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Espiritualidade entre idosos mais velhos: um estudo de representações sociais

Spirituality among older elderly: a study of social representations

Resumos

O fato de a velhice ser considerada a última etapa da vida faz com que ocorra um aumento na frequência em pensar a vida e a morte. No decorrer do processo de envelhecimento, são utilizados recursos cognitivos, emocionais e sociais para enfrentar situações inusitadas, originados do sistema de crenças e valores socialmente construídos e compartilhados. A espiritualidade pode ser contemplada na velhice como um dos recursos de enfrentamento para situações adversas, constituindo-se de aspectos emocionais e motivacionais na busca de um significado para a vida. A presente pesquisa objetivou estudar as representações sociais de idosos com 80 anos de idade ou mais sobre espiritualidade. Foram realizadas entrevistas com 30 idosos pareados por sexo (idade entre 80 e 102 anos), residentes na região da Grande Florianópolis, SC. Para caracterização dos participantes, foi utilizado um questionário para a coleta dos dados socioculturais e de saúde. As entrevistas foram analisadas por meio da classificação hierárquica descendente (CHD) e análise por contraste com o auxílio do software ALCESTE. Os resultados apontam para duas representações sociais da espiritualidade, uma masculina ancorada na ideia de conexão com uma força superior, poder divino ou Deus desvinculado da religião, e outra feminina, ancorada na ideia de transcendência da matéria, parte integrante da vida e religiosidade.

Espiritualidade; Idoso; Psicologia Social; Grupo Social; Representação Social


The fact that old age is considered the final stage of life increases the frequency people think about life and death. During the aging process, cognitive, emotional and social resources are used to face unusual situations, which arise from the system of beliefs and values socially constructed and shared. Spirituality can be addressed in later life as a coping resource for adverse situations, formed by emotional and motivational aspects for searching meaning in life. This study aimed to assess the social representations of individuals aged 80 and older on spirituality. Interviews were conducted with 30 elderly matched by sex (age between 80 and 102 years old), living in Florianópolis city, Santa Catarina State, Brazil. A questionnaire was used to collect sociocultural and health data, so as to characterize the participants. Interviews were analyzed by descending hierarchical classification (CHD) and analysis by contrast using the software ALCESTE. The results point to two representations of spirituality in a male one, based on the idea of connecting with a higher, divine power or God, divorced from religion, and the other is female, based on the idea of transcendence of matter, a comprehensive part of life and religiosity.

Spirituality; Aged; Psychology Social; Social Group; Social Representation


INTRODUÇÃO

Dentro do contexto do envelhecimento populacional, a população que mais cresce no mundo é a de idosos com 80 anos de idade ou mais, sendo a faixa etária de maior crescimento também na população brasileira.11. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Sala de imprensa: projeção da população do Brasil. 2010 [acesso em 12 out 2011]. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia.
Disponível em: http...
O avanço de idosos com 80 anos ou mais no curso de vida amplia a probabilidade de contato com eventos de perdas, mudanças físicas, fisiológicas, de papéis sociais, afastamento do mercado de trabalho e a proximidade com a morte.

Esses fatores podem trazer sentimentos negativos, de abandono, inutilidade, de falta de autonomia e de controle sobre si e seu meio,22. Khoury HTT, Gunther IA. Percepção de controle, qualidade de vida e velhice bem sucedida. In: Falcão DVS, Dias CMSB, organizadores. Maturidade e velhice: pesquisas e intervenções psicológicas. São Paulo: Casa do Psicólogo; 2006. p. 297-314. resultando na necessidade da utilização de recursos de enfrentamento para vivenciá-los. Segundo Pargament,33. Pargament KI. The psychology of religion and coping: theory, research,practice. New York: Guilford Press; 1997. o enfrentamento decorre da interação entre história pessoal, fatores sociais e processos psicológicos. O autor identifica dois tipos de enfrentamento: um teria como resultado a manutenção dos parâmetros fundamentais da existência e o outro, a transformação da existência. O elemento comum dos enfrentamentos é o papel ativo que o indivíduo desempenha nesse processo, possibilitando a busca de um sentido para a vida.

Para lidar com as adversidades na velhice, o modelo multidimensional de envelhecimento bem-sucedido proposto por Baltes & Baltes4 4. Baltes PB, Baltes MM. Psychological perspectives on successful aging: the model of selective optimization with compensation. In: Baltes PB, Baltes MM, editores. Successful aging: perspectives from the behavioral sciences. Canada: Cambridge University Press; 1990. p. 1-34.considera a relação entre perdas e ganhos no processo de envelhecimento, contemplando a exploração das capacidades adaptativas e de reserva nessa etapa da vida. Assim, no decorrer do processo de envelhecimento, são utilizados recursos cognitivos, emocionais e sociais para enfrentar situações inusitadas,55. Neri AL, Cachioni M. Velhice bem sucedida e educação. In: Neri AL, Debert GG, organizadoras. Velhice e Sociedade. Campinas: Papirus; 1999. p. 113-40. originados do sistema de crenças e valores socialmente construídos e compartilhados.

No contexto de sentido existencial, a espiritualidade pode ser contemplada na velhice como um dos recursos de enfrentamento para situações adversas, constituindo-se de aspectos emocionais e motivacionais.66. Sommerhalder C, Goldstein LL. O papel da espiritualidade e da religiosidade na vida adulta e na velhice. In: Freitas EV, Py L, Cançado FAX, Doll J, Gorzoni ML, organizadores. Tratado de geriatria e gerontologia. 2 ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2006. p. 1307-1315. A espiritualidade e o envolvimento em religiões organizadas podem proporcionar aumento do senso de propósito e significado da vida, que são associados à maior capacidade do ser humano em responder de forma positiva às demandas do cotidiano.77. Lawler KA, Younger JW. Theobiology: an analysis of spirituality, cardiovascular responses, stress, mood, and physical health. J Relig Health 2002;41(4):347-62.

A noção de espiritualidade diferencia-se da religião. As religiões possuem um código de ética que rege o comportamento e dita os valores morais; contemplam a relação entre o homem e o poder sobre-humano no qual ele acredita ou do qual se sente dependente.88. Gaarder J, Hellern V, Notaker H. O livro das religiões. São Paulo: Companhia das letras; 2005. Espiritualidade não significa necessariamente a crença no Deus judaico-cristão-islâmico e não se restringe a ela, e crença em Deus não constitui espiritualidade.88. Gaarder J, Hellern V, Notaker H. O livro das religiões. São Paulo: Companhia das letras; 2005.

A espiritualidade remete a uma questão universal relacionada ao significado e ao propósito da vida. Segundo Baker & Nussbaum,99. Baker DC, Nussbaum PD. Religious practice and spirituality-Then and now: a retrospective study of spiritual dimensions of residents residing at a continuing care retirement community. J Relig Gerontol 1998;10(3):33-51. a espiritualidade é um fenômeno natural do processo de desenvolvimento e envelhecimento que requer não só sentimento, como também pensamento, e pensamento requer conceitos. Funciona como um recurso interno do indivíduo, que pode ser acionado pelo contato com a natureza, com as artes, com a experiência de doação de si ou com o engajamento em causas que visam ao bem coletivo.

A dimensão horizontal da espiritualidade se estende através das experiências comuns do dia a dia, visando ao bem-estar social, enquanto que a "dimensão vertical" considera a busca para alcançar Deus, um poder superior, um grande outro.1010. Moberg, DO, Brusek PM. Spiritual well-being: a neglected subject in quality of life research. Social Indicators Research 1978;5:303-23. A espiritualidade pode ainda ser compreendida como constituída de quatro componentes: realidade existencial ou significado e forma de estar na vida; transcendência; conexão e integridade; e presença de uma força unificadora ou energia: o "sagrado", que aparece tanto como um forte elemento na definição de espiritualidade como de religiosidade.¹¹

A conexão com Deus ou poder maior é considerado um componente chave da espiritualidade, estando associada ao eu e ao próprio modo de estar na vida.1212. Gall TL, Malette J, Guirguis-Younger M. Spirituality and religiousness: a diversity of definitions. J Spiritual Mental Health 2011;13(3):158-81. Dessa forma, entende-se que a espiritualidade contribui para o bem-estar na velhice, favorecendo a resiliência13 13. Rosa LHT. Estudo dos fatores associados ao envelhecimento bem-sucedido de idosos da comunidade de Barra Funda-RS, Brasil [tese de Doutorado]. Porto Alegre: Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul; 2007.e o envelhecimento bem-sucedido. Certos comportamentos e crenças religiosas e espirituais estão diretamente relacionados com a felicidade geral e saúde física, uma vez que desestimulam o engajamento em comportamentos pouco saudáveis.1414. Tovar-Murray D. The multiple determinants of religious behaviors and spiritual beliefs on well-being. J Spiritual Mental Health 2011;13(3):182-92.

A fim de compreender quais são e como são construídos os significados sobre a espiritualidade que circulam no cotidiano de idosos mais velhos, recorreu-se, na presente pesquisa, à Teoria das Representações Sociais (TRS),1515. Moscovici S. Representações sociais: investigações em psicologia social. Petrópolis: Vozes; 2003. que permitiu acessar esse fenômeno.

As representações sociais são consideradas um fenômeno ligado a uma forma especial de aquisição e comunicação do conhecimento que cria realidades e senso comum.1616. Jodelet D. Representações sociais: um domínio em expansão. In: Jodelet D, organizadora. As representações sociais. Rio de Janeiro: Ed. UERJ; 2001. p. 17-44. Jodelet1616. Jodelet D. Representações sociais: um domínio em expansão. In: Jodelet D, organizadora. As representações sociais. Rio de Janeiro: Ed. UERJ; 2001. p. 17-44. define a representação social como um saber prático, importante na vida cotidiana por guiar o modo de nomear e definir conjuntamente os diferentes aspectos da realidade diária, no modo de interpretar esses aspectos e tomar decisões posicionando-se diante delas.

O processo de representar resulta em teorias do senso comum ligadas a inserções específicas dentro de grupos sociais. Tem como função explicar aspectos relevantes da realidade, definir a identidade grupal, orientar práticas sociais e justificar ações e tomadas de posição após sua realização.1717. Doise W. As atitudes e representações sociais. In: Jodelet D, organizadora. As representações sociais. Rio de Janeiro: Ed. UERJ; 2001. p. 187-203.

Em relação ao funcionamento das representações sociais, Moscovici1414. Tovar-Murray D. The multiple determinants of religious behaviors and spiritual beliefs on well-being. J Spiritual Mental Health 2011;13(3):182-92. identifica dois processos principais: ancoragem e objetivação. A ancoragem transfere o desconhecido para o esquema de referência existente nos indivíduos (sistema de conhecimentos anteriores), onde é possível compará-lo e interpretá-lo a partir de conhecimentos já existentes. A objetivação tem como finalidade transformar algo abstrato em algo quase concreto, transferir o que está na mente em algo que exista no mundo físico.

A justificativa do presente estudo reside na contribuição às pesquisas sobre representações sociais da velhice, integrando o objeto de representação "espiritualidade", assim como no acesso ao impacto que as significações, valores e crenças sobre esse fenômeno têm sobre os idosos e sobre suas ações no mundo, no que diz respeito à resolução de conflitos que envolvem sua existência social. A presente pesquisa, portanto, foi realizada com o objetivo de caracterizar as representações sociais da espiritualidade elaboradas por idosos com 80 anos de idade ou mais.

MÉTODO

Trata-se de pesquisa de abordagem qualitativa, de natureza exploratória e corte transversal, cujo delineamento é do tipo estudo de casos em profundidade.1818. Ghilione R, Matalon B. Como inquirir? As entrevistas. In: Ghiglione R, Matalon B. O inquérito: teoria e prática. Oeiras, Portugal: Celta Editora; 1993. p. 1-23. A coleta de dados foi realizada no período de maio a agosto de 2012.

Participantes

Considerou-se um número de 30 participantes com idade igual ou superior a 80 anos divididos de forma pareada por sexo, residentes na região da Grande Florianópolis, SC, constituindo uma seleção intencional acessada por conveniência. O número de participantes foi estabelecido segundo critério de saturação dos dados proposto por Ghiglione & Matalon.1818. Ghilione R, Matalon B. Como inquirir? As entrevistas. In: Ghiglione R, Matalon B. O inquérito: teoria e prática. Oeiras, Portugal: Celta Editora; 1993. p. 1-23. Como critério de exclusão, foram considerados os agravamentos de saúde que comprometessem a compreensão da entrevista, como a doença de Alzheimer e demência. Essa informação foi coletada durante conversa junto às pessoas que indicaram o(a) idoso(a)para a pesquisa. Os participantes da pesquisa foram indicados por pessoas do convívio social da pesquisadora por meio da técnica metodológica bola de neve (snowball), em que os entrevistados indicavam outros participantes para serem entrevistados.1919. Becker HS. Métodos de pesquisa em ciências sociais. São Paulo. Huctec; 1993.

Instrumentos

A coleta de dados foi realizada por meio da utilização de entrevista individual em profundidade, semidiretiva, por meio de técnicas da entrevista não direta, com o emprego complementar de técnicas de entrevista episódica.2020. Flick U. As narrativas como dados. In: Flick U. Uma introdução à pesquisa qualitativa. Porto Alegre: Bookman; 2004. Capítulo 9, As narrativas como dados; p. 109-23.

O participante foi convidado a responder de forma exaustiva, com suas próprias palavras e por meio do seu próprio quadro de referências a um tema geral: "O que o(a) senhor(a) pensa a respeito da espiritualidade?". Para caracterização dos participantes, foi utilizado um questionário para a coleta dos dados socioculturais e de saúde (com dados de caracterização como idade, estado civil, escolaridade, com quem mora, doenças crônicas, religião e prática religiosa).

Procedimentos

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Santa Catarina, sob número de parecer 25768 e CAAE: 0289612.1.0000.121.

O contato inicial com os participantes da pesquisa foi realizado por ligação telefônica. A realização da entrevista individual ocorreu na residência do idoso, com o objetivo de favorecer a acessibilidade no caso da presença de limitações quanto à locomoção e garantir o mesmo critério metodológico para todos os participantes. A entrevista foi iniciada com pedido de autorização para a gravação em áudio e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, de acordo com normas da Resolução nº 196/196 do Conselho Nacional de Saúde, sobre pesquisas envolvendo seres humanos.

Foram realizados dois testes pilotos com quatro idosos pareados por sexo, seguidos de análise da narrativa, a fim de habilitar a pesquisadora no domínio das técnicas de entrevista. Esse processo resultou na exclusão da primeira entrevista e no aproveitamento das outras três entrevistas, cujo procedimento de coleta foi avaliado como adequado pela equipe de pesquisadores do Laboratório de Psicologia Social da Comunicação e Cognição (LACCOS).

Os cuidados quanto à garantia da realização da entrevista sem interrupções de terceiros foram previamente negociados com os acompanhantes dos idosos (quando presentes). Eles não manifestaram objeções quanto à realização da entrevista de forma individual e sigilosa.

Análise dos dados

Inicialmente, os participantes foram divididos segundo sexo, sendo esta a principal variável de comparação. Em seguida, as entrevistas gravadas foram transcritas e os dados textuais advindos da questão proposta foram processados pelo software ALCESTE (Analise Lexicale par Contextes de Segments de Textes). As 30 respostas formaram um corpus de análise relacionado ao tema "espiritualidade". Foram realizadas a classificação hierárquica descendente (CHD) e análise de contraste entre a modalidade de variável sexo por meio do ALCESTE, que permitiram a análise comparativa entre o material textual de mulheres e homens. O objetivo dessas análises foi investigar as semelhanças e dessemelhanças estatísticas das palavras, a fim de identificar padrões repetitivos de linguagem, permitindo organizar e classificar os segmentos de textos de acordo com as semelhanças e indicando possíveis representações sociais.2121. Camargo BV. ALCESTE: Um programa informático de análise quantitativa de dados textuais. In: Moreira ASP, Camargo BV, Jesuíno JC, Nóbrega SM, organizadores. Perspectivas teórico-metodológicas em representações sociais. João Pessoa: UFPB; 2005. p. 511-39.

A CHD forneceu uma análise lexicográfica do material textual por meio de classes lexicais que foram caracterizadas pelo seu vocabulário e pelos segmentos de textos que compartilharam esse vocabulário. O corpus de análise foi formado por unidades de contexto inicial (UCIs), que correspondem às respostas dos participantes, no caso 30 UCIs. Após o reconhecimento das UCIs, na análise standard o programa seccionou as UCIs em unidades de contexto elementar (UCEs), que constituem o ambiente de enunciação da palavra, dando origem à unidade sobre a qual são feitos os cálculos estatísticos. As linhas de comando foram compostas pelos dados de caracterização dos participantes.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Caracterização dos participantes

Participaram da pesquisa 30 idosos com idade igual ou superior a 80 anos pareados por sexo. A mediana das idades foi de 83,5 anos. Verificou-se que quase todas as idosas, 13 dentre 15, declararam ser viúvas, ao passo que apenas quatro homens relataram essa condição. Uma questão relevante é que a proporção de viúvos que se casam novamente é maior, pois a maioria das mulheres viúvas permanece sozinha, sem outro casamento ou união não oficial.2222. Salgado CDS. Mulher idosa: a feminização da velhice. Estud Interdiscip Envelhec 2002;4:7-19.

Quanto ao dado com quem moram, 14 participantes referiram morar com filhos ou familiares, nove com cônjuges, seis sozinhos e um participante com empregada. Observou-se entre os participantes da pesquisa uma heterogeneidade quanto à escolaridade e a profissão exercida antes da aposentadoria.

A maioria dos participantes (26 dentre 30) reportou presença de doenças crônicas. Os problemas de saúde citados pelos participantes referem-se a cardiopatias, hipertensão, diabetes, acidente vascular cerebral, insuficiência renal, hipotireoidismo, labirintite e dislipidemia. Quatro participantes, do sexo masculino, declararam não ter doença crônica.

Em relação à religião, 17 mencionaram pertencer à religião católica, sete se referiram à religião ou doutrina espírita; três aludiram ser testemunhas de Jeová; um declarou-se presbiteriano e dois sem religião. Ainda que a religião no Brasil seja muito diversificada e caracterizada pelo sincretismo, a população brasileira é majoritariamente cristã (87%), sendo sua maior parte católica (64,4%).2323. Pierucci AF, Prandi R. A Realidade Social das Religiões no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras; 2005.

Quanto à prática religiosa, 14 referiram apenas a prática privada (rituais realizados na privacidade do lar, como as orações); 12, a integração das práticas privadas e públicas (orações e participação em encontros religiosos) e quatro participantes, todos do sexo masculino, afirmaram não ter prática religiosa.

Quanto à relação entre religião, prática religiosa e sexo, verificou-se que dos participantes que referiram pertencer à religião católica, nove afirmaram exercer apenas a prática privada; seis mencionaram o exercício das práticas privadas e públicas (todos do sexo feminino); e dois, a ausência de prática religiosa (todos do sexo masculino). Quanto à religião espírita, cinco participantes citaram a prática privada; dois, a prática privada e pública; e nenhum dos participantes apresentou-se sem prática religiosa.

As questões de religião e prática religiosa foram inseridas na pesquisa com o intuito de verificar uma possível interferência nas representações sociais da espiritualidade, uma vez que as crenças religiosas podem propiciar tanto significado de existência, quanto sentimentos negativos como pensamentos do abandono de Deus, questionamentos quanto ao amor de Deus por seus "filhos", descontentamento espiritual, pensamento de que Deus está punindo e questionamento dos poderes de Deus.

Representações sociais da espiritualidade

O corpus analisado por meio do ALCESTE buscou investigar o que os participantes pensavam a respeito da espiritualidade. Foi composto por 30 unidades de contexto inicial (UCIs), que correspondem as 30 respostas dos participantes sobre o tema. O corpus foi dividido em 806 unidades de contexto elementar (UCEs), que continham 702 palavras analisáveis (indicadoras de sentido), com frequência média igual ou superior a oito, já que estas ocorreram 14.156 vezes. A classificação hierárquica descendente (CHD) levou em conta 580 UCEs, ou seja, 71,96% do total, gerando cinco classes, conforme a figura 1.

Figura 1
Dendograma de classes sobre representação social da espiritualidade de pessoas com 80 anos de idade ou mais (n=30). Grande Florianópolis, SC, 2012.

Observam-se o nome da classe, o número de UCEs que a compõe, seguidos de uma descrição da classe e das palavras de maior associação com a mesma em função de dois critérios simultâneos: a) critério lexicográfico retendo frequências superiores à média por forma distinta; e b) coeficiente de associação qui-quadrado >3,84*, uma vez que o grau de liberdade é igual a um.

Segundo o dendograma, o corpus teve uma primeira partição em dois subcorpus. De um lado estão as classes 1 e 2, em oposição às classes 3, 5 e 4. Uma segunda partição separou no primeiro subcorpus a classe 1 e a classe 2. Uma terceira partição no segundo subcorpus contrapôs a classe 4 às classes 3 e 5. Uma quarta partição dividiu a classe 3 e a classe 5.

Classe 5: Morte e transcendência

A classe 5 envolve a maior parte das UCEs (40%) classificadas, estando próxima da classe 3. Ela é compartilhada por participantes de ambos os sexos, principalmente casados, com ensino médio, idade entre 91 e 102 anos, que moram com cônjuge, necessitam de ajuda para atividades da vida diária, declararam a religião católica e sem religião, cujas práticas religiosas referidas foram privada e sem prática. É a classe em que os participantes mais se utilizam dos termos "vida", "morte" e "morrer". Os elementos "morte" e "morrer" foram considerados, na análise, integrados, uma vez que os participantes estabelecem sinonímia entre eles.

As definições de espiritualidade envolvem as ideias de conexão com poder divino, morte, transcendência da matéria, impacto no fim da vida e parte integrante da vida, que resulta em consequência também no pós-morte. Os segmentos de texto demonstram essa visão.

Eu posso dizer que está tudo definido quando falo de espiritualidade. Imagino que o que a gente faz de mal para o outro tem repercussão no após a morte. Não tenho dúvida que isso é a justiça divina e que não falha. Todos vão pagar pelo que fizeram aqui. (Mulher, 84 anos).

Eu acho que Deus é uma energia muito forte, pode ser que eu esteja errada, não sou ninguém para dizer, mas eu tenho a impressão que é uma energia. (Mulher, 91 anos).

Vários participantes se referem à transcendência da matéria e à importância das crenças espirituais na preparação para a morte, em que o corpo físico deixa de existir e a alma se mantém para além da existência mundana. De acordo com Neri,2424. Neri AL, organizadora. Desenvolvimento e envelhecimento: perspectivas biológicas, psicológicas e sociológicas. Campinas: Papirus; 2001. "Transcender a experiência material e desenvolver a espiritualidade ajuda os idosos a encontrar um sentido de completude na vida e, assim, aceitar a morte".

Diante da perspectiva espiritual de que a morte não é um ponto final e sim uma transição, é importante a preparação para esse tempo que acaba. A proximidade da morte inaugura um processo ativo que implica a pessoa em todas as suas dimensões e também em tudo que está a sua volta. O tempo do morrer é ativo; os últimos momentos da vida são plenos de sentido, representam a última chance para restabelecer relações, perdoar e realizar desejos pendentes. Pensar na morte é também pensar na relação enquanto pessoa no mundo, enquanto ser e temporalidade.

A ideia de espiritualidade vinculada a um relacionamento com uma força superior vai ao encontro de pesquisas realizadas,1212. Gall TL, Malette J, Guirguis-Younger M. Spirituality and religiousness: a diversity of definitions. J Spiritual Mental Health 2011;13(3):158-81. que concluem que a espiritualidade é significada como um profundo senso de conexão por meio do relacionamento com uma divindade, sendo característica importante no desenvolvimento da identidade espiritual na vida adulta.

Classe 3: Mundo espiritual

No mesmo subcorpus, a classe 3, em oposição às classes 1 e 2, que envolve a menor parte das UCEs do corpus (7,93%), está próxima da classe 5, complementando-a. Foi compartilhada sobretudo pelos participantes do sexo masculino, sem doenças crônicas, casados, escolaridade ensino médio, participantes que moram com cônjuges, pertencentes às religiões espírita e sem religião e prática privada e sem prática religiosa. As UCEs mais significativas da classe 3 mostram a espiritualidade relacionada ao mundo dos espíritos, a evolução espiritual e a reencarnação.

O pensamento construtivo de alguma forma promove sensações agradáveis que, por vezes, não têm explicação. Seria bom pensar que alguém pensou bem de você, que desejou que estivesse bem. Então o mundo espiritual é o mundo verdadeiro, onde o espírito não fica ocioso. O espírito reencarna porque é aqui nessa vida que ele coloca em prática o que ele evoluiu teoricamente no mundo espiritual. (Homem, 84 anos).

Essa ideia de espiritualidade, vinculada à experiência que ultrapassa e transcende os fenômenos físicos do ser humano, corrobora a ideia de Koenig,2525. Koening, H. G. Aging and God: spiritual pathways to mental health in midlife and later years. New York: Haworth Press; 1994. que se refere à espiritualidade como uma busca pessoal pelo sagrado ou transcendente, seja Deus, o divino ou uma força superior. Sommerhalder & Goldstein6 6. Sommerhalder C, Goldstein LL. O papel da espiritualidade e da religiosidade na vida adulta e na velhice. In: Freitas EV, Py L, Cançado FAX, Doll J, Gorzoni ML, organizadores. Tratado de geriatria e gerontologia. 2 ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2006. p. 1307-1315.confirmam essa ideia, ao vincularem espiritualidade a uma maneira de nortear a vida, principalmente no envelhecimento.

Classe 4: Deus

Ainda no segundo subcorpus, a classe 4, em oposição às classes 3 e 5, é a terceira classe em número de UCEs (17,24% das UCEs classificadas) e as variáveis descritivas indicam que esta é uma classe caracterizada pelos participantes do sexo masculino, com doenças crônicas, escolaridade até ensino fundamental e superior, que moram com cônjuges e familiares, pertencentes à religião testemunha de Jeová, cuja prática religiosa referida é privada e pública.

As palavras associadas a esta classe estão associadas à ideia central da existência de Deus e dos ensinamentos religiosos relacionados ao cristianismo que contemplam a noção de dogmas religiosos.

Deus é bom, por isso a bíblia ensina que Deus não deseja o mal para ninguém; ele deseja bondade. Ele vai dar uma terra para nós sem violência, sem morte. Depois que nós morrermos, nós teremos novo governo. O governo humano, como a bíblia mostra, acabará. O governo celestial será Jesus Cristo. (Homem, 82 anos).

Pargament2626. Pargament KI. The psychology of religion and spirituality? Yes and no. Internat J Psychol Religion 1999;9(1):3-16. identificou em suas pesquisas um aspecto semelhante entre os conceitos de espiritualidade e religião: o sagrado. As pessoas se refugiam em Deus para explicar o que não compreendem e a religião se torna a solução universal. Desta forma, toda religião pertence, ao menos em parte, à espiritualidade, mas nem toda espiritualidade é necessariamente religiosa.

Classe 1: Fé e oração

No primeiro subcorpus, a classe 1 envolveu a segunda maior parte de UCEs do corpus (19,66% das UCEs classificadas). A análise das variáveis descritivas permite caracterizá-la como uma classe produzida predominantemente pelos participantes do sexo feminino, viúvas, que moram com filhos, cujas religiões referidas são a católica e a presbiteriana, com prática religiosa pública e privada.

A maior parte dos conteúdos desta classe se agrupou ao redor de elementos que se referem à importância das orações, a frequência em missas e igrejas e a presença da fé religiosa. Estes são os conteúdos principais da classe, no momento em que os participantes falam dos significados da espiritualidade.

Vou rezar hoje e se eu não receber hoje vou receber outro dia, mas não vou deixar de rezar, vou continuar rezando sempre. Tem que ir com fé e não pensando que está rezando e que já vai alcançar o que está pedindo. Vou esperando, aos poucos, porque às vezes parece que a gente não recebeu nada de bom. (Mulher, 82 anos).

Negreiros,2727. Negreiros TCGM. Espiritualidade: desejo de eternidade ou sinal de maturidade? Rev Mal-Estar Subj 2003;3(2):275-91 [acesso em 11 jul 2011]. Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=27130203.
Disponível em: http://www.redalyc.org/ar...
em seu estudo sobre representação social da espiritualidade entre estudantes universitários, idosos e adultos de várias camadas sociais, identificou entre as categorias principais a presença da fé, esperança e confiança, em contraste com descrença. Reportar-se às orações e conversar com Deus demonstra uma tentativa de recuperar e ganhar forças para enfrentar o cotidiano.

A fé como uma preocupação humana universal favorece seguir por um caminho religioso em prol de uma vida organizada que possa contribuir para a dignidade humana. A busca por valores de estima, amor, respeito e proteção pode ser encontrada pela fé, que possibilita atribuir sentido à existência. Os idosos que apresentaram uma consciência mais profunda e positiva vinculada à necessidade de aproximação com Deus (um ser superior) manifestaram aceitação com a proximidade da morte.

Classe 2: Proteção e conforto

A classe 2 próxima da classe 1 foi constituída de 15,17% das UCEs classificadas e é compartilhada principalmente por participantes do sexo feminino, com doenças crônicas, viúvos, ensino fundamental, que moram com familiares e empregada, participantes que não necessitam de ajuda para atividades da vida diária, declararam religião espírita e prática religiosa privada. As palavras associadas a esta classe demonstram a importância atribuída à espiritualidade como forma de proteção na vida e conforto diante de situações de adoecimento.

Quando meu filho soube que levaríamos ele para ser benzido, escondeu-se embaixo da cama. Tive que arrastá-lo pelo chão. Ele tinha o semblante bem feito. Quando chegamos lá, foi só ela benzer que a raiva dele passou e ficava bom. Eu o levei para benzer umas cinco vezes e em uma das vezes a mulher que benzia caiu para trás. (Mulher, 82 anos).

Em estudo realizado2828. Teixeira JJV, Lefèvre F. Significado da intervenção médica e da fé religiosa para o paciente idoso com câncer. Ciênc Saude Colet 2008;13(4):1247-56. com 20 idosos com câncer, os resultados demonstraram a importância da fé no enfrentamento da doença, uma vez que ela aumenta a força para lutar e vencer o desafio do adoecimento. Os achados estiveram relacionados ainda à evidência de que a leitura de textos religiosos contribuiu de forma positiva tanto para aceitação da doença como para segurança, tranquilidade e otimismo na recuperação da saúde.

Análise por contraste

Ainda no corpus espiritualidade, foi realizada análise por contraste entre modalidades da variável sexo, com o intuito de demonstrar de modo comparativo as ideias dos homens e das mulheres a respeito do tema, a fim de favorecer a compreensão das diferenças identificadas no corpus. As respostas referentes ao tema "espiritualidade" corresponderam a 30 UCIs que, após a divisão feita pelo programa ALCESTE, originaram 806 UCEs.

Neste corpus, os homens falaram mais do que as mulheres, uma vez que 52,85% das UCEs referem-se às respostas dos homens e 47,15% às respostas das mulheres. Na tabela 1, apresentam-se as palavras mais características dos homens e das mulheres, de acordo com a frequência e qui-quadrado.

Tabela 1
Palavras características de homens e mulheres. Grande Florianópolis, SC, 2012.

Ao responderem sobre "o que o senhor pensa a respeito da espiritualidade", os homens falaram a respeito da existência de um ser superior, de um mundo espiritual que transcende a existência mundana e da importância dos ensinamentos do cristianismo como condição de entendimento sobre o universo indiferente das religiões. Além disso, referiram-se à qualidade de pensamento e à responsabilidade humana diante de suas escolhas e possíveis consequências nessa vida relacionadas à espiritualidade. As UCEs que seguem demonstram essa visão.

O que eu vejo de curioso no ensinamento do cristianismo é que Jesus Cristo veio à Terra e não construiu igreja nenhuma, não pregou religião nenhuma, o que ele ensinou foi justiça social. (Homem, 88 anos).

A honestidade é muito importante na vida. Se o mundo fosse honesto, seria o verdadeiro paraíso, mas infelizmente não é. Temos que nos cuidar, nossos políticos não são honestos, o que tu plantas tu colhes, não vais querer plantar laranja e colher limão, o que se planta, se colhe. (Homem, 89 anos).

Por sua vez, as mulheres falaram da importância da fé cultivada por meio das orações (comunicação espontânea com Deus) em prol da proteção divina. Referem-se à ideia de transcendência da matéria, pautada na crença da existência em um lugar que abrigará o ser humano após a morte. As UCEs que se seguem ilustram as ideias apresentadas.

Então você pede proteção para Deus, para que ele lhe proteja. Sempre pedi proteção para meus filhos. Meus filhos hoje em dia não são tão praticantes, de ir à missa, mas até os quinze anos a gente controla os filhos. (Mulher, 82 anos).

Têm muitas pessoas, às vezes pecadoras, que vão para o purgatório e ficam sofrendo, então tem que rezar muito pelas almas que sofrem no purgatório, para elas poderem sair dali, para poderem ir para um lugar que não sofrerão mais. (Mulher, 82 anos).

Os homens apresentaram crença na existência de um mundo espiritual que pode ou não ser viabilizado pelos preceitos religiosos. As mulheres enfatizaram a importância da fé na comunicação espontânea com um ser maior, aceitação de dogmas religiosos e crença na transcendência da matéria.

O enfrentamento do tipo religioso é utilizado mais por mulheres do que por homens, entre os idosos mais velhos, pelas viúvas, sendo que estas utilizam mais frequentemente recursos como a oração, a fé e a confiança em Deus ou num ser superior. Os homens, por sua vez, inibem mais as emoções diante de situações estressantes.29 29. Fortes ACG. Eventos de vida estressantes, estratégias de enfrentamento, senso de auto-eficácia depressivos em idosos residentes na comunidade: dados do PENSA [dissertação de Mestrado]. Campinas: Faculdade de Educação da UNESP; 2005. Quanto às dimensões da espiritualidade propostas por Moberg & Brusek,1010. Moberg, DO, Brusek PM. Spiritual well-being: a neglected subject in quality of life research. Social Indicators Research 1978;5:303-23. tanto a dimensão horizontal como a vertical apareceram nos significados atribuídos à espiritualidade.

Ao considerar as funções das representações sociais, foram citadas: 1ª) apresentar uma dada realidade ao pensamento; 2ª) interpretar essa realidade; 3ª) permitir ao pensamento organizar as relações dos homens entre si e com a natureza; e 4ª) legitimar ou não estas relações.3030. Nascimento-Schulze CM, Camargo EV. Psicologia Social, representações sociais e métodos. Temas Psicol 2000;8(3):287-99. Verifica-se que as ideias e pensamentos dos participantes permitem vincular a realidade à existência de Deus, interpretando-a por meio da crença em algo transcendental que rege, protege e conforta a existência humana, permitindo o exercício de práticas sociais em prol do convívio social e do bem-estar pessoal.

Dessa forma, foram identificadas duas representações sociais da espiritualidade, constituídas de quatro temas: 1) conexão com um poder divino, força superior ou Deus; 2) transcendência da matéria: preparação para a morte, após a morte, mundo do espírito e evolução espiritual; 3) parte integrante da vida: forma de proteção no cotidiano, conforto diante de situações de adoecimento, qualidade de pensamento; e 4) religiosidade: práticas religiosas privadas e públicas, existência do céu, inferno, ressurreição e reencarnação.

Com base neste estudo, foram encontradas limitações quanto ao uso da análise das narrativas. Em decorrência da extensão do conteúdo das entrevistas, foi necessário fazer um recorte dessa análise, que permitiu verificar apenas os elementos narrativos centrais, excluindo as funções das narrativas propostas por Gibbs.3131. Gibbs G. Análise de dados qualitativos. Porto Alegre: Artmed; 2009. Reafirma-se a importância de estudos sobre a velhice com idosos de 80 anos de idade ou mais e a inserção do tema "espiritualidade" no estudo das representações sociais do envelhecimento, pois foi observado que ainda são poucas as pesquisas realizadas sobre espiritualidade exclusivamente com idosos nessa faixa etária.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo da análise dos dados, foram identificadas duas representações sociais da espiritualidade: uma relacionada ao sexo masculino e outra ao feminino.

A representação social das idosas com 80 anos de idade ou mais sobre a espiritualidade está ancorada nas ideias de (1) religiosidade; (2) proteção divina diante de situações do cotidiano; e (3) transcendência da matéria: a existência de um lugar que abrigará o ser humano após a morte. A representação social dos idosos com 80 anos ou mais sobre espiritualidade está ancorada nas ideias de: (1) conexão com Deus; (2) transcendência da existência mundana; (3) qualidade de pensamento: importância da honestidade no convívio interpessoal; e (4) responsabilidade humana: diante de escolhas e possíveis consequências nessa vida. A representação social das idosas vincula espiritualidade a preocupação e preparação para a vida após a morte, enquanto que a representação social dos idosos entrevistados relaciona espiritualidade a formas de viver essa vida.

Verificou-se que a espiritualidade é significada como uma dimensão importante da existência humana para ambos os sexos, sendo que na velhice ela aparece vinculada ao enfrentamento de situações do cotidiano e como fonte de preparação para a morte, uma vez que a maior parte dos idosos entrevistados não vê a morte como um limite para a existência. Ao considerar a exploração, por parte dos idosos, das capacidades adaptativas e de reserva na velhice, segundo o modelo de envelhecimento bem-sucedido, a espiritualidade aparece entre os participantes deste estudo como recurso de enfrentamento diante de situações de perdas e mudanças.

A fé e as orações foram referidas como meio de acessar uma aproximação com o sagrado em prol de proteção e apoio diante de situações adversas. As ideias de céu, inferno, ressurreição e reencarnação orientaram e justificaram as práticas dos idosos que mantêm práticas religiosas privadas e/ou públicas.

A pesquisa objetivou contribuir para o favorecimento da reflexão e discussão científica sobre a importância de considerar o fenômeno da espiritualidade como uma dimensão da existência humana pertencente à constituição do bem-estar em prol da saúde.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Oct-Dec 2013

Histórico

  • Recebido
    27 Nov 2012
  • Revisado
    26 Ago 2013
  • Aceito
    10 Out 2013
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