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Prevalência e incidência de deficit cognitivo em pessoas idosas: associações com atividade física no lazer

Resumo

Objetivo

Descrever a prevalência e a incidência de deficit cognitivo em pessoas idosas, considerando a presença isolada e conjunta de atividades físicas no lazer, hipertensão arterial sistêmica e obesidade. Igualmente analisar a presença isolada e simultânea de inatividade física, obesidade, hipertensão e deficit cognitivo em dois tempos de medida.

Métodos

Foi realizado um estudo observacional, analítico e de coorte, baseado nos registros dos bancos de dados da linha de base (2008-2009) e do seguimento (2016-2017) do Estudo Fibra Campinas. Foram realizadas medidas de rastreio de demência, de autorrelato de horas semanais de atividades físicas de no lazer de diferentes intensidades, de hipertensão arterial e de status nutricional, com base no Índice de Massa Corporal (IMC).

Resultados

Participaram 394 pessoas idosas, 71,8% das quais eram mulheres; 74,4% tinham escolaridade <4 anos; Midade =72,8±5,3 na linha de base e Midade =81,4±4,8 no seguimento. Na linha de base, as condições conjuntas mais prevalentes foram inatividade física e hipertensão (21,5%) e as menos prevalentes, inatividade física, obesidade, hipertensão e deficit cognitivo (0,6%). Foram observadas associações entre deficit cognitivo e inatividade física no seguimento. Idosos inativos na linha de base apresentaram maior razão de incidência de deficit cognitivo no seguimento, ajustada por sexo, idade, escolaridade, estado nutricional e hipertensão (RI=2,27; IC 95%: 1,49-3,45; p<0,001).

Conclusão

A prevalência e a incidência de deficit cognitivo em idosos refletem a influência de baixo nível de atividade física no lazer na linha de base e no seguimento.

Palavras-Chave:
Cognição; Exercício físico; Estado Nutricional; Hipertensão; Pessoas Idosas

Abstract

Objective

Describing the prevalence and incidence of cognitive impairment in older adults, considering the isolated and combined presence of leisure-time physical activities, hypertension, and obesity.

Methods

An observational, analytical, cohort study was conducted based on the data records of baseline (2008-2009) and follow-up (2016-2017) from the Campinas FIBRA Study. Screening for dementia and self-report measures concerning the number of weekly hours of low and moderate levels of leisure-time physical activities, hypertension, and nutritional status based on the body mass index (BMI) were applied.

Results

There were 394 aged participants; 71.8% were female and 74.4% had less than four years of formal education. The mean age at the baseline was 72.8±5.3 years old, and at follow-up was 81.4±4.8. At baseline, the most prevalent concurrent conditions were physical inactivity and hypertension (21.5%), and the least prevalent were physical inactivity, obesity, hypertension and cognitive deficit (0.6%). Associations were observed between physical inactivity at follow-up, or for both measurement periods, and cognitive impairment at follow-up. Inactive participants at the baseline showed a higher incidence ratio of cognitive impairment at follow-up, adjusted for sex, age, education, nutritional status and hypertension (RI=2.27; 95%CI: 1.49-3.45; p<0.001).

Conclusion

Prevalence and incidence of cognitive deficit mostly reflected the influence of low levels of leisure-time physical activity at baseline and follow-up.

Keywords
Cognition; Exercise; Nutritional Status; Hypertension; Older Adults

Introdução

Mudanças no status cognitivo tornam-se mais prováveis após os 70 e os 80 de idade quando a capacidade funcional tende a declinar, as perdas cognitivas tornam-se mais prováveis, a manifestação de doenças crônico-degenerativas mais evidentes e as diferenças interindividuais mais perceptíveis do que na velhice inicial11 Neumann LTV, Albert SM. Aging in Brazil. Gerontologist. 2018;58(4):611-617. doi:10.1093/geront/gny019.

Alterações no status cognitivo na velhice são decorrentes de um processo multifatorial, no qual determinantes não modificáveis, como a idade e a genética, atuam em conjunto com fatores de risco oriundos da maneira como as pessoas vivem suas vidas e realizam escolhas, em função de suas crenças, possibilidades, arranjos sociais e educação22 Norton S, Matthews FE, Barnes DE, Yaffe K, Brayne C. Potential for primary prevention of Alzheimer’s disease: An analysis of population-based data. Lancet Neurol. 2014;13(8):788-794. doi:10.1016/S1474-4422(14)70136-X,33 Yuan M, Chen J, Han Y, et al. Associations between modifiable lifestyle factors and multidimensional cognitive health among community-dwelling old adults: Stratified by educational level. Int Psychogeriatrics. 2018;30(10):1465-1476. doi:10.1017/S1041610217003076. O diabetes mellitus, a obesidade, a hipertensão arterial sistêmica e a depressão; o tabagismo e o sedentarismo, assim como a baixa escolaridade, elevam o risco para declínio cognitivo na velhice44 Oliveira FF de. Doença de Alzheimer. Novos critérios de diagnóstico. In: Pivi GAK, Scgultz RR, Bertolucci PHF, eds. Nutrição Em Demência. São Paulo/SP: Scio; 2013:30-42. https://doi.org/10.1590/S0004-282X2005000400034
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. Cerca de um terço dos casos de doenças demenciais poderiam ser evitados com o manejo adequado de determinantes que incluem a atividade física e o manejo da dieta, entre outros fatores modificáveis por hábitos saudáveis e pelo autocuidado à saúde22 Norton S, Matthews FE, Barnes DE, Yaffe K, Brayne C. Potential for primary prevention of Alzheimer’s disease: An analysis of population-based data. Lancet Neurol. 2014;13(8):788-794. doi:10.1016/S1474-4422(14)70136-X.

O termo atividade física refere-se a uma ampla classe de ações voluntárias realizadas pela musculatura esquelética, gerando gasto calórico superior ao observado quando o organismo está em estado de repouso55 Strath SJ, Kaminsky LA, Ainsworth BE, et al. Guide to the assessment of physical activity: Clinical and research applications: A scientific statement from the American Heart association. Circulation. 2013;128(20):2259-2279. doi:10.1161/01.cir.0000435708.67487. No âmbito da investigação epidemiológica em Geriatria, medidas de atividade física são estabelecidas por meio de levantamentos do engajamento das pessoas idosas em ações que ocorrem em diferentes espaços e tempos, com diferentes lógicas e intenções. Entre elas citam-se atividades físicas utilitárias, subordinadas a objetivos específicos, tais como as desempenhadas em situações de trabalho, de deslocamento e de higiene doméstica. Há atividades físicas não utilitárias, mas subordinadas a um propósito, que são realizadas em situações de lazer. Entre elas citam-se os exercícios físicos e os esportes, os primeiros caracterizados por planejamento, estruturação e sistematização associados ao propósito de manter ou melhorar a condição física. Os esportes respondem a regras pré-estabelecidas e de senso comum, têm como principal objetivo a participação, mas também podem visar ao condicionamento físico66 Ainsworth BE, Kaskell WL, Whit MC, Irwin ML, Swartz AM, Strath SJ, et al Compendium of physical actiities: Na update of activity codes and MET intensities. Medicine & Science in Sports and Exercise, 2000: 32 (Suppl): S498-504..

Existe grande interesse na criação de indicadores do envolvimento das pessoas em práticas que exigem movimentação corporal e esforço físico e são realizadas no tempo livre ou de lazer. Associam-se a valores e a sentidos diversos, principalmente ligados à saúde, à socialização e à melhoria da condição física55 Strath SJ, Kaminsky LA, Ainsworth BE, et al. Guide to the assessment of physical activity: Clinical and research applications: A scientific statement from the American Heart association. Circulation. 2013;128(20):2259-2279. doi:10.1161/01.cir.0000435708.67487,66 Ainsworth BE, Kaskell WL, Whit MC, Irwin ML, Swartz AM, Strath SJ, et al Compendium of physical actiities: Na update of activity codes and MET intensities. Medicine & Science in Sports and Exercise, 2000: 32 (Suppl): S498-504.. Há evidências sobre a associação positiva entre altos níveis de atividade física no lazer e diminuição do risco de declínio cognitivo na velhice77 Engeroff T, Ingmann T, Banzer W. Physical activity throughout the adult life span and domain-specific cognitive function in old age: A systematic review of cross-sectional and longitudinal data. Sport Med. 2018;48(6):1405-1436. doi:10.1007/s40279-018-0920-6

8 Erickson K, Hillman C, Stillman C, et al. Physical activity, cognition, and brain outcomes: A review of the 2018 physical activity guidelines. Med Sci Sport Exerc. 2020;51(6):1242-1251. doi:10.1249/MSS.0000000000001936

9 Falck RS, Landry GJ, Best JR, Davis JC, Chiu BK, Liu-Ambrose T. Cross-sectional relationships of physical activity and sedentary behavior with cognitive function in older adults with probable mild cognitive impairment. Phys Ther. 2017;97(10):975-984. doi: 10.1093/ptj/pzx074
-1010 Stephen R, Hongisto K, Solomon A, Lönnroos E. Physical activity and Alzheimer’s disease: A systematic review. J Gerontol A Biol Sci Med Sci. 2017;72(6):733-739. doi:10.1093/gerona/glw251, fundamentando a noção de que a prática regular dessas atividades é um fator de risco modificável relevante à manutenção do status cognitivo.

Infelizmente, o engajamento dos mais idosos em atividades físicas no lazer tende ao declínio55 Strath SJ, Kaminsky LA, Ainsworth BE, et al. Guide to the assessment of physical activity: Clinical and research applications: A scientific statement from the American Heart association. Circulation. 2013;128(20):2259-2279. doi:10.1161/01.cir.0000435708.67487,1111 Van Der Zee MD, Van Der Mee D, Bartels M, De Geus EJC. Tracking of voluntary exercise behaviour over the lifespan. Int J Behav Nutr Phys Act. 2019;16(1):1-11. doi:10.1186/s12966-019-0779-4,1212 Costa T, Ribeiro L, Neri A. Prevalence of and factors associated with leisure-time physical activity in older adults from seven Brazilian cities: data from the FIBRA study. Rev Bras Atividade Física Saúde. 2015;20(2):174. doi:10.12820/rbafs.v.20n2p174, assim como a funcionalidade1212 Costa T, Ribeiro L, Neri A. Prevalence of and factors associated with leisure-time physical activity in older adults from seven Brazilian cities: data from the FIBRA study. Rev Bras Atividade Física Saúde. 2015;20(2):174. doi:10.12820/rbafs.v.20n2p174 e o espaço de vida1111 Van Der Zee MD, Van Der Mee D, Bartels M, De Geus EJC. Tracking of voluntary exercise behaviour over the lifespan. Int J Behav Nutr Phys Act. 2019;16(1):1-11. doi:10.1186/s12966-019-0779-4,1212 Costa T, Ribeiro L, Neri A. Prevalence of and factors associated with leisure-time physical activity in older adults from seven Brazilian cities: data from the FIBRA study. Rev Bras Atividade Física Saúde. 2015;20(2):174. doi:10.12820/rbafs.v.20n2p174. Da mesma forma, a hipertensão (ou Hipertensão Arterial Sistêmica; HAS) e a obesidade podem atuar como barreiras ao envolvimento em atividades físicas no lazer1313 Costa TB, Neri AL. Medidas de atividade física e fragilidade em idosos: dados do FIBRA Campinas, São Paulo, Brasil. Cad Saude Publica. 2011;27(8):1537-1550. doi:10.1590/S0102-311X2011000800009 e na saúde cognitiva1414 Phillips C. Lifestyle modulators of neuroplasticity: how physical activity, mental engagement, and diet promote cognitive health during aging. Neural Plast. 2017;2017. doi:10.1155/2017/3589271,1515 Espeland MA, Lipska K, Miller ME, et al. Effects of physical activity intervention on physical and cognitive function in sedentary adults with and without diabetes. J Gerontol A Biol Sci Med Sci. 2017;72(6):861-866. doi:10.1093/gerona/glw179. O impacto dessas mudanças é sentido nas esferas física33 Yuan M, Chen J, Han Y, et al. Associations between modifiable lifestyle factors and multidimensional cognitive health among community-dwelling old adults: Stratified by educational level. Int Psychogeriatrics. 2018;30(10):1465-1476. doi:10.1017/S1041610217003076,1111 Van Der Zee MD, Van Der Mee D, Bartels M, De Geus EJC. Tracking of voluntary exercise behaviour over the lifespan. Int J Behav Nutr Phys Act. 2019;16(1):1-11. doi:10.1186/s12966-019-0779-4, cognitiva1414 Phillips C. Lifestyle modulators of neuroplasticity: how physical activity, mental engagement, and diet promote cognitive health during aging. Neural Plast. 2017;2017. doi:10.1155/2017/3589271,1515 Espeland MA, Lipska K, Miller ME, et al. Effects of physical activity intervention on physical and cognitive function in sedentary adults with and without diabetes. J Gerontol A Biol Sci Med Sci. 2017;72(6):861-866. doi:10.1093/gerona/glw179 e psicossocial33 Yuan M, Chen J, Han Y, et al. Associations between modifiable lifestyle factors and multidimensional cognitive health among community-dwelling old adults: Stratified by educational level. Int Psychogeriatrics. 2018;30(10):1465-1476. doi:10.1017/S1041610217003076, afeta a qualidade de vida das pessoas idosas1717 Neri AL, Melo RC, Borim FSA, Assunção D, Cipolli GC, Yassuda MS. Avaliação de seguimento do Estudo Fibra: caracterização sociodemográfica, cognitiva e de fragilidade dos idosos em Campinas e Ermelino Matarazzo, SP. Rev. Bras. Geriatr. Gerontol. 2022;25(5):e210224 https://doi.org/10.1590/1981-22562022025.210224.pt
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e interfere nos custos do sistema de saúde e na economia das famílias1111 Van Der Zee MD, Van Der Mee D, Bartels M, De Geus EJC. Tracking of voluntary exercise behaviour over the lifespan. Int J Behav Nutr Phys Act. 2019;16(1):1-11. doi:10.1186/s12966-019-0779-4,1414 Phillips C. Lifestyle modulators of neuroplasticity: how physical activity, mental engagement, and diet promote cognitive health during aging. Neural Plast. 2017;2017. doi:10.1155/2017/3589271.

É escassa a literatura brasileira sobre os efeitos da presença isolada ou combinada dos níveis de atividade física no lazer, da hipertensão e da obesidade sobre o status cognitivo dos indivíduos envelhecidos. O tema é importante considerando que as três condições atuam na determinação do status cognitivo na vida adulta e na velhice e que o seu controle integra o arsenal de recursos para prevenção de demências. Este estudo teve como objetivo descrever a prevalência e a incidência de deficit cognitivo em pessoas idosas, considerando a presença isolada ou conjunta de atividades físicas no lazer, hipertensão arterial sistêmica e obesidade. E analisar a presença isolada e simultânea de inatividade física, obesidade, hipertensão e deficit cognitivo em dois tempos de medida.

Métodos

A pesquisa adotou um delineamento observacional, analítico e de coorte, do tipo linha de base e seguimento, baseado nos registros do banco eletrônico do Estudo de Fragilidade em Idosos Brasileiros - Fibra Campinas. Seus participantes integravam a amostra de um estudo multicêntrico e de base populacional sobre fragilidade em pessoas idosas, com medidas de linha de base e de seguimento realizadas respectivamente em 2008 e 2009 e em 2016 e 2017.

Na linha de base, a amostra foi composta por 900 indivíduos de 65 anos e mais, recrutados por pessoal treinado, em domicílios familiares e em pontos de fluxo de idosos localizados em 90 setores censitários sorteados ao acaso, da totalidade das unidades censitárias da zona urbana da municipalidade de Campinas (SP). Foram estimadas cotas de homens e de mulheres de 65 a 69, 70 a 74, 75 a 79 e 80 anos e mais a serem recrutadas para representar a população idosa, com margem de erro de 4%. Da amostra do seguimento participaram 394 idosos com 72 anos ou mais, recrutados nos endereços coletados na linha de base e entrevistados nos anos de 2016 e 2017. Cento e vinte e nove (14,3%) haviam falecido e 377 (42,9%) foram considerados como perdas amostrais, porque não foram localizados (60,2%) ou porque a área em que residiam oferecia risco aos entrevistadores (0,9%), por recusa (31,8%) ou desistência (1,8%), e por exclusão pelos critérios da pesquisa (5,3%).

Os critérios de elegibilidade para a amostra da linha de base foram ter 65 anos ou mais e residir permanentemente no setor censitário e no domicílio. Foram excluídos os idosos com graves problemas sensoriais e de comunicação; com sequelas motoras e de linguagem decorrentes de acidente vascular encefálico; restritos ao leito ou à cadeira de rodas; que tinham doença de Parkinson em estágio avançado; que se apresentavam com deficit cognitivos sugestivos de demência; que sofriam de câncer e que estavam em tratamento quimioterápico. No seguimento, foram excluídos os idosos que declararam não saber ou não querer responder a itens dos instrumentos utilizados para a medida das variáveis de interesse.

Os idosos foram convidados para participar de sessão única de coleta de dados, em datas e horários previamente agendados: na linha de base em centros comunitários, clubes, igrejas, escolas e unidades básicas de saúde; no seguimento nos domicílios. Detalhes sobre a composição da amostra das duas fases, sobre o recrutamento e sobre a coleta de dados podem ser encontrados em publicações prévias1616 Neri AL, Yassuda MS, Araújo LF, et al. Metodologia e perfil sociodemográfico, cognitivo e de fragilidade de idosos comunitários de sete cidades brasileiras: Estudo FIBRA. Cad Saúde Pública. 2013;29(4):778-792. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2013000400015
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,1717 Neri AL, Melo RC, Borim FSA, Assunção D, Cipolli GC, Yassuda MS. Avaliação de seguimento do Estudo Fibra: caracterização sociodemográfica, cognitiva e de fragilidade dos idosos em Campinas e Ermelino Matarazzo, SP. Rev. Bras. Geriatr. Gerontol. 2022;25(5):e210224 https://doi.org/10.1590/1981-22562022025.210224.pt
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.

Medidas verbais, clínicas e de execução integraram o protocolo da pesquisa na linha de base e no seguimento. A medida de atividade física no lazer derivou da investigação do tempo diário e semanal de prática de exercícios físicos moderados e vigorosos, por meio de 11 itens dicotômicos selecionados do Minnesota Leisure Activity Questionnaire 1818 Lustosa LP, Pereira DS, Dias AC, et al. Tradução e adaptação transcultural do Minnesota Leisure Time Activities Questionnaire em idosos. Geriatr Gerontol Aging. 2011;5(2):57-65., que utiliza como critério o nível de gasto calórico avaliado em MET (Metabolical Equivalent of Task; 1 MET =1 kcal/kg/h.)66 Ainsworth BE, Kaskell WL, Whit MC, Irwin ML, Swartz AM, Strath SJ, et al Compendium of physical actiities: Na update of activity codes and MET intensities. Medicine & Science in Sports and Exercise, 2000: 32 (Suppl): S498-504.. As atividades consideradas como moderadas, com 3 a 6 METs, foram: caminhada, ciclismo, dança de salão, ginástica em casa, hidroginástica, musculação e vôlei adaptado; as vigorosas, com mais de 6 MET foram: ginástica em academias ou clubes, corrida leve, corrida vigorosa e natação. Para cada atividade realizada na última semana, foram levantados dados sobre a frequência de prática e os minutos por dia. Com base nos critérios da OMS (2020) foram considerados ativos os idosos que praticavam 150 minutos semanais de atividades moderadas ou 75 minutos de atividades vigorosas na linha de base e/ou no seguimento1919 WHO Guidelines on physical activity and sedentary behaviour. geneva: World Health Organization; 2020. PMID: 33369898. Com base nesses indicadores, os idosos foram classificados em quatro grupos: ativos na linha de base e no seguimento (Ativo/Ativo); inativos na linha de base e no seguimento (Inativo/Inativo); ativos na linha de base e inativos no seguimento (Ativo/Inativo); e inativos na linha de base e ativos no seguimento (Inativo/Ativo).

A hipertensão arterial sistêmica foi avaliada por meio de três medidas consecutivas de pressão arterial realizadas nas posições sentada e ortostática2020 Neri AL, Yassuda MS. Características Sociodemográficas dos participantes e procedimentos do Estudo Fibra 80+.In: Neri AL, Borim FSA, Assumpção D. Octogenários em Campinas: dados do Fibra 80+. Campinas: Alínea;2019.21-37.. Foram considerados hipertensos os idosos com pressão sistólica ≥140 mmHg e/ou pressão diastólica ≥90 mmHg2121 Malachias MVB, Souza WKSB, Plavnik FL, Rodrigues CIS, Brandão AA, Neves MFT, Bortolotto LA, et al. 7a Diretriz Brasileira De Hipertensão arterial. Arq Bras Cardiol. 2016;107(Supl.3):1-83. https://doi.org/10.5935/abc.20160151
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. A avaliação da obesidade foi presidida por medidas antropométricas de peso e altura que foram convertidas em índices de massa corporal [IMC = peso (kg)/altura(m2)] e comparadas com os indicadores do estado nutricional: baixo peso (IMC ≤23,0 kg/m22 Norton S, Matthews FE, Barnes DE, Yaffe K, Brayne C. Potential for primary prevention of Alzheimer’s disease: An analysis of population-based data. Lancet Neurol. 2014;13(8):788-794. doi:10.1016/S1474-4422(14)70136-X); eutrofia (IMC >23,0 e <28,0 kg/m22 Norton S, Matthews FE, Barnes DE, Yaffe K, Brayne C. Potential for primary prevention of Alzheimer’s disease: An analysis of population-based data. Lancet Neurol. 2014;13(8):788-794. doi:10.1016/S1474-4422(14)70136-X); sobrepeso (IMC ≥28,0 e <30,0 kg/m22 Norton S, Matthews FE, Barnes DE, Yaffe K, Brayne C. Potential for primary prevention of Alzheimer’s disease: An analysis of population-based data. Lancet Neurol. 2014;13(8):788-794. doi:10.1016/S1474-4422(14)70136-X) e obesidade (IMC ≥30,0 kg/m22 Norton S, Matthews FE, Barnes DE, Yaffe K, Brayne C. Potential for primary prevention of Alzheimer’s disease: An analysis of population-based data. Lancet Neurol. 2014;13(8):788-794. doi:10.1016/S1474-4422(14)70136-X) estabelecidos pela Organização Mundial da Saúde2222 Organización Panamericana de la Salud. Encuesta multicéntrica: Salud, bienestar y envejecimiento (SABE) en América Latina y el Caribe. In: XXXVI Reunión Del Comité Asesor de Investigaciones En Salud. Washington, DC.; 2001. https://iris.paho.org/handle/10665.2/45890?locale-attribute=pt.. Com base nesses valores, os idosos foram classificados como obesos (com IMC ≥30,0 kg/m2) e não obesos (os demais valores de IMC).

O status cognitivo foi indicado pela mediana das pontuações obtidas pelos idosos no Mini Exame do Estado Mental (MEEM)2323 Bertolucci PHF, Brucki SMD, Campacci SR, Juliano Y. O Mini-Exame do Estado Mental em uma população geral: impacto da escolaridade. Arq Neuropsiquiatr.1994;52(1):01-07. doi:10.1590/s0004-282x1994000100001, com ajuste pelos anos de escolaridade, menos um desvio-padrão (17 para os que nunca foram à escola, 22 para os com 1 a 4 anos de escolaridade, 24 para os de 5 a 8, 26 para os de 9 ou mais)2424 Brucki SMD, Nitrin R, Caramelli P, Bertolucci PHF, Okamoto IH. Suggestions for utilization of the mini-mental state examination in Brazil. Arq Neuropsiquiatr. 2003;61(3 B):777-781. doi:10.1590/s0004-282x2003000500014. Com base nesses elementos, os participantes podiam ser classificados como com e sem deficit cognitivo.

Nos dois tempos de medida, as variáveis submetidas à análise estatística foram deficit cognitivo (variável dependente) e atividade x inatividade física no lazer, sexo, idade, escolaridade, hipertensão arterial sistêmica e estado nutricional (variáveis independentes). Foram feitas comparações entre as prevalências, por meio do teste de McNemar. As prevalências observadas foram utilizadas para a construção de dois diagramas de Venn - um para a linha de base e outro para o seguimento. Foram feitos testes qui-quadrado para verificar as variáveis estatisticamente associadas à atividade x inatividade física nessas duas fases. A análise de regressão de Poisson foi realizada no seguimento, para estimar as razões de incidência de deficit cognitivo, com os respectivos intervalos de confiança de IC 95%. Todas as variáveis ​​foram incorporadas à essa análise ajustada. Os resultados foram referenciados a um nível de significância de 5% (p<0,05).

Antes da entrevista os participantes assinaram termos de consentimento livre e esclarecido (TCLE) relativos aos objetivos e procedimentos da pesquisa, e aos compromissos éticos dos pesquisadores. Os projetos de investigação e a documentação pertinente foram previamente aprovados pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Campinas mediante os pareceres 907.575 (linha de base), 1.332.651 (seguimento) e 3.281.728 (este estudo).

Resultados

Na linha de base, a idade média dos participantes foi 72,8±5,3 anos; no seguimento, 81,4±4,8 anos. Em sua maioria, eles eram do sexo feminino (71,8%) e tinham escolaridade entre 0 e 4 anos (74,4%). A Tabela 1 apresenta os percentuais de idosos que, na linha de base e no seguimento, foram classificados como fisicamente ativos ou inativos; com e sem hipertensão arterial sistêmica; eutróficos, com baixo peso, com sobrepeso e obesos, e com e sem deficit cognitivo sugestivo de demência. No seguimento foi observada uma quantidade significativamente maior de idosos inativos e de idosos com hipertensão do que na linha de base.

Tabela 1
Idosos que se apresentaram como fisicamente ativos e inativos no lazer e com e sem deficit cognitivo, hipertensão e obesidade, na linha de base e no seguimento. Estudo Fibra, Idosos, Campinas, SP, Brasil, 2008-2009 e 2016-2017.

Na Figura 1 pode ser observado o diagrama de Venn que representa a prevalência isolada e simultânea de hipertensão, obesidade, inatividade física no lazer e deficit cognitivo na linha de base. Vinte e três por cento dos idosos tinham hipertensão, 19,1% eram inativos, 7,0% apresentavam deficit cognitivo e 3,7% eram obesos; 21,5% eram simultaneamente inativos e hipertensos, 7,0% eram hipertensos e apresentavam deficit cognitivo, 4,3% eram obesos e hipertensos, 3,0% eram obesos e inativos, 2,4% eram inativos e apresentavam deficit cognitivo, e 0,6% eram obesos e apresentaram deficit cognitivo (ver Figura 1).

Figura 1
Diagrama de Venn sobre a presença isolada e simultânea de inatividade física, obesidade, hipertensão e deficit cognitivo na linha de base (n=330). Estudo Fibra, Idosos, Campinas, SP, Brasil, 2008-2009 e 2016-2017.

As mesmas relações observadas na linha de base estiveram presentes no seguimento: 35,6% dos participantes eram inativos e hipertensos, 20,4% eram inativos e 11,4% eram hipertensos, inativos e apresentaram deficit cognitivo (Figura 2).

Figura 2
Diagrama de Venn sobre a presença isolada e simultânea de inatividade física, obesidade, hipertensão e deficit cognitivo no seguimento (n=368). Estudo Fibra, Idosos, Campinas, SP, Brasil, 2008-2009 e 2016-2017.

Para os cálculos da incidência de deficit cognitivo no seguimento, os idosos ativos foram excluídos da amostra da linha de base (n=75), uma vez que se pretendia observar quais variáveis estavam associadas à mudança do status, considerando-se sexo, idade, escolaridade, hipertensão, obesidade e atividade física no lazer. Foram observadas associações entre inatividade física no seguimento, ou em ambos os tempos de medida, e deficit cognitivo no seguimento (Tabela 2).

Tabela 2
Incidência de deficit cognitivo no seguimento, considerando as variáveis sociodemográficas, a hipertensão, o estado nutricional e a atividade física no lazer. Estudo Fibra, Idosos, Campinas, SP, Brasil, 2008-2009 e 2016-2017.

De acordo com o resultado do teste do modelo de regressão de Poisson ajustado pelas variáveis sexo, idade, nível de escolaridade, estado nutricional e hipertensão arterial, os idosos que eram inativos no segmento apresentaram-se com maior razão de incidência para deficit cognitivo no seguimento (Tabela 3).

Tabela 3
Modelo de regressão de Poisson do deficit cognitivo em idosos em nove anos, em média, considerando a prática de atividade física no lazer, as variáveis sociodemográficas, a hipertensão arterial sistêmica e o estado nutricional. Estudo Fibra, Idosos, Campinas, SP, Brasil, 2008-2009 e 2016-2017.

Discussão

Na linha de base e no seguimento, baixo nível de atividade física no lazer e hipertensão foram as condições mais prevalentes. Obesidade e deficit cognitivo foram as menos prevalentes. A incidência de deficit cognitivo no seguimento foi maior entre os idosos fisicamente inativos do que entre os fisicamente ativos. A prevalência de obesidade não aumentou no seguimento, ao contrário do que ocorreu com baixo peso, possivelmente devido à presença de idosos em idade avançada na amostra, porém houve uma associação significativa entre obesidade e deficit cognitivo.

Da linha de base para o seguimento houve um aumento estatisticamente significativo de idosos fisicamente inativos em situações de lazer. Uma revisão de literatura que analisou dados de vários países, mostrou que o índice de inatividade aumenta entre idosos acima de 70 anos atingindo entre 35% e 80% da população2626 Zubala A, MacGillivray S, Frost H, Kroll T, Skelton DA Gavine A, Gray NM, Toma M, Morris J. Promotion of physical activity interventions for community dwelling older adults: A systematic review of reviews. PLoS One. 2017;12(7):e0180902. doi: 10.1371/journal.pone.0180902. No presente estudo, o número de idosos inativos comportou-se de maneira similar, com aumento de 44,4% para 81%. O maior número de inativos provavelmente foi motivado pela perda de capacidades funcionais e cognitivas e pela emergência de limitações a elas associadas. O medo de quedas e lesões e a falta de motivação e de apoio familiar, assim como a escassez de informações sobre exercícios distanciam os idosos da prática e os torna mais vulneráveis a doenças crônicas, à incapacidade e à inatividade33 Yuan M, Chen J, Han Y, et al. Associations between modifiable lifestyle factors and multidimensional cognitive health among community-dwelling old adults: Stratified by educational level. Int Psychogeriatrics. 2018;30(10):1465-1476. doi:10.1017/S1041610217003076,2727 Pivetta NRS, Marincolo JCS, Neri AL, Aprahamian I, Yassuda MS, Borim FSA. Multimorbidity, frailty and functional disability in octogenarians: A structural equation analysis of relationship. Arch Gerontol Geriatr. 2020; 86:103931. doi:10.1016/j.archger.2019.103931.

Os dados deste estudo indicam que a hipertensão teve a prevalência aumentada no seguimento, quando 64,4% dos idosos eram hipertensos, um dado comparável aos de outros estudos populacionais nacionais similares2828 Massa KHC, Duarte YAO, Filho ADPC. Análise da prevalência de doenças cardiovasculares e fatores associados em idosos, 2000-2010. Ciênc & Saúde Col. 2019; 24(1):105-114. https://doi.org/10.1590/1413-81232018241.02072017
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-2929 Nunes BP, SRR Batista, FB Andrade, PRB Souza Junior, MF Lima-Costa, LA Facchini. Multimorbidade em indivíduos com 50 anos ou mais de idade: ELSIBrasil. Rev Saude Publica. 2018;52(Supl.2):10s. https://doi.org/10.15446/rsap.v21n5.77775
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. No cenário internacional foram observados dados similares para a população acima de 70 anos2626 Zubala A, MacGillivray S, Frost H, Kroll T, Skelton DA Gavine A, Gray NM, Toma M, Morris J. Promotion of physical activity interventions for community dwelling older adults: A systematic review of reviews. PLoS One. 2017;12(7):e0180902. doi: 10.1371/journal.pone.0180902,3030 Saco-Ledo G, Valenzuela PL, Ruiz-Hurtado G, Ruilope LM, Lucia A. Exercise reduces ambulatory blood pressure in patients with hypertension: A systematic review and meta-analysis of randomized controlled trials. J Am Heart Assoc. 2020;9(24):e018487. doi: 10.1161/JAHA.120.018487. A prática de exercícios físicos e a presença de hipertensão arterial têm relação de causalidade reversa, pois indivíduos regularmente ativos apresentam menores índices de doenças cardiovasculares, enquanto os não praticantes são mais propensos a apresentar doenças desse tipo3030 Saco-Ledo G, Valenzuela PL, Ruiz-Hurtado G, Ruilope LM, Lucia A. Exercise reduces ambulatory blood pressure in patients with hypertension: A systematic review and meta-analysis of randomized controlled trials. J Am Heart Assoc. 2020;9(24):e018487. doi: 10.1161/JAHA.120.018487,3131 Gabrys L, Baumert J, Heidemann C, Busch M, Finger JD. Sports activity patterns and cardio-metabolic health over time among adults in Germany: Results of a nationwide 12-year follow-up study. J Sport Health Sci. 2021;10(4):439-446. doi: 10.1016/j.jshs.2020.07.007. A prática de atividade física está intimamente ligada à boa saúde cardiovascular e a menores índices de doenças. Nesta pesquisa, as prevalências simultâneas de hipertensão e inatividade física aumentaram no seguimento. Em contrapartida, a implementação de uma rotina ativa auxilia no controle da pressão arterial e na melhora da função cardiovascular e protege a função cognitiva11 Neumann LTV, Albert SM. Aging in Brazil. Gerontologist. 2018;58(4):611-617. doi:10.1093/geront/gny019,3030 Saco-Ledo G, Valenzuela PL, Ruiz-Hurtado G, Ruilope LM, Lucia A. Exercise reduces ambulatory blood pressure in patients with hypertension: A systematic review and meta-analysis of randomized controlled trials. J Am Heart Assoc. 2020;9(24):e018487. doi: 10.1161/JAHA.120.018487.

O aumento da ocorrência simultânea das condições estudadas no seguimento, em comparação com a linha de base, pode ser associado à diminuição das reservas funcionais decorrentes do envelhecimento, em combinação com o estilo de vida1313 Costa TB, Neri AL. Medidas de atividade física e fragilidade em idosos: dados do FIBRA Campinas, São Paulo, Brasil. Cad Saude Publica. 2011;27(8):1537-1550. doi:10.1590/S0102-311X2011000800009. Um estudo brasileiro que analisou os padrões de multimorbidade em indivíduos com 50 anos ou mais, associou a ocorrência de duas ou mais doenças à idade, que é fator de risco para a coexistência de várias condições crônicas de saúde2929 Nunes BP, SRR Batista, FB Andrade, PRB Souza Junior, MF Lima-Costa, LA Facchini. Multimorbidade em indivíduos com 50 anos ou mais de idade: ELSIBrasil. Rev Saude Publica. 2018;52(Supl.2):10s. https://doi.org/10.15446/rsap.v21n5.77775
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. O mesmo resultado foi obtido em um estudo clínico11 Neumann LTV, Albert SM. Aging in Brazil. Gerontologist. 2018;58(4):611-617. doi:10.1093/geront/gny019 e um epidemiológico2828 Massa KHC, Duarte YAO, Filho ADPC. Análise da prevalência de doenças cardiovasculares e fatores associados em idosos, 2000-2010. Ciênc & Saúde Col. 2019; 24(1):105-114. https://doi.org/10.1590/1413-81232018241.02072017
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, em que 80% dos idosos acima de 70 anos tinham pelo menos duas condições crônicas. A coexistência desses fatores pode influenciar outros sistemas, desencadear comorbidades, aumentar a inflamação sistêmica e prejudicar a saúde física e cognitiva2626 Zubala A, MacGillivray S, Frost H, Kroll T, Skelton DA Gavine A, Gray NM, Toma M, Morris J. Promotion of physical activity interventions for community dwelling older adults: A systematic review of reviews. PLoS One. 2017;12(7):e0180902. doi: 10.1371/journal.pone.0180902,3030 Saco-Ledo G, Valenzuela PL, Ruiz-Hurtado G, Ruilope LM, Lucia A. Exercise reduces ambulatory blood pressure in patients with hypertension: A systematic review and meta-analysis of randomized controlled trials. J Am Heart Assoc. 2020;9(24):e018487. doi: 10.1161/JAHA.120.018487. Perdas físicas e cognitivas estão frequentemente associadas a multimorbidades, incapacidades e inatividade2727 Pivetta NRS, Marincolo JCS, Neri AL, Aprahamian I, Yassuda MS, Borim FSA. Multimorbidity, frailty and functional disability in octogenarians: A structural equation analysis of relationship. Arch Gerontol Geriatr. 2020; 86:103931. doi:10.1016/j.archger.2019.103931.

O declínio cognitivo foi principalmente influenciado pela condição de inatividade física: os idosos fisicamente inativos na linha de base e no seguimento mostraram-se com 2,27 mais probabilidades de apresentar deficit cognitivo do que aqueles que se exercitaram em algum momento. A literatura indica que a inatividade física está associada à pior saúde cognitiva e à maior probabilidade para desenvolvimento de demências e de doença de Alzheimer1414 Phillips C. Lifestyle modulators of neuroplasticity: how physical activity, mental engagement, and diet promote cognitive health during aging. Neural Plast. 2017;2017. doi:10.1155/2017/3589271. Os idosos inativos apresentam de 20 a 30% mais risco de desenvolver perdas cognitivas do que aqueles que realizam exercícios3232 Cunningham C, O' Sullivan R, Caserotti P, Tully MA. Consequences of physical inactivity in older adults: A systematic review of reviews and meta-analyses. Scand J Med Sci Sports. 2020;30(5):816-827. doi: 10.1111/sms.13616. Em contrapartida, a atividade física pode ajudar a melhorar a função cognitiva e, consequentemente, atrasar a progressão do comprometimento cognitivo, mesmo em idosos que praticam atividade abaixo dos níveis recomendados3333 Cheval B, Csajbók Z, Formánek T, Sieber S, Boisgontier MP, Cullati S, Cermakova P. Association between physical-activity trajectories and cognitive decline in adults 50 years of age or older. Epidemiol Psychiatr Sci. 2021;30:e79. doi: 10.1017/S2045796021000688.

Os participantes ativos na linha de base e inativos no seguimento apresentaram mais probabilidade de pontuar para deficit cognitivo no seguimento. Há evidências de que a interrupção dos exercícios em um grupo de idosos mais velhos por apenas 10 dias resultou em redução no fluxo sanguíneo do hipocampo, um preditor de perdas cognitivas a longo prazo3434 Alfini AJ, Weiss LR, Leitner BP, Smith TJ, Hagberg JM, Smith JC. Hippocampal and cerebral blood flow after exercise cessation in master athletes. Front Aging Neurosci. 2016;8:184. doi: 10.3389/fnagi.2016.00184. Desse dado decorre a importância da prática regular e ininterrupta de exercícios, para a manutenção da boa saúde cognitiva.

Um estudo com 3.752 adultos e idosos, com metodologia similar à desenvolvida por esta pesquisa, rastreou a atividade física da amostra por 12 anos e classificou os indivíduos em quatro grupos: ativos nas medidas pré e pós-teste, inativos nessas duas medidas, ativos no pré-teste e inativos no pós-teste, e inativos no pré-teste e ativos no pós-teste3131 Gabrys L, Baumert J, Heidemann C, Busch M, Finger JD. Sports activity patterns and cardio-metabolic health over time among adults in Germany: Results of a nationwide 12-year follow-up study. J Sport Health Sci. 2021;10(4):439-446. doi: 10.1016/j.jshs.2020.07.007. Observaram que os grupos formados por pessoas idosas inativas no pré e no pós-testes, e de ativas no pré e inativas no pós-teste tinham mais propensão a ter doenças crônicas e apresentaram piores condições de saúde geral, que se associaram significativamente com deficit cognitivo. Esses resultados sugerem que, no longo prazo, a inatividade física pode acarretar prejuízos à saúde física, à funcionalidade e à cognição.

A dificuldade em implementar uma rotina de exercícios, em combinação com sintomas de doenças, incapacidades e uso de medicamentos33 Yuan M, Chen J, Han Y, et al. Associations between modifiable lifestyle factors and multidimensional cognitive health among community-dwelling old adults: Stratified by educational level. Int Psychogeriatrics. 2018;30(10):1465-1476. doi:10.1017/S1041610217003076,2626 Zubala A, MacGillivray S, Frost H, Kroll T, Skelton DA Gavine A, Gray NM, Toma M, Morris J. Promotion of physical activity interventions for community dwelling older adults: A systematic review of reviews. PLoS One. 2017;12(7):e0180902. doi: 10.1371/journal.pone.0180902 aumenta a inatividade e expõe os idosos ao risco de desenvolver deficit cognitivo e comorbidades3232 Cunningham C, O' Sullivan R, Caserotti P, Tully MA. Consequences of physical inactivity in older adults: A systematic review of reviews and meta-analyses. Scand J Med Sci Sports. 2020;30(5):816-827. doi: 10.1111/sms.13616. Apesar de não apresentarem consenso quanto à qualidade e a quantidade ideal de exercícios ideais para a população idosa, tais estudos convergem para a valorização dessa prática, como grande aliada no combate ao declínio cognitivo e à inatividade física3131 Gabrys L, Baumert J, Heidemann C, Busch M, Finger JD. Sports activity patterns and cardio-metabolic health over time among adults in Germany: Results of a nationwide 12-year follow-up study. J Sport Health Sci. 2021;10(4):439-446. doi: 10.1016/j.jshs.2020.07.007. A prática de exercícios físicos é inerente à boa saúde cognitiva, previne doenças crônicas e contribui para o processo de envelhecimento bem-sucedido. Apesar de apresentar limitações práticas, ainda é uma ação simples, eficaz e de custo mais baixo para os idosos e para o sistema de saúde do que o uso de medicamentos. Com o passar dos anos, readequar e planejar as atividades para manter o nível de exigência ideal é importante para evitar desânimo e desistência.

No seguimento, a obesidade apresentou-se como fator protetor da cognição dos participantes mais idosos, dado também observado no estudo de revisão sistemática de Dall, Hassing3535 Dahl AK, Hassing LB. Obesity and cognitive aging. Epidemiol Rev. 2013;35:22-32. doi: 10.1093/epirev/mxs002.. Embora não possa ser considerado como indicativo de relação de causa e efeito, esse dado é sugestivo da presença de maior reserva cognitiva e de condições mais robustas de saúde nesses idosos obesos do que naqueles que pontuaram para fragilidade, sarcopenia, baixo peso e morbidades associadas, a maior parte dos quais teria falecido mais precocemente.

Uma limitação deste estudo é que os registros feitos em dois tempos separados por um intervalo relativamente longo não informam sobre quão contínua ou intermitente foi a prática de exercícios ao longo dos anos, porque não estavam disponíveis medidas intermediárias. Outra limitação decorre do fato de os dados sobre as atividades físicas no lazer terem sido de autorrelato, sem complementação por medidas objetivas. Pontos fortes do estudo resultam do delineamento prospectivo e do fato de a amostra do seguimento ser composta por idosos longevos provenientes de amostra originalmente populacional e censitária.

Conclusão

A inatividade física representou um fator de risco para declínio cognitivo na amostra estudada. Ao contrário, a prática contínua de exercícios físicos é uma ferramenta para a promoção do envelhecimento bem-sucedido, da cognição saudável e da prevenção de doenças crônicas e suas consequências. São necessários mais dados para elucidar mecanismos que explicam, no longo prazo, como os exercícios físicos podem atuar em favor da melhora dessas condições.

  • Financiamento: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico nº 424789/2016-7 e 555082/2006-7. Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior nº 88881.068447/2014-01. Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo nº 2016/00084-8.

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Editado por

Editado por: Maria Luiza Diniz de Sousa Lopes

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Fev 2023
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    17 Mar 2022
  • Aceito
    01 Nov 2022
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