RESUMO
Este artigo tem como objetivo analisar as relações entre a organização do trabalho e a manifestação dos sintomas psicossomáticos. Utilizou-se o método de pesquisa clínico-qualitativa e, como instrumento de coleta de dados, entrevistas em profundidade com quatorze indivíduos de uma organização. Buscou-se, inicialmente, uma categorização analítica provisória baseada no quadro teórico e, após a interpretação das falas, foram elaborados gráficos que destacam a visualização da incidência dos sintomas e dos fatores da organização do trabalho que emergiram dos discursos. Os sintomas manifestos foram a dor de cabeça, estresse, cansaço físico, insônia, gastrite, depressão, ansiedade, dores no corpo, inflamação no nervo ciático, angústia, indisposição e variação de humor. Os fatores decorrentes da organização do trabalho foram a pressão no trabalho, falta de autonomia, insegurança, desvalorização, falta de oportunidade, falta de comando e sobrecarga. Em virtude da metodologia qualitativa, não se pretendeu estabelecer uma correlação entre os dois construtos, mas analisar da manifestação dos fatores que os compõem e suas possíveis associações presentes nos discursos dos entrevistados.
Palavras-chave: Psicossomática; Organização do trabalho; Carga psíquica; Sintomas; Trabalho
ABSTRACT
This article has the objective of analyzing the relations between the organization of the work and the manifestation of the psychosomatic symptoms. The method of clinical-qualitative research was used as instrument of data collection, interviews in depth with fourteen individuals of an organization. Initially sought a provisional analytical categorization based on the theoretical framework. After that the interpretations of the statements were organized graphics that highlight the view of the incidence of symptoms and risk factors of work organization that emerged from the discourses. The associated symptoms were headache, stress, physical exhaustion, insomnia, gastritis, depression, anxiety, body aches, and inflammation of the sciatic nerve, distress, lethargy and mood swings. Factors associated with the organization of work have been the work pressure, lack of autonomy, insecurity, a feeling of being undervalued, lack of opportunity, lack of control and excess workload. The qualitative methodology did not attempt to establish a correlation between the two constructs, but the outbreak analyze of the factors that compose them and their possible associations present in the interviews.
Key words: Psychosomatic; Work organization; Psychic weight; Symptoms; Work
RESUMEN
Este artículo tiene la finalidad de analizar la relación entre la organización del trabajo y la manifestación de síntomas psicosomáticos. Se utilizó el método de investigación clínico cualitativo y como instrumento de recolección de datos, entrevistas en profundidad con catorce personas de una organización. Inicialmente, se realizó una catalogación analítica provisional basada en el marco teórico y posteriormente a la interpretación de las declaraciones, se elaboraron gráficos que destacan la visualización de la incidencia de los síntomas y factores de la organización del trabajo que surgieron de los discursos. Se manifestaron síntomas, como: dolor de cabeza, estrés, agotamiento físico, insomnio, gastritis, depresión, ansiedad, dolores en el cuerpo, inflamación del nervio ciático, angustia, malestar y cambios de humor. Los factores derivados de la organización del trabajo fueron: la presión en el trabajo, la falta de autonomía, inseguridad, desvalorización, falta de oportunidades, falta de mando y sobrecarga. En virtud de la metodología cualitativa, no se trató de establecer una correlación entre los dos constructos, sino analizar la manifestación de los factores que los componen y sus posibles asociaciones reveladas en las palabras de los entrevistados.
Palabras clave: Psicosomático; Organización del trabajo; Carga psíquica; Síntomas; Trabajo
1 INTRODUÇÃO
As doenças já foram tratadas como algo isolado no ser humano e tinham como alvo de tratamento somente a parte doente do organismo. A ideia de que o nosso corpo pode adoecer em consequência de problemas emocionais é um assunto que ganha cada vez mais espaço nos estudos contemporâneos. Damásio (1996) discorre a respeito de que o organismo é constituído pela parceria cérebro-corpo que interage com o ambiente como um conjunto. França e Rodrigues (2005) analisam que a saúde e a doença são estados que resultam do equilíbrio harmônico ou da desregulação dos campos mente, corpo e meio externo.
Muitos indivíduos só conseguem manter seu equilíbrio e obter satisfações afetivas graças ao trabalho, porém, da mesma forma que o trabalho pode contribuir para o desenvolvimento humano, pode também significar uma escravidão e sofrimento mental. Mello Filho (1992) ressalta que o trabalho pode ser fonte de satisfação e criação de condições para a satisfação de necessidades, como também, ao contrário disto, pode se tornar uma verdadeira prisão, em decorrência das más condições em que é realizado.
As emoções que afetam o indivíduo no ambiente de trabalho, decorrentes do choque com a organização do trabalho e que podem gerar doenças vêm a ser definidas como doenças psicossomáticas. A palavra psicossomática é um termo tirado de psique (denotando mente, processos mentais, e atividades emocionais) e somático (soma, significando corpo e algo distinto da mente). Rogers (1973) explica que se trata de uma reação da tensão, uma resposta para as circunstâncias do meio ambiente percebidas pelas pessoas como ameaçadoras. Turato (2003) acrescenta que as somatizações podem ser definidas também como o processo por meio do qual conflitos profundos do âmbito psíquico, uma vez não resolvidos satisfatoriamente, usam a via corporal para conhecer um necessário alívio, levando a transtornos manifestados no corpo
As doenças psicossomáticas representam um mecanismo defensivo no qual o trabalhador converte o problema psicológico em fisiológico e isso representa a reação adaptativa à ansiedade experimentada no trabalho (ARGYRIS, 1957). Para Freire (2000), quando falamos em psicossomática, estamos nos referindo a sintomas, doenças, queixas físicas ligadas ao psíquico. Ferraz e Volich (1997) ressaltam que a mente, em certas condições, pode não assimilar um traumatismo e, nesse caso, haverá uma sobrecarga sobre o soma, que resultará em somatização. A insatisfação em relação ao conteúdo significativo da tarefa gera um sofrimento cujo ponto de impacto é, antes de tudo, mental, em oposição ao sofrimento resultante do conteúdo ergonômico da tarefa. Portanto, tal como enfatiza Dejours (1992), o sofrimento mental resultante de uma frustração em nível do conteúdo significativo da tarefa pode, igualmente, levar a doenças somáticas.
Em se tratando do impacto causado pelo trabalho, salienta-se o fator organização do trabalho (DJURKOVIC; McCORMACK; CASIMIR, 2004, 2006; HYUNSUK, 2000; LANDSBERGIS, 2003; MARCHAND; DEMERS; DURAND, 2006; McCORMACK et al., 2006; OUT, 2005) como um dos fatores mais significativos na vida de um trabalhador. A organização do trabalho, pode, em certos casos, entrar em choque com questões subjetivas do trabalhador e comprometer o equilíbrio psicossomático (BAUMANN; KASCHEL; KUHL, 2005; BREDE, 1972; ENGEL, 1967; FAVA; WISE, 1992; MARTY, 1980, 1991).
Quanto mais rígida for a organização do trabalho, menos ela facilitará estruturações favoráveis à economia psicossomática individual. A organização do trabalho é causa de uma fragilização somática, na medida em que ela pode bloquear os esforços do trabalhador para adequar o modo operatório às necessidades de sua estrutura mental, como analisa Dejours (1992).
O interesse deste estudo reside em compreender as relações entre a psicossomática e a organização do trabalho, enfocando os diversos tipos de doenças. A pesquisa apresentada a seguir teve como objetivo norteador analisar as relações entre a organização do trabalho e a manifestação dos sintomas psicossomáticos e como parâmetros auxiliares: a) identificar os sintomas psicossomáticos a partir do discurso dos indivíduos estudados; b) identificar os fatores da organização do trabalho presentes nos discursos; c) revelar as associações estabelecidas pelos entrevistados entre os sintomas psicossomáticos e a organização do trabalho.
2 ORIGENS DA PSICOSSOMÁTICA
A relação entre corpo e mente é uma discussão que remonta à Grécia antiga, e muito presente também nas obras de Freud (VOLICH, 2000). A medicina e a psicologia, paulatinamente, resgatam conhecimentos relativos ao corpo, mente e doença e tentam atualizá-los e integrá-los. Para Freire (2000), os aspectos emocionais voltam a receber atenção e passam a ser compreendidos como fonte e alimento do corpo físico, que na impossibilidade de se expressar, pode comprometer o equilíbrio.
A teoria freudiana (FREUD, 1982) ressalta o papel do conflito na existência humana. O organismo e a existência, bem como as relações do homem com a natureza e com seus semelhantes, são permanentemente marcados pela contraposição de forças, de interesses, de necessidades, de processos fisiológicos. É no âmbito de tais conflitos que os indivíduos são concebidos e gestados. É a partir destes conflitos que os indivíduos passam a existir, se desenvolver e se constituir. Para cada indivíduo, as diferentes soluções encontradas em face de conflitos experimentados ao longo de sua vida, ou em um momento particular desta, determinam o bem-estar ou o adoecer.
Ao se tratar das questões corpo e mente destaca-se a psicossomática, que de acordo com Lipowiski (1984), tem a intenção de abarcar uma visão de integralidade do homem, ou seja, sua totalidade, um complexo mente-corpo em interação com um contexto social. Volich (2000) destaca que a psicossomática - herdeira das correntes que concebem a unidade corpo-mente - busca compreender a existência humana, a saúde e a doença segundo essa visão integrada.
O termo psicossomática foi introduzido em 1918 pelo psiquiatra alemão J. C. Heinroth, quando escreveu um artigo em que ressaltava a importância e a influência das paixões sobre o câncer e a tuberculose (RIETH, 2003). Porém, cinco séculos antes de Cristo, Hipócrates postulava que se pudesse curar seria necessário que os curadores possuíssem um conhecimento da totalidade das coisas, e, tal como aponta Volich (2000), Hipócrates concebeu a doença a partir de uma perspectiva evolutiva que considera aspectos do desenvolvimento do indivíduo e suas condições de vida. Também Martinho Lutero declarava que os pensamentos acarretam males físicos e quando a alma está oprimida o mesmo acontece com o corpo.
Wolff, um dos fundadores e presidente da Sociedade Americana de Psicossomática, já em 1952, demonstrou que os distúrbios da relação do homem com seu ambiente físico e psicossocial podem gerar emoções desprazerosas e propiciar reações de vários tipos, inclusive doenças. (FRANÇA; RODRIGUES, 2005).
Para França e Rodrigues (2005), a psicossomática investiga e oferece caminhos para a prática na promoção de saúde mais voltada para o paciente e tem a tendência em compreender os processos de adoecer, não como um evento causal na vida de uma pessoa, mas como resposta de um indivíduo que vive em sociedade, em interação com outras pessoas. Segundo Marty (1993), a psicossomática considera os movimentos psíquicos e somáticos, assim com as relações entre esses movimentos nos pacientes somáticos.
O termo psicossomática, que é compreendido como a relação do corpo e mente, ou seja, da interdependência dos aspectos biológicos e psicológicos, também pode ser utilizado para tratar da correlação entre trabalho e saúde mental (FREIRE, 2000). Isto porque a visão psicossomática aborda a doença não como um fato isolado no organismo, mas como resultado de um processo vivenciado pelo indivíduo.
3 SINTOMAS PSICOSSOMÁTICOS
O conceito de psicossomática evoluiu para o estudo da pessoa como ser histórico, que é um sistema único constituído por três subsistemas: corpo, mente e social. (MELLO FILHO, 1992). Desta forma, passa-se a entender o corpo como expressão do constante contato com o mundo externo. E, tal como discorre Freire (2000), falar de psicossomática é referir-se a sintomas, doenças e queixas físicas ligadas ao psíquico.
O conceito de sintoma passou por uma grande revolução com o advento da psicanálise, tendo a evolução de sua definição com os estudos de Freud (1982) sobre a histeria. No sintoma psicossomático, o corpo é acometido, as tensões recaem sobre ele ou não se derivam adequadamente. Ele não se torna impotente ou inibido, mas entra em sofrimento e pode desorganizar-se gravemente. Para o autor, o sintoma psicossomático aparece como uma impossibilidade ou como uma tentativa de interferência no processo.
Desta forma, pode-se atribuir ao sintoma psicossomático à manifestação de algo que está escondido, de algo que é muitas vezes até desconhecido, e, não conseguindo outra forma de vir à tona, vem por meio do corpo, em enfermidade. Groddeck (1966) aduz esta questão e salienta que é um erro perigoso achar que só o histérico tem o dom de ficar doente para atender a algum propósito. Qualquer pessoa possui essa capacidade e qualquer uma a aplica em tão grande extensão que nem sequer consegue imaginar.
França e Rodrigues (2005) ressaltam que há interação recíproca entre múltiplos fatores envolvidos na causalidade das doenças, como por exemplo, o potencial patogênico do agente agressor, a suscetibilidade do organismo e o ambiente. Freire (2000) aponta que a vivência do corpo é a vivência de impulsos, sentimentos, pensamentos, movimentos, é viver a consciência do ser. O corpo é o sujeito e o objeto do desejo. É a casa do simbólico. Para os fenomenologistas não há dicotomia, pois o psiquismo é corpo vivido e sentido.
Não chega a um consultório um estômago, um fígado ou um coração, o que chega ao consultório é uma pessoa, que está sofrendo, e o sofrimento pode estar sendo expresso inclusive por um desses órgãos. Frequentemente, a precariedade de sua saúde está relacionada à condição e ao modo de vida (FRANÇA; RODRIGUES, 2005).
Dentre o número extenso de sintomas existentes destacam-se primeiramente os sintomas decorrentes das funções dos órgãos. Tal como alegam França e Rodrigues (2005) temos: aqueles que são resultantes das alterações das funções das fibras musculares lisas poderiam provocar no aparelho digestivo: vômitos, diarréia, prisão de ventre, alterações da motilidade do estômago e intestino; no aparelho respiratório: asma, bronquite; no aparelho genito-urinário: dor ao urinar, cólicas renais, aumento da frequência urinária, vaginismo, ejaculação precoce, cólicas menstruais; do aparelho circulatório: hipertensão arterial, enxaqueca, cefaléia de tensão; na pele: neurodermites, eczemas, pruridos. Caso a alteração da função for predominantemente secretora, manifestam-se modificações na produção de muco, da secreção das glândulas endócrinas, na produção de hormônios do aparelho digestivo, da secreção pancreática, biliar e entérica. Quando há significação da função de irrigação dos órgãos, percebe-se diminuição da resistência da mucosa a agentes agressivos, podendo resultar em hemorragias e ulcerações.
A dor pode apresentar-se como um dos sintomas mais comuns. Mello Filho (1992) analisa que a dor pode manifestar-se em três níveis. No primeiro ela constitui um sinal registrado pelo ego de que se acha em curso uma ameaça à integridade estrutural ou funcional do organismo. No segundo nível, ao verificar-se que a experiência pode ser repartida, isto é, comunicada a outra pessoa, faz da dor um meio básico de pedir ajuda. Num terceiro e último plano, a dor não mais denota uma referência ao corpo, mas pode, expressar queixa, ataque, aviso de perda iminente do objeto. Neste último nível, a dor pode ser utilizada como forma de manipular os outros, ganhar o controle sobre eles, ou então, já em um outro plano, como forma de aliviar a culpa por alguma falta real ou imaginária cometida anteriormente.
Uma outra forma de interpretação da dor é como uma forma de aviso. A dor pode ser uma espécie de alarme para o organismo de que algo está errado (MELLO FILHO, 1992). Porém, com o passar do tempo, a dor pode tornar-se o centro da vida do indivíduo e passa, ela mesma, a constituir-se como doença.
Assim como a ansiedade é o afeto mobilizado na dor aguda, a depressão pode surgir como fenômeno secundário à dor crônica. Mello Filho (1992) demonstra que: 1) uma alta porcentagem de pacientes com dor crônica, vistos em clinicas de dor ou em hospitais, apresenta depressão evidente; 2) um número relativamente elevado de indivíduos com o mesmo problema parece ter antecedentes familiares de depressão ou desordens do espectro depressivo (depressão, alcoolismo e sociopatia); 3) os marcadores biológicos da depressão mostraram-se variavelmente alterados nas dores crônicas, mas novos estudos são necessários; 4) há analogias entre o tratamento farmacológico da depressão e o de muitos casos de dor crônica.
A fadiga, como relata Dejours (1992), é simultaneamente psíquica e somática. É psíquica porque corresponde a um obstáculo para o psicossomático; e também por ser uma vivência subjetiva. Mas é também, e principalmente, somática porque sua origem está claramente no corpo. O que pode parecer estranho é que não corresponde a um esforço muito grande dos órgãos do corpo, mas a uma repressão da atividade espontânea desses órgãos (motores e sensoriais). A fadiga não provém somente da sobrecarga de um órgão ou de um aparelho. A fadiga pode encontrar sua origem também na inatividade. Essa inatividade é fatigante porque não é um simples repouso, mas, ao contrário, uma repressão, inibição da atividade espontânea.
Os distúrbios do sono talvez sejam alguns dos sintomas mais comuns que uma pessoa pode apresentar quando passa por uma situação que exige dela mais esforço. Esse distúrbio é dividido em: dificuldade em iniciar e manter o sono (insônia), sonolência excessiva, distúrbios do padrão sono-vigília, parassonias. (FRANÇA; RODRIGUES, 2005). Schwegler, Götzmann e Buddeberg (2003) alegam que o distúrbio do sono é muito presente entre os indivíduos, sendo a insônia a síndrome do sono mais comum.
Há pessoas que trocam o momento bom do sono, o momento aprazível de sonhar (a quarta fase do sonho, do rápido movimento dos olhos), pelo apertar os dentes, rangê-los com tal ansiedade e furor que acordam companheiros de cama ou quarto pelos ruídos dos rangimentos. Conforme apontam França e Rodrigues (2005), quando as pessoas devem entrar na quarta fase do sono, que é magnífica, prazerosa, na qual sonhamos e lembramos dos nossos sonhos, vem o inconsciente e entope o mecanismo do sono com os nossos problemas a resolver, na grandeza que esse inconsciente dá a cada problema, e o sofredor agride-se pelo briquismo e /ou pelo bruxismo, transferindo para a boca todas as suas ansiedades, carências e angústias existenciais.
Há muitos relatos de pessoas que acordam sempre cansadas, com dores craniofaciais; com os dentes sensíveis; com hipersensibilidade ao frio; com dificuldade para abrir a boca; às vezes com o ruído na articulação temporomandibular; outras vezes com bloqueio total da abertura bucal; com hipersensibilidade nos músculos mastigadores, do pescoço e garganta; sinto os dentes amolecidos; e às vezes, dores no ouvido. Esses são alguns dos sinais e sintomas do possível estresse que está ocorrendo no sistema mastigatório, na sua boca. (FRANÇA; RODRIGUES, 2005).
O stress associa-se de formas variadas a todos os tipos de trabalho, prejudicando não só a saúde, mas também o desempenho dos trabalhadores. No trabalho de França e Rodrigues (2005) encontramos que nos Estados Unidos e na Europa, o stress já representa uma das principais causas de incapacitação para o trabalho. As evidências são claras, por exemplo, quanto à associação entre stress ocupacional e doenças cardiovasculares, hipertensão, úlcera péptica, doenças inflamatórias intestinais e até mesmo distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho (DORT), os quais representam, no Brasil, uma das principais causas de pedidos de afastamento do trabalho ao sistema previdenciário.
O stress é visto como qualquer força que conduz um fator psicológico ou físico além de seu limite de estabilidade, produzindo uma tensão no indivíduo. (FRANÇA; RODRIGUES, 2005). De acordo com Mello Filho (1992), as reações de estresse resultam dos esforços de adaptação. Caso a reação ao fator agressor for muito intensa ou se o agente do estresse for muito potente ou prolongado, poderá haver como consequência, doença ou maior predisposição ao desenvolvimento de doença.
O conceito de burnout é considerado um dos desdobramentos mais importantes do stress profissional e de acordo com Maslach e Leiter (1999) não é um fenômeno novo, visto que há mais de vinte anos encontram-se relatos enfocando esta preocupação.
A síndrome de burnout tem o sentido de preço que o profissional paga por sua dedicação ao cuidar de outras pessoas ou de sua luta para alcançar uma grande realização. O burnout é o fruto de situações de trabalho que têm como objeto de trabalho o contato com outras pessoas. É a resposta emocional a situações de stress crônico em função de relações intensas com outras pessoas que apresentam grandes expectativas em relação a seus desenvolvimentos profissionais e dedicação à profissão, e que, no entanto, em função de variados obstáculos, não conseguiu alcançar o retorno esperado. (FRANÇA; RODRIGUES, 2005).
França, (1987) discorre que a síndrome de burnout é caracterizada por sintomas e sinais de exaustão física, psíquica e emocional, em decorrência da má adaptação do indivíduo a um trabalho prolongado, altamente estressante e com grande carga tensional. Também é acompanhado pelo sentimento de frustração em relação a si e ao trabalho.
As lesões por esforço repetitivo (LER), constituem-se em importante patologia no contexto organizacional e das relações entre stress e trabalho. E, apesar das lesões por esforços repetitivos serem mais evidentes na atualidade, de acordo com Orso et al. (2001), o surgimento dos primeiros casos documentados remonta ao ano de 1700, registrados pelo médico italiano Bernardino Ramazzini, que angariou o epíteto de pai da Medicina do Trabalho.
O quadro mais frequente da LER é: uma dor não definida, de intensidade variável, que nem sempre é bem localizada, embora sinais e sintomas inflamatórios em articulações da mão e punho possam ser encontrados. É comum encontrarmos pessoas que sofrem desta patologia e que já se submeteram a inúmeros tratamentos, mas frequentemente os resultados foram bastantes frustrantes, porque não trouxeram alívio dos sintomas de forma substancial (FRANÇA; RODRIGUES, 2005).
França e Rodrigues (2005) expõem que as estatísticas referentes às causas de afastamento do trabalho por doença e aposentadoria por invalidez mostram que hipertensão arterial, doenças das articulações e transtornos mentais são as mais frequentes, sendo as relacionadas aos transtornos mentais que causam mais afastamentos, enquanto a hipertensão é a que provoca mais aposentadoria. Assim, as doenças infecciosas cedem lugar a doenças que estão mais relacionadas com a característica do modo de produção industrial.
4 CARGA PSÍQUICA, PSICOSSOMÁTICA E ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO
O trabalho tem um papel central na vida das pessoas, e, principalmente, na sociedade moderna, quando um grande dispêndio do tempo das pessoas é em função disto, ou, se preparando por meio de estudos e treinamento para conseguir algum trabalho ou promoção. De acordo com a análise de Pagés et al. (1987), o indivíduo está ligado à organização moderna não apenas por laços materiais e morais, por vantagens econômicas e satisfações ideológicas que ela lhe proporciona, mas também por laços psicológicos. A organização tende a se tornar fonte de sua angústia e de seu prazer.
O trabalho faz parte da construção da identidade de um indivíduo e também de seu desenvolvimento pessoal (MORIN; TONELLI; PLIOPAS, 2003). Não é apenas um meio de ganhar a vida, mas um processo de criação. De acordo com os autores, os valores como variedade na natureza das tarefas, aprendizagem, autonomia, criatividade, reconhecimento, estabelecimento de relações pessoais positivas e construtivas, bem como, a função de garantir a sobrevivência e segurança são fundamentais para que o trabalho tenha sentido.
Seguindo esta análise, a falta de sentido no desenvolvimento do trabalho pode levar o indivíduo ao sofrimento psíquico. Dejours (1999) dicotomiza efeitos poderosos sobre o sofrimento psíquico. Ou o trabalho contribui para agravar o sofrimento, levando a pessoa progressivamente à loucura, ou, ao contrário, o trabalho contribui para subverter o sofrimento, para transformá-lo em prazer, a ponto de, em certas situações, ser mais fácil para a pessoa que trabalha defender sua saúde mental, do que para a pessoa que não trabalha.
Destaca-se, então, a metáfora da prisão psíquica utilizada por Morgan que encoraja a ir a fundo para descobrir os processos e padrões de controle que aprisionam as pessoas em modos insatisfatórios de existência e a descobrir maneiras de transformá-los. Morgan (2000) compreende as organizações como verdadeiras armadilhas para os indivíduos. Desta forma, a organização é entendida como uma prisão psíquica, no qual criam um alto grau de controle sobre os seres humanos, aprisionando-os em suas ideias, pensamentos e ações.
Atenta-se para o fato de que, se a relação corpo e condições de trabalho muitas vezes é estudada corretamente, ao contrário, nunca se faz menção das repercussões do perigo real a nível mental, da carga psíquica inerente ao trabalho perigoso que, entretanto, faz parte do desgaste do organismo. (DEJOURS, 1992).
Dejours, Abdoucheli e Jayet (1994) apontam que o prazer do trabalhador resulta da descarga de energia psíquica do trabalho. Porém, o trabalho não é sempre patogênico. Ao contrário, tem poder estruturante em face tanto da saúde mental quanto a saúde física, logo, ao ser fonte de prazer, o trabalho é mediador da saúde. Facchini, Weiderpass e Tomassi (1991) analisam a carga psíquica como derivada principalmente dos elementos do processo de trabalho que são fonte de estresse e se relaciona com todos os elementos do processo de trabalho e com as demais cargas de trabalho. De acordo com os autores, a principal fonte de estresse nos processos de trabalho moderno pode ser localizada em nível da organização e divisão do trabalho.
A insatisfação proveniente de um conteúdo ergonômico não adaptado à estrutura da personalidade não é outra coisa do que uma carga de trabalho psíquica. Esta carga de trabalho não é idêntica à carga de trabalho física. Os efeitos desta carga estão no registro mental e se ocasionam desordens no corpo, não são equivalentes às doenças diretamente infligidas ao organismo pelas condições de trabalho. (DEJOURS, 1992).
Analisam Dejours, Abdoucheli e Jayet (1994) que o trabalho torna-se perigoso para o aparelho psíquico quando ele se opõe à livre atividade. Essa livre atividade pode estar ligada às ideias que não podem ser colocadas em prática, assim, como a criatividade que muitas vezes é podada.
O bem-estar, em matéria de carga psíquica, não advém só da ausência de funcionamento, mas, pelo contrário, de um livre funcionamento, articulando dialeticamente com o conteúdo da tarefa, expresso, por sua vez, na própria tarefa e revigorado por ela. O prazer do trabalhador resulta da descarga de energia psíquica que a tarefa autoriza, o que corresponde a uma diminuição da carga psíquica do trabalho. Dejours, Abdoucheli e Jayet (1994) asseveram que são muitos os que sofrem por causa da intensificação do trabalho, pelo aumento da carga psíquica de trabalho e da fadiga. Há os que sofrem devido à degradação das relações de trabalho contaminadas pelo modo operatório prescrito, pela desconfiança, individualismo, competição desenfreada, etc. A carga psíquica de trabalho aumenta, quando a liberdade de organização do trabalho diminui.
As relações de vinculação existentes entre o indivíduo, o qual carrega toda sua carga psíquica, e a organização do trabalho, que vem exigindo dele níveis cada vez mais elevados e complexos de envolvimento e de produtividade, tornam o homem, ao mesmo tempo beneficiário e vítima do trabalho. E, assim, encontramos em Dejours (1996), que concebe como paradoxo, o fato de que os objetivos da produção são, para o mundo exterior à empresa, promessa de felicidade, enquanto no seu interior eles são frequentemente, como é preciso reconhecer, promessa de infelicidade.
As considerações de Greco, Oliveira e Gomes (1996) a respeito de carga psíquica é que são as cargas relativas à organização da jornada de trabalho, à frequência de situações de emergência, ao grau de responsabilidade na resolução dessas situações, os ritmos de trabalho, à pressão do tempo, ao grau de atenção e de mobilidade dentro do local de trabalho, à possibilidade de tomar iniciativas e decisões a respeito de como realizar o trabalho em grupo, ao conteúdo da supervisão, ao grau de monotonia e a repetitividade das tarefas. Para Dejours (1992), a carga psíquica do trabalho resulta da confrontação do desejo do trabalhador à injunção do empregador contida na organização do trabalho. Laurell e Noriega (1989) apontam que a carga psíquica são os elementos, que no processo do trabalho, interatuam dinamicamente entre si e com o corpo do trabalhador, gerando processos de adaptação que se traduzem em desgaste, perda da capacidade potencial, corporal e psíquica. Lancmann e Sznelwar (2004) analisam que o confronto da subjetividade do trabalhador com organização do trabalho torna-se gerador de sofrimento psíquico.
Destaca-se a pesquisa realizada por Beauregard (2006) que demonstra que os fatores estressantes ocasionados pela organização do trabalho interferem na vida do funcionário em sua casa e nos momentos de descanso. Dejours (1996) assinala que o homem inteiro é condicionado ao comportamento produtivo pela organização do trabalho, tendo em vista que fora da fábrica, ele conserva a mesma pele e a mesma cabeça. O autor destaca que despersonalizado no trabalho, o trabalhador permanecerá despersonalizado em sua casa.
A organização do trabalho pode ser compreendida por meio de vários enfoques. Para Morin e Audebrand (2003), a organização do trabalho tem o princípio de modificar os comportamentos de tal forma que, gradualmente, os trabalhadores sejam conduzidos a desenvolver atitudes positivas com relação às funções executadas, à empresa que os emprega e a eles próprios e tem o comprometimento com o trabalho como o principal indicador de uma organização eficaz. Mazzilli, Paixão e Lemos (2002) apontam que a organização do trabalho ancora-se na divisão das tarefas, compreendendo a descrição das etapas de operacionalização de determinado trabalho, seu modo de operação, e, na divisão dos funcionários, entendida como a destinação de cada indivíduo na cadeia hierárquica da organização e nas relações de mando, subordinação e submissão.
Compreende-se que dentro desta linha encaixa-se a análise de Enriquez (2000), na qual colocam que em um grupo, cada sujeito procura exprimir seus desejos e fazer com que os outros os considerem. Ele quer ser amado, conquistar prestígio ou uma certa posição social e quer realizar o que sente como se fosse a própria essência de seu ser. Se ele faz parte de um grupo, não é só porque quer realizar um projeto coletivo, mas sim que pode chegar a tornar o seu desejo reconhecido em sua originalidade e em sua especificidade.
Organização do trabalho recorre ao modo como o trabalho é projetado para as práticas organizacionais (métodos de produção, de administração e a política de recursos humanos). Há também, avaliação crescente que a organização do trabalho tem implicações largas para a segurança e saúde de trabalhadores. (NIOSH, 2002).
A organização do trabalho não determina a doença mental, porém pode deixar seus efeitos enquanto uma explicação do que chamamos de Síndrome Subjetiva Pós-traumática. De acordo com Dejours (1992), essa síndrome caracteriza-se por uma grande variedade de problemas funcionais, ou seja, sem substrato orgânico, ou pela persistência anormal de um sintoma que aparece depois do acidente.
Dejours (1992) esclarece a diferença entre condição e organização do trabalho. Por condição de trabalho se entende, antes de tudo, ambiente físico (temperatura, pressão, barulho, vibração, altitude, etc), ambiente químico (produtos manipulados, gases tóxicos, poeiras, fumaças, etc), o ambiente biológico (vírus, bactérias, parasitas, fungos), as condições de higiene, de segurança, e as características antropométricas do posto de trabalho. Por organização do trabalho designa-se a divisão do trabalho, o conteúdo da tarefa (na medida em que ele dela deriva), o sistema hierárquico, as modalidades de comando, as relações de poder, as questões de responsabilidade, etc.
Ao vivenciar o conflito decorrente da organização do trabalho, o funcionário pode, mesmo sofrendo, atuar em um espaço que lhe possibilita a realização de ações benéficas para a produção e para a manutenção de sua saúde, caracterizando-se, assim, o sofrimento criativo. Por outro lado, há a ocorrência do sofrimento patogênico, oriundo da inexistência de espaço para a busca de soluções favoráveis de superação do sofrimento, nem para a utilização de defesas psíquicas. (MAZZILLI; PAIXÃO; LEMOS, 2002). Tal como analisa Dejours (1992), quanto mais a organização do trabalho é rígida, mais a divisão do trabalho é acentuada, menor é o conteúdo significativo do trabalho e menores são as possibilidades de mudá-lo. Consequentemente, o sofrimento aumenta.
E assim, do choque entre um indivíduo, dotado de uma história personalizada, e a organização do trabalho, portadora de uma injunção despersonalizante, emergem uma vivência e um sofrimento. Até indivíduos dotados de uma sólida estrutura psíquica podem ser vítimas de uma paralisia mental induzida pela organização do trabalho. (DEJOURS, 1996). Isto porque, de acordo com Enriquez (2000), em um grupo, o sujeito não quer apenas expressar seu próprio desejo, quer igualmente ser reconhecido como um de seus membros.
Dejours (1992) conclui que o que é exploração pela organização do trabalho não é o sofrimento, em si mesmo, mas principalmente os mecanismos de defesa utilizados contra esse sofrimento. O autor enfatiza o caso das telefonistas, no qual o sofrimento resulta da organização do trabalho robotizante, que expulsa o desejo próprio do sujeito. A frustração e a agressividade resultantes, assim como a tensão e o nervosismo, são utilizadas especificamente para aumentar o ritmo de trabalho.
A organização do trabalho é causa de uma fragilização somática na medida em que ela pode bloquear o modo operatório às necessidades de sua estrutura mental. O conflito entre a economia psicossomática e a organização do trabalho potencializa os efeitos patogênicos das más condições físicas, químicas e biológicas do trabalho. (MELLO FILHO, 1992). Friedmann (1983) analisa que quando não há possibilidade de afirmação da personalidade do trabalho ocorrem processos de depressão e tensão nervosa permanente. Dejours (1992) coloca que uma das maiores causas da doença somática é o bloqueio contínuo que a organização do trabalho, e, em especial, o sistema taylorista, pode provocar no funcionamento mental.
A psicanálise examina o quadro de insatisfações, disfunções, entre outros, a partir do desconforto sentido pelo sujeito à aceitação dos limites impostos pelo meio em que está inserido, no qual se traduzem no estabelecimento de regulações dos mais diversos tipos, o que se dá num sentido patológico. (KAËS, 1991).
A questão sobre o que, na organização do trabalho, é acusado como fonte de nocividade para a vida mental é de uma importância crucial. A luta pela sobrevivência condenava a duração excessiva do trabalho. A luta pela saúde do corpo conduzia à denúncia das condições de trabalho. Quanto ao sofrimento mental, ele resulta da organização do trabalho. (DEJOURS, 1992). Tal como Dejours (1992) analisa, a organização do trabalho é concebida por um serviço especializado da empresa, estranho aos trabalhadores e choca-se frontalmente com a vida mental e, mais precisamente, coma esfera das aspirações, motivações e desejos.
A organização do trabalho na sociedade capitalista volta-se prioritariamente ao capital em detrimento do ser humano. O trabalho sob o capitalismo é trabalho alienado e implica o uso deformado e deformante tanto do corpo como das potencialidades psíquicas. (LAURELL; NORIEGA, 1989). Esse tipo de trabalho acarreta movimentos estereotipados, redução do trabalhador à condição de autômato, de robô, fatores esses de decisiva importância na origem da tensão pela dissociação corpo-mente. (COUTO; NICOLETTI; LECH, 1998).
A relação da satisfação com o conteúdo significativo da tarefa, frente ao perfil da organização vai determinar ou não o sofrimento no trabalho. Quanto mais a organização do trabalho é rígida, mais a divisão do trabalho é acentuada, menor é o conteúdo significativo do trabalho e menores são as possibilidades de mudá-lo. Correlativamente, o sofrimento aumenta (DEJOURS, 1992).
Dessa forma, sofrimento e prazer são provenientes da dinâmica interna das situações e da organização do trabalho, ou seja, são produtos dessa dinâmica, das relações subjetivas e de poder, das condutas e ações dos trabalhadores permitidas pela organização do trabalho. (LIMA JÚNIOR; ÉSTHER, 2001).
Percebe-se então, que, as dimensões laborais geram vários tipos de fenomenologia, entre elas, a satisfação do dever cumprido, a felicidade das promoções, das metas e objetivos alcançados, a construção de relacionamentos de amizade e vínculos duradouros. Por outro lado, o contrário também pode ser verdadeiro, ou seja, pode se ter no ambiente de trabalho conflitos, divergências de ideias, de postura, vínculos superficiais para a manutenção do convívio e do alcance dos objetivos, diversidade de estilo de vida e tarefas indesejadas.
Enquanto o trabalhador age somente em busca dos objetivos da empresa sem estar de acordo com seus anseios ele vive como uma máquina. Esse modo de vida que não condiz com o seu verdadeiro projeto existencial, pode levar o indivíduo a somatizar doenças.
Para Marty (1993), as doenças psicossomáticas decorrem, geralmente, das inadequações do indivíduo às condições de vida que se encontra. Ao falar sobre a doença no trabalho, Dejours (1992) aponta que a somatização é um processo pelo qual um conflito que não consegue encontrar uma resolução mental desencadeia, no corpo, desordens endócrino-metabólicas, ponto de partida de uma doença. França e Rodrigues (2005) apontam que juntamente à maneira do indivíduo se portar no trabalho surgem as doenças ocupacionais, que são manifestações diretamente ligadas às características do trabalho e condições inerentes à tarefa.
A totalidade do ser humano surge quando se leva em conta a pessoa e não a doença. E aí se passa a compreender a psicossomática como uma resposta de um sistema (MELLO FILHO, 1992). De acordo com França e Rodrigues (2005), a psicossomática compreende a doença não como um evento causal na vida de uma pessoa, mas como resposta de um indivíduo que vive em sociedade, em constante interação com outras pessoas, situada em determinado ambiente físico e que procura resolver, da melhor maneira possível, sua existência no mundo.
O estudo da psicossomática passou de uma prática dirigida apenas a médicos para a necessidade de um campo de conhecimentos que possa se voltar para qualquer profissional de saúde, não só porque estes estão incluídos nestas práticas, como também pelo fato de que estão se voltando para o universo dos fenômenos psicossomáticos e para uma pratica de saúde integral. (MELLO FILHO, 1992).
A psicossomática, segundo Djurkovic, McCormack e Casimir (2004) propõe que desordem no local de trabalho pode afetar a saúde física e que, por exemplo, a ansiedade devido aflições psicologias no local de trabalho pode conduzir a desordem do estômago. Rogers (1973) ressalta que todos os indivíduos de uma organização, em posição de autoridade ou não, são suscetíveis a doenças psicossomáticas. Embora a razão para as várias manifestações possam ser diferentes, a causa básica é a mesma em todos os casos: quando um indivíduo depara-se com uma situação ameaçadora que é intolerável, ele transforma o problema psicológico em um problema fisiológico.
Uma pesquisa apresentada por Fairbrother e Warn (2003) demonstra que além da tensão decorrentes do local de trabalho, a estatística demonstrou outros fatores existentes, como indicadores de doença mental como ansiedade e depressão. Conforme apontado por França e Rodrigues (2005), Wolff tem dois estudos em psicossomática que devem ser citados. No primeiro, ao estudar a resposta do organismo humano a situações geradoras de insegurança e hostilidade, percebeu que há aumento do fluxo sanguíneo, dos movimentos e secreção no estômago das pessoas. No segundo estudo, o autor organizou dois grupos, um de indivíduos sem comprometimento físico e outro com pessoas que apresentavam distúrbios de estômago e duodeno. Submeteu ambos a uma situação de stress e verificou que ambos os grupos apresentaram respostas em termos do corpo, como aumento da produção de pepsina; em termos mentais, aumento da ansiedade, da insegurança e de sentimentos de culpa, mas, no grupo que já apresentava sintomas físicos no início do estudo, tais reações foram muito mais intensas. Assim ficou demonstrado que o medo, a angústia, a frustração e a agressividade no trabalho podem aumentar as tensões cardíacas, musculares e digestivas.
Enfim, a interligação do indivíduo com a organização se faz através de relações positivas e negativas que se interpõem no dinamismo e no caráter mutante da cultura organizacional. Encontramos em Motta (2003) que a maioria dos dirigentes e quadros superiores tem mais motivos para se alegrar do que para se queixar. A alegria de pertencer, de realizar e de poder conquistar, suplantam largamente as dificuldades e crises que possam relatar. Para Morin (2001), a organização do trabalho deve dar condições aos trabalhadores de realizar algo que tenha sentido, de praticar e de desenvolver suas competências, de exercer seus julgamentos e seu livre-arbítrio, de conhecer a evolução de seus desempenhos e de se ajustar.
Considerando esta realidade, o trabalho tanto pode colaborar para o fortalecimento da saúde mental do trabalhador como também contribuir para a formação de perturbações orgânicas, resultando em manifestações psicossomáticas e de conduta do trabalhador.
5 METODOLOGIA: DESCRIÇÃO DA EXPERIÊNCIA COM A PESQUISA CLÍNICA-QUALITATIVA
O estudo foi caracterizado pela pesquisa clínico-qualitativa em organizações (TURATO, 2003), que se propõe a lidar com questões de foro íntimo, que normalmente vem acompanhadas de angústias e ansiedades, tais como assuntos relacionados à doença, morte, sexualidade, sobre visões de mundo e outros assuntos.
Na concepção de Turato (2003), a pesquisa clínico-qualitativa é sustentada por três pilares. A atitude existencialista da valorização dos elementos angústia e ansiedade, presentes na existencialidade do sujeito estudado; a atitude clínica da acolhida dos sofrimentos emocionais da pessoa, inclinando-lhe a escuta e o olhar, movido pelo desejo e hábito de proporcionar ajuda; e atitude psicanalítica do uso de concepções vindas da dinâmica do inconsciente do indivíduo, tanto para a construção e aplicação dos instrumentos auxiliares, assim como para referencial teórico para discussão dos resultados.
A abordagem clínica é principalmente a abordagem de um sujeito, ou, de um conjunto de sujeitos. O clínico supõe sujeitos vivos, desejantes e pensantes, falando igualmente, tanto para nada dizer quanto para se fazer reconhecer, ou para encontrar um sentido para suas emoções. (LÉVY, 2001).
Na pesquisa clínica não se trata de uma pesquisa puramente intelectual, do saber pelo saber, da análise pela análise. O ato de compreender comporta efeitos de mudança que, se não são previsíveis, podem ser determinantes (LÉVY, 2001). Turato (2003) menciona que a atitude clínica significa que olhos e ouvidos qualificados se aproximam para compreender existencialmente os sofrimentos que acometem o outro.
Turato (2003) define a pesquisa clínico-qualitativa: é o estudo e a construção dos limites epistemológicos de certo método qualitativo particularizado em settings da saúde, bem como abarca a discussão sobre um conjunto de técnicas e procedimentos adequados para descrever e compreender as relações de sentidos e significados dos fenômenos humanos. Então, o método clínico é concebido como um meio científico de conhecer e interpretar as significações de natureza psicológica e psicossociais, que os indivíduos dão aos fenômenos do campo da saúde-doença.
Os pesquisadores clínicos qualitativos podem trazer várias perspectivas poderosas para o encontro clínico que podem ajudar a trazer à tona o invisível e o não ouvido, bem como, adicionar profundidade para o que já está presente, assim, incluindo um entendimento da doença como uma construção cultural. (MILLER; CRABTREE, 2000).
No interior do método clínico foram utilizadas entrevistas em profundidade, gravadas e transcritas, realizadas com os indivíduos pertencentes a uma mesma organização, porém, atuantes em funções diversas. A amostragem foi intencional visando encontrar os sujeitos que, na percepção da pesquisadora, manifestavam sintomas psicossomáticos ou que tiveram afastamento recente do trabalho para tratamento de saúde. Ao total foram entrevistados treze indivíduos, cujas características estão apresentadas no quadro 1.
No início de cada entrevista a pesquisadora explicava as intenções da pesquisa e outros aspectos que poderiam ser de interesse do entrevistado. Em alguns casos, os entrevistados mostraram-se receosos em trazer conteúdos que o pudessem prejudicar na empresa. A partir disto, procurou-se desfazer esta idéia e tranqüilizar o entrevistado.
Esta relação foi além de uma relação clínica, uma vez que pretendeu um relato científico-metodológico. Uma das implicações do método clínico foi que entrevista tornou-se, com cada um dos entrevistados, um momento de intervenção, no qual os entrevistados davam-se conta de muitas questões que até então estavam escondidas. À medida em que relatavam produziam insights e significados.
A partir do momento em que se travava a porta para o início da entrevista - cujo tema já era de conhecimento prévio de todos - os sujeitos modificavam completamente a postura e expressões faciais. Em todos os casos percebeu-se muita emoção no decorrer dos relatos dos entrevistados. Nos momentos em que isto acontecia, a pesquisadora se mostrava inteiramente interessada e a interação entre pesquisadora e entrevistado crescia a ponto de o entrevistado se envolver ainda mais com a entrevista. Nessa atitude clínica, houve uma total valorização dos sentimentos que emergiam dos relatos dos entrevistados que, muitas vezes, vinham acompanhados de expressões de tristeza e inconformação.
A análise das entrevistas seguiu os seguintes passos: a) transcrição literal; b) identificação dos sintomas e fatores da organização do trabalho que emergiram dos discursos; c) elaboração de um gráfico com os sintomas psicossomáticos predominantes nos discursos; d) elaboração de um gráfico com os fatores da organização do trabalho predominantes nos discursos; e) elaboração de um quadro demonstrando as associações entre os sintomas e fatores da organização do trabalho, narradas pelos entrevistados.
6 RESULTADOS E DISCUSSÕES
O Quadro 1 descreve o perfil dos 13 participantes do estudo.
Nos gráficos 1 e 2 observam-se os sintomas psicossomáticos e fatores da organização do trabalho predominantes nos discursos dos entrevistados.
Após a identificação da manifestação dos sintomas e fatores da organização do trabalho, bem como da análise de incidência, realizou-se a interpretação das entrevistas, buscando revelar as associações - narradas pelos entrevistados - entre os dois construtos. A emergência conjunta entre sintomas e fatores da organização do trabalho em cada entrevista é demonstrada no quadro 2.
Observa-se no quadro somente a manifestação dos sintomas e fatores organizacionais nas queixas de cada indivíduo. Não foi possível, em função do método utilizado, estabelecer correlação linear entre sintomas e fatores. Os sintomas foram interpretados como psicossomáticos (associados à pressão organizacional) em virtude da associação realizada, pelos próprios indivíduos, com o trabalho. Sintomas desassociados à condição organizacional de trabalho não fizeram parte da condução das entrevistas.
Percebe-se, no quadro 2, que muitos dos sintomas aparecem juntamente com determinados fatores decorrentes da organização do trabalho em diferentes entrevistas. Um exemplo é o sintoma dor de cabeça que aparece associado com o fator pressão na organização do trabalho nos discursos de E1, E11 e E13; e com o fator falta de autonomia nos discursos de E1 e E11; com o fator insegurança nos discursos E2 e E13; com o fator desvalorização no discurso E13; com o fator falta de comando nos discursos E7 e E11 e com o fator sobrecarga no discurso E7. Essas associações estabelecidas pelos entrevistados nos levam à percepção de que alguns dos fatores da organização do trabalho podem realmente afetar alguns indivíduos de forma a gerar o desenvolvimento de doenças psicossomáticas.
Observou-se, já a partir da sétima entrevista, que as queixas se assemelhavam. Nesse momento, teve-se a impressão de que todos os discursos tinham a mesma emoção, a mesma raiva, mágoa e até o mesmo tom de voz quando se referiam à organização estudada. Por mais que surgissem diferentes sintomas e fatores da organização do trabalho, o discurso parecia ser único.
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente artigo teve como objetivo analisar as relações entre a organização do trabalho e a manifestação dos sintomas psicossomáticos. Definiu-se a utilização da pesquisa clínico-qualitativa, como o método para buscar um conhecimento profundo dos indivíduos. Como ressalta Lapierre (1995), a clínica é uma abordagem científica e foi utilizada, em suas origens, para o estudo das práticas organizacionais e sociais.
A abordagem clinica, mais do que explicar, possibilitou a compreensão do fenômeno tal qual ele ocorre, por meio da verbalização e do olhar atento do pesquisador. Um dos grandes cuidados na utilização metodológica foi a total acolhida dos sentimentos do entrevistado, trazendo à pesquisadora uma experiência única, quando em vários momentos pesquisadora e entrevistado experimentaram de uma atitude clínica. Lapierre (1995) ressalta que o pesquisador, além de estar à procura de todos os fatos, informações ou indícios que possam ser significativos, deve ater-se à atenção flutuante, escutar com a terceira orelha ou ler nas entrelinhas para compreender em profundidade o que poderia ser a verdade ou o sentido da existência de uma pessoa.
A atenção flutuante é um termo utilizado na psicanálise, que não deve privilegiar a priori qualquer elemento do discurso do entrevistado, o que implica em deixar funcionar o mais livremente possível a sua própria atividade inconsciente e suspender as motivações que dirigem habitualmente a atenção. (LAPLANCHE; PONTALIS, 1998).
Durante as entrevistas manteve-se sempre um posicionamento de total escuta e compreensão diante dos fatos narrados. A cada história, sintoma ou desabafo, a pesquisadora permaneceu atenta, no sentido de não demonstrar qualquer reação de espanto ou recriminação diante dos discursos. Lapierre (1995) aponta que o pesquisador clínico não se surpreende com nada. O pesquisador clínico não julga, ele permanece aberto ao sentido.
Mesmo não demonstrando nenhuma reação fisionômica, seria impossível para a pesquisadora manter-se fria e neutra nesta relação com os entrevistados, visto que a cada entrevista percebia-se o sofrimento dos indivíduos. Quando as pessoas vão em busca de um trabalho geralmente buscam também a felicidade nesse trabalho, e o que se presenciou nas entrevistas foi uma grande tristeza e revolta para com a organização do trabalho em que estão inseridos.
Sabe-se que vários são os motivos que podem levar um funcionário a mostrar-se revoltado com a organização do trabalho. Vale ressaltar aqui as considerações de Britto e Athayde (2003), no qual destacam que a atividade trabalho envolve também o que não se faz, o que se busca fazer sem conseguir, o que poderia ter sido feito, o que há para refazer e até o que se faz sem querer.
Metodologicamente esperava-se entrevistar ao menos vinte indivíduos. Porém, ao se observar que mesmo com faixas etárias diversas, funções e tempo de casa muito diferenciados, os indivíduos traziam queixas muito parecidas com relação à organização do trabalho e também aos sintomas, optou-se por encerrar as entrevistas.
Algumas limitações surgiram no decorrer deste trabalho. Em princípio, verificou-se a dificuldade de aceitação por parte dos entrevistados. Os indivíduos se diziam com medo de sofrerem perseguições, tendo em vista que a organização a qual pertencem está passando por uma série de dificuldades e exercendo uma grande quantidade de demissões. Uma segunda limitação constatou-se no decorrer das entrevistas. Alguns dos entrevistados, no início do contato, mantiveram-se com receio de expor uma realidade e sofrerem punição. Esse fato demandou um tempo maior de explicação e certificação de sigilo. Dessa limitação, decorre outra, a de que os indivíduos possam ter omitido fatos importantes e enriquecedores à pesquisa.
A compreensão prévia do contexto da organização estudada serviu como parâmetro de escuta e interpretação dos discursos. A análise do material empírico permitiu revelar as associações entre a manifestação dos fatores da organização do trabalho e os sintomas psicossomáticos, emergentes dos próprios discursos dos entrevistados. Destaca-se a impossibilidade metodológica de estabelecer correlação direta entre os dois construtos. Portanto, os sintomas emergentes dos discursos dos entrevistados foram associados aos fatores da organização do trabalho em decorrência das relações estabelecidas pelos próprios indivíduos em estudo, salientando-se que o mecanismo dos instrumentos de coleta de dados asseguraram que somente fossem trazidos à situação de entrevista sintomas ligados à organização do trabalho. Desta forma, conclui-se que os fatores da organização do trabalho, principalmente, desvalorização, pressão, insegurança, falta de comando, falta de autonomia e sobrecarga são promotores - na organização estudada - de diversos sintomas, por este motivo, considerados psicossomáticos
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
Oct-Dec 2009
Histórico
-
Recebido
17 Dez 2008 -
Aceito
25 Nov 2009