioterapia foi a área com a maior prevalência de usuários atendidos, enquanto a fonoaudiologia e a terapia ocupacional alcançaram somente um quinto e um décimo da população assistida, respectivamente.

Isso sugere que há uma ênfase para as sequelas motoras do AVC quando comparadas aos aspectos relacionados a independência funcional, cognição e linguagem que também podem estar afetados. Neste estudo, por exemplo, a maioria dos idosos apresentou algum deficit cognitivo considerando os critérios de escolaridade na avaliação pelo MEEM. Outro fator relacionado à reduzida assistência em algumas áreas pode ser a oferta desses atendimentos nos serviços de saúde. No caso do hospital onde houve a coleta, após a alta hospitalar, o único serviço oferecido entre aqueles supracitados era o de fisioterapia, e frente a necessidade os usuários deveriam procurar outros locais de atendimento.

Uma pesquisa realizada no Espírito Santo revelou uma prevalência elevada da incapacidade funcional nas pessoas idosas após o AVC com a associação com idade avançada, autopercepção de limitações em funções do corpo e acessibilidade de vias públicas, reiterando a necessidade de medidas de monitoramento da capacidade funcional e promoção de suporte a esta população3131 Carmo JF, Oliveira ERA, Morelato RL. Incapacidade funcional e fatores associados em idosos após o acidente vascular cerebral em Vitória – ES, Brasil. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2016;19(5):809-18.. Ou seja, a própria condição do AVC que já é debilitante, poderia ser agravada pelos aspectos ligados a fragilidade e a dificuldade de acesso aos serviços, mas que nem sempre são o alvo das intervenções em saúde.

Um estudo multicêntrico de usuários assistidos em domicílio apontou que a grande maioria dos fatores prognósticos relatados na literatura como relacionados à alta em pacientes com AVC após reabilitação, não estavam correlacionados com a alta de idosos frágeis e multimórbidos admitidos à reabilitação geriátrica3232 Vluggen TPMM, Haastregt JCMV, Tan FES, Kempen GIJM, Schols JMGA, Verbunt JA. Factors associated with successful home discharge after inpatient rehabilitation in frail older stroke patients. BMC Geriatrics. 2020;20(1):1-9. Disponível em: https://doi.org/10.1186/s12877-020-1422-6.. Este mesmo estudo mostrou que um maior nível de independência nas atividades de vida diária, quando comparados ao momento da admissão à reabilitação geriátrica, estaria associada com alta após um período de 6 meses do início da reabilitação do AVC, destacando a importância de dados sobre a fragilidade e apoio social nesse processo3232 Vluggen TPMM, Haastregt JCMV, Tan FES, Kempen GIJM, Schols JMGA, Verbunt JA. Factors associated with successful home discharge after inpatient rehabilitation in frail older stroke patients. BMC Geriatrics. 2020;20(1):1-9. Disponível em: https://doi.org/10.1186/s12877-020-1422-6..

De maneira geral, o que se observa é uma alta prevalência de fragilidade em idosos pós AVC, com diferentes fatores associados por características próprias da situação socioeconômica das populações onde esses idosos estão inseridos. No presente estudo, as associações estavam relacionadas ao estado civil e a algumas comorbidades, tais como IAM e DM, considerando que um percentual de quase 80% dos idosos entrevistados era frágeis. Na China foi verificada uma prevalência de fragilidade de 67,6% entre os idosos vivendo em comunidade, com associações com idade, etnia, família, número de filhos, renda, dieta e exercício3333 Zhang X, Liu Y, Schans VD, Krijnen W, Hobbelen JSM. Frailty among older people in a community setting in China. Geriatric Nurs. 2020;41(3):320-4.. Outro estudo realizado em Portugal apontou 60% de prevalência de fragilidade entre idosos na comunidade, mas com associação com problemas de visão, medo de cair, hospitalizações no último ano, uso de aparelhos de locomoção e percepção do estado de saúde55 São Romão Preto L, Dias Conceição MC, Soeiro Amaral SIS, Martins Figueiredo T, Ramos Sánchez A, Fernandes-Ribeiro AS. Frailty in the elderly living in the community with and without prior cerebrovascular disease. Rev Científica la Soc Enferm Neurol. 2017;46:11-7..

Por esse motivo, Zhang et al..3333 Zhang X, Liu Y, Schans VD, Krijnen W, Hobbelen JSM. Frailty among older people in a community setting in China. Geriatric Nurs. 2020;41(3):320-4. aconselham que seja implementado um modelo abrangente de gestão da saúde para fins de prevenção e intervenção multidimensional na população daqueles que são frágeis. Para Farooqi et al.3434 Farooqi MAM, Gerstein H, Yusuf S, Leong DP. Accumulation of Deficits as a Key Risk Factor for Cardiovascular Morbidity and Mortality: a Pooled Analysis of 154 000 Individuals. J Am Heart Assoc. 2020;9(3):1-10. Disponível em: https://doi.org/10.1161/JAHA.119.014686, apesar dos avanços na prevenção e tratamento das DCV, pacientes frágeis representam um importante subgrupo que permanece em alto risco de eventos cardiovasculares adversos e morte relacionada às DCV. Por conseguinte, a avaliação da fragilidade poderia incrementar o prognóstico quando adicionado às medidas tradicionais de risco às DCV e auxiliar na identificação de pessoas com os fatores de risco estabelecidos3333 Zhang X, Liu Y, Schans VD, Krijnen W, Hobbelen JSM. Frailty among older people in a community setting in China. Geriatric Nurs. 2020;41(3):320-4..

Embora apresente contribuições na compreensão da prevalência da fragilidade em idosos acometidos por AVC, este estudo teve limitações. Por não ter usado uma amostra representativa e excluído pacientes com comprometimento cognitivo grave ou comprometimento de comunicação, sequelas relacionadas a doença, os resultados não podem ser estendidos para toda a população de idosos acometidos por AVC. Cabe ressaltar que o serviço de saúde não era específico para população idosa ou para essa condição clínica específica.

CONCLUSÃO

O modelo de avaliação neste estudo apresentou um bom ajuste quanto à sensibilidade e especificidade para a estimativa da fragilidade no grupo de pacientes acometidos por acidente vascular cerebral (AVC), encontrando aspectos sociodemográficos e clínicos associados ao desfecho. O instrumento selecionado para avaliação e classificação permitiu a verificação de que a maioria dos idosos acometidos por AVC nesta pesquisa eram frágeis.

A amostra apontou para um perfil de idosos semelhantes àqueles encontrados em outras pesquisas nacionais, com características que apontam a influência de questões de sexo, educacionais, financeiras e, possivelmente, relacionadas ao acesso aos serviços de saúde após o AVC. Os dados que obtiveram resultados significativos na associação com a fragilidade corroboram com o que é apontado na literatura, considerando que o estado civil representou maior risco para aqueles que não tinham companheiro, no que tange os dados sociodemográficos. Para os aspectos clínicos, foram encontradas associações com a presença da diabetes mellitus e ausência do infarto agudo do miocárdio.

Por fim, sugere-se a realização de estudos longitudinais e com amostras probabilísticas que possam acompanhar esse tipo de população de pessoas idosas acometidas por AVC, desde a hospitalização ao processo de reabilitação após a alta, com vistas a esclarecer o processo de declínio funcional e cognitivo e sua relação com a fragilidade.

  • Não houve financiamento para a execução deste trabalho.

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Editado por

Editado por: Yan Nogueira Leite de Freitas

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Maio 2021
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    21 Dez 2020
  • Aceito
    23 Mar 2021
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