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Associação entre estado cognitivo e autoestima global em idosos institucionalizados: será a condição de saúde um mediador?

Resumo

Objetivo:

testar se a condição de saúde da pessoa idosa é mediadora na associação entre o estado cognitivo e a autoestima global de idosos institucionalizados.

Método:

estudo de natureza quantitativa, transversal do tipo correlacional, recorreu à análise de caminhos. Na recolha de dados utilizaram-se as versões portuguesas dos seguintes instrumentos: Mini-Mental State Examination, Tinetti Performance Oriented Mobility Assessement, Miniavaliação Nutricional e a Rosenberg Self-Esteem Scale.

Resultados:

a amostra foi constituída por 312 idosos de ambos os gêneros (112 homens e 200 mulheres), com média etária de 83,39 (±7,09) anos. A maioria dos idosos eram viúvos, com baixa escolaridade, institucionalizados em Equipamentos Residenciais para Pessoas Idosas em média há 54,60 (±51,69) meses. Não se confirmou a mediação da condição de saúde na associação entre estado cognitivo e autoestima nos idosos. Contudo, a análise da decomposição dos efeitos indicou a existência de um efeito significativo indireto do estado cognitivo na autoestima e na condição de saúde. O efeito total do estado cognitivo na condição de saúde dos idosos é significativo, positivo e direto.

Conclusão:

os resultados desse estudo permitem-nos afirmar que as alterações cognitivas podem afetar o estado nutricional e o equilíbrio corporal dos idosos institucionalizados.

Palavras-chave:
Condição de Saúde; Estado Cognitivo; Autoestima; Idosos Institucionalizados

Abstract

Objective:

to assess whether the health condition of an elderly person can serve as a mediating factor between the cognitive state and general self-esteem of the institutionalized elderly.

Method:

a quantitative, cross-sectional correlational study was performed, based on the path analysis technique.The following instruments were used for data collection: the Mini-Mental State Examination, the Tinetti Performance Oriented Mobility Assessment, the Mini Nutritional Evaluation and the Rosenberg Self-Esteem Scale.

Results:

the sample was composed of 312 elderly patients of both genders (112 men and 200 women), with an average age of 83.39 (+7.09) years. Most of the elderly persons were widowed, with a low educational level, and had been institutionalized in Residential Care Facilities for the Elderly for on average 54.6 (+51.69) months. The mediating factor of health condition renders the link between the cognitive state and self-esteem of the elderly null. However, the analysis of the decomposition of the effects showed a significant indirect effect between the cognitive state and health condition. The total effect of cognitive state on the health condition of the elderly is significant, positive and direct.

Conclusion:

based on the results of this study we maintain that cognitive changes can affect the nutritional state and physical balance of the institutionalized elderly.

Keywords:
Health Status; Cognition; Health of Institutionalized Elderly; Self-Esteem

INTRODUÇÃO

Muitas doenças crônicas típicas da idade idosa são uma ameaça à autonomia e à independência11 Pereira AG, Alves LC. Condição de vida e saúde dos idosos: uma revisão bibliográfica. Campinas: Núcleo de Estudos de População "Elza Berquó"/ Unicamp; 2016. p. 27. (Textos Nepo, nº 75).. A doença pode conduzir à fragilidade, incapacidade funcional, institucionalização e até à morte.

A incapacidade funcional, com consequente perda de autonomia, apresenta-se como uma janela de oportunidade para o desenvolvimento de uma enfermagem mais significativa para os idosos, famílias e sociedade11 Pereira AG, Alves LC. Condição de vida e saúde dos idosos: uma revisão bibliográfica. Campinas: Núcleo de Estudos de População "Elza Berquó"/ Unicamp; 2016. p. 27. (Textos Nepo, nº 75).,22 Campos ACV, Almeida MHM, Campos GV, Bagutchi TF. Prevalência de incapacidade funcional por gênero em idosos brasileiros: uma revisão sistemática com metanálise. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2016;19(3):545-59.. A manutenção da funcionalidade tem um papel protetor no processo de deterioração física, mental e social33 Santos JS, Valente JM, Carvalho MA, Galvão KM, Kasse CA. Identificação dos fatores de risco de quedas em idosos e sua prevenção. Rev Equilíb Corpor Saúde. 2013;5(2):53-9., assegurando a independência e autonomia necessária para um envelhecimento saudável44 Teston EF, Caldas CP, Marcon SS. Condomínio para idosos: condições de vida e de saúde de residents nesta nova modalidade habitacional. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2015;18(3):487-97..

Com o aumento da idade, acentuam-se perdas na capacidade de concentração, de memória e de energia vital55 Berlezi EM, Farias AM, Dallazen E, Oliveira KR, Pillatt AP, Fortes CK. Como está a capacidade funcional de idosos residentes em comunidades com taxa de envelhecimento populacional acelarado? Rev Bras Geriatr Gerontol. 2016;19(4):643-52.. Os deficit ao nível do desempenho cognitivo são um dos fatores mais mencionados na literatura, com implicações negativas na autoestima dos idosos66 Santos ACC, Santos AA, Barbosa AC, Melo TL, Cogo ACP. Estudo comparativo acerca da autoestima de idosos institucionalizados e não institucionalizados. Interdisc Rev Eletr UNIAR. 2014;11(1):82-7., em particular as alterações da memória77 Diniz AB, Guerra ERFM, Soares RM, Mariz JVB, Cattuzo MT. Avaliação da cognição, atividade física e aptidão física de idosos: uma revisão crítica. Estud Psicol. 2013;18(2):315-24..

A autoestima é um componente fundamental para a sobrevivência emocional55 Berlezi EM, Farias AM, Dallazen E, Oliveira KR, Pillatt AP, Fortes CK. Como está a capacidade funcional de idosos residentes em comunidades com taxa de envelhecimento populacional acelarado? Rev Bras Geriatr Gerontol. 2016;19(4):643-52. e um indicador de saúde mental, uma vez que interfere nas condições afetivas, sociais e psicológicas88 Salerno MC, Bolina AF, Dias FA, Martins NPF, Tavares DMS. Autoestima de idosos comunitários e fatores associados: Estudo de base populacional. Rev Cogitar Enferm. 2015;20(4):775-82..

Outro fator que influencia a condição de saúde é o estado nutricional99 Schultheisz TSV, Aprili MR. Autoestima, conceitos correlatos e avaliação. RECES. 2013;5(1):36-48.,1010 Fazzio DMG. Envelhecimento e qualidade de vida: uma abordagem nutricional e alimentar. Rev Revisa. 2012;1(1):76-88. , sendo esse um indicador de saúde que se interrelaciona com várias funções, entre elas a capacidade física e psicocognitiva1111 Caluête MEE, Nóbrega AJS, Gouveia RA, Galvão FRO, Vaz LMM. Influência do estado nutricional na percepção da imagem corporal e autoestima de idosas. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2015;18(2):319-26.. As consequências da desnutrição conduzem a alterações da função muscular, diminuição da massa óssea e redução da função cognitiva, tendo grande impacto na condição física e emocional da população idosa1212 Lopes GL, Santos MIPO. Funcionalidade de idosos cadastrados em uma unidade da estratégia saúde da família segundo categorias da classificação internacional de funcionalidade. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2015;18(1):71-83.. Um padrão nutricional não saudável influencia a funcionalidade e o bem-estar dos idosos, particularmente naqueles que estão institucionalizados1313 Ghimires S, Baral BK, Callahan K. Nutritional assessment of community- dwelling older adults in rural Nepal. Plos One. 2017;12(2):1-15..

Outro fator relevante na condição de saúde é o equilíbrio corporal. As doenças crônico-degenerativas associam-se frequentemente a alterações estruturais que comprometem a postura e o equilíbrio. A insegurança causada pelo desequilíbrio corporal pode conduzir a alterações psíquicas tais como irritabilidade, perda de autoconfiança, ansiedade, depressão e perda de autoestima. Os distúrbios do equilíbrio corporal conduzem também a uma restrição nas atividades da vida diária e sociais que por seu turno refletem na autoestima1414 Ferreira CV, Ferreira VCG, Escobar RV. Relação entre envelhecimento ativo, risco de queda e perfil functional de idosos. RECES. 2012;2(2):27-41.,1515 Oliveira JKB, Duarte SFP, Reis LA. Relação entre equilíbrio, dados siciodemograficos e condição de saúde em idosos participantes de grupos de convivência. Estud Interdiscip Envelhec. 2016;21(1):107-21. .

Por tudo isto, a avaliação da condição de saúde da pessoa, deve ter uma abordagem global e multidimensional, incluindo uma avaliação física, nutricional e cognitiva1616 Caveiro RR, Peluso ETP, Branco-Barreiro FCA. Depressão em idosos com tontura crónica e sua relação com desequilíbrio e impacto da tontura na qualidade de vida. RECES. 2013;5(2):25-34..

Neste estudo, pretende-se averiguar se a condição de saúde da pessoa idosa é mediadora na associação entre o estado cognitivo e autoestima em idosos institucionalizados.

Deste modo, o objetivo dessa investigação traduz-se na seguinte questão de investigação: Existe um papel mediador da condição de saúde na associação entre o estado cognitivo e a autoestima global em idosos institucionalizados?

MÉTODO

Estudo exploratório, de caráter transversal do tipo Ex-post facto. A tipologia do estudo é casual correlacional, que recorreu à metodologia da análise de caminhos (em sentido mais lato às metodologias das questões estruturais) para testar a respectiva questão de investigação.

Os participantes deste estudo são provenientes de uma região do norte de Portugal, Trás-os-Montes e Alto Douro, estando institucionalizados em Equipamentos Residenciais para Pessoas Idosas (ERPI).

Fez-se um mapeamento dos ERPI do distrito de Vila Real por meio da consulta à Carta Social1717 Martins MM, Gomes B. Avaliação multidimensional da pessoa. In. Teresa Martins T, Araújo MF, Peixoto MJ, Machado PP, organizadores. A pessoa dependente e o familiar cuidador. Porto: Escola Superior de Enfermagem; 2016. p. 41-57. Foram identificados 56 ERPI, com estatuto jurídico de Instituições Privadas de Solidariedade Social. Efetuou-se um contato telefônico com os responsáveis de cada instituição, cujo propósito foi o agendamento de uma reunião para a apresentação do estudo e seus objetivos, 25 instituições aderiram e deram parecer positivo.

O método de amostragem utilizado na recolha da amostra foi do tipo aleatório simples. A cada idoso foi atribuído um número, efetuando-se a seleção aleatória de 30% de participantes residentes em cada instituição. Essa percentagem foi reposta sempre que não existiu consentimento na participação no estudo, por parte do idoso ou representante legal.

A recolha de dados efetuou-se entre agosto de 2014 e julho de 2015, tendo sido realizada pela primeira autora num local adequado para o efeito, disponibilizado em cada uma das instituições participantes.

Os critérios de inclusão foram: ter idade maior ou igual a 65 anos, de ambos os gêneros, estar institucionalizado em ERPI e estar disponível em participar no estudo. Foram excluídos os participantes que apresentavam deficit cognitivo.

Na avaliação da capacidade cognitiva dos participantes, recorreu-se ao Mini-Mental State Examination (MMSE) desenvolvido por Folstein et al.1818 Lisboa. Ministério da Solidariedade e Segurança Social. Carta social: Rede de serviços e equipamentos: Relatório 2011. Lisboa: MSSS; 2011. em 1975 e adaptado para a população portuguesa1919 Folstein M, Folstein S, McHugh P. Mini-Mental State: A pratical method for granding the cognitive state of patients for the clinician. J Psychiatr Res. 1975;12(3):189-198.. O MMSE apresenta 30 questões, sendo atribuído um ponto a cada resposta corretamente emitida. Foram utilizados os valores de corte para a população portuguesa redefinidos em 20092020 Guerreiro M, Silva AP, Botelho M, Leitão O, Castro-Caldas A, Garcia C. Adaptação à população portuguesa da tradução do Mini-Mental State Examination (MMSE). Rev Port Neurol. 1994;1(9):9-10.. Esse procedimento está de acordo com as habilitações literárias dos sujeitos e define que a obtenção de 22 pontos se refere entre zero e dois anos de literacia, 24 estão de acordo com três a seis anos de literacia e 27 pontos o valor de corte para os idosos com literacia igual ou superior a sete anos.

O equilíbrio corporal foi avaliado por meio da versão portuguesa do Tinetti Perfomance - Oriented Mobility Assessement (POMA I)2121 Morgado J, Rocha CS, Maruta C, Guerreiro M, Martins IP. Novos valores normativos do Mini-Mental State Examination. Sinapse. 2009;9(2):10-6.. O POMA I avalia a predisposição a quedas, por meio de um conjunto de tarefas relacionadas com a mobilidade e o equilíbrio. O instrumento apresenta duas vertentes: a avaliação do equilíbrio estático por meio de nove itens (Índice de Tinetti)2222 Petiz EM. A atividade física, equilíbrio e quedas:Um estudo em idosos institucionalizados [Dissertação]. Porto: Universidade do Porto, Faculdade de Ciências do Desporto e de Educação Física; 2002.. Dois itens entre 0 e 1 e, sete entre 0 e 2. A avaliação do equilíbrio dinâmico recorre a 10 itens, oito são pontuados entre 0 e 1 e dois entre 0 e 2. Neste estudo foi utilizada a subescala do equilíbrio estático.

A avaliação nutricional dos participantes foi efetuada com recurso ao questionário desenvolvido pela Nestlé Nutrition Institute (NNI), o Miniavaliação Nutricional (MAN)2323 Tinetti ME. Performance: orientend assessment of mobility problems in the elderly patients. J Am Geriatr Soc. 1986;34(2):119-26.. O instrumento é composto por 18 questões, dividido em duas partes e agrupadas em quatro categorias: medições antropométricas, avaliação global, avaliação dietética e autoperceção sobre problemas nutricionais e estado de saúde. Numa primeira fase, o MAN realiza uma triagem apresentando seis questões que avaliam a ingestão alimentar, perda de peso nos últimos três meses, mobilidade, estresse psicológico ou doença aguda nos últimos três meses, problemas neuropsicológicos e o índice de massa corporal (score máximo de 14 pontos). Numa segunda fase, o questionário avalia a nutrição global em 12 questões (score máximo de 16 pontos). Cada questão é pontuada com 1 ponto. Quanto maior o score total mais frágil é o estado nutricional do idoso. Esse instrumento foi traduzido, adaptado e validado para a população portuguesa2424 Guiso Y, Vellas B, Garry PJ. Mini nutrition assessment: a practical assessment tool for grading the nutritional state of the elderly patients. Facts Res Gerontol. 1994;2(Supll):15-59..

A autoestima global foi avaliada por meio da versão portuguesa da Rosenberg Self-Esteem Scale (RSES)2525 Loureiro MHVS. Validação do "Mini- Nutritional Assessement" em idosos. [Dissertação]. Coimbra: Universidade de Coimbra, Faculdade de Medicina; 2008.. A RSES é uma medida global de autoestima constituída por 10 itens, cinco de orientação positiva e cinco de orientação negativa. O formato de resposta atual é em Likert com quatro alternativas de resposta2525 Loureiro MHVS. Validação do "Mini- Nutritional Assessement" em idosos. [Dissertação]. Coimbra: Universidade de Coimbra, Faculdade de Medicina; 2008..

Neste estudo, foi utilizado um questionário sociodemográfico em ordem a recolher dados tais como idade, gênero, estado civil, escolaridade, tempo de institucionalização e consumo diário de fármacos.

A variável mediadora constitui-se pela condição de saúde sendo essa composta pelos scores obtidos no MAN e no POMA I, a variável preditora formada pela capacidade cognitiva e a variável critério pelos scores obtidos pela RSES. A análise estatística utilizada neste estudo foi a análise de caminhos (path analysis).

O efetivo da amostra utilizado neste estudo foi superior ao requisitado à priori (N= 100) para uma análise com um poder de efeito de 0,1, nível de poder estatístico desejado de 0,8, utilizando uma variável latente e quatro variáveis observadas, numa probabilidade estipulada de 0,05. A testagem da natureza mediadora da condição de saúde foi efetuada por meio do método de Baron e Kenny2626 Romano A, Nogueira J, Martins T. Contributos para a avaliação da escala de auto-estima de Rosenberg numa amostra de adolescentes da região interior norte de país. Psicol Saúde Doenças. 2007;8(1):107-14., nomeadamente à avaliação da significância dos caminhos entre preditor e mediador, preditor e critério e ainda, mediador e critério. A partir desse ponto procedeu-se à testagem da significância do teste de Sobel2727 Baron RM, Kenny DA. The moderator-mediator variable distiction in social psychological research: conceptual, strategic, and statistical considerations. J Personal Soc Psychol. 1986;51(6):1173-82. tendo em conta os valores de regressão não estandardizados e o erro padrão. O ajustamento dos dados ao modelo testado recorreu a vários índices de bondade de ajustamento de acordo com as práticas preconizadas como eficazes na avaliação dos modelos de equações estruturais2828 Sobel ME. "Asymptotic Confidence Intervais for Indirect effects in Structural Equation Models". Sociol Methodol. 1982;13:290-312., nomeadamente o valor do qui-quadrado (e graus de liberdade), a significância do qui-quadrado, o Índice de Ajustamento Comparativo (CFI), a Raiz Quadrada Média Residual Estandardizada (SRMR), a Raiz da Média dos Quadrados dos Erros de Aproximação (RMSEA) e respectivo intervalo de confiança a 90%.

Tendo em conta as limitações etárias e de escolaridade dos participantes, os questionários foram administrados em forma de entrevista. Salvaguardaram-se os princípios éticos, incluindo o sigilo e a confidencialidade dos dados adquiridos (quer na recolha, quer no tratamento dos mesmos). Foi solicitado o consentimento livre e informado aos participantes após o esclarecimento pessoal acerca da natureza e objetivos da investigação. Esse projeto foi aprovado pela Comissão de Ética do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar com o número de registo 166/2016.

RESULTADOS

A amostra foi constituída por 312 participantes, de ambos os gêneros (112 homens e 200 mulheres), com idade mínima de 65 anos e máxima de 104 anos [M=83,39; (±7,09)]. Relativamente ao estado civil, 17,30% (n=54) dos participantes eram casados ou encontravam-se em união de facto; 20,80% (n=65) eram solteiros; 59,90% (n=187) viúvos e 1,9% (n=6) divorciados. Cerca de metade (49,90%; n=149) dos respondentes eram analfabetos e 43,50% (n=135) reportaram três ou quatro anos de escolaridade. Apenas 4,4% (n=14) dos participantes tinham mais de cinco anos de escolaridade. Em média os participantes apresentavam uma história de institucionalização na instituição atual de 54,60 (±51,69) meses. O consumo diário de fármacos era de sete medicamentos por dia [M=7,10; (±3,19)]. Muitos dos participantes apresentavam dano cognitivo (73,40%; n=229).

A condição de saúde foi testada enquanto variável mediadora, tendo sido construída enquanto fator latente. Os indicadores introduzidos nessa análise foram a Avaliação Nutricional Global (ANG) e a Avaliação do Equilíbrio Corporal (AEC). A variável preditora no estudo foi a capacidade cognitiva avaliada por meio do MMSE. A variável critério ou dependente são os valores dos scores obtidos para a RSES (autoestima) (Figura 1).

Figura 1
Teste de mediação da condição de saúde na associação entre avaliação do estado cognitivo e autoestima global.

Modelo de caminhos - pressupostos da mediação de acordo com a abordagem clássica em quatro passos de Baron e Kenny 26 26 Romano A, Nogueira J, Martins T. Contributos para a avaliação da escala de auto-estima de Rosenberg numa amostra de adolescentes da região interior norte de país. Psicol Saúde Doenças. 2007;8(1):107-14.

Inicialmente, foram testados os valores de regressão entre as variáveis do modelo tendo as associações registrado valores significativos e positivos entre: a variável preditora e a variável mediadora, a variável mediadora e a varável critério entre a variável preditora e a variável critério. O resultado do teste de Sobel indicou, contudo, a não existência de mediação. A Figura 1 resume os resultados.

A análise da decomposição dos efeitos indicou a existência de um efeito indireto significativo do estado cognitivo na autoestima via condição de saúde. Testado o valor desse efeito com recurso à subtração dos valores estandardizados do efeito indireto ao valor do efeito total do preditor, verificou-se a existência de um valor direto pequeno e não significativo da avaliação do estado cognitivo na autoestima global, sendo, contudo, que o impacto total do preditor na autoestima global é significativo e de magnitude moderada. Os resultados verificam não existir mediação no modelo.

Existe um efeito positivo do estado cognitivo na condição de saúde dos respondentes. O modelo indica ainda a existência de um efeito total significativo, positivo e elevado da condição de saúde na autoestima. O valor total do peso da condição de saúde na autoestima é significativo e positivo embora moderado. De acordo com o modelo total, o impacto estandardizado representado pelo valor de regressão que associa preditor e critério diretamente não é significativo. A Figura 2 apresenta o modelo total e respectivos valores beta estandardizados.

Figura 2
Modelo final testado, com apresentação dos efeitos diretos e indiretos.

DISCUSSÃO

Inicialmente, importa referir que no presente estudo não foi encontrada evidência de mediação da condição de saúde na associação entre estado cognitivo e autoestima global. Contudo, encontrou-se um efeito positivo do estado cognitivo na condição de saúde, expectável, de acordo com os autores que referem que o estado cognitivo tem efeito na condição de saúde, no bem-estar, na qualidade de vida e na autoestima. Verifica-se assim que o declínio do estado cognitivo é um fator predisponente a uma condição de saúde frágil2929 Hair JF, Black B, Babin B, Anderson RE, Tatham RL. Multivariate data analysis: a global perspective. New Jersey: Pearson Education; 2010..

O impacto da condição de saúde na autoestima mostrou ser, nesse estudo, significativamente positivo. Para alguns autores, os efeitos do envelhecimento adicionados à diminuição da funcionalidade, às alterações nutricionais e de equilíbrio corporal, acompanhados muitas vezes do sedentarismo poderão resultar em perdas na saúde e na qualidade de vida dos idosos1313 Ghimires S, Baral BK, Callahan K. Nutritional assessment of community- dwelling older adults in rural Nepal. Plos One. 2017;12(2):1-15.,155 Berlezi EM, Farias AM, Dallazen E, Oliveira KR, Pillatt AP, Fortes CK. Como está a capacidade funcional de idosos residentes em comunidades com taxa de envelhecimento populacional acelarado? Rev Bras Geriatr Gerontol. 2016;19(4):643-52. . Essa multiplicidade de fatores associados tem como consequência antecipada a perda da autonomia, da execução dos cuidados pessoais e em algumas circunstâncias da mobilidade, resultando os últimos em preditores de níveis baixos de autoestima3030 Duarte M, Paúl C. Indicadores de saúde mental como fatores preditores de fragilidade nos idosos. Rev Port Enferm Saúde Ment. 2014;(Esp. I):27-32.. Esses autores3030 Duarte M, Paúl C. Indicadores de saúde mental como fatores preditores de fragilidade nos idosos. Rev Port Enferm Saúde Ment. 2014;(Esp. I):27-32. reconhecem que o processo de envelhecimento comporta riscos de comprometimento do estado nutricional, risco esse que aumenta exponencialmente nos idosos institucionalizados. Existe correlação entre condição de saúde e autoestima, pelo que os estudos deverão centrar-se na identificação dos fatores que possam ser preditores adicionais de deficit de autoestima nos idosos3131 Silvério JKA, Pedreira KRA, Kutz NA, Salgueiro MMHAO. Estado nutricional de idosos institucionalizados: uma revisão de literature. Rev Visão Académica. 2016;17(3):75-90.. O sedentarismo, advindo do declínio do equilíbrio corporal, articulado ao deficit nutricional associa-se a uma redução da capacidade funcional1515 Oliveira JKB, Duarte SFP, Reis LA. Relação entre equilíbrio, dados siciodemograficos e condição de saúde em idosos participantes de grupos de convivência. Estud Interdiscip Envelhec. 2016;21(1):107-21.. Se por um lado a literatura reconhece que o compromisso da mobilidade pode afetar o estado nutricional, reconhece também que há um efeito de dispersão dessa associação, donde resultam deficit na qualidade de vida que afetam negativamente a autoestima dos idosos99 Schultheisz TSV, Aprili MR. Autoestima, conceitos correlatos e avaliação. RECES. 2013;5(1):36-48.,1313 Ghimires S, Baral BK, Callahan K. Nutritional assessment of community- dwelling older adults in rural Nepal. Plos One. 2017;12(2):1-15. . Outro estudo alarga o âmbito dessas variáveis, afirmando que os distúrbios do equilíbrio corporal apresentam um impacto negativo na autonomia social, nas atividades de vida diária, na segurança física e psíquica e na autoconfiança, que por sua vez têm um correlato negativo no bem-estar e autoestima dos idosos3232 Tavares DMS, Matias TG, Ferreira PCS, Pegorari MS, Nascimento JS, Paiva MM. Qualidade de vida e autoestima de idosos na comunidade. Rev Ciênc Saúde Coletiva. 2016;23(11):3557-64.. A esse propósito Caveiro et al.1515 Oliveira JKB, Duarte SFP, Reis LA. Relação entre equilíbrio, dados siciodemograficos e condição de saúde em idosos participantes de grupos de convivência. Estud Interdiscip Envelhec. 2016;21(1):107-21. apresentam evidências que o desequilíbrio corporal é um dos principais fatores a comprometer a condição de saúde dos idosos, que acontece devido à redução na participação em atividades sociais e de autocuidado, conduzindo ao sofrimento emocional e psíquico.

Importa ainda discutir os resultados do ajustamento dos dados ao modelo dado pelo valor de RMSEA elevado e considerado medíocre (RMSEA>0,06, apresentando um limite superior no ICRMSEA90% ≥0,08). Salienta-se que em amostras consideradas grandes e com uma complexidade do modelo elevada (talvez aqui considerando a existência de um fator latente com dois indicadores de qualidades diversas) o valor do RMSEA aumenta, podendo ser um dos fatores explicativos para o elevado valor obtido. Importa, contudo, reiterar que os restantes índices de bondade de ajustamento se apresentaram adequados e até elevados para os valores de corte que lhes estão normalmente atribuídos.

As limitações deste estudo encontram-se sobretudo no tipo de amostra, composta exclusivamente por idosos institucionalizados em equipamentos sem fins lucrativos e circunscrita a uma região do norte de Portugal, Trás-os-Montes e Alto Douro, impossibilitando a generalização dos resultados à população portuguesa e no desenho de um estudo transversal que não permite estabelecer relações de causa e efeito. Em futuros estudos sugere-se a inclusão de idosos institucionalizados noutras regiões do país, a inclusão comparativa de idosos onde os cuidados passam por soluções alternativas ao internamento e o recurso a instituições de internamento de cariz particular.

CONCLUSÃO

Este estudo vem reforçar que o processo de envelhecimento interfere na condição de saúde, quer através da diversidade de alterações fisiológicas que vão acontecendo, quer pela variabilidade das variáveis intrapessoais, quer psicológicas específicas do idoso, quer mesmo através do contexto social específico ao idoso. Considera-se que os resultados apoiam o pressuposto de que alterações cognitivas e de comportamento podem afetar o estado nutricional e o equilíbrio corporal dos idosos. Referente ao estado nutricional e à capacidade cognitiva existe um círculo de causa efeito em retroalimentação constante, ou seja, compromissos nutricionais têm influência negativa na função cognitiva e compromissos nessa última reforçam o comprometimento do estado nutricional3333 Vieira AAU, Aprile MR, Paulino CA. Exercício físico, envelhecimento e quedas em idosos: revisão narrative. RECES. 2014;6(1):23-31.. Assim, a manutenção da função cognitiva requer um estado nutricional adequado e saudável e vice-versa. Já os compromissos da função cognitiva conduzem a perdas ou redução da autonomia e da independência, provocando o declínio da condição de vida dos idosos que por seu turno englobam o estado nutricional. Assim, a estimulação cognitiva deve ser uma técnica privilegiada na abordagem dos profissionais de saúde à pessoa idosa.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Aug 2018

Histórico

  • Recebido
    03 Dez 2017
  • Revisado
    06 Mar 2018
  • Aceito
    16 Maio 2018
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