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Multimorbidade associado à polifarmácia e autopercepção negativa de saúde

Resumo

Objetivo:

verificar a associação entre multimorbidade em idosos e variáveis sociodemográficas, autopercepção de saúde e polifarmácia.

Método:

Estudo de corte transversal, para a coleta de dados utilizou-se o questionário Saúde, Bem-estar e Envelhecimento. A amostra foi constituída de 676 indivíduos com 60 anos de idade ou mais residentes em municípios de pequeno porte do norte do estado do Rio Grande do Sul, Brasil. A variável dependente foi a multimorbidade, isto é, a ocorrência de duas ou mais doenças crônicas não transmissíveis no mesmo indivíduo. As variáveis independentes foram as características demográficas, socioeconômicas e relativas à saúde. O modelo de regressão de Poisson bruta e ajustada foi utilizado para analisar o efeito das variáveis independentes em relação ao desfecho e p foi considerado significativo quando <0,05.

Resultados:

Dos idosos entrevistados, 45% apresentam multimorbidade, 51,1% relatam autopercepção de saúde ruim/muito ruim e 37,1% faz uso de polifarmácia. Após análise ajustada à ocorrência de multimorbidade, apresentou-se associação às variáveis: percepção de saúde negativa. RP=1,15; (IC95%; 1,09 - 1,22) e uso de polifarmácia RP=1,29; (IC95%; 1,22 - 1,35).

Conclusão:

A multimorbidade pode interferir negativamente na autopercepção de saúde dos idosos contribuindo para o aumento do consumo de medicamentos.

Palavras-chaves:
Idoso; Comorbidade; Doença Crônica; Saúde do Idoso; Polifarmácia; Autopercepção de Saúde

Abstract

Objective:

to verify the association between the multimorbidity of the elderly and sociodemographic variables, self-perception of health and polypharmacy.

Method:

a cross-sectional study was performed. The research data was collected using the Health, Well-Being and Aging questionnaire. The sample was composed of 676 people aged 60 years or more, who were residents of small towns in the north of the state of Rio Grande do Sul, Brazil. The dependent variable was multimorbidity, that is, the occurrence of two or more chronic non-communicable diseases in the same person. The independent variables were demographic, socioeconomic and health-related characteristics. Poisson’s raw and robust regression model was used to analyze the effect of the independent variables in relation to the outcome and p was considered significant when <0.05.

Result:

among the elderly interviewed, 45% presented multimorbidity, 51.1% reported a self-perception of poor/very poor health and 37.1% used polypharmacy. After the analysis was adjusted to the occurrence of multimorbidity, association with the following variables was found: health perception (regular/poor/very poor) PR=1.15 (CI95%; 1.09 - 1.22) and use of polypharmacy PR=1.29 (CI95%; 1.22 - 1.35).

Conclusion:

Multimorbidity may interfere negatively in the self-perception of health of the elderly contributing to increased medicine consumption.

Keywords:
Elderly; Comorbidity; Chronic Disease; Health of the Elderly; Polypharmacy; Self-Perception of Health

INTRODUÇÃO

O envelhecimento pode propiciar o aparecimento de doenças crônicas não transmissíveis (DCNT). Embora esse processo não esteja relacionado diretamente às doenças crônicas e incapacidades, essas são frequentes nos idosos11 Marengoni A, Angleman S, Melis R, Mangialasche F, Karp A, Garmen A. Aging with multimorbidity: a systematic review of the literature. Ageing Res Rev. 2011;10(4):430-9..

Dentre as DCNT que acometem os idosos, as principais estão relacionadas ao sistema cardiovascular, como Hipertensão Arterial Sistêmica, Acidente Vascular Encefálico, aumento nas taxas de glicose podendo resultar em diabetes mellitus e câncer22 Ministério da Saúde. Plano de Ações Estratégicas para o Enfrentamento das Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNT) no Brasil 2011-2022 [Internet]. Brasília, DF: MS; 2011. [acesso em 20 jan. 2017]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/plano_acoes_enfrent_dcnt_2011.pdf. No entanto, verifica-se uma frequência crescente de múltiplas doenças crônicas em um mesmo indivíduo, o que corrobora a presença da multimorbidade entre os idosos.

A literatura33 Boyd CM, Fortin M. Future of multimorbidity research: how should understanding of multimorbidity inform health system design? Public Health Rev. 2010;32(2):451-74.

4 Barnett K, Mercer SW, Norbury M, Watt G, Wyke S, Guthrie B. Epidemiology of multimorbidity and implications for health care, research, and medical education: a cross-sectional study. Lancet. 2012;380(9836):37-43.

5 Salive ME. Multimorbidity in older adults. Epidemiol Rev. 2013;1(1):75-83.
-66 Lefèvre T, D&apos;ivernois JF, De Andrade V, Crozet C, Lombrail P, Gagnayre R. What do we mean by multimorbidity? an analysis of the literature on multimorbidity measures, associated factors, and impact on health services organization. Rev Epidemiol Santé Publique. 2014;62(5):305-14. considera multimorbidade a ocorrência de duas ou mais morbidades, doenças crônicas físicas ou mentais, de forma simultânea em um indivíduo. Pessoas em condição de multimorbidade, em especial os idosos, tendem a passar por um maior número de hospitalizações, usam simultaneamente vários medicamentos e com isso aumenta a susceptibilidade aos efeitos adversos. Deste modo, a presença de multimorbidade incrementa o risco de mortalidade, gera problemas de ordem física e mental33 Boyd CM, Fortin M. Future of multimorbidity research: how should understanding of multimorbidity inform health system design? Public Health Rev. 2010;32(2):451-74.

4 Barnett K, Mercer SW, Norbury M, Watt G, Wyke S, Guthrie B. Epidemiology of multimorbidity and implications for health care, research, and medical education: a cross-sectional study. Lancet. 2012;380(9836):37-43.
-55 Salive ME. Multimorbidity in older adults. Epidemiol Rev. 2013;1(1):75-83. e influencia negativamente a qualidade de vida77 Organização Mundial de Saúde. Estatísticas da Saúde Mundial 2011. Geneva: OMS; 2011.

8 Lima-costa MF, Facchini LA, Matos DL, Macinko J. Tendências em dez anos das condições de saúde de idosos brasileiros: evidências da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (1998 - 2008). Rev Saúde Pública. 2012;46(1):100-7.
-99 Alaba O, Chola L. The social determinants of multimorbidity in South Africa. Int J Equity Health. 2013;12(1):63-73.. Por conseguinte, solicita mais demandas, fato esse que resulta em grande desafio para os sistemas de saúde no mundo1010 Vos T, Flaxman AD, Naghavi M, Lozano R, Michaud C, Ezzati M, et al. Years lived with disability (YLDs) for 1160 sequelae of 289 diseases and injuries 1990-2010: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2010. Lancet. 2013;380(9859):2163-96.,1111 Batista SR. A complexidade da multimorbidade. J Manag Prim Health Care. 2014;5(1):125-6., pois a atenção torna-se mais complexa1212 Cheung CL, Nguyen USDT, Au E, Tan KCB, Kung AWC. Association of handgrip strength with chronic diseases and multimorbidity. Age. 2013;35(3):929-41..

A condição da multimorbidade, complexa e desafiadora1111 Batista SR. A complexidade da multimorbidade. J Manag Prim Health Care. 2014;5(1):125-6., provoca grande impacto na sociedade, em função de onerar o sistema de saúde, reduzir a produtividade do indivíduo no mercado de trabalho e elevar os custos decorrentes das incapacidades1313 Organização Mundial de Saúde. Estatísticas da Saúde Mundial 2013. Geneva: OMS; 2013.. Ademais, esses dados são fundamentais para mostrar o quão importante é a repercussão das políticas governamentais na saúde das pessoas idosas. Uma vez que a prevalência de multimorbidade nos idosos é elevada (50 a 98%)1010 Vos T, Flaxman AD, Naghavi M, Lozano R, Michaud C, Ezzati M, et al. Years lived with disability (YLDs) for 1160 sequelae of 289 diseases and injuries 1990-2010: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2010. Lancet. 2013;380(9859):2163-96.,1111 Batista SR. A complexidade da multimorbidade. J Manag Prim Health Care. 2014;5(1):125-6., a ocorrência está associada à idade avançada, sexo feminino, baixo nível socioeconômico e estilo de vida insalubre1414 Wang HH, Wang JJ, Wong SY, Wong MC, Li FJ, Wang PX, et al. Epidemiology of multimorbidity and implications for healthcare: Cross-sectional survey among 162,464 community household residents in southern China. BMC med. 2014;12(1):188-99.,1515 Nunes BP, Thumé E, Facchini LA. Multimorbidity in older adults: magnitude and challenges for the Brazilian health system. BMC Public Health. 2015;15(1):1172-82.. Além disso, estudos indicam que a autopercepção de saúde tem sido frequentemente referida como negativa, devido à ocorrência de incapacidade social, física ou mental, prejudicando, assim, a qualidade de vida88 Lima-costa MF, Facchini LA, Matos DL, Macinko J. Tendências em dez anos das condições de saúde de idosos brasileiros: evidências da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (1998 - 2008). Rev Saúde Pública. 2012;46(1):100-7.,99 Alaba O, Chola L. The social determinants of multimorbidity in South Africa. Int J Equity Health. 2013;12(1):63-73.,1616 Ng CW, Luo N, Heng BH. Health status profiles in community-dwelling elderly using self-reported health indicators: a latent class analysis. Quality Life Res. 2014;23(10):2889-98.,1717 Pimenta FB, Pinho L, Silveira MF, Botelho ACDC. Fatores associados a doenças crônicas em idosos atendidos pela Estratégia de Saúde da Família. Ciênc Saúde Coletiva. 2015;20(8):2489-98..

A relevância do tema é meritória, pois frequentemente os estudos clínicos com idosos incluem a comorbidade1111 Batista SR. A complexidade da multimorbidade. J Manag Prim Health Care. 2014;5(1):125-6.. Desta forma, obtendo-se informação acerca da multimorbidade, obtêm-se subsídios para aprimorar os planos terapêuticos. Portanto, este estudo tem por objetivo verificar a associação entre multimorbidade em idosos e variáveis sociodemográficas, autopercepção de saúde e polifarmácia.

MÉTODO

Estudo transversal de base populacional, com idosos residentes em municípios de pequeno porte do norte do estado do Rio Grande do Sul, Brasil. Consideraram-se critérios de inclusão indivíduos com idade igual ou superior a 60 anos, de ambos os sexos, residir na zona urbana ou rural há pelo menos seis meses nos municípios de Coxilha e Estação, possuir, no momento da entrevista, condições cognitivas para responder ao questionário e/ou contar com a presença de um familiar ou cuidador para auxiliar ou efetuar as respostas. Em relação a critérios de exclusão, foram excluídos os idosos hospitalizados no momento da entrevista.

Para o cálculo da amostra considerou-se a prevalência do desfecho (multimorbidade) de 45%1818 Jerliu N, Toci E, Burazeri G, Ramadani N, Brand H. Prevalence and socioeconomic correlates of chronic morbidity among elderly people in Kosovo: a population-based survey. BMC Geriatr. 2013;13(1):22., erro amostral de 5%, intervalo de confiança de 95% e poder de 80%, obtendo-se o resultado de 381 idosos. Para efeito de delineamento multiplicou-se este total por 1,5 obtendo-se 571 idosos. Adicionou-se 10% ao total considerando as possíveis perdas (recusas, não elegibilidade, entre outras), totalizando 628 idosos. No entanto havia outros desfechos com amostra maior, assim, optou-se por incluir os 676 idosos.

No município de Coxilha todos os idosos (352) foram incluídos no estudo. Houve uma perda de 6% (21) totalizando 331 idosos. Para compor o cálculo da amostra foram adicionados aleatoriamente 345 dos 992 idosos residentes no município de Estação. Esses foram inicialmente listados por zona de residência e sexo e, posteriormente, foram selecionados por amostragem aleatória simples mantendo-se as proporções por sexo e zona de residência existente na população total de idosos (Figura 1).

Figura 1
Fluxograma de seleção da amostra. Coxilha, Estação, RS. 2010, 2011.

A coleta de dados foi realizada no período de 2010 a 2011, por meio de inquérito domiciliar, utilizando o questionário estruturado da Pesquisa, Saúde, Bem- estar e Envelhecimento (SABE). O instrumento possui sete seções. Entretanto, para este estudo, foram utilizadas as seguintes seções: a) Informações pessoais e familiares, c) Condições de moradia, d) Condições de saúde e hábitos de vida e f) Uso e acesso aos serviços de saúde.

Considerou-se como variável dependente a multimorbidade. Para análise da multimorbidade, foi utilizada a definição de duas ou mais doenças crônicas em um indivíduo. Como a lista de morbidades para sua operacionalização ainda não está definida na literatura, foram incluídas as mensuradas na seção d (Condições de saúde e hábitos de vida), sendo consideradas as seguintes doenças: hipertensão arterial sistêmica, diabetes mellitus, reumatismo, asma ou bronquite e enfisema pulmonar, derrame/isquemia cerebral, artrite/artrose, osteoporose, problemas cardíacos (doença coronariana, angina, doença congestiva, outros) e depressão.

Foram consideradas as variáveis independentes: sexo (feminino e masculino), faixa etária (60-79 e 80 anos ou mais), escolaridade (frequentou a escola e não frequentou a escola), cor (branco e não branco), situação conjugal (com cônjuge - casado e amasiado e sem cônjuge - viúvo, solteiro, separado e divorciado), renda familiar (≤1 salário mínimo e >1 salário mínimo), local de moradia (urbano e rural) e prática de atividade física (sim e não).

Para a variável atividade física, os idosos foram questionados se eles praticavam alguma atividade física no dia-a-dia (atividades domésticas, de trabalho e/ou de lazer) explicando e exemplificando para que pudessem compreender e classificar se praticavam ou não atividade física. Polifarmácia (Sim e Não), consideramos o uso de polifarmácia os idosos que ao serem questionados quantos medicamentos utilizavam por dia responderam que consomem cinco ou mais medicamentos diários.

Ingestão de Álcool (Sim e Não). Para a variável Ingestão de Álcool, os idosos foram questionados se nos últimos três meses, em média, quantos dias por semana tomou bebida alcoólica. Foram categorizados como sim, os idosos que responderam “1 ou 2 dias por semana”, “3 ou 4 dias por semana”, ou “todos os dias da semana”, e não os que responderam “nenhum dia da semana”. Hábito de fumar (Sim e Não), Percepção de Saúde (Muito boa/boa e Regular/ruim/muito ruim).

As variáveis categóricas (nominais e ordinais) foram apresentadas quanto a distribuições de frequência absolutas e relativas. As variáveis quantitativas foram descritas por medidas de tendência central e variabilidade. Para avaliar a associação entre multimorbidade e as variáveis independentes, utilizou-se análise bivariada pelo teste qui-quadrado, com nível de significância de 5%. Foram utilizadas razões de prevalência e intervalos de confiança de 95% na análise bruta e na análise ajustada, ambas conduzidas por meio de regressão de Poisson. No modelo múltiplo, foram consideradas as variáveis que tiveram um p valor inferior a 0,20 na análise bivariada e permaneceram no modelo aquelas com p<0,05.

Os estudos foram aprovados pelo Comitê de Ética em Pesquisas da Universidade de Passo Fundo sob o parecer 148/2010 (Coxilha) e 017/2011 (Estação), seguindo as regras da Resolução nº 196/96 do Conselho Nacional de Saúde.

RESULTADOS

Participaram do estudo 676 idosos, com predomínio do sexo feminino (54,6%). A idade média foi de 70 anos (±7,63), destes, 78,4% referem ser de cor branca; 15% frequentou a escola; 71,4% com cônjuge, 88,9% tem renda superior ou igual a um salário mínimo e 69,4% residem na zona urbana. Em relação aos aspectos de saúde, 45% apresentam multimorbidade, 49,4% não praticam atividade física; 27,1% fazem uso de polifarmácia; 67,6% ingerem bebida alcóolica; 14,4% são fumantes, 47,2% relataram autopercepção de saúde sendo ruim/muito ruim; e a maior parte dos idosos tem acesso aos serviços de saúde, com percentual de 98,8%, conforme Tabela 1.

Tabela 1
Características sociodemográficas e comportamentais de idosos.RS, 2010/2011.

A prevalência de multimorbidade nos idosos foi de 45% e entre aqueles acometidos pelo desfecho, 50,9% são do sexo feminino, 60% tem idade acima de 80 anos, 47,9% não são brancos, 48% frequentaram a escola, 51,8% sem cônjuge, 45,5%, tem renda superior a 1 salário mínimo, 69,4% residem na zona urbana, 53,3% não realizam atividade física, 86% fazem uso de polifarmácia, 52,9% ingerem bebida alcóolica, 45,8% não fumam, e 63,7% tem a percepção de sua saúde como regular/ruim/muito ruim (Tabela 2).

Tabela 2
Prevalência da multimorbidade e fatores associados em idosos. RS, 2010/2011.

A multimorbidade apresentou associação na análise bruta com as seguintes variáveis: sexo (p=0,001), faixa etária (p=0,002), situação conjugal (p=0,033), renda familiar (p=0,194), prática de atividade física (p=<0,001), polifarmácia (p=<0,001), ingestão de álcool (p=<0,001) e percepção de saúde (p=<0,001). Na análise ajustada a multimorbidade em idosos, permaneceu associada à polifarmácia (p=<0,001) e percepção de saúde (p=<0,001) (Tabela 2).

A razão de prevalência dos idosos com multimorbidade em referir sua saúde como regular/ruim/muito ruim é 1,15 vezes maior em relação aos idosos que referem sua saúde como muito boa/boa. Ainda, a razão de haver prevalência de idosos apresentando multimorbidade, bem como fazendo uso de polifarmácia é de 1,29 vezes maior em relação aos idosos que não fazem o uso de polifarmácia.

DISCUSSÃO

A prevalência de multimorbidade encontrada na população idosa foi de 45%, taxa inferior a encontrada em estudos de revisão sistemática, em que a prevalência foi de 50 a 98%11 Marengoni A, Angleman S, Melis R, Mangialasche F, Karp A, Garmen A. Aging with multimorbidity: a systematic review of the literature. Ageing Res Rev. 2011;10(4):430-9.,1919 Violán C, Forguet-Boreu Q, Flores-mateo G, Salisbury C, Blom J, Freitag M, et al. Prevalence, determinants and patterns of multimorbidity in primary care: a systematic review of observational studies. PloS ONE. 2014;9(7):102-49.. As diferenças podem ser justificadas pelas distintas formas de análise da prevalência de multimorbidade entre os estudos, dificultando a sua investigação, principalmente pela falta de um padrão em relação ao número de doenças a serem consideradas. Frequentemente, utiliza-se nos estudos a ocorrência de duas ou mais doenças crônicas2020 Arokiasamy P, Uttamacharya U, Jain K, Biritwum R B, Yawson AE, Wu F, et al. The impact of multimorbidity on adult physical and mental health in low-and middle-income countries: what does the study on global ageing and adult health (SAGE) reveal? BMC Med. 2015;13(1):178.. No entanto, o número de condições crônicas avaliadas nos estudos varia de 5 a 335, ocorrendo variação nos resultados de prevalência1919 Violán C, Forguet-Boreu Q, Flores-mateo G, Salisbury C, Blom J, Freitag M, et al. Prevalence, determinants and patterns of multimorbidity in primary care: a systematic review of observational studies. PloS ONE. 2014;9(7):102-49..

Ainda, o local onde foi realizado o estudo pode ter influenciado os resultados, devido ao fato de que as principais pesquisas são, com frequência, realizadas em grandes centros urbanos2121 Smith SM, Soubhi H, Fortin M, Hudon C, O'Dowd T. Managing patients with multimorbidity: systematic review of interventions in primary care and community settings. BMJ Open. 2012;345:2-10., embora, na análise sistemática, o desfecho não estivesse associado ao local de moradia1919 Violán C, Forguet-Boreu Q, Flores-mateo G, Salisbury C, Blom J, Freitag M, et al. Prevalence, determinants and patterns of multimorbidity in primary care: a systematic review of observational studies. PloS ONE. 2014;9(7):102-49..

Do mesmo modo, o método para análise de associação da multimorbidade utilizado pode ter interferido nos resultados. Utilizou-se a análise de regressão logística de Poisson, a qual demonstrou diferenças significativas nos resultados encontrados na literatura, em que, reiteradamente, a multimorbidade está relacionada ao sexo feminino, idade avançada, baixo nível socioeconômico e inatividade física, além de transtornos mentais77 Organização Mundial de Saúde. Estatísticas da Saúde Mundial 2011. Geneva: OMS; 2011.. Operou-se esse teste no modelo bruto e ajustado: no modelo bruto, as variáveis destacadas na literatura mostraram-se associadas. No entanto, ao realizar a análise ajustada, permaneceram a polifarmácia e a autopercepção de saúde associadas ao desfecho.

No que diz respeito à autopercepção de saúde como regular/ruim/muito ruim, esta foi referida, pela maioria dos idosos, com multimorbidade, apresentando associação com o desfecho. Outros estudos também encontraram os mesmos resultados99 Alaba O, Chola L. The social determinants of multimorbidity in South Africa. Int J Equity Health. 2013;12(1):63-73.,1717 Pimenta FB, Pinho L, Silveira MF, Botelho ACDC. Fatores associados a doenças crônicas em idosos atendidos pela Estratégia de Saúde da Família. Ciênc Saúde Coletiva. 2015;20(8):2489-98.. Tal achado pode ser explicado por estudos que demonstram que idosos com multimorbidade apresentam pior qualidade de vida, deficit no autocuidado com a saúde e maior grau de dependência para atividade de vida diária, com repercussões negativas em sua capacidade funcional2222 Huntley A L, Johnson R, Purdy S, Valderas JM, Salisbury C. Measures of multimorbidity and morbidity burden for use in primary care and community settings: a systematic review and guide. Ann Fam Med. 2012;10(2):134-41.. Na medida em que aumenta o número de doenças, ocorrem complicações física, social e mental nos idosos, influenciando na piora da autopercepção de saúde2323 Organização Mundial de Saúde. Relatório mundial de envelhecimento e saúde. Geneva: OMS; 2015..

Em relação à polifarmácia, o uso dessa está associado à multimorbidade. Essa associação pode ser entendida pela necessidade frequente dos idosos em ingerir medicações para o tratamento das doenças. A procura por consulta médica decorrente das manifestações clínicas das doenças, o atendimento fragmentado dos idosos com multimorbidade, os protocolos de saúde direcionados a uma única doença1111 Batista SR. A complexidade da multimorbidade. J Manag Prim Health Care. 2014;5(1):125-6., a dificuldade de decisão do tratamento de forma compartilhada entre os profissionais de saúde e a dificuldade na prestação de cuidados centrados no paciente2424 Sinnott C, Mc Hugh S, Browne J, Bradley C. GPs' perspectives on the management of patients with multimorbidity: systematic review and synthesis of qualitative research. BMJ Open. 2013;3(9):1-12. podem ser os elementos que contribuem para o uso frequente de medicações por parte dos idosos.

Além disso, este consumo sem controle pode ocasionar alterações clínicas, ou ainda, interações medicamentosas com efeitos adversos nos idosos2222 Huntley A L, Johnson R, Purdy S, Valderas JM, Salisbury C. Measures of multimorbidity and morbidity burden for use in primary care and community settings: a systematic review and guide. Ann Fam Med. 2012;10(2):134-41.,2525 Pavão ALB, Werneck GL, Campos MR. Autoavaliação do estado de saúde e a associação com fatores sociodemográficos, hábitos de vida e morbidade na população: um inquérito nacional. Cad Saúde Pública. 2013:29(4):723-34.. Entender como as morbidades interagem entre si tem maior relevância clínica do que a contagem do número de doenças. A partir desse conhecimento, poderão ser determinadas possíveis interações medicamentosas a quais os idosos estão expostos1111 Batista SR. A complexidade da multimorbidade. J Manag Prim Health Care. 2014;5(1):125-6.. Os estudos acerca de medicamentos excluem frequentemente idosos com multimorbidade, ocasionando a dificuldade dos profissionais médicos em determinar o tratamento adequado2626 Broeiro P. Multimorbilidade e comorbilidade: duas perspectivas da mesma realidade. Rev Port Med Geral Fam. 2015;31(3):158-60.. Entretanto, o profissional geriatra, quando participa no tratamento junto com a equipe multidisciplinar, pode manter ou diminuir o número de medicamentos utilizados pelos pacientes2727 Regueiro M, Mendy N, Cañás M, Farina HO, Nagel P. Uso de medicamentos en adultos mayores no institucionalizados. Rev Peru Med Exp Salud Publica. 2011;28(4):643-47.. Além disso, a utilização de métodos referidos na literatura como o proposto por BEERS (o qual permite avaliar a adequação dos medicamentos utilizados pelos idosos), evita o uso de medicamentos potencialmente inapropriados2828 Campanelli CM. American Geriatrics Society updated beers criteria for potentially inappropriate medication use in older adults: the American Geriatrics Society 2012 Beers Criteria Update Expert Panel. J Am Geriatr Soc. 2012;60(4):616-31..

CONCLUSÃO

Concluímos que a multimorbidade está associada à autopercepção de saúde negativa e a polifarmácia. Face ao envelhecimento progressivo da população, atenção especial deve ser dada ao idoso com multimorbidade, o que indica a necessidade de intervenções de saúde não apenas para tratar as doenças crônicas, mas para promover melhoria da qualidade de vida.

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  • Errata
    No artigo “Multimorbidade associado à polifarmácia e autopercepção negativa de saúde”, publicado em Revista Brasileira de Geriatria e Gerontologia, v. 20, n. 5, p. 635-643, 2017, DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1981 22562017020.170059, na página 635, o nome do sexto autor está errado.
    Onde se lê: Marcos Paulo Delani5
    Leia-se: Marcos Paulo Dellani5

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Oct 2017

Histórico

  • Recebido
    01 Jul 2017
  • Revisado
    18 Jul 2017
  • Aceito
    29 Ago 2017
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