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Crise financeira e o reconhecimento das imparidades em ativos não financeiros

Resumo

Objetivo:

Analisar o impacto da crise financeira no reconhecimento de imparidades de ativos não financeiros nas empresas cotadas europeias.

Referencial teórico:

O estudo explora o impacto da teoria da mensuração do valor econômico dos ativos não financeiros na decisão dos gestores de reconhecer imparidades, nomeadamente em contexto de crise econômica.

Metodologia:

Foram estimados modelos Logit e Ordinary Least Squares para analisar a probabilidade de reconhecimento e o montante de imparidades reconhecido, respectivamente, em um período de 10 anos.

Resultados:

Os resultados evidenciam que as empresas europeias reconheceram menos imparidades durante a crise, incluindo as empresas dos países que recorreram à ajuda financeira externa, sugerindo que os gestores podem usar o reconhecimento de imparidades como forma de praticar gestão de resultados.

Implicações práticas e sociais da pesquisa:

Os resultados são de interesse para vários stakeholders, concretamente: credores, investidores, entidades reguladoras dos mercados financeiros, entidades que preparam e fiscalizam a aplicação de normas de contabilidade e de auditoria, e em última instância para os líderes europeus no que diz respeito a reformas estruturais e leis de defesa dos investidores.

Contribuições:

O estudo contribui para a literatura que analisa o impacto da crise financeira no reconhecimento de imparidades em ativos não financeiros e, em particular, em contexto de maior fragilidade financeira, bem como para a literatura sobre o uso da discricionariedade no reconhecimento de imparidades na prática de gestão de resultados. Contribui também para o debate teórico relativo aos princípios da mensuração em contexto de imparidade, e como este pode afetar a avaliação dos valores econômicos dos ativos não financeiros.

Palavras-chave:
Crise financeira; empresas europeias cotadas; imparidades de ativos não financeiros; gestão de resultados

Abstract

Purpose:

To analyse the impact of the financial crisis on the recognition of non-financial asset impairments in European listed companies.

Theoretical framework:

The study explores the impact of the theory of measuring the economic value of non-financial assets on managers’ decisions to recognize impairments, especially in the context of an economic crisis.

Design/methodology/approach:

Logit and ordinary least squares models were estimated to analyse the probability of recognition and the amount of impairment recognized, respectively, over a 10-year period.

Findings:

The results show that European companies recognized less impairments during the crisis, including companies in countries that have used external financial aid, suggesting that managers may use impairment recognition as a way of practicing earnings management.

Research Practical & Social implications:

The results are of interest to several stakeholders, namely: creditors, investors, financial market regulators, entities that prepare and oversee the application of accounting and auditing standards, and ultimately European leaders in terms of structural reforms and investor protection laws.

Originality/value:

The study contributes to the literature that analyses the impact of the financial crisis on the recognition of impairments in non-financial assets and, in particular, in the context of greater financial fragility. It also contributes to the literature on the use of discretion in the recognition of impairments and earnings management practices. Moreover, it adds to the theoretical debate regarding the principles of measurement in the context of impairment, and how this may affect assessments of the economic values of non-financial assets.

Keywords:
financial crisis; European listed companies; non-financial asset impairments; earnings management

1 Introdução

Entre 2008 e 2009, as empresas europeias enfrentaram provavelmente sua pior crise financeira. A crise financeira de 2008-2009, normalmente denominada subprime crisis, conduziu a uma forte turbulência nos mercados financeiros e implicou uma acentuada contração da economia, considerada como a maior contração econômica desde a Segunda Guerra Mundial (Barth &, 2010Barth, M. E., & Landsman, W. R. (2010). How did financial reporting contribute to the financial crisis? European Accounting Review, 19(3), 399-423.). De fato, essa crise teve um forte impacto no ambiente empresarial europeu, sendo considerada por muitos como a pior crise desde a Grande Depressão de 1930 (Gunn, Khurana & Stein, 2018Gunn, J. L., Khurana, I. K., & Stein, S. E. (2018). Determinants and consequences of timely asset impairments during the financial crisis. Journal of Business Finance & Accounting, 45(1-2), 3-39.).

As crises financeiras afetam não só o setor financeiro como também o setor empresarial. Segundo Kousenidis, Ladas & Negakis (2013Kousenidis, D. V., Ladas, A. C., & Negakis, C. I. (2013). The effects of the European debt crisis on earnings quality. International Review of Financial Analysis, 30, 351-362.), as crises financeiras afetam as empresas por duas vias que se interagem: as condições macroeconômicas desfavoráveis levam ao declínio das vendas e do nível de desempenho operacional das empresas; e o colapso financeiro da banca e dos mercados de capitais limitam as oportunidades de financiamento reduzindo a liquidez das empresas. Embora as instituições financeiras possam ter sido as mais afetadas pela crise financeira de 2008-2009, os efeitos da crise alastraram-se também às empresas não financeiras (Gonçalves, Gaio & Robles, 2018Gonçalves, T., Gaio, C., & Robles, F. (2018). The impact of working capital management on firm profitability in different economic cycles: Evidence from the United Kingdom. Economics and Business Letters, 7(2), 70-75.). Nesse período, muitas empresas tiveram de rever seus negócios, assim como o valor de seus ativos, visto que estes poderiam não estar a refletir seu verdadeiro valor econômico.

De fato, em períodos de recessão econômica, a probabilidade de deterioração rápida dos ativos é elevada e a decisão de reconhecer imparidades é de extrema importância, visto que mudanças negativas na economia (como uma crise financeira) são uma das indicações externas referidas nas disposições da IAS 36 - Imparidade de Ativos, que pode implicar a perda de capacidade de retorno econômico dos ativos.

As consequências de alterações macroeconômicas, concretamente de períodos econômicos turbulentos, na qualidade da informação contabilística, estão ainda pouco exploradas (Filip & Raffournier, 2014Filip, A., & Raffournier, B. (2014). The impact of the 2008-2009 financial crisis on earnings management: The European evidence. The International Journal of Accounting, 49 (4), 455-478.). São ainda escassos os estudos que analisam o impacto da crise financeira no reconhecimento de imparidades em empresas não financeiras e, em particular, em ativos não financeiros. Exemplos desses escassos estudos são Vanza, Wells & Wright (2011Vanza, S., Wells, P., & Wright, A. (2011). Asset impairment and the disclosure of private information. Journal of Contemporary Accounting and Economics, 14(2018), 22-40.), Wirtz (2013Wirtz, D. (2013). An analysis of the usefulness to investors of managers’ fair value estimates of firm assets: Evidence from IAS 36 “Impairment of Assets” and IAS 40 “Investment Property.” (Doctoral Thesis). Faculty of Economics and Business - FEB, Amsterdam, Netherlands.) e Yammine & Olivier (2014Yammine, M., & Olivier, H. (2014, abril). Enforcement of accounting standards, financial crisis, and their impact on impairment of non-financial assets. Conferência Comercial do Hemisfério Ocidental, Laredo, Estados Unidos da América, 18.) e Zhang (2011). Adicionalmente, a maioria da literatura foca-se na análise das imparidades do goodwill, sendo que os restantes ativos não financeiros não tendem a ser investigados, apesar de sua preponderância no conjunto dos ativos empresariais. São ainda mais escassos os estudos que analisam empresas de países de maior fragilidade financeira, que, como tal, podem sentir com maior intensidade o impacto negativo da crise financeira em seu nível de desempenho e no valor econômico de seus ativos. Exemplos desses estudos são Albuquerque, Almeida & Queiroz (2011Albuquerque, F., Almeida, C. A., & Queirós, J. (2011). The impairment losses in non financial assets : Evidence from the Portuguese stock. International Journal of Business Research, 11 (2), 42-52.), Izzo, Luciani & Sartori (2013Izzo, M. F., Luciani, V., & Sartori, E. (2013). Impairment of goodwill: Level of compliance and quality of disclosure during the crisis-an analysis of Italian listed companies. International Business Research, 6(11), 94-121.) e Sant’Ana, Gonçalves, Guerreiro & Nobre (2016Sant’Ana, F., Gonçalves, J., Guerreiro, C., & Nobre, L. (2016). Perdas por imparidade: Fatores explicativos e impactos. Revista Brasileira de Gestão de Negócios, 18(60), 305-317.). Por outro lado, os escassos estudos existentes não apresentam conclusões consensuais.

Assim, este estudo tem dois grandes objetivos. Primeiro, analisar se as empresas cotadas europeias reconhecem mais imparidades em ativos não financeiros durante a crise financeira de 2008-2009, e se, ao reconhecerem imparidades, o montante considerado - ou seja, a magnitude da imparidade - é mais elevado em razão das consequências negativas da crise. Segundo, analisar o comportamento que as empresas dos países que recorreram a ajuda financeira externa, concretamente Grécia, Itália, Irlanda, Portugal e Espanha - PIIGS, tiveram nessa matéria. Esses objetivos podem ser enquadrados na teoria da mensuração, na medida em que atendem aos efeitos pretendidos (ou não) no reconhecimento e mensuração de imparidades, no contexto de crise financeira, em que a relevância das demonstrações financeiras é alvo de maior volatilidade.

Foi analisada uma amostra composta por 1.383 empresas cotadas, de 14 países europeus, em um período de 10 anos (2005 a 2014). Em termos de metodologia, foram estimados modelos Logit e Ordinary Least Squares (OLS) para analisar a probabilidade de reconhecimento e o montante de imparidades reconhecido, respectivamente, quer para o total da amostra, quer para os dois subgrupos de países: intervencionados e não intervencionados.

Os resultados indicam que, durante a crise financeira, as empresas europeias reconheceram menos imparidades de ativos não financeiros, o que pode sugerir que os gestores evitaram reconhecer imparidades de modo a apresentar melhores resultados, utilizando a discricionariedade subjacente ao reconhecimento e cálculo de imparidades, para gerir os resultados de forma ascendente e, assim, mitigar o baixo desempenho característico em épocas de crise.

Através dos resultados obtidos, também é possível concluir que as empresas cujos países recorreram a ajuda financeira também reconhecem menos imparidades durante o período de crise e que, ao contrário dos países não intervencionados, o nível de enforcement das normas de contabilidade e de auditoria está positivamente associado à magnitude do valor de imparidades reconhecido.

As conclusões da investigação são, assim, relevantes quer em nível teórico, quer em nível das práticas de relato financeiro. Do ponto de vista teórico, a evidência encontrada permite compreender os efeitos não pretendidos da teoria da mensuração, no que concerne ao reconhecimento de imparidades. Assim, no tocante ao objetivo pretendido, em termos de teoria da mensuração, relativamente à divulgação das demonstrações financeiras de forma relevante para efeitos da decisão econômica, encontramos evidência de discricionariedade por parte dos gestores que limita essa relevância da informação financeira, especialmente quando o valor econômico é mais volátil. Contribuímos, então, para o debate teórico relativo aos princípios da mensuração em contexto de imparidade, e como ele pode afetar a avaliação dos valores econômicos dos ativos não financeiros. Do ponto de vista prático, contribuímos com evidência positivista que permitirá informar reguladores e investidores sobre a relevância econômica (ou sua perda) da informação financeira relativa a imparidades, em especial em contexto de maior volatilidade da economia.

Este estudo contribui, ainda, para a literatura que analisa o impacto das crises financeiras na qualidade do relato financeiro em geral, e no reconhecimento de imparidades de ativos em particular, essencialmente por dois motivos: (1) a maioria dos estudos analisa o impacto da crise nos ativos financeiros ou no goodwill (Carvalho, Rodrigues & Ferreira, 2013Carvalho, C., Rodrigues, A. M., & Ferreira, C. (2013, outubro). A relevância das perdas por imparidade do goodwill nos oito anos de aplicação das IAS/IFRS em Portugal. Anais do congresso internacional de contabilidade e auditoria, Lisboa, LX, 15.; Glaum, Landsman & Wyrwa, 2015Glaum, M., Landsman, W. R., & Wyrwa, S. (2015). Determinants of goodwill impairment under IFRS: International evidence. SSRN Electronic Journal, 1-54.; Zhang, 2011), ao passo que nós analisamos o impacto no conjunto de ativos não financeiros, tangíveis e não tangíveis; (2) analisamos o impacto da crise em um conjunto particular de países com maior fragilidade financeira, os países intervencionados. Espera-se também contribuir para a literatura que analisa o uso do reconhecimento de imparidades de ativos na prática de gestão de resultados.

Este estudo encontra-se dividido em cinco seções. Na segunda seção, faz-se uma breve revisão da literatura, em que temos evidência dos principais estudos que sustentam esta pesquisa. Na terceira seção são formuladas as hipóteses de estudo, descrita a amostra e apresentada a metodologia adotada. A quarta seção apresenta e discute os resultados obtidos. Por fim, na última seção apresentam-se as principais conclusões, limitações e possíveis sugestões para investigações futuras.

2 Revisão da literatura

2.1 Imparidade de ativos e qualidade de informação contabilística em contexto de crise financeira

O conceito contabilístico de “imparidade” (impairment) pode ser definido como uma redução ou perda do valor recuperável de um ativo, que deve dar origem a um ajustamento de seu valor à sua real capacidade de retorno econômico. As empresas devem realizar testes de imparidade sempre que haja algum acontecimento interno ou externo que indique que o ativo pode ter perdido valor econômico, com exceção dos ativos intangíveis de vida indeterminada que devem ser testados anualmente, reconhecendo perdas por imparidade no caso de a quantia escriturada dos ativos ser superior às quantias recuperáveis estimadas. Ou seja, esse procedimento evita que os ativos estejam sobreavaliados nas demonstrações financeiras e tem subjacente o objetivo da teoria da mensuração de fornecer informação relevante para efeitos da tomada de decisão dos diferentes usuários da informação financeira (Gonçalves & Coelho, 2019Gonçalves, T., Gaio, C., & Santos, T. (2019). Women on board: Do they manage earnings? Empirical evidence from European listed firms. Review of Business Management, 21(3), 582-597.; Larson, 1969Larson, K. D. (1969). Implications of measurement theory on accounting concept formulation. The Accounting Review, 44(1), 38-47.).

Existe, no entanto, evidência de um certo conservadorismo condicional no reconhecimento das imparidades das empresas cotadas europeias, sendo esta menos expressiva em países onde a eficácia das instituições e o nível de divulgação é mais baixo (Amiraslani, Iatridis & Pope, 2013Amiraslani, H., Iatridis, G. E., & Pope, P. F. (2013). Accounting for asset impairment: A test for IFRS compliance across Europe. London: Cass Business School.; Pinto, Gaio & Gonçales, 2019Pinto, I., Gaio, C., & Gonçalves, T. (2019), Corporate governance, foreign direct investment, and bank income smoothing in African countries. International Journal of Emerging Markets, 15 (4), 670-690.). De fato, a European Securities and Markets Authority (2013), em um estudo que abrangeu 235 empresas cotadas europeias relativamente ao ano de 2011, concluiu que são poucas as empresas que reconhecem perdas por imparidade do goodwill (apenas 36%), sendo o reconhecimento para os outros ativos intangíveis ainda mais limitado.

Por outro lado, o fato de o reconhecimento de imparidades, e o cálculo do montante a reconhecer, envolver juízos de valor e o uso de estimativas cria oportunidades para os gestores praticarem gestão de resultados. Existe evidência empírica de que os gestores gerem os resultados por meio do reconhecimento de perdas por imparidade e respectivas reversões em períodos subsequentes (Duh, Lee & Lin, 2009Duh, R. R., Lee, W. C., & Lin, C. C. (2009). Reversing an impairment loss and earnings management: The role of corporate governance. The International Journal of Accounting, 44 (2), 113-137.; Riedl, 2004Riedl, E. J. (2004). An examination of long-lived asset impairments. The Accounting Review, 79 (3), 823-852.). A gestão de resultados por via do reconhecimento de perdas de imparidade excessivas e posterior reversão pode, assim, afetar negativamente a qualidade da informação relatada pelas empresas (Pinto et al., 2019Pinto, I., Gaio, C., & Gonçalves, T. (2019), Corporate governance, foreign direct investment, and bank income smoothing in African countries. International Journal of Emerging Markets, 15 (4), 670-690.).

O uso do reconhecimento de imparidades e seu impacto na qualidade da informação contabilística podem ser ainda mais evidentes em períodos de crise financeira. De fato, a elevada volatilidade nos mercados financeiros e a queda substancial da rentabilidade das empresas e do valor das respectivas ações, situações que normalmente ocorrem em períodos de crise, podem provocar a perda de valor econômico dos ativos e a necessidade de reconhecimento de perdas por imparidade, com o subsequente impacto negativo no resultado líquido reportado (Vanza et al., 2011Vanza, S., Wells, P., & Wright, A. (2011). Asset impairment and the disclosure of private information. Journal of Contemporary Accounting and Economics, 14(2018), 22-40.). Em períodos de crise financeira, em razão do aumento de assimetria de informação, os ativos tendem a gerar cash flows inferiores aos esperados, efeito que reforça o registro de imparidade de ativos (Amiraslani et al., 2013Amiraslani, H., Iatridis, G. E., & Pope, P. F. (2013). Accounting for asset impairment: A test for IFRS compliance across Europe. London: Cass Business School.; Gonçalves, Gaio & Lélis., 2020Gonçalves, T., Gaio, C., & Lélis, C. (2020). Accrual mispricing: Evidence from European sovereign debt crisis. Research in International Business and Finance, 52, 101-111.). Assim, uma crise financeira pode ser considerada como um indicador de imparidade, uma vez que pode existir a tendência de os ativos das empresas se desviarem de seu valor fundamental e não refletirem seu verdadeiro valor.

No entanto, e com base na discricionariedade subjacente ao cálculo das imparidades, as empresas poderão aproveitar a época de crise, e uma maior tolerância por parte do mercado de aceitar baixos resultados, para reconhecer mais imparidades do que necessário, possibilitando-lhes, no período pós-crise, demonstrar ao mercado uma ligeira recuperação, em razão de já não terem que reconhecer mais imparidades e/ou reverterem as que reconheceram anteriormente em excesso (Masruki & Azizan, 2012Masruki, R., & Azizan, N. A. (2012). The impact of Asian financial crisis to earnings management and operating performance in Malaysia. The Social Sciences, 7 (4), 510-516.). Hassine & Jilani (2017Hassine, N. M., & Jilani, F. (2017). Determinants of goodwill impairment losses under IAS 36: The French case. International Journal of Accounting and Financial Reporting, 7(1), 88-102.) encontram evidência de que as empresas francesas aproveitaram a crise financeira para usarem o reconhecimento de imparidade do goodwill para praticarem técnicas de gestão de resultados, tais como o alisamento de resultados e o Big Bath. Também Glaum et al. (2015Glaum, M., Landsman, W. R., & Wyrwa, S. (2015). Determinants of goodwill impairment under IFRS: International evidence. SSRN Electronic Journal, 1-54.), com base em uma amostra internacional, concluem que há margem para a prática de gestão de resultados por meio do reconhecimento de perdas por imparidade do goodwill, em um contexto de crise financeira, mesmo em países com um rigoroso nível enforcement em termos de aplicação das normas contabilísticas e de auditoria.

2.2 A crise financeira de 2008-2009 e o reconhecimento de imparidades

A crise financeira de 2008-2009, também denominada subprime crisis, desencadeada pela falência do banco de investimento norte-americano Lehman Brothers, e que conduziu a uma forte turbulência nos mercados financeiros e à propagação da crise para muitos países (Bordo, 2008Bordo, M. D. (2008). An historical perspective on the crisis of 2007-2008 (NBER Working Paper No. 14569). Recuperado de https://www.nber.org/papers/w14569
https://www.nber.org/papers/w14569...
), implicou uma acentuada contração da economia, quer nos últimos meses de 2008, quer no ano de 2009, caracterizando-se como a maior contração econômica desde a Segunda Guerra Mundial (Barth & Landsman, 2010Barth, M. E., & Landsman, W. R. (2010). How did financial reporting contribute to the financial crisis? European Accounting Review, 19(3), 399-423.). De fato, essa crise teve um forte impacto no ambiente empresarial europeu, sendo considerada por muitos como a pior crise desde a Grande Depressão de 1930 (Gunn et al., 2018Gunn, J. L., Khurana, I. K., & Stein, S. E. (2018). Determinants and consequences of timely asset impairments during the financial crisis. Journal of Business Finance & Accounting, 45(1-2), 3-39.).

Amiraslani, Iatridis & Pope (2013Amiraslani, H., Iatridis, G. E., & Pope, P. F. (2013). Accounting for asset impairment: A test for IFRS compliance across Europe. London: Cass Business School.) fazem referência a um estudo realizado pela Ernst & Young em 2010, sobre 60 empresas cotadas europeias, que sugere que o aumento da instabilidade financeira vivida na Europa no final da primeira década do século pode ter contribuído para o reconhecimento de imparidades, em razão do elevado número de empresas que reavaliaram seus procedimentos, modelos e pressupostos do teste de imparidade, de modo a refletir a perda de valor econômico de seus ativos com tempo determinado.

Relativamente, no entanto, ao goodwill, um dos ativos mais estudados na literatura em termos de imparidades, um estudo da PriceWaterhouseCoopers (2011) revela que menos de metade das empresas cotadas europeias, cerca de 40,1%, reconheceu perdas por imparidade do goodwill em 2009. Esse resultado não era esperado na medida em que, em períodos de crise, existe maior incerteza e as empresas têm de rever seus planos de negócios e reduzir suas estimativas quanto aos ativos. Por isso, seria de esperar um maior reconhecimento de imparidades, em razão também das aquisições que foram realizadas em anos anteriores, altura em que as estimativas sobre os cash flows futuros eram mais elevadas. Outra conclusão deste estudo é o fato de as empresas durante o período de crise recorrerem à discricionariedade subjacente aos testes de imparidade, com o objetivo de não colocarem em causa sua posição no mercado e desse modo alcançarem os resultados pretendidos, posições de capital e relações financeiras.

Dos ainda escassos estudos que analisam o impacto da crise no reconhecimento de imparidades de ativos não financeiros, a maioria não encontra evidência de uma associação positiva. Vanza et al. (2011Vanza, S., Wells, P., & Wright, A. (2011). Asset impairment and the disclosure of private information. Journal of Contemporary Accounting and Economics, 14(2018), 22-40.) não encontram nenhuma evidência de que a informação assimétrica conduza a um reconhecimento de imparidade de ativos nas empresas cotadas australianas durante o período de 2007 a 2009. Também Wirtz (2013Wirtz, D. (2013). An analysis of the usefulness to investors of managers’ fair value estimates of firm assets: Evidence from IAS 36 “Impairment of Assets” and IAS 40 “Investment Property.” (Doctoral Thesis). Faculty of Economics and Business - FEB, Amsterdam, Netherlands.) demonstrou que são poucas as empresas a reconhecer perdas por imparidade de ativos durante a crise financeira. O autor revela ainda que durante a crise os auditores aconselham os gestores a reconhecer pequenas perdas por imparidade e em maior frequência, em razão de um maior escrutínio sobre as demonstrações financeiras.

Também Yammine e Olivier (2014Yammine, M., & Olivier, H. (2014, abril). Enforcement of accounting standards, financial crisis, and their impact on impairment of non-financial assets. Conferência Comercial do Hemisfério Ocidental, Laredo, Estados Unidos da América, 18.) estudam o impacto da crise financeira em termos do reconhecimento e da magnitude das imparidades, em uma amostra composta por empresas cotadas de 17 países europeus, para o intervalo temporal de 2005-2011. Os autores mostram que no período de crise registrou-se uma diminuição do reconhecimento de imparidades, apesar de haver um aumento em sua magnitude, argumentando que, durante o período de crise, os gestores tendem a recorrer à prática de gestão de resultados, de modo a atingir um determinado objetivo estratégico e tentar não demonstrar um baixo desempenho, e como tal evitam o reconhecimento de imparidades de ativos. Concluíram também que, durante a crise, as empresas de países com baixo nível dos indicadores de governance, como sejam: estado de direito, transparência jurídica, qualidade de regulamentação, eficácia governamental e índice de corrupção, diminuíram o reconhecimento de imparidade de forma a prevenir redução dos resultados, que já se apresentavam abaixo do normal em razão do efeito da crise. Por sua vez, no grupo de países com elevado nível dos indicadores de governance, registrou-se um aumento da magnitude das imparidades dos ativos, como forma de as empresas criarem reservas em períodos pós-crise.

Por sua vez, Glaum et al. (2015Glaum, M., Landsman, W. R., & Wyrwa, S. (2015). Determinants of goodwill impairment under IFRS: International evidence. SSRN Electronic Journal, 1-54.), ao analisarem que fatores conduzem ao reconhecimento de imparidades do goodwill, em uma amostra de empresas cotadas de 21 países para o período de 2005 a 2011, concluem que o reconhecimento com prazo determinado de imparidades está associado ao nível de aplicação das normas contabilísticas e de auditoria (enforcement). Ou seja, empresas em países com maior nível de enforcement tendem a reconhecer as imparidades em períodos determinados (antes, durante e após a crise). Por outro lado, empresas em países que apresentam um baixo nível de enforcement tendem a adiar o reconhecimento de imparidades. Adicionalmente, os autores concluem que existe margem para a gestão de resultados, mesmo nos países que têm um rigoroso nível de enforcement.

Também Zhang (2011) analisa o reconhecimento de imparidades no goodwill em empresas cotadas da Alemanha e do Reino Unido, durante o período de 2005 a 2010, tendo concluído que durante a crise as empresas são menos suscetíveis de reconhecer imparidades de modo a demonstrarem melhores resultados, e que o principal determinante do reconhecimento de imparidades é o nível de desempenho das empresas, medido pela rentabilidade do ativo. As empresas mais rentáveis tendem a reconhecer menos imparidades e em menor magnitude. Isso pode ser explicado pelo fato de os gestores gerirem o reconhecimento de imparidades de modo a conseguirem resultados menos desfavoráveis.

A crise financeira de 2008-2009 não afetou da mesma forma os diferentes países da Zona Euro, tendo contribuído em alguns deles para o desenvolvimento de uma crise de dívida soberana (Huang, 2013Huang, A. Y. (2013). To what extent does the European debt crisis affect both the European and the global economies? University of Kentucky, 1-28.). A crise da dívida soberana é sobretudo caracterizada pela redução da quantidade de crédito disponível nos países e à existência de políticas de austeridade. Em razão dos elevados níveis de déficit orçamental e de dívida pública, alguns países, como Grécia, Itália, Irlanda, Portugal e Espanha, tiveram de recorrer ao auxílio financeiro de instituições internacionais.

A partir de 2010, a União Europeia (EU), o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Central Europeu (BCE) começaram a prestar assistência financeira a alguns países, os denominados países intervencionados. A Grécia foi o primeiro país a requerer ajuda, em 2010, seguida da Irlanda. No ano seguinte, foi a vez de Portugal e Itália e, finalmente, em 2012, da Espanha.

Analisando o reconhecimento de imparidades em ativos não financeiros, em 2008, pelas empresas cotadas portuguesas, Albuquerque et al. (2011Albuquerque, F., Almeida, C. A., & Queirós, J. (2011). The impairment losses in non financial assets : Evidence from the Portuguese stock. International Journal of Business Research, 11 (2), 42-52.) verificam que eram tantas as empresas que reconheciam imparidades como aquelas que não as reconheciam (47,6% contra 52,4% da amostra, respectivamente) e que a maioria das imparidades é reconhecida no último trimestre do período de relato financeiro, consequência da eventual gestão de resultados. Também Sant’Ana et al. (2016Sant’Ana, F., Gonçalves, J., Guerreiro, C., & Nobre, L. (2016). Perdas por imparidade: Fatores explicativos e impactos. Revista Brasileira de Gestão de Negócios, 18(60), 305-317.), ao analisarem o reconhecimento de imparidades nas empresas cotadas portuguesas e espanholas, verificaram um efeito de alisamento dos resultados por via das imparidades, sendo ele mais acentuado nas entidades do IBEX35.

Carvalho et al. (2013Carvalho, C., Rodrigues, A. M., & Ferreira, C. (2013, outubro). A relevância das perdas por imparidade do goodwill nos oito anos de aplicação das IAS/IFRS em Portugal. Anais do congresso internacional de contabilidade e auditoria, Lisboa, LX, 15.) estudam as perdas por imparidade do goodwill, nas empresas portuguesas cotadas, durante o período de 2005 a 2012, com o intuito de avaliar se a crise econômica de 2008 favoreceu a frequência e a magnitude das perdas por imparidade. Os resultados sugerem que as empresas mais lucrativas tendem a reconhecer menos perdas por imparidade do goodwill em razão da gestão de resultados, ao passo que as empresas com resultados negativos e menor valor do goodwill são as que reconhecem mais perdas por imparidade. Adicionalmente, os resultados permitem concluir que a crise financeira não originou um aumento significativo no valor das perdas por imparidade do goodwill. No que diz respeito à frequência das perdas por imparidade do goodwill, foi nos anos de 2011 e 2012 que houve um maior número de registro dessas perdas, o que sugere que durante a crise não se verificou um maior reconhecimento das imparidades, mas sim apenas passados três anos. Isso porque a decisão de reconhecer imparidades pode depender tanto de fatores econômicos e financeiros como de interesses da gestão. Também Hayn & Hughes (2006Hayn, C., & Hughes, P. J. (2006). Leading indicators of goodwill impairment. Journal of Accounting, Auditing & Finance, 21(3), 223-265.) chegaram à conclusão de que as perdas por imparidade só eram reconhecidas passados três ou quatro anos depois da respectiva imparidade, mas que poderiam prolongar-se por até dez anos.

Por sua vez, Izzo et al. (2013Izzo, M. F., Luciani, V., & Sartori, E. (2013). Impairment of goodwill: Level of compliance and quality of disclosure during the crisis-an analysis of Italian listed companies. International Business Research, 6(11), 94-121.), analisando as empresas italianas cotadas no intervalo de tempo 2007-2011, verificaram que, no primeiro ano da crise (2008), cerca de 43% das empresas da amostra reconheceram perdas por imparidades do goodwill, ao passo que, no ano anterior, apenas 19% o tinham feito. Em 2009, aproximadamente 22% das empresas contabilizam uma perda por imparidade do goodwill, ao passo que em 2010 essa porcentagem aumenta para 35%, e em 2011 para aproximadamente 60%, valor mais elevado para o período analisado. Em termos da relação de imparidade, que é definida pelos autores como a relação entre a perda por imparidade do goodwill e o valor contabilístico do goodwill, o valor passou de 1,73% em 2008 para 23% em 2011.

Em suma, ainda que sejam escassos os estudos que abordam o reconhecimento de imparidades em ativos não financeiros, que não sejam goodwill, sobretudo em países de maior fragilidade financeira, como são os países intervencionados, existe alguma evidência de que o reconhecimento de imparidades pode ser usado como forma de gerir os resultados em contexto de crise financeira e, assim, pôr em causa o objetivo da teoria de mensuração de fornecer informação relevante para o processo de tomada de decisão.

2.3 Hipóteses de estudo

Apesar de já existirem estudos que analisam o reconhecimento das imparidades de ativos não financeiros, são ainda escassos os que estudam o possível impacto da última crise financeira global, e os resultados encontrados são mistos. Adicionalmente, a maioria desses estudos analisa um ativo em particular, o goodwill. Wirtz (2013Wirtz, D. (2013). An analysis of the usefulness to investors of managers’ fair value estimates of firm assets: Evidence from IAS 36 “Impairment of Assets” and IAS 40 “Investment Property.” (Doctoral Thesis). Faculty of Economics and Business - FEB, Amsterdam, Netherlands.) e Zhang (2011) argumentam que, em períodos de crise, as empresas tendem a reconhecer menos ou mesmo a evitar o reconhecimento de imparidades de ativos.

Tal como Yammine & Olivier (2014Yammine, M., & Olivier, H. (2014, abril). Enforcement of accounting standards, financial crisis, and their impact on impairment of non-financial assets. Conferência Comercial do Hemisfério Ocidental, Laredo, Estados Unidos da América, 18.) referem, durante a crise financeira o reconhecimento das imparidades de ativos pode ser usado pelos gestores como meio para atingir seus objetivos estratégicos e, consequentemente, pode-se esperar que os gestores não reconheçam imparidades de forma a não piorar ainda mais o baixo desempenho, característico em épocas de crise, e assim passar a imagem de que estão tendo melhores resultados do que teriam se reconhecessem perdas por imparidade. Assim, a primeira hipótese de estudo é formulada da seguinte forma:

H1: Durante a crise financeira, as empresas evitam reconhecer imparidades de ativos.

A decisão discricionária de reconhecimento de imparidades passa não só pelo seu adiamento (evitando seu reconhecimento nos momentos de crise) como também pela redução da magnitude das imparidades quando há lugar a seu reconhecimento. Assim, argumentamos, no contexto da Hipótese 1, uma extensão da mesma relativamente à magnitude das imparidades reconhecidas:

H1A: Durante a crise financeira, as empresas reconhecem imparidades de ativos com menor magnitude.

Adicionalmente, pretende-se analisar se, durante a crise, as empresas dos países com ajuda financeira também evitam o reconhecimento de imparidades de ativos, visto que esses países foram aqueles que mais sofreram com a crise. Assim, com base em estudos que se focaram em alguns países intervencionados, principalmente de Albuquerque et al. (2011Albuquerque, F., Almeida, C. A., & Queirós, J. (2011). The impairment losses in non financial assets : Evidence from the Portuguese stock. International Journal of Business Research, 11 (2), 42-52.), Carvalho et al. (2013Carvalho, C., Rodrigues, A. M., & Ferreira, C. (2013, outubro). A relevância das perdas por imparidade do goodwill nos oito anos de aplicação das IAS/IFRS em Portugal. Anais do congresso internacional de contabilidade e auditoria, Lisboa, LX, 15.) e Izzo et al. (2013Izzo, M. F., Luciani, V., & Sartori, E. (2013). Impairment of goodwill: Level of compliance and quality of disclosure during the crisis-an analysis of Italian listed companies. International Business Research, 6(11), 94-121.), que constataram que são poucas as empresas que reconheceram imparidades de ativos durante a crise, e que algumas empresas tendem a adiar esse reconhecimento para o período pós-crise, a segunda hipótese estudada será:

H2: Durante a crise financeira, as empresas cujos países tiveram ajuda financeira evitam reconhecer imparidades de ativos.

3 Dados e metodologia

3.1 Coleta de dados e descrição da amostra

Os dados financeiros em nível de empresa foram coletados da base de dados Thomson Reuters, ao passo que as variáveis macroeconômicas (PIB e inflação) foram extraídas da base de dados Pordata.

Tal como Filip & Raffournier (2014Filip, A., & Raffournier, B. (2014). The impact of the 2008-2009 financial crisis on earnings management: The European evidence. The International Journal of Accounting, 49 (4), 455-478.), em seu estudo sobre o impacto da crise financeira na prática de gestão de resultados nas empresas cotadas europeias, consideram-se os anos de 2008 e 2009 como o período de crise, uma vez que foi nesse período que houve uma maior turbulência nos mercados financeiros e uma maior contração econômica (Barth & Landsman, 2010Barth, M. E., & Landsman, W. R. (2010). How did financial reporting contribute to the financial crisis? European Accounting Review, 19(3), 399-423.; Bartram & Bodnar, 2009Bartram, S. M., & Bodnar, G. M. (2009). No place to hide: The global crisis in equity markets in 2008/2009. Journal of International Money and Finance, 28(8), 1246-1292.; Zhang, 2011), tal como demonstrado na Figura 1. Essa decisão torna os nossos resultados diretamente comparáveis com outros estudos que utilizam o mesmo período de crise.

Figura 1
Taxas de crescimento anuais do PIB

A amostra é composta por empresas cotadas dos 14 Estados-Membros da UE, para a janela de 2005 a 2014. O período de estudo inicia-se em 2005, uma vez que a partir de janeiro desse último ano foi obrigatório, para todas as empresas cotadas e consolidadas na UE, adotarem as normas internacionais de relato financeiro. Dessa forma, temos a garantia de que todas as empresas analisadas elaboram as demonstrações financeiras segundo o mesmo normativo e que os resultados obtidos não serão afetados pela diversidade normativa entre países. Adicionalmente, a definição dessa janela temporal para o período de crise permite incorporar um balanceamento entre um período pré-crise e crise e um período pós-crise.

As empresas do setor financeiro foram excluídas da amostra dada as especificidades da natureza de suas operações e relato financeiro. Foram também excluídas da amostra empresas com insuficiência de dados. Desse modo, a amostra final é composta por 1.383 empresas e 13.830 observações empresa-ano.

As Tabelas 1 e 2 apresentam a composição da amostra por país e por setor de atividade, respectivamente. Os países mais representativos da amostra são o Reino Unido, com 21,33% do total das empresas, seguido da França, com 18,73%, e da Alemanha, com 15,11%.

Tabela 1
Composição da amostra por país

Tabela 2
Composição da amostra por setor de atividade

Em termos de setores, os mais representativos são o da indústria (23,86%), consumo cíclico (22,49%), tecnologia (13,23%) e materiais básicos (12,58%).

3.2 Modelos e variáveis

Com base em Yammine & Olivier (2014Yammine, M., & Olivier, H. (2014, abril). Enforcement of accounting standards, financial crisis, and their impact on impairment of non-financial assets. Conferência Comercial do Hemisfério Ocidental, Laredo, Estados Unidos da América, 18.), foram desenvolvidos dois modelos empíricos: um modelo de regressão Logit, o modelo (1), e um modelo de regressão OLS, o modelo (2):

I M P D U M i , t = β 0 + β 1 C R I S E i , t + β 2 D I M i , t + β 3 E N D I V i , t + β 4 E N F i , t + β 5 P I B i , t + β 6 I N F i , t + β 7 P A Í S i + β 7 S E T i + ε i , t (1)

R A C I O I M P i , t = β 0 + β 1 C R I S E i , t + β 2 D I M i , t + β 3 E N D I V i , t + β 4 E N F i , t + β 5 R A I i , t + β 6 P I B i , t + β 7 I N F i , t + β 8 P A Í S i + β 9 S E T i + ε i , t (2)

em que a variável dependente usada no modelo (1), IMP DUM, representa a decisão de reconhecer imparidade ou não. Assim, IMP DUM é uma variável binária que assume valor igual a 1 quando a empresa reconhece uma imparidade de ativos (tangíveis e intangíveis, incluindo o goodwill), e 0 caso contrário.

A variável dependente usada no modelo (2), RELA IMP, representa a magnitude da imparidade de ativos, medida pela relação entre o total das imparidades de ativos (tangíveis e intangíveis, incluindo o goodwill), líquida de reversões de imparidades, e o total dos ativos subjacentes.

A variável de interesse, CRISE, é também uma variável binária que assume o valor igual a 1 se a observação da empresa i no ano t pertence ao período de crise e 0 caso contrário. Neste estudo é considerado o pico da crise financeira, que corresponde ao intervalo entre 2008 a 2009, e em concordância com a literatura comparável anterior. Com base nos resultados alcançados por Zhang (2011) e Yammine & Olivier (2014Yammine, M., & Olivier, H. (2014, abril). Enforcement of accounting standards, financial crisis, and their impact on impairment of non-financial assets. Conferência Comercial do Hemisfério Ocidental, Laredo, Estados Unidos da América, 18.), que sugerem que em períodos de crise as empresas são menos suscetíveis de reconhecer imparidades, espera-se que o sinal do coeficiente da variável CRISE seja negativo.

A variável DIM tem como objetivo controlar o impacto da dimensão da empresa no reconhecimento de imparidades, incluindo a capacidade que a empresa tem para aplicar procedimentos mais complexos no nível dos testes de imparidade. As grandes empresas possuem mais recursos para proceder a cálculos e a testes de imparidade mais complexos e assim estão mais preparadas para descobrir eventuais imparidades e cumprir os requisitos normativos (AbuGhazaleh, Al-Hares & Roberts, 2011AbuGhazaleh, N. M., Al-Hares, O., & Roberts, C. (2011). Accounting discretion in goodwill impairments: UK evidence. Journal of International Financial Management & Accounting, 22(3), 165-204.; Giner & Pardo, 2015Giner, B., & Pardo, F. (2015). How ethical are managers’ goodwill impairment decisions in Spanish-listed firms? Journal of Business Ethics, 132 (1), 21-40.; Ramanna & Watts, 2012Ramanna, K., & Watts, R. L. (2012). Evidence on the use of unverifiable estimates in required goodwill impairment. Review of Accounting Studies, 17(4), 749-780.; Sant’Ana et al., 2016Sant’Ana, F., Gonçalves, J., Guerreiro, C., & Nobre, L. (2016). Perdas por imparidade: Fatores explicativos e impactos. Revista Brasileira de Gestão de Negócios, 18(60), 305-317.). Adicionalmente, vários estudos mostram que as imparidades de ativos são mais suscetíveis de ocorrer em grandes empresas (Kvaal, 2005Kvaal, E. (2005). Topics in accounting for impairment of fixed assets (Master’s Dissertation). BI Norwegian School of Management, Norway.; Saastamoinen & Pajunen, 2016Saastamoinen, J., & Pajunen, K. (2016). Goodwill impairment losses as managerial choices. International Journal of Managerial and Financial Accounting, 8(2), 172-195.). Dessa forma, espera-se que o sinal do coeficiente da variável DIM seja positivo.

A variável ENDIV pretende controlar o efeito do nível de endividamento no reconhecimento das imparidades. Estudos anteriores sugerem que a associação entre o endividamento e o reconhecimento de imparidade de ativos tanto pode ser negativa como positiva. Isto é, por um lado as empresas mais endividadas podem evitar reconhecer imparidades com o objetivo de não violar as cláusulas dos contratos de dívida (Hassine & Jilani, 2017Hassine, N. M., & Jilani, F. (2017). Determinants of goodwill impairment losses under IAS 36: The French case. International Journal of Accounting and Financial Reporting, 7(1), 88-102.; Ramanna & Watts, 2012Ramanna, K., & Watts, R. L. (2012). Evidence on the use of unverifiable estimates in required goodwill impairment. Review of Accounting Studies, 17(4), 749-780.), dado que se as cláusulas forem violadas a empresa poderá enfrentar várias consequências, como má reputação, maior dificuldade em obter empréstimos e custos de financiamento mais elevados. Por outro lado, as empresas com maior nível de endividamento podem estar sobre um controlo mais apertado por parte de credores e investidores, deixando menos margem para a gestão de resultados nas decisões de imparidade (Elliott & Shaw, 1988Elliott, J., & Shaw, W. (1988). Write-offs as accounting procedures to manage perceptions. Journal of Accounting Research, 26, 91-119.; Korošec, Jerman & Tominc, 2016Korošec, B., Jerman, M., & Tominc, P. (2016). The impairment test of goodwill: an empirical analysis of incentives for earnings management in Italian publicly traded companies. Economic research-Ekonomska istraživanja, 29(1), 162-176.; Saastamoinen & Pajunen, 2016Saastamoinen, J., & Pajunen, K. (2016). Goodwill impairment losses as managerial choices. International Journal of Managerial and Financial Accounting, 8(2), 172-195.; Strong & Meyer, 1987Strong, J., & Meyer, J. (1987). Asset write-downs: Managerial incentives and security returns. Journal of Finance, 42(3), 643-663.), podendo assim conduzir a um maior reconhecimento de imparidades. Dessa forma, não temos nenhuma expectativa relativamente ao coeficiente da variável ENDIV.

Relativamente à variável RAI, representa o resultado que seria reportado caso as empresas não tivessem reconhecido as imparidades. Kvaal (2005Kvaal, E. (2005). Topics in accounting for impairment of fixed assets (Master’s Dissertation). BI Norwegian School of Management, Norway.) defende que a associação dessa variável com o reconhecimento das imparidades reflete a gestão de resultados. À semelhança do estudo de Yammine e Olivier (2014Yammine, M., & Olivier, H. (2014, abril). Enforcement of accounting standards, financial crisis, and their impact on impairment of non-financial assets. Conferência Comercial do Hemisfério Ocidental, Laredo, Estados Unidos da América, 18.), esta variável só é incluída no modelo (2). Espera-se que as empresas que têm um maior resultado ajustado às imparidades tendam a reconhecer menos imparidades de ativos, porque as imparidades são um item que reduz os resultados da empresa.

Em termos de variáveis institucionais e macroeconômicas, foram incluídas nos modelos a taxa de crescimento real do produto interno bruto (PIB), a taxa de inflação (INF) e o nível de enforcement das normas internacionais de contabilidade (ENF). Para mensurar o nível de enforcement das normas internacionais de contabilidade, foi criado um índice, com base em Preiato, Brown & Tarca (2015Preiato, J. P., Brown, P. R., & Tarca, A. (2015). A comparison of between-country measures of legal setting and enforcement of accounting standards. Journal of Business Finance & Accounting, 42(1), 1-50.), para o ano de 2008, que reflete o nível de enforcement das normas de contabilidade e de auditoria. Tal como Preiato et al. (2015) referem, esse índice pode ser mais útil e ter maior poder explicativo do que os normalmente usados na literatura com um caráter mais geral, na medida em que é mais focalizado e permite distinguir os países de acordo com sua capacidade de enforcement em termos dos requisitos contabilísticos.

Nos países onde o nível de enforcement é mais elevado, constata-se que as empresas reconhecem imparidades de ativos com prazo mais determinado e com maior frequência (Amiraslani et al., 2013Amiraslani, H., Iatridis, G. E., & Pope, P. F. (2013). Accounting for asset impairment: A test for IFRS compliance across Europe. London: Cass Business School.; Glaum et al., 2015Glaum, M., Landsman, W. R., & Wyrwa, S. (2015). Determinants of goodwill impairment under IFRS: International evidence. SSRN Electronic Journal, 1-54.), o que pode ser explicado pela redução da prática de gestão de resultados (Houqe, Van Zijl, Dunstan & Karim, 2012Houqe, M. N., Van Zijl, T., Dunstan, K., & Karim, A. W. (2012). The effect of IFRS adoption and investor protection on earnings quality around the world. The International Journal of Accounting, 47(3), 333-355.). Os gestores são encorajados a seguir as normas contabilísticas previstas, e assim aumentam a precisão das estimativas e reduzem a incerteza dos analistas (Hope, 2003Hope, O. K. (2003). Disclosure practice, enforcement of accounting standards and analyst’ forecast accuracy: An international study. Journal of Accounting Research, 41(3), 235-272.). Assim, quanto maior for o valor do índice do enforcement, mais efetivas serão as práticas de enforcement e, portanto, maior será a qualidade da informação nos relatórios financeiros. Assumindo que as empresas podem reconhecer mais imparidades do que necessário no sentido de gerirem seus resultados de forma descendente (Yammine & Olivier, 2014Yammine, M., & Olivier, H. (2014, abril). Enforcement of accounting standards, financial crisis, and their impact on impairment of non-financial assets. Conferência Comercial do Hemisfério Ocidental, Laredo, Estados Unidos da América, 18.), e uma vez que um elevado nível de enforcement pode estar associado a uma redução da prática de gestão de resultados, espera-se que um elevado nível de enforcement conduza as empresas a anularem o valor adicional registrado como imparidade e que se encontrava acima do que seria economicamente necessário (Yammine & Olivier, 2014). Como tal, esperamos um coeficiente negativo para esta variável.

Por fim, foi introduzida a variável dummy SET, com o objetivo de controlar o efeito das diferentes características em nível de setor de atividade, bem como a variável dummy PAÍS, que serve para controlar o efeito das diferentes características em nível de país. Um resumo da descrição, fórmula de cálculo, sinal esperado e literatura suporte da escolha das varáveis é apresentado no Apêndice.

4 Análise de resultados

4.1 Estatísticas descritivas

A Tabela 3 apresenta a média das variáveis dependentes e independentes dos modelos por períodos de crise (2008 a 2009) e não crise (2005 a 2007 e 2010 a 2014), para o total das empresas (Painel A), para as empresas dos países intervencionados (Painel B) e para as empresas dos países não intervencionados (Painel C).

Tabela 3
Média das variáveis por períodos1

No painel A, pode-se verificar que, em termos médios, o valor de imparidades de ativos é superior no período da crise. A relação das imparidades também apresenta, em termos médios, um valor superior no período de crise (2,22%) em comparação com o período de não crise (1,65%).

No painel B, constata-se que as empresas dos países intervencionados apresentam, em termos médios, um valor de imparidades de ativos no período de crise significativamente mais baixo, cerca de 69%, do que no período de não crise. Durante o período de crise, os países intervencionados apresentam uma média da relação de imparidades de 0,82%, ao que no período de não crise esse conjunto de países apresenta uma média de 1,25%.

Contrariamente, as empresas dos países não intervencionados apresentam, em termos médios, valores mais altos no período de crise, quer em nível de montante quer em nível de relação de imparidades (Painel C).

Foram realizados testes de igualdade de médias das variáveis dependentes por período (crise e não crise) e por país (intervencionado ou não). Os resultados presentes na Tabela 4 mostram que, relativamente à variável IMP DUM, existem diferenças estatisticamente significativas entre o período de crise e não crise, sugerindo que a probabilidade de as empresas reconhecerem imparidades é maior no período de crise.

Tabela 4
Resultados dos testes de igualdade de médias1

Relativamente à análise de países intervencionados versus não intervencionados, os resultados também sugerem que as diferenças são estatisticamente significativas, no nível da variável IMP DUM, havendo evidência de que as empresas dos países intervencionados tendem a reconhecer mais imparidades.

A Tabela 5 apresenta a matriz das correlações entre as variáveis dos modelos em estudo. De uma forma geral, as variáveis apresentam uma correlação fraca, sugerindo a não existência de problemas de multicolinearidade.

Tabela 5
Matriz de correlação das variáveis2

4.2 Impacto da crise no reconhecimento e magnitude das imparidades

A Tabela 6 sumariza os resultados obtidos para duas diferentes especificações dos modelos (1) e (2), a inclusão ou não da variável ROA, uma vez que o nível de rentabilidade é considerado na literatura como um importante determinante do reconhecimento de imparidades.

Tabela 6
Impacto da crise financeira no reconhecimento e magnitude das imparidades

Podemos verificar que quando a variável dependente é IMP DUM, colunas 1 e 2, a variável CRISE apresenta um coeficiente negativo estatisticamente significativo, o que sugere que durante o período de crise as empresas tendem a reduzir o reconhecimento de imparidades de ativos, validando assim a H1.

Os resultados sugerem ainda que empresas de maior dimensão e com maior nível de endividamento têm maior probabilidade de reconhecer imparidades de ativos, sendo consistente com os resultados obtidos em estudos anteriores (Glaum et al., 2015Glaum, M., Landsman, W. R., & Wyrwa, S. (2015). Determinants of goodwill impairment under IFRS: International evidence. SSRN Electronic Journal, 1-54.; Verriest & Gaeremynck, 2009Verriest, A., & Gaeremynck, A. (2009). What determines goodwill impairment? Review of Business and Economics, 54(2), 1-23.; Zhang, 2011).

Consistente com a literatura, os coeficientes das varáveis institucionais e macroeconômicas sugerem uma associação negativa entre a probabilidade de reconhecimento de imparidades e os níveis de enforcement das normas de auditoria e de contabilidade, de crescimento econômico e de inflação.

Quando a variável dependente é a magnitude das imparidades reconhecidas, RELA IMP, colunas 3 e 4, os resultados sugerem a não existência de uma associação estatisticamente significativa entre o reconhecimento de imparidades e a crise, não validando, assim, a hipótese H1A. Consistente com os resultados obtidos por Yammine & Olivier (2014Yammine, M., & Olivier, H. (2014, abril). Enforcement of accounting standards, financial crisis, and their impact on impairment of non-financial assets. Conferência Comercial do Hemisfério Ocidental, Laredo, Estados Unidos da América, 18.), o coeficiente da variável CRISE apresenta um sinal positivo, sugerindo que durante o período de crise as empresas reconhecem um valor de imparidades superior, não sendo, no entanto, estatisticamente significativo.

A inclusão da variável ROA (relação entre o resultado líquido e o total do ativo) em ambos os modelos, colunas 2 e 4, considerada por muitos como um dos principais determinantes do reconhecimento de imparidades (Glaum et al., 2015Glaum, M., Landsman, W. R., & Wyrwa, S. (2015). Determinants of goodwill impairment under IFRS: International evidence. SSRN Electronic Journal, 1-54.; Zhang, 2011), não altera as conclusões anteriores. Ou seja, a probabilidade de reconhecimento de perdas durante a crise diminuiu e não existe evidência de que as empresas reconheçam montantes mais elevados de imparidades no período de crise. Quanto maior a rentabilidade da empresa, menor será a probabilidade de as empresas reconhecerem imparidades e menor a magnitude das imparidades reconhecidas, tal como Zhang (2011).

Por fim, é de salientar que o adjusted R 2 do modelo (2), coluna 4, aumenta substancialmente quando a variável ROA é introduzida, o que revela o forte poder explicativo do nível de desempenho da empresa na magnitude de imparidades reconhecida pelas empresas europeias (Gonçalves, Gaio & Santos, 2019Gonçalves, T., Gaio, C., & Santos, T. (2019). Women on board: Do they manage earnings? Empirical evidence from European listed firms. Review of Business Management, 21(3), 582-597.).

Em suma, os resultados sugerem que existe uma menor probabilidade para o reconhecimento de imparidades em períodos de crise, não sendo possível, no entanto, concluir que a crise tenha tido impacto na magnitude das perdas por imparidades reconhecidas.

4.3 Países intervencionados versus países não intervencionados

De modo a analisar se a probabilidade de reconhecimento e magnitude das imparidades é afetada de forma distinta pela crise nos países que pediram ajuda financeira, dividiu-se a amostra em dois grupos: países intervencionados e países não intervencionados, e estimaram-se os modelos (1) e (2) para cada grupo. A Tabela 7 sumariza os resultados obtidos.

Tabela 7
Países intervencionados versus países não intervencionados

Os resultados são, em geral, consistentes com os reportados anteriormente. Em termos de reconhecimento de imparidades, colunas 1 e 3, o coeficiente da Crise é negativo e estatisticamente significativo, sugerindo que durante a crise as empresas tendem a reconhecer menos perdas por imparidades, quer nos países intervencionados, quer nos não intervencionados. Esse coeficiente é, no entanto, superior no grupo dos países intervencionados, o que pode sugerir que empresas cujos países tiveram ajuda financeira são menos suscetíveis de reconhecer imparidades de ativos, pelo que se valida H2.

4.4 Discussão dos resultados

Os resultados obtidos sugerem que as empresas podem optar por não reconhecer imparidades de forma a relatar “melhores” resultados, compensando as dificuldades econômicas sentidas, com impacto negativo nos resultados, durante a crise. Isso vai ao encontro dos resultados obtidos por Zhang (2011), para as empresas cotadas na Alemanha e Reino Unido, de Vanza et al. (2011Vanza, S., Wells, P., & Wright, A. (2011). Asset impairment and the disclosure of private information. Journal of Contemporary Accounting and Economics, 14(2018), 22-40.), para empresas cotadas alemãs, e de Yammine & Olivier (2014Yammine, M., & Olivier, H. (2014, abril). Enforcement of accounting standards, financial crisis, and their impact on impairment of non-financial assets. Conferência Comercial do Hemisfério Ocidental, Laredo, Estados Unidos da América, 18.), para um conjunto de empresas cotadas europeias.

Os resultados são também consistentes com os obtidos no estudo realizado pela PriceWhaterhouseCoopers (2011), que revelou que a maioria das empresas cotadas europeias não reconheceu perdas por imparidade no goodwill durante a crise, e com os obtidos no estudo da European Securities and Markets Authority (2013), que, com base no ano de 2011, concluiu que são poucas as empresas que reconhecem perdas por imparidade do goodwill, sendo o reconhecimento para os outros ativos intangíveis ainda mais limitado. De fato, existe evidência de um certo conservadorismo condicional no reconhecimento das imparidades das empresas cotadas europeias (Amiraslani et al., 2013Amiraslani, H., Iatridis, G. E., & Pope, P. F. (2013). Accounting for asset impairment: A test for IFRS compliance across Europe. London: Cass Business School.).

Assim, em períodos de crise, as empresas podem usar a discricionariedade e a subjetividade subjacentes ao reconhecimento de imparidade dos ativos com o objetivo de apresentar resultados melhores e não colocar em causa sua posição no mercado. Consequentemente, existe margem para a prática de gestão de resultados no sentido de minimizar os efeitos da crise.

Adicionalmente, a literatura sugere que o mercado reage negativamente ao anúncio do reconhecimento de perdas por imparidade, uma vez que seu reconhecimento significa que os benefícios econômicos futuros esperados do investimento realizado nos ativos não vão ser totalmente realizados (Sant’Ana et al., 2016Sant’Ana, F., Gonçalves, J., Guerreiro, C., & Nobre, L. (2016). Perdas por imparidade: Fatores explicativos e impactos. Revista Brasileira de Gestão de Negócios, 18(60), 305-317., entre outros), podendo contribuir para a decisão de evitar o reconhecimento de imparidades em períodos de crise.

Os resultados sugerem também que empresas de maior dimensão e mais endividadas, estando sob um controle e escrutínio mais apertados, tendem mais a reconhecer perdas por imparidade. Também empresas em países onde o nível de enforcement das normas contabilísticas e de auditoria é mais exigente são marginalmente menos propensas a reconhecer perdas por imparidades e, assim, evitar seu uso oportunista com consequência na qualidade do relato financeiro, consistente com uma corrente da literatura que argumenta que a qualidade dos fatores institucionais, tais como nível de proteção ao investidor, eficiência dos sistemas judiciais e nível de enforcement das normas contabilísticas e de auditoria, que conduzem à maior qualidade do relato financeiro, concretamente no reconhecimento de perdas por imparidade (Glaum et al., 2015Glaum, M., Landsman, W. R., & Wyrwa, S. (2015). Determinants of goodwill impairment under IFRS: International evidence. SSRN Electronic Journal, 1-54.; Yammine & Olivier, 2014Yammine, M., & Olivier, H. (2014, abril). Enforcement of accounting standards, financial crisis, and their impact on impairment of non-financial assets. Conferência Comercial do Hemisfério Ocidental, Laredo, Estados Unidos da América, 18.).

Os resultados da análise comparativa entre empresas de países intervencionados e não intervencionados revelam que a tendência para o menor reconhecimento de perdas por imparidade no período de crise é transversal a todas as empresas, reforçando as conclusões anteriores. No entanto, os resultados sugerem uma maior probabilidade de não reconhecimento de imparidades nas empresas dos países intervencionados, onde o maior escrutínio resultante da intervenção mitiga o uso oportunista do reconhecimento das imparidades.

Uma maior tendência para evitar o reconhecimento de imparidades nos países intervencionados é consistente com os resultados obtidos em estudos anteriores, que analisaram o reconhecimento de imparidade de goodwill em alguns desses países, principalmente Albuquerque et al. (2011Albuquerque, F., Almeida, C. A., & Queirós, J. (2011). The impairment losses in non financial assets : Evidence from the Portuguese stock. International Journal of Business Research, 11 (2), 42-52.), Carvalho et al. (2013Carvalho, C., Rodrigues, A. M., & Ferreira, C. (2013, outubro). A relevância das perdas por imparidade do goodwill nos oito anos de aplicação das IAS/IFRS em Portugal. Anais do congresso internacional de contabilidade e auditoria, Lisboa, LX, 15.) e Izzo et al. (2013Izzo, M. F., Luciani, V., & Sartori, E. (2013). Impairment of goodwill: Level of compliance and quality of disclosure during the crisis-an analysis of Italian listed companies. International Business Research, 6(11), 94-121.), que constataram que são poucas as empresas que reconheceram imparidades de ativos durante a crise, e que algumas empresas tendem a adiar esse reconhecimento para o período pós-crise.

4.5 Análises de robustez

Os resultados obtidos são robustos quanto à ausência de multicolinearidade, na medida em que as correlações entre variáveis são baixas. Adicionalmente, a elevada dimensão da amostra permite adicionar robustez assimptótica aos dados, sendo que os resíduos das estimações realizadas seguem o pressuposto de normalidade.

Foram realizadas, ainda, duas análises adicionais de forma a aferir a robustez dos nossos resultados principais. Primeiro, foram excluídas da amostra as empresas dos três países com maior representatividade: Reino Unido, França e Alemanha. Os resultados (não tabulados) são em geral semelhantes aos obtidos anteriormente, reforçando a nossa principal conclusão de que existe uma menor probabilidade para o reconhecimento de imparidades em períodos de crise.

Na segunda análise realizada, foram consideradas apenas as observações com imparidades. Mais uma vez, e consistente com os resultados da análise principal, a variável CRISE não se revela estatisticamente significativa (resultados não tabulados), não se podendo assim concluir que a crise tenha afetado o montante de imparidades das empresas cotadas europeias.

5 Conclusão

Com este estudo pretendeu-se analisar o impacto que a crise financeira de 2008-2009 teve no reconhecimento de imparidades de ativos não financeiros por parte das empresas cotadas da União Europeia. Adicionalmente, analisou-se o caso particular dos países que recorreram ao Programa de Assistência Econômica e Financeira (Irlanda, Portugal, Espanha, Itália e Grécia), os chamados países intervencionados.

Os resultados sugerem que as empresas cotadas europeias evitam o reconhecimento de imparidades de ativos durante o período de crise, indo ao encontro das conclusões de estudos anteriores (Yammine & Olivier, 2014Yammine, M., & Olivier, H. (2014, abril). Enforcement of accounting standards, financial crisis, and their impact on impairment of non-financial assets. Conferência Comercial do Hemisfério Ocidental, Laredo, Estados Unidos da América, 18.; Zhang, 2011), e que a magnitude de imparidades reconhecida não é afetada pela crise, consistente com as conclusões alcançadas por Yammine & Olivier (2014). Esses resultados podem indicar a prática de gestão de resultados no sentido de melhorar os resultados apresentados, de forma a compensar o efeito negativo da crise financeira no desempenho das empresas. Ou seja, os gestores podem usar a discricionariedade subjacente ao reconhecimento e cálculo de imparidades para gerir os resultados de forma ascendente e, assim, mitigar o baixo desempenho característico em épocas de crise, contrariando os efeitos pretendidos pela teoria da mensuração, relativamente à divulgação das demonstrações financeiras de forma relevante para efeitos de decisão econômica.

Também se conclui que, durante os anos de crise financeira, é menor a probabilidade de reconhecimento de imparidades de ativos, independentemente de a empresa pertencer a um país intervencionado ou não. Contudo, é de salientar que durante a crise as empresas dos países que tiveram ajuda financeira revelam-se menos suscetíveis de reconhecer imparidades do que as empresas dos países não intervencionados.

Contribuímos para a escassa literatura que analisa o impacto da crise financeira no reconhecimento de imparidades em ativos não financeiros e, em particular, em contexto de maior fragilidade financeira. Contribuímos, ainda, para a literatura sobre o uso da discricionariedade no reconhecimento de imparidades na prática de gestão de resultados e, consequentemente, na qualidade da informação contabilística.

Dado que em períodos de crise financeira os ativos podem não refletir de forma verdadeira e fidedigna o montante de seus benefícios econômicos futuros, esse tema é de grande importância no atual contexto do relato financeiro, e tem implicações práticas relevantes. Assim, os resultados do estudo são de interesse para os vários intervenientes do processo de relato financeiro, concretamente: credores, investidores, entidades reguladoras dos mercados financeiros, entidades que preparam e fiscalizam a aplicação de normas de contabilidade e de auditoria e, em última instância, para os líderes europeus no que diz respeito a reformas estruturais e leis de defesa dos investidores.

A principal limitação deste estudo é a falta de dados, principalmente a impossibilidade de termos o valor de imparidades desagregado por natureza de ativo. Como pistas de investigação futura, seria interessante considerar outras variáveis, como a cotação das ações da empresa e variáveis relacionadas com o sistema de governação das sociedades, bem como aprofundar o estudo da influência de variáveis macroeconômicas no reconhecimento de imparidades. Adicionalmente, seria interessante analisar o mesmo tópico no contexto de empresas não cotadas, dada sua predominância no tecido empresarial europeu.

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  • Autores:

    1. Cristina Gaio, PhD, Advance/CSG, ISEG, Universidade de Lisboa, Lisboa, Portugal.

    E-mail: cgaio@iseg.ulisboa.pt

    2. Tiago Gonçalves, PhD, Advance/CSG, ISEG, Universidade de Lisboa, Lisboa, Portugal.

    E-mail: tiago@iseg.ulisboa.pt

    3. Anabela Pereira, Mestrado, ISEG, Universidade de Lisboa, Lisboa, Portugal.

    E-mail: anabela_dpereira@hotmail.com

Apêndice

Descrição das
variáveis do estudo

Editor responsável:

Prof. Dr. Ilídio Lopes

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Jul 2021
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2021

Histórico

  • Recebido
    06 Ago 2019
  • Aceito
    23 Dez 2020
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