Variáveis associadas com a prática religiosa em adultos e idosos brasileiros com 50 anos ou mais: ELSI-Brasil

Resumo

Objetivo

Identificar variáveis associadas à prática religiosa em adultos e idosos brasileiros de 50 anos e mais.

Método

Neste estudo observacional e transversal, participaram 7.171 indivíduos de 50 anos e mais, integrantes de amostra nacional representativa (N=9.412), entrevistados na 1ª onda do Estudo Longitudinal da Saúde dos Idosos Brasileiros (ELSI-Brasil), sobre frequência de participação em serviços religiosos, afiliação religiosa, autoavaliação de saúde, sexo, idade, escolaridade, arranjo de moradia, região de residência e raça. O modelo de regressão de Poisson foi usado para investigar associações brutas e ajustadas entre as variáveis.

Resultados

Cinquenta e sete por cento da amostra eram mulheres; a média de idade foi 62,5±9,4 anos; a maior parte tinha 5 a 8 anos de escolaridade e morava com 3 ou mais pessoas; 42% residiam na região Sudeste e 48% declararam-se pardos; 66% eram católicos e 76% participavam de cerimônias religiosas uma ou mais vezes por semana; 45% avaliaram a própria saúde como regular. Os mais assíduos em serviços religiosos foram os participantes pretos (RP=1,06, IC95% 1,00-1,12), pardos (RP=1,07, IC95% 1,03-1,11), evangélicos (RP=1,26, IC95% 1,22-1,30) e com autoavaliação da saúde como regular (RP=1,07, IC95% 1,02-1,11). Os menos assíduos eram do sexo masculino (RP=0,87, IC95% 0,84-0,90), com 5 a 8 anos de escolaridade (RP=0,92, IC95% 0,88-0,97) e residiam nas regiões Sudeste (RP=0,91, IC95% 0,86-0,95) e Sul (RP=0,90, IC95% 0,82-0,99).

Conclusão

Cor de pele preta e parda, religião evangélica e autoavaliação de saúde como regular estão associadas à maior assiduidade em serviços religiosos entre brasileiros de 50 anos e mais.

Palavras-Chave:
Religião; Envelhecimento; Autoavaliação; Pessoa idosa

Abstract

Objective

To identify variables associated with religious practice in Brazilian adults and older adults aged 50 and over.

Method

In this observational and cross-sectional study, the participants included 7,171 individuals aged 50 and over from a representative national sample (N=9,412), interviewed in the first wave of the Brazilian Longitudinal Study of Aging (ELSI-Brazil), on frequency of participation in religious services, religious affiliation, self-rated health, sex, age, education, living arrangements, region of residence, and race. The Poisson regression model was used to investigate crude and adjusted associations between variables.

Results

Fifty-seven percent of the sample was female, the mean age was 62.5±9.4 years old, the majority had 5 to 8 years of education and lived with 3 or more people, 42% resided in the Southeast region, and 48% self-declared as Pardo [mixed race], 66% were Catholic, 76% attended religious services once or more times a week, and 45% rated their health as fair. The most frequent participants in religious services were Black (PR=1.06, 95%CI 1.00-1.12)and mixed race (PR=1.07, 95%CI 1.03-1.11), Evangelical (PR =1.26, 95%CI 1.22-1.30), and self-rated their health as fair (PR=1.07, 95%CI 1.02-1.11). In contrast, the least frequent were male (PR=0.87, 95%CI 0.84-0.90), with 5 to 8 years of education (PR=0.92, 95%CI 0.88-0.97), residing in the Southeast (PR=0.91, 95%CI 0.86-0.95) and South (PR=0.90, 95%CI 0.82-0.99) regions.

Conclusion

Self-declaration as Black and mixed race, Evangelical religion, and self-rated health as fair were associated with higher attendance at religious services among Brazilians aged 50 and over.

Keywords
Religion; Aging; Self-assessment; Aged

INTRODUÇÃO

A religiosidade é fenômeno e conceito multidimensional que inclui o envolvimento do indivíduo com crenças, comportamentos, rituais e símbolos sagrados e transcendentes compartilhados e praticados por instituições e comunidades religiosas¹,². Etimologicamente “religião” vem do termo latino “religare”, que diz respeito à prática religiosa por meio da qual o Ser Humano se liga a Deus e à uma comunidade que comunga dos mesmos princípios¹. A religiosidade oferece um entendimento do funcionamento do mundo e da existência humana¹–³, e reúne indivíduos com comportamentos e crenças similares sobre a transcendência¹,². Desempenha funções psicológicas, pois propicia suporte social, otimismo, propósito de vida, senso de pertencimento, e favorece a adaptação a situações estressantes¹,³.

A prática religiosa e a afiliação religiosa são dimensões da religiosidade, assim como o comprometimento e o enfrentamento religioso¹. A prática religiosa envolve atividades religiosas públicas e privadas, também conhecidas como organizacionais e não-organizacionais⁴. A prática religiosa pública é referente ao comparecimento e à participação do indivíduo em serviços e cerimônias religiosas e em outras atividades comunitárias, como grupos de leitura de escritos religiosos e grupos de oração⁴. A prática religiosa privada compreende atividades religiosas que o indivíduo realiza sozinho, como rezar, meditar, ler escritos religiosos e assistir a canais religiosos pela televisão⁴. A afiliação religiosa tem relação com a tradição religiosa que um indivíduo pratica, de forma pública ou privada, e com a qual se identifica, compartilhando crenças e rituais com outros indivíduos¹.

A frequência da prática religiosa muda conforme o indivíduo envelhece. Segundo Bengtson et al.⁵, a participação em serviços religiosos é baixa na vida adulta inicial, cresce na meia-idade, alcança seu ápice no começo da velhice, mantem-se ao longo dos anos subsequentes, caracterizados pela preservação da funcionalidade, mas declina em seguida, devido às perdas associadas à senescência, à multimorbidade, e a incapacidades físicas e cognitivas. Essa trajetória é também afetada por variáveis geracionais e de contexto, entre elas a secularização das sociedades⁶,⁷.

A frequência de comparecimento a igrejas e templos para práticas religiosas varia segundo sexo, escolaridade e raça. As mulheres costumam participar mais assiduamente de atividades religiosas públicas do que os homens, porque valorizam mais do que estes os aspectos sociais da religiosidade⁸–¹⁰. Além disso, as práticas públicas oferecem oportunidades para derivação de senso de pertencimento, valorização de si¹,³, envolvimento social¹,⁸, serviços voluntários¹⁰, dar e receber apoios¹,², que são atividades mais valorizadas pelas mulheres do que pelos homens⁸,¹⁰. Os idosos com escolaridade formal de oito anos ou mais costumam apresentar-se como praticantes menos assíduos de cerimônias religiosas do que idosos menos escolarizados⁹,¹⁰. Em pesquisas realizadas com europeus¹⁰,¹¹, com asiáticos e com brancos norte-americanos¹¹, o dado mais comum é que estes grupos apresentam baixa frequência de práticas religiosas públicas, um dado que não se repete com afro-americanos residentes nos Estados Unidos¹², os quais apresentam alta frequência de comparecimento a serviços religiosos.

A frequência de participação em serviços religiosos também pode variar conforme a afiliação religiosa. Entre praticantes da religião evangélica a participação frequente em cultos é um preceito mais importante a ser seguido do que entre católicos¹³. Noventa e quatro por cento dos adultos e idosos brasileiros relatam seguir ao menos uma religião que realiza rituais e cerimônias públicas e comunitárias, incluindo missas, cultos, e giras¹⁴, em que as religiões católica e evangélica são as afiliações com maior número de praticantes¹³,¹⁴.

Além de ser um indicador fidedigno do estado geral de saúde, a autoavaliação de saúde é uma variável subjetiva capaz de identificar sinais de declínio funcional e mapear o risco de mortalidade¹⁵. Idosos assíduos em práticas religiosas públicas apresentam melhor autoavaliação de saúde do que idosos com baixa ou nenhuma frequência a atividades religiosas públicas ou organizacionais¹⁵,¹⁶, por causa da adoção de comportamentos de saúde e do suporte emocional e social recebido nas igrejas e congregações¹⁷,¹⁸.

Segundo a literatura, a prática religiosa pública entre idosos pode ser influenciada por aspectos sociais e de saúde, estando associada ao bem-estar psicológico. Há controvérsias, mas a religiosidade tende a ser mais valorizada pelos idosos do que pela população adulta em geral, em parte pela tendência a adotá-la como mecanismo de enfrentamento de eventos estressantes, cuja incidência aumenta na velhice, em parte por questões geracionais.

São escassos os estudos brasileiros, com dados recentes de base populacional, que investigam características da prática religiosa pública na população idosa. O Estudo Longitudinal da Saúde dos Idosos Brasileiros (ELSI-Brasil) é a primeira pesquisa realizada com amostra representativa da população brasileira com 50 anos e mais. A inclusão do domínio religiosidade no protocolo de coleta de dados permite a investigação da prática religiosa pública e suas relações com indicadores sociodemográficos e de saúde. No presente estudo o domínio religiosidade desdobrou-se em dois aspectos – afiliação e prática religiosa. Foi assumido como objetivo a identificação de associações entre prática religiosa pública, afiliação religiosa, autoavaliação de saúde e as variáveis sociodemográficas (sexo, idade, escolaridade, arranjo de moradia, região de residência e raça), em amostra nacional representativa da população brasileira com 50 anos e mais, participante do ELSI-Brasil.

MÉTODO

Trata-se de estudo observacional, de delineamento transversal, realizado com dados da linha de base do Estudo Longitudinal da Saúde dos Idosos Brasileiros (ELSI-Brasil), coletados em 2015 e 2016. A amostra total do ELSI-Brasil foi composta por 9.412 indivíduos¹⁹. O tamanho e composição da amostra total eram representativos da população brasileira não institucionalizada de 50 anos e mais, sendo selecionada aleatoriamente por amostragem inversa para evitar acréscimo no tamanho da amostra para compensar dados faltantes¹⁹. Para o presente estudo foram utilizados os dados de 7.171 participantes. As perdas amostrais não obedeceram a nenhum critério de seleção, correspondendo aos participantes que se declararam sem religião e, portanto, não responderam a variável “prática religiosa pública” e àqueles que deixaram de responder itens dos outros instrumentos utilizados. Ou seja, foram excluídos os que não apresentaram resposta em todas as variáveis de interesse. Os participantes residiam em 7.500 domicílios de 70 municípios de pequeno, médio e grande porte das cinco macrorregiões brasileiras, selecionados por meio de estratificação em quatro categorias, de acordo com o tamanho da população¹⁹,²⁰. Foram incluídos no estudo todos os moradores dos domicílios selecionados com idade igual ou maior que 50 anos, que aceitaram o convite para responder um questionário individual¹⁹,²⁰. Caso o participante apresentasse alguma limitação de ordem física e/ou mental que o impedisse de responder, um informante substituto era eleito para responder o questionário individual em seu nome¹⁹.

A prática religiosa pública foi examinada com base em um item do Índice de Religiosidade de DUKE – DUREL⁴,²¹, que mede a frequência de participação em serviços religiosos: “Nos últimos 12 meses, com que frequência o(a) S.r.(a) participou de cerimônias religiosas, tais como missas, cultos ou grupos de oração em templos ou igrejas ou pela TV?”. Foi avaliado de acordo com as respostas: 1- mais de uma vez por semana; 2- uma vez por semana; 3- duas ou três vezes por mês; 4- uma ou algumas vezes por ano; 5- nunca; agrupadas em “uma ou mais de uma vez por semana”; “duas ou três vezes por mês”; e “uma ou algumas vezes por ano e nunca”. As duas primeiras categorias representam maior regularidade e envolvimento religioso, enquanto a última categoria reuniu as respostas “uma ou algumas vezes por ano”, as quais correspondem a uma baixa regularidade na participação em cerimônias religiosas, representando pequeno envolvimento religioso, e as respostas “nunca”, que representam nenhum envolvimento.

A afiliação religiosa foi verificada por meio de nove itens: 1- não tem religião; 2- católica; 3- protestante; 4- evangélica; 5- espírita/kardecista; 6-budista; 7- islamita; 8- religiões de origem africana; 9- outra, que posteriormente foram agrupados em “católica”; “protestante”; “evangélica”; “espírita”; e “outras religiões”. Os participantes da categoria “protestante” correspondem aos afiliados à Igrejas Luterana, Batista, Adventista, Presbiteriana, Metodista, entre outras. Os participantes da categoria “evangélica” correspondem aos afiliados à Igrejas Pentecostais e Neopentecostais. As demais religiões foram agrupadas no grupo “outras religiões” para viabilizar os cálculos estatísticos.

A autoavaliação de saúde foi investigada por meio do item: “Em geral, como o(a) s.r.(a) avalia a sua saúde?”, segundo as respostas: 1- muito boa ou excelente; 2- boa; 3- regular; 4- ruim; 5- muito ruim, as quais foram reduzidas a três: “muito boa/boa”; “regular”; e “ruim/muito ruim”.

As variáveis sociodemográficas medidas foram sexo (feminino e masculino), idade (50 a 59 anos, 60 a 69 anos, 70 a 79 anos; e 80 anos e mais), escolaridade (nunca estudou, 1 a 4 anos, 5 a 8 anos, e ≥9 anos), arranjos de moradia (vive sozinho, vive com 2 pessoas, e vive com 3 ou mais pessoas), região de residência (Norte, Nordeste, Sudeste, Sul e Centro-Oeste), e raça/cor autodeclarada (branca, preta, parda, amarela e indígena).

Os registros das respostas da amostra foram submetidos a análises descritivas, com medidas de frequência absoluta e relativa de todas as variáveis. Foram comparadas subamostras de participantes segundo a frequência de participação em práticas religiosas públicas, por meio do Teste Qui-quadrado de Pearson, com valor p<0,05. Para verificar as associações entre frequência de práticas religiosas, afiliação religiosa, autoavaliação de saúde e variáveis sociodemográficas foram analisadas as razões de prevalência bruta e ajustada e respectivos intervalos de confiança (95%), por meio do modelo de regressão de Poisson. Foram incluídas no modelo final todas as variáveis e permaneceram aquelas que apresentaram um valor de p<0,05.

O projeto do ELSI-Brasil foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa do Centro de Pesquisas René Rachou da FIOCRUZ, com parecer nº 2111911. Cada etapa da coleta de dados contou com assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido por todos os participantes.

RESULTADOS

A Tabela 1 apresenta os resultados descritivos da amostra de 7.171 indivíduos relativos às variáveis sociodemográficas, a afiliação religiosa, a prática religiosa pública e a autoavaliação de saúde.

Tabela 1
Caracterização da amostra (N=7.171). Estudo Longitudinal da Saúde dos Idosos Brasileiros, Brasil, 2015-2016.

Variável	n (%)	IC95%1	Média (dp)	Mediana (Mín. – Máx.)
Sexo
Feminino	4.097 (57,1)	55,9 – 58,2
Masculino	3.074 (42,9)	41,7 – 44,0
Idade			62,5 (±9,4)	61,0 (50-99)
50 a 59 anos	3.226 (45,0)	43,8 – 46,1
60 a 69 anos	2.264 (31,6)	30,5 – 32,6
70 a 79 anos	1.274 (17,7)	16,8 – 18,6
80 anos e mais	407 (5,7)	5,1 – 6,2
Escolaridade			6,71 (±4,3)	5,0 (0-16)
Nunca estudou	1.006 (14,0)	13,2 – 14,8
1 a 4 anos	97 (1,4)	1,1 – 1,6
5 a 8 anos	4.353 (60,7)	59,5 – 61,8
≥ 9 anos	1.715 (23,9)	22,9 – 24,9
Arranjos de moradia
Sozinho	867 (12,1)	11,3 – 12,8
2 pessoas	2.228 (31,1)	30,0 – 32,1
3 ou mais pessoas	4.076 (56,8)	55,6 – 57,9
Região de residência
Norte	643 (9,0)	8,3 – 9,6
Nordeste	1.845 (25,7)	24,7 – 26,7
Sudeste	3.028 (42,2)	41,1 – 43,3
Sul	923 (12,9)	12,1 – 13,6
Centro-Oeste	732 (10,2)	9,5 – 10,9
Raça/Cor
Branca	2.786 (38,9)	37,7 – 39,9
Preta	704 (9,8)	9,1 – 10,5
Parda	3.429 (47,8)	46,6 – 48,9
Amarela	71 (1,0)	0,7 – 1,4
Indígena	181 (2,5)	2,1 – 2,9
Afiliação religiosa
Católica	4.752 (66,3)	65,1 – 67,3
Protestante	54 (0,7)	0,5 – 0,9
Evangélica	1.951 (27,2)	26,1– 28,2
Espírita	262 (3,7)	3,2 – 4,1
Outras religiões	152 (2,1)	1,8 – 2,4
Prática religiosa pública
Uma ou mais de uma vez/semana	5.458 (76,1)	75,1 – 77,1
Duas ou três vezes/mês	753 (10,5)	9,8 – 11,2
Uma ou algumas vezes/ano e nunca	960 (13,4)	12,6 – 14,2
Autoavaliação de saúde			2,6 (±0,8)	3 (1-5)
Muito boa/Boa	3.104 (43,3)	42,1 – 44,4
Regular	3.238 (45,1)	44,0 – 46,3
Ruim/Muito ruim	829 (11,6)	10,8 – 12,3

• ¹IC95% = Intervalo de Confiança de 95%
  Fonte: os autores.

Os resultados das comparações entre a frequência de participação em práticas religiosas públicas, a afiliação religiosa, a autoavaliação de saúde e as variáveis sociodemográficas são mostrados na Tabela 2. Entre os mais assíduos havia mais mulheres do que homens, mais pardos do que brancos, mais católicos do que evangélicos, e mais indivíduos que avaliaram a própria saúde como regular do que muito boa/boa ou ruim/muito ruim. Entre os menos assíduos predominaram participantes com 5 a 8 anos de escolaridade, residentes na região Sudeste, brancos, católicos e com autoavaliação de saúde como muito boa/boa (Tabela 2).

Tabela 2
Percentuais de adultos e idosos conforme a frequência de participação em práticas religiosas públicas, considerando variáveis sociodemográficas, afiliação religiosa e autoavaliação de saúde (N=7.171). Estudo Longitudinal da Saúde dos Idosos Brasileiros, Brasil, 2015-2016.

Variável	Uma ou mais de uma vez/semana n (%)	Duas ou três vezes/mês n (%)	Uma ou algumas vezes/ano e nunca n (%)	p *
Sexo				<0,0001*
Feminino	3.320 (58,3)	385 (50,8)	392 (37,4)
Masculino	2.138 (41,7)	368 (49,2)	568 (62,6)
Idade				0,1907
50 a 59 anos	2.398 (49,7)	358 (54,3)	470 (50,6)
60 a 69 anos	1.745 (30,4)	232 (29,5)	287 (31,0)
70 a 79 anos	1.016 (15,2)	115 (11,8)	143 (13,0)
80 anos e mais	299 (4,6)	48 (4,4)	60 (5,6)
Escolaridade				0,0008*
Nunca estudou	799 (11,9)	102 (9,8)	105 (8,6)
1 a 4 anos	66 (1,1)	12 (1,6)	19 (1,6)
5 a 8 anos	3.255 (63,1)	472 (69,2)	626 (70,3)
≥ 9 anos	1.338 (23,8)	167 (19,5)	210 (19,4)
Arranjos de moradia				0,3685
Sozinho	663 (8,7)	89 (8,5)	115 (8,5)
2 pessoas	1.755 (32,4)	209 (29,7)	264 (29,6)
3 ou mais pessoas	3.040 (58,9)	455 (61,8)	581 (61,8)
Região de residência				0,0014*
Norte	526 (6,9)	65 (6,3)	52 (3,5)
Nordeste	1.468 (24,1)	177 (19,2)	200 (17,7)
Sudeste	2.203 (46,8)	329 (48,5)	496 (56,7)
Sul	683 (14,6)	116 (20,7)	124 (16,4)
Centro-Oeste	578 (7,5)	66 (5,7)	88 (5,5)
Raça/Cor				0,0035*
Branca	2.063 (40,1)	305 (45,0)	418 (48,1)
Preta	549 (10,1)	60 (7,5)	95 (9,9)
Parda	2.657 (46,7)	360 (44,5)	412 (38,6)
Amarela	49 (1,0)	13 (1,6)	9 (0,8)
Indígena	140 (1,9)	15 (1,4)	26 (2,4)
Afiliação religiosa				<0,0001*
Católica	3.366 (63,3)	580 (77,6)	806 (83,7)
Protestante	43 (0,7)	5 (0,5)	6 (0,7)
Evangélica	1.762 (30,5)	111 (13,8)	78 (8,4)
Espírita	176 (3,3)	40 (5,6)	46 (4,9)
Outras religiões	111 (2,1)	17 (2,3)	24 (2,4)
Autoavaliação de saúde				0,0195*
Muito boa/Boa	2.317 (43,2)	337 (49,6)	450 (49,1)
Regular	2.519 (45,6)	325 (40,6)	394 (40,0)
Ruim/Muito ruim	622 (11,2)	91 (9,8)	116 (10,9)

• *Teste Qui-quadrado de Pearson. Diferenças estatisticamente significativas quando p<0,05.
  Fonte: os autores.

A Tabela 3 mostra as razões de prevalência bruta e ajustada de todas as variáveis, conforme a probabilidade de um participante ter frequência de participação igual ou superior a uma vez por semana. Na análise bruta verificou-se maior assiduidade entre os participantes pretos (RP = 1,06) e pardos (RP = 1,07), do que entre os brancos; entre os evangélicos (RP = 1,28), do que entre os católicos, e pelos que avaliaram sua saúde como regular (RP = 1,07), do que entre os que a avaliaram como muito boa/boa. Houve menor assiduidade entre os homens (RP = 0,85) do que entre as mulheres; entre os com 1 a 4 (RP = 0,83) e com 5 a 8 anos de escolaridade (RP = 0,92) do que os sem escolaridade formal; entre os que residiam nas regiões Sudeste (RP = 0,88) e Sul (RP = 0,86) do que na Região Norte. A análise da RP ajustada por sexo, idade, escolaridade, arranjos de moradia, região de residência, raça/cor, afiliação religiosa e autoavaliação de saúde indicou que os evangélicos eram mais assíduos do que os católicos (RP = 1,26) e que ser homem (RP = 0,87) e viver nas regiões Sudeste (RP = 0,91) e Sul (RP = 0,90) associaram-se com menor assiduidade em atividades religiosas públicas (Tabela 3).

Tabela 3
Razões de prevalência (RP) brutas e ajustadas da maior assiduidade em comparação com menor assiduidade em práticas religiosas públicas, conforme variáveis sociodemográficas, afiliação religiosa e autoavaliação de saúde (N=7.171). Estudo Longitudinal da Saúde dos Idosos Brasileiros, Brasil, 2015-2016.

Variável	RP1 bruta (IC95%)2	p*	RP ajustada3 (IC95%)	p*
Sexo
Feminino	1		1
Masculino	0,85 (0,82-0,89)	<0,001*	0,87 (0,84-0,90)	<0,001*
Idade
50 a 59 anos	1
60 a 69 anos	1,01 (0,97-1,04)	0,667
70 a 79 anos	1,05 (0,99-1,11)	0,071
80 anos e mais	0,98 (0,91-1,05)	0,576
Escolaridade
Nunca estudou	1
1 a 4 anos	0,83 (0,70-0,98)	0,029*
5 a 8 anos	0,92 (0,88-0,97)	<0,001*
≥ 9 anos	0,98 (0,94-1,03)	0,537
Arranjos de moradia
Sozinho	1
2 pessoas	1,02 (0,96-1,07)	0,457
3 ou mais pessoas	0,99 (0,94-1,03)	0,640
Região de residência
Norte	1		1
Nordeste	0,97 (0,91-1,02)	0,265	0,98 (0,92-1,03)	0,500
Sudeste	0,88 (0,85-0,92)	<0,001*	0,91 (0,86-0,95)	<0,001*
Sul	0,86 (0,78-0,96)	0,005*	0,90 (0,82-0,99)	0,041*
Centro-Oeste	0,97 (0,90-1,05)	0,520	0,98 (0,89-1,07)	0,648
Raça/Cor
Branca	1
Preta	1,06 (1,00-1,12)	0,051*
Parda	1,07 (1,03-1,11)	<0,001*
Amarela	1,00 (0,84-1,19)	0,998
Indígena	1,04 (0,92-1,17)	0,534
Afiliação religiosa
Católica	1		1
Protestante	1,11 (0,90-1,38)	0,309	1,12 (0,90-1,40)	0,283
Evangélica	1,28 (1,24-1,32)	<0,001*	1,26 (1,22-1,30)	<0,001*
Espírita	0,93 (0,84-1,03)	0,169	0,94 (0,85-1,04)	0,279
Outras religiões	1,04 (0,93-1,16)	0,499	1,04 (0,94-1,16)	0,386
Autoavaliação de saúde
Muito boa/Boa	1
Regular	1,07 (1,02-1,11)	0,002*
Ruim/Muito Ruim	1,05 (0,99-1,11)	0,151

• ¹RP = Razão de Prevalência
  ²IC95% = Intervalo de Confiança de 95%
  ³Modelo de regressão de Poisson ajustado por sexo, idade, escolaridade, arranjos de moradia, região de residência, raça/cor, afiliação religiosa e autoavaliação de saúde.
  *valor de p significativo quando p<0,05.
  Fonte: os autores.

DISCUSSÃO

Os adultos e idosos de 50 anos ou mais autodeclarados pretos e pardos, os evangélicos e os que avaliaram a própria saúde como regular revelaram-se como os mais assíduos em cerimônias e em outras atividades religiosas públicas. Em contrapartida, os homens, os participantes com escolaridade formal de 1 a 8 anos e os residentes nas regiões Sudeste e Sul mostraram-se como os menos assíduos às práticas religiosas públicas.

Católicos são maioria no presente estudo, provavelmente porque os atuais idosos e muito idosos brasileiros foram socializados nesta religião quando crianças e adolescentes, uma vez que o catolicismo era altamente difundido do início até meados do século XX¹³,²²,²³. O catolicismo vem perdendo força no Brasil nos últimos anos¹³,²²,²³, em virtude da ocorrência de mudanças sociais que determinaram a diminuição da influência da família na transmissão dos preceitos e das tradições católicas¹³,²³. A frequência de evangélicos no presente estudo é importante, já que tem havido difusão das igrejas evangélicas nas periferias das metrópoles brasileiras, com mais fiéis se aproximando dessa religião¹³,²². A realização de programas sociais pelas comunidades evangélicas e a utilização de diversos meios de comunicação na propagação da doutrina evangélica também facilitam a afiliação de novos adeptos, em particular entre indivíduos com baixa renda e menor escolaridade²².

A maior parte da amostra era composta por praticantes assíduos. Segundo Idler et al.⁶ e Hayward e Krause⁷, entre idosos é mais alta a participação em práticas religiosas públicas do que entre pessoas mais jovens. Os idosos valorizam mais questões religiosas e, com a aposentadoria e a redução de obrigações familiares, costumam ter mais tempo para se dedicar às atividades religiosas⁶,⁷. A diferença geracional nas práticas públicas também é decorrente do processo de secularização, que implica em diminuição da prática e das crenças religiosas nas sociedades como um todo⁶,⁷. A maior frequência em práticas religiosas públicas está associada a desfechos positivos em saúde mental, como maior bem-estar psicológico¹⁷,¹⁸, devido ao suporte social e emocional que as comunidades religiosas promovem entre seus membros¹⁷,¹⁸,²⁴ e à aceitação dos problemas de saúde como parte da vida²⁴, menor uso de antidepressivos²⁴, menores taxas de uso de substâncias⁹,¹⁸, de ansiedade e de depressão¹⁷,¹⁸, e pode diminuir o risco de mortalidade¹⁸. Brenner¹¹ afirma que a participação em cerimônias religiosas é uma parte importante da socialização nos países sul-americanos.

Quase a metade dos participantes avaliaram sua saúde como regular. Esse achado difere dos resultados descritivos mais recentes de estudos de metodologia similar ao ELSI-Brasil, como o The English Longitudinal Study of Ageing (ELSA)²⁵, no qual 74% da amostra avaliou a própria saúde como excelente ou muito boa e boa²⁵. Em comparação aos idosos ingleses, cogita-se que adultos de meia idade e idosos brasileiros apresentem condições de saúde menos favoráveis, com presença de multimorbidades, que explicariam a autoavaliação da saúde como regular.

Participantes pretos e pardos eram mais assíduos do que brancos. Krause¹² encontrou que idosos pretos norte-americanos frequentavam mais serviços religiosos do que idosos brancos, devido ao fato de o suporte social e emocional oferecido por pessoas da sua comunidade religiosa ser maior do que o oferecido entre os brancos. Segundo Dos Santos²⁶, pessoas pretas e pardas brasileiras vivenciam dificuldades sociais e econômicas ocasionadas por particularidades da discriminação racial no contexto brasileiro, como baixa ou nenhuma escolaridade formal, desemprego e falta de renda. Porém, provavelmente encontram no envolvimento com uma comunidade assídua em cerimônias religiosas de quaisquer afiliações religiosas, uma fonte de apoio que pode auxiliá-las a enfrentar tais adversidades²⁶.

Os evangélicos tiveram maior participação em práticas religiosas do que os católicos. As cerimônias religiosas são ocasiões nas quais os praticantes louvam, agradecem, pedem ajuda e orientação divina, e recebem ensinamentos dos líderes religiosos. Estes elementos são mais valorizados pelos praticantes evangélicos do que pelos católicos¹³. Coutinho e Golgher²² afirmam que a religião evangélica baseia seus preceitos na teologia da prosperidade, segundo a qual o fiel prospera ao se esforçar individualmente para superar dificuldades e manter os comportamentos instituídos pelas lideranças evangélicas. Assim, a alta frequência em cultos é um comportamento esperado do fiel evangélico. As igrejas evangélicas costumam proporcionar soluções mais precisas para a superação de problemas que seus praticantes podem experienciar, como baixa renda e outras adversidades socioeconômicas, dependência química, problemas familiares e violência urbana²⁷, todos prejudiciais à saúde mental. A presença nos cultos oferece suporte social e emocional para o enfrentamento desses problemas e pode fortalecer o comprometimento religioso do praticante para com a doutrina evangélica²⁷.

Os indivíduos que avaliaram a própria saúde como regular apresentaram maior assiduidade do que os que a avaliaram como muito boa e boa. A autoavaliação de saúde representa com precisão o estado de saúde individual¹⁵ e pode sofrer influência tanto do contexto sociocultural quanto de hábitos individuais, como a adoção de comportamentos de saúde e o uso de estratégias de enfrentamento que reduzem o estresse¹⁵–¹⁸. É possível que os indivíduos desta amostra avaliem sua saúde como regular por terem hábitos menos saudáveis e por vivenciarem problemas de saúde que originam limitações ao funcionamento. Deste modo, frequentar serviços religiosos com regularidade pode atuar como um recurso social e emocional para lidar com as dificuldades ocasionadas pelas restrições funcionais¹,².

Os homens apresentaram menor assiduidade do que as mulheres. Schnabel²⁸ observou que os homens costumam ser mais dogmáticos e ter mais cargos de liderança do que as mulheres e atribuiu essas diferenças a estereótipos de gênero, que, segundo o autor, contribuem para que mulheres sejam encorajadas a participar de atividades religiosas comunitárias, enquanto os homens são incentivados a assumir papeis de chefia e autoridade⁸,²⁸. De acordo com Silva et al.⁸ e Sowa et al.¹⁰, mais do que os homens, as mulheres são socializadas para expressar seus sentimentos e buscar apoio em comunidades religiosas. Os homens podem encontrar apoio social e maneiras de lidar com suas dificuldades pessoais em outras fontes que não a participação em serviços religiosos comunitários⁸,¹⁰ ou até mesmo em posições de liderança em uma igreja ou congregação⁸,²⁸.

Entre participantes com escolaridade de 1 a 8 anos houve menor assiduidade em serviços religiosos do que entre os sem escolaridade formal. Diversos estudos⁶,⁷,⁹,¹⁰,²² observam que a menor frequência em cerimônias religiosas está associada ao aumento do nível de educação formal e atribuem esse fenômeno ao processo de secularização. A importância dada ao comparecimento em serviços religiosos pode ser menor entre indivíduos mais escolarizados⁶, os quais se dedicam a outras atividades, como as relacionadas ao trabalho¹⁰.

Os participantes residentes das regiões Sudeste e Sul tiveram menor frequência em práticas religiosas do que os da região Norte. Em comparação às outras macrorregiões, as regiões Sudeste e Sul são economicamente mais desenvolvidas, seus residentes têm escolaridade mais alta e apresentam maior proporção de praticantes católicos¹³,²², fatores que estão associados à menor assiduidade em serviços religiosos. Considerando a expansão da religião evangélica na região Norte e entre os mais pobres¹³,²²,²⁷, e observando que o suporte social oferecido pelas comunidades religiosas auxilia os mais pobres no enfrentamento de dificuldades, pode-se acreditar que os residentes no Sul e no Sudeste encontrem outras fontes de suporte social e outras formas de exercer a religiosidade, além da participação em cerimônias religiosas públicas.

O presente estudo apresenta como limitação o fato de não ter considerado a presença de comorbidades, a incapacidade funcional e os níveis de autonomia e independência dos participantes, variáveis que podem influenciar a participação em práticas religiosas públicas. O delineamento transversal deste estudo não permitiu a investigação de relações de causalidade entre as variáveis. No entanto, há vantagens a serem mencionadas, como: a utilização de dados de base populacional de um estudo longitudinal, o qual apresenta metodologia semelhante a outros estudos longitudinais sobre o envelhecimento humano, como The English Study of Ageing (ELSA), Health and Retirement Study (HRS), Survey of Health, Ageing and Retirement in Europe (SHARE), Mexican Health and Aging Study (MHAS), entre outros, possibilitando tanto a generalização dos resultados obtidos, quanto comparações transnacionais e estudos de meta-análise; o envolvimento de um painel de especialistas nacionais e o uso de instrumentos padronizados, demonstrando grande rigor metodológico. Ademais, o fomento oferecido por agências governamentais e fundações nacionais de pesquisa para este estudo, sugere a possibilidade de continuidade das pesquisas brasileiras que estudem, entre idosos, a temática da religiosidade e suas associações com indicadores sociais e de saúde.

CONCLUSÃO

Este estudo teve como objetivo identificar associações entre prática religiosa, afiliação religiosa, autoavaliação de saúde e variáveis sociodemográficas em amostra representativa de idosos e adultos brasileiros com 50 anos e mais, segmentos populacionais marcados por forte desigualdade social, que atua na base de importantes necessidades sociais, econômicas e de saúde. Observou-se que os participantes pretos e pardos, os evangélicos e os que avaliaram sua saúde como regular eram mais assíduos em práticas religiosas públicas do que os brancos, os católicos e os que avaliaram a saúde como boa ou muito boa. As principais hipóteses explicativas para tais resultados são de natureza socioeconômica e comportamental, ou seja, as práticas religiosas podem atuar como fonte comunitária de suporte social e emocional, em face de dificuldades sociais, econômicas e de saúde.

Considerando que a população idosa brasileira é altamente religiosa e que há influência das práticas religiosas sobre a saúde física e mental de praticantes idosos, acredita-se que seja importante pesquisar o fenômeno da prática religiosa pública em um estudo de base populacional, pois possibilita compreender as características da população idosa brasileira que frequenta cerimônias religiosas assiduamente, tendo em conta seus diferentes segmentos culturais e sociais, principalmente em uma fase de mudanças demográficas e de transição religiosa, com profundas repercussões sociológicas como as enfrentadas na atualidade.

AGRADECIMENTOS

Agradecemos a Profª Drª Maria Fernanda Lima-Costa, coordenadora do Estudo Longitudinal da Saúde dos Idosos Brasileiros (ELSI-Brasil), pela colaboração e pelo incentivo ao presente estudo.

• Financiamento da pesquisa: CAPES/ número 88882.435440/2019-01 - Código de Financiamento 001

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Editado por

Editado por: Maria Helena Rodrigues Galvão

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  08 Ago 2022
• Data do Fascículo
  2021

Histórico

• Recebido
  07 Fev 2022
• Aceito
  30 Maio 2022