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Comportamento dos Custos nos Governos Locais sob a Ótica da Teoria das Finanças Públicas

Resumo

Objetivo

Esta pesquisa analisou de forma inédita o comportamento dos custos nos governos locais, visto que a literatura atual é incipiente e o fenômeno cost stickiness ainda gera dúvidas sobre sua aplicação ao setor público puro.

Referencial teórico

O estudo aborda os cost stickiness sob a ótica da teoria das finanças públicas.

Metodologia

É uma pesquisa inédita, exploratória, que utiliza estatística robusta de regressão de dados em painel. Analisaram-se 295 governos locais no sul do Brasil ao longo de um período de 16 anos, resultando em 141.600 observações.

Resultados

Todos os 32 modelos analisados apresentaram comportamento assimétrico de custos públicos, com 75% sendo caracterizados como cost stickiness (47%, sticky, e 28%, anti-sticky) e 25% como reverse cost (um novo fenômeno identificado, típico do setor público, mas que pode ocorrer no setor privado).

Implicações práticas e sociais da pesquisa

As principais contribuições teóricas e práticas são: I) comprovação de que a abordagem contemporânea do comportamento dos custos se aplica ao setor público puro; II) comprovação de que o equilíbrio orçamentário, preceito fundamental da TFP, não se aplica na prática; e III) identificação de um novo fenômeno, que amplia a classificação teórica do comportamento dos custos consolidada na abordagem contábil contemporânea, que pode auxiliar os gestores no planejamento das ações públicas.

Contribuições

A principal contribuição é a identificação de um novo fenômeno, denominado reverse cost, ampliando a classificação teórica do comportamento dos custos consolidada na abordagem contábil contemporânea.

Palavras-chave:
Comportamento do custo; cost stickiness; reverse cost; assimetria de custos; custos governamentais

Abstract

Purpose

This research aims to analyze in an unprecedented way the behavior of costs in local government, since the current literature is incipient and there are still doubts about the application of the cost stickiness phenomenon to the pure public sector.

Theoretical framework

The study approaches cost stickiness from the Theory of Public Finance perspective.

Design/methodology/approach

This is an unprecedented, exploratory study with robust panel data regression statistics. We analyzed 295 local governments in southern Brazil over a 16-year period, resulting in 141,600 observations.

Findings

All 32 models analyzed showed asymmetric behavior of public costs, with 75% being characterized as cost stickiness (47% sticky and 28% anti-sticky) and 25% as reverse cost (a new phenomenon identified, typical of the public sector, but which can also occur in the private sector).

Practical & social implications of research

The main theoretical and practical contributions are: I) proof that the contemporary approach to cost behavior applies to the pure public sector; II) proof that budget balance, a fundamental precept of the TFP, does not apply in practice; and III) identification of a new phenomenon, expanding the theoretical classification of cost behavior consolidated in the contemporary accounting approach, which can help managers in planning public actions.

Originality/value

The main contribution is the identification of a new phenomenon, called reverse cost, expanding the theoretical classification of cost behavior consolidated in the contemporary accounting approach.

Keywords:
Cost behavior; cost stickiness; reverse cost; cost asymmetry; government costs

1 Introdução

Desde meados do século XVIII, as finanças públicas têm se configurado como importante temática de estudo (Musgrave & Peacock, 1958Musgrave, R. A., & Peacock, A. T. (1958). Classic in the theory of public finance. Macmillan. http://dx.doi.org/10.1007/978-1-349-23426-4.
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), cujo orçamento equilibrado se encontra consolidado na literatura e na prática de vários países (Edgeworth, 1897Edgeworth, F. Y. (1897). The pure theory of taxation. Economic Journal (London), 7(25), 46-70. http://dx.doi.org/10.2307/2956958.
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). Contudo, o foco das pesquisas tem sido sobre as receitas, e o entendimento sobre os custos ainda permanece parcialmente obscuro (Bracci et al., 2015Bracci, E., Humphrey, C., Moll, J., & Steccolini, I. (2015). Public sector accounting, accountability and austerity: More than balancing the books? Accounting, Auditing & Accountability Journal, 28(6), 878-908. http://dx.doi.org/10.1108/AAAJ-06-2015-2090.
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; Santos, 2008Santos, R. S. (2008). Keynes e a proposta de administração política do capitalismo. REBAP, 1(1), 99-154 . https://periodicos.ufba.br/index.php/rebap/article/view/15485
https://periodicos.ufba.br/index.php/reb...
; Santos et al., 2017Santos, R. S., Ribeiro, E. M., Ribeiro, M. M., & Pinto, F. L. B. (2017). Administração política e políticas públicas: Em busca de uma nova abordagem teórico-metodológica para a (re)interpretação das relações sociais de produção, circulação e distribuição. Cadernos EBAPE.BR, 15(4), 939-959. http://dx.doi.org/10.1590/1679-395155017.
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).

A teoria das finanças públicas (TFP), de Musgrave (1959)Musgrave, R. A. (1959). The theory of public finance: A study in public economy. McGraw-Hill., uma das mais importantes teorias voltadas à gestão governamental, tem origem na economia e foco na eficiência da gestão. Em sua abordagem das Funções de Governo, que estabelece a finalidade da atuação do poder público na utilização dos recursos, caracteriza os custos públicos como alocativos, distributivos ou estabilizadores (Santos et al., 2017Santos, R. S., Ribeiro, E. M., Ribeiro, M. M., & Pinto, F. L. B. (2017). Administração política e políticas públicas: Em busca de uma nova abordagem teórico-metodológica para a (re)interpretação das relações sociais de produção, circulação e distribuição. Cadernos EBAPE.BR, 15(4), 939-959. http://dx.doi.org/10.1590/1679-395155017.
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).

A TFP direciona grande parte das normas governamentais de contabilidade em diversos países e se consolidou mundialmente. No Brasil, por exemplo, a normatização contábil pública segue os preceitos da TFP e estabelece a obrigatoriedade do equilíbrio nos planos orçamentários e em sua execução, inclusive com penalidades para seu descumprimento. Entre as contas públicas associadas à TFP, as de classificação funcional são as que melhor representam a finalidade do custo de acordo com as áreas de atuação do governo. Esta pesquisa acompanha a literatura internacional ao utilizar a expressão “custos públicos” como sinônimo de despesa orçamentária executada.

Nos últimos anos, os governos têm aumentado deliberadamente os custos no setor público (Bracci et al., 2015Bracci, E., Humphrey, C., Moll, J., & Steccolini, I. (2015). Public sector accounting, accountability and austerity: More than balancing the books? Accounting, Auditing & Accountability Journal, 28(6), 878-908. http://dx.doi.org/10.1108/AAAJ-06-2015-2090.
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; Mou et al., 2018Mou, H., Atkinson, M. M., & Tapp, S. (2018). Do balanced budget laws matter in recessions? Public Budgeting & Finance, 38(1), 28-46. http://dx.doi.org/10.1111/pbaf.12163.
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). As reformas políticas e econômicas, porém, objetivam reestruturar as contas públicas, e alguns governos buscam maneiras de reduzir custos sem antes mesmo entender seu real comportamento (Kulmala et al., 2016Kulmala, H. I., Ojala, M., Ahoniemi, L., & Uusi-Rauva, E. (2016). Unit cost Behaviour in public sector outsourcing. International Journal of Public Sector Management, 19(2), 130-149. http://dx.doi.org/10.1108/09513550610650400.
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). No setor público, o resultado orçamentário é medido no período e se espera o equilíbrio (receita total = custo total), na temática de comportamento dos custos, que advém do setor privado, ao passo que no comportamento é medido pela variação entre períodos (variação dos custos em relação à variação das receitas), cujo resultado pode ser simétrico ou assimétrico. Assim, o comportamento dos custos governamentais representa uma das principais lacunas de pesquisa das últimas duas décadas (van Helden & Uddin, 2016van Helden, J., & Uddin, S. (2016). Public sector management accounting in emerging economies: A literature review. Critical Perspectives on Accounting, 41, 34-62. http://dx.doi.org/10.1016/j.cpa.2016.01.001.
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).

A temática de comportamento dos custos evoluiu da abordagem contábil tradicional (mais voltada ao comportamento simétrico) para a contemporânea (mais voltada ao comportamento assimétrico). Inclusive, algumas pesquisas (Cohen et al., 2017Cohen, S., Karatzimas, S., & Naoum, V. (2017). The sticky cost phenomenon at the local government level: Empirical evidence from Greece. Journal of Applied Accounting Research, 18(4), 445-463. http://dx.doi.org/10.1108/JAAR-03-2015-0019.
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; Hosomi & Nagasawa, 2018aHosomi, S., & Nagasawa, S. (2018a). A study on the effect of amalgamation on the cost behavior of local public enterprises. Asia-Pacific Management Accounting Journal, 13(3), 109-130. https://ir.uitm.edu.my/id/eprint/29522/
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, 2018bHosomi, S., & Nagasawa, S. (2018b). Empirical study on asymmetric cost behavior: Analysis of the sticky costs of local public enterprises. Asia-Pacific Management Accounting Journal, 13(2), 55-82. https://ir.uitm.edu.my/id/eprint/29561 ; Nagasawa & Nagasawa, 2021Nagasawa, S., & Nagasawa, M. (2021). Free riding, empire building, and cost management prior to and post municipal enterprise mergers in Japan. Asia-Pacific Journal of Accounting & Economics, 28(1), 94-116. http://dx.doi.org/10.1080/16081625.2020.1845001.
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) afirmam que a abordagem contemporânea talvez não se aplique ao setor público puro (em que os recursos são puramente públicos, prevalece o orçamento equilibrado e atividades sem fins lucrativos). Esse entendimento se dá principalmente pelo fato de que sucessivos orçamentos equilibrados inviabilizam o comportamento assimétrico.

A possibilidade de comportamento assimétrico dos custos já está consolidada na literatura do setor privado (Banker et al., 2018Banker, R. D., Byzalov, D., Fang, S., & Liang, Y. (2018). Cost management research. Journal of Management Accounting Research, 30(3), 187-209. http://dx.doi.org/10.2308/jmar-51965.
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; Banker & Byzalov, 2014Banker, R. D., & Byzalov, D. (2014). Asymmetric cost behavior. Journal of Management Accounting Research, 26(2), 43-79. http://dx.doi.org/10.2308/jmar-50846.
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; Richartz & Borgert, 2014Richartz, F., & Borgert, A. (2014). O comportamento dos custos das empresas brasileiras listadas na BM&FBOVESPA entre 1994 e 2011 com ênfase nos sticky costs.Contaduría y Administración, 59(4), 39-70. http://dx.doi.org/10.1016/S0186-1042(14)70154-8.
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), mas a discussão é incipiente no setor público. Contudo, pesquisas recentes (Joyce & Pattison, 2010Joyce, P. G., & Pattison, S. (2010). Public budgeting in 2020: Return to equilibrium, or continued mismatch between demands and resources? Public Administration Review, 70, S24-S32. http://dx.doi.org/10.1111/j.1540-6210.2010.02243.x.
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; Kulmala et al., 2016Kulmala, H. I., Ojala, M., Ahoniemi, L., & Uusi-Rauva, E. (2016). Unit cost Behaviour in public sector outsourcing. International Journal of Public Sector Management, 19(2), 130-149. http://dx.doi.org/10.1108/09513550610650400.
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; Mou et al., 2018Mou, H., Atkinson, M. M., & Tapp, S. (2018). Do balanced budget laws matter in recessions? Public Budgeting & Finance, 38(1), 28-46. http://dx.doi.org/10.1111/pbaf.12163.
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) apontam que nem sempre os governos conseguem manter o equilíbrio orçamentário em épocas de crise, o que pode evidenciar comportamento diferente do esperado (que seria o simétrico).

No setor privado, o fenômeno cost stickiness foi evidenciado por meio de pesquisas que já identificaram vários determinantes e, atualmente, se concentram em explicar as consequências (Malik, 2012Malik, M. (2012). A review and synthesis of ‘cost stickiness’ literature. SSRN Electronic Journal. http://dx.doi.org/10.2139/ssrn.2276760
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), ao passo que, no setor público, o comportamento dos custos ainda carece de comprovação e os resultados existentes não são conclusivos ou não estão de acordo com a abordagem contábil contemporânea (Campagnoni et al., 2021Campagnoni, M., Fabre, V. V., Borgert, A., & Rover, S. (2021). Cost Stickiness nos governos locais de Santa Catarina. Revista Catarinense Da Ciência Contábil, 20, e3148. ). Portanto, esta pesquisa, cujo objetivo é analisar de forma inédita o comportamento dos custos nos governos locais sob a ótica da teoria das finanças públicas, apresenta contribuições teóricas e empíricas para que se possa ampliar a temática, também para o setor público, sem desconsiderar suas peculiaridades.

A temática de comportamento dos custos públicos é escassa e requer um olhar diferenciado (Cohen et al., 2017Cohen, S., Karatzimas, S., & Naoum, V. (2017). The sticky cost phenomenon at the local government level: Empirical evidence from Greece. Journal of Applied Accounting Research, 18(4), 445-463. http://dx.doi.org/10.1108/JAAR-03-2015-0019.
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). A utilização de ferramentas e inovações, vindas da contabilidade gerencial privada, é um potencial a ser explorado em pesquisas no setor público (Lapsley & Wright, 2004Lapsley, I., & Wright, E. (2004). The diffusion of management accounting innovations in the public sector: A research agenda. Management Accounting Research, 15(3), 355-374. http://dx.doi.org/10.1016/j.mar.2003.12.007.
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). Portanto, é urgente que a contabilidade entre nas discussões, principalmente para que se entenda como os custos se comportam (Bracci et al., 2015Bracci, E., Humphrey, C., Moll, J., & Steccolini, I. (2015). Public sector accounting, accountability and austerity: More than balancing the books? Accounting, Auditing & Accountability Journal, 28(6), 878-908. http://dx.doi.org/10.1108/AAAJ-06-2015-2090.
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; Kulmala et al., 2016Kulmala, H. I., Ojala, M., Ahoniemi, L., & Uusi-Rauva, E. (2016). Unit cost Behaviour in public sector outsourcing. International Journal of Public Sector Management, 19(2), 130-149. http://dx.doi.org/10.1108/09513550610650400.
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; Lapsley & Wright, 2004Lapsley, I., & Wright, E. (2004). The diffusion of management accounting innovations in the public sector: A research agenda. Management Accounting Research, 15(3), 355-374. http://dx.doi.org/10.1016/j.mar.2003.12.007.
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; Santos, 2008Santos, R. S. (2008). Keynes e a proposta de administração política do capitalismo. REBAP, 1(1), 99-154 . https://periodicos.ufba.br/index.php/rebap/article/view/15485
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; Santos et al., 2017Santos, R. S., Ribeiro, E. M., Ribeiro, M. M., & Pinto, F. L. B. (2017). Administração política e políticas públicas: Em busca de uma nova abordagem teórico-metodológica para a (re)interpretação das relações sociais de produção, circulação e distribuição. Cadernos EBAPE.BR, 15(4), 939-959. http://dx.doi.org/10.1590/1679-395155017.
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), já que as especificidades do setor público, como as múltiplas atividades, a finalidade não lucrativa e os registros independentes das receitas e dos custos, precisam ser observados de maneira peculiar.

Esta pesquisa segue a proposta de Anderson et al. (2003)Anderson, M., Banker, R., & Janakiraman, S. (2003). Are selling, general, and administrative cost “sticky”? Journal of Accounting Research, 41(1), 47-63. http://dx.doi.org/10.1111/1475-679X.00095.
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para cálculo de comportamento dos custos, utilizando estatística robusta de regressão de dados em painel para analisar dados contábeis de 295 governos locais do Brasil, por questões de acessibilidade, em um período de 16 anos (2005-2020), totalizando 141.600 observações. Todos os 32 modelos analisados apresentaram comportamento assimétrico de custos públicos, com 75% sendo caracterizados como cost stickiness (47%, sticky, e 28%, anti-sticky) e 25% como reverse cost (um novo fenômeno identificado, típico do público setor, mas que pode ocorrer no setor privado).

As contribuições são relevantes, visto que comprova que a abordagem contábil contemporânea (cost stickiness) pode ser aplicada ao setor público puro, revela a fragilidade do preceito fundamental da TFP (equilíbrio orçamentário) e identifica um novo fenômeno denominado reverse cost, que se aplica tanto ao comportamento simétrico quanto ao assimétrico dos custos, alterando a classificação contábil consolidada na literatura atual.

2 Revisão da literatura

A base teórica desta pesquisa se apoia na junção de duas temáticas distintas. A primeira trata da teoria das finanças públicas, de Musgrave (1959), eMusgrave, R. A. (1959). The theory of public finance: A study in public economy. McGraw-Hill. a segunda trata do Comportamento dos Custos, na abordagem contemporânea de Anderson et al. (2003)Anderson, M., Banker, R., & Janakiraman, S. (2003). Are selling, general, and administrative cost “sticky”? Journal of Accounting Research, 41(1), 47-63. http://dx.doi.org/10.1111/1475-679X.00095.
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. O ponto de intersecção teórico e foco desta pesquisa é o comportamento dos custos governamentais, cuja literatura é incipiente em ambas as temáticas.

2.1 Teoria das finanças públicas

Ao criar a TFP, cujo foco é a eficiência na gestão governamental, Musgrave (1959)Musgrave, R. A. (1959). The theory of public finance: A study in public economy. McGraw-Hill. reforçou uma prática já consolidada nos governos, a do pressuposto do orçamento equilibrado. Com base nesse entendimento, espera-se que o comportamento dos custos no setor público seja simétrico. Todavia, pesquisas recentes têm levantado suspeitas de desequilíbrio, como Joyce e Pattison (2010)Joyce, P. G., & Pattison, S. (2010). Public budgeting in 2020: Return to equilibrium, or continued mismatch between demands and resources? Public Administration Review, 70, S24-S32. http://dx.doi.org/10.1111/j.1540-6210.2010.02243.x.
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, que apontam que nem sempre os governos conseguem manter o equilíbrio orçamentário em épocas de crise, e Kulmala et al. (2016)Kulmala, H. I., Ojala, M., Ahoniemi, L., & Uusi-Rauva, E. (2016). Unit cost Behaviour in public sector outsourcing. International Journal of Public Sector Management, 19(2), 130-149. http://dx.doi.org/10.1108/09513550610650400.
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, que indicam que o excesso de terceirização leva ao desequilíbrio. Além disso, Mou et al. (2018)Mou, H., Atkinson, M. M., & Tapp, S. (2018). Do balanced budget laws matter in recessions? Public Budgeting & Finance, 38(1), 28-46. http://dx.doi.org/10.1111/pbaf.12163.
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afirmam que, em épocas de crise econômica, ocorre desequilíbrio em contas específicas, gerando déficits que, posteriormente, são compensados com superávits, reequilibrando novamente as contas públicas. Tais suspeitas ainda não foram confirmadas, mas remetem à possibilidade de comportamento assimétrico dos custos no setor público.

Pode-se resumir a TFP em três abordagens, também conhecidas como trilogia de Musgrave: das funções de governo, dos bens públicos e da equidade. Em muitos momentos as abordagens se fundem, pois permeiam sobre elas os pressupostos do equilíbrio orçamentário, da atuação do Estado nas falhas do mercado e na tributação justa. Mas, de modo geral, a abordagem das Funções de Governo representa a finalidade dos custos públicos, a abordagem dos Bens Públicos envolve o estímulo à oferta de bens e serviços (não necessariamente os do Estado) e a abordagem da Equidade foca na tributação justa para o contribuinte, a fim de arcar com os custos governamentais. Todavia, esta pesquisa utiliza a abordagem das Funções de Governo, que considera que todo custo é gerado para cumprir uma finalidade, ou seja, uma função alocativa, distributiva ou estabilizadora (Musgrave, 1959Musgrave, R. A. (1959). The theory of public finance: A study in public economy. McGraw-Hill.; 2008Musgrave, R. A. (2008). Public finance and three branch model. Journal of Economics and Finance, 32(4), 334-339. http://dx.doi.org/10.1007/s12197-008-9044-4.
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).

Na função alocativa, considera-se que a iniciativa privada nem sempre atende a todas as necessidades da sociedade. Existem bens e serviços que ela não oferece ou são fornecidos e/ou executados em quantidade abaixo da demanda essencial. Segundo Musgrave (1959Musgrave, R. A. (1959). The theory of public finance: A study in public economy. McGraw-Hill., 1997Musgrave, R. A. (1997). Reconsidering the fiscal role of government. The American Economic Review, 87(2), 156-159. http://www.jstor.org/stable/2950904
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, 2008Musgrave, R. A. (2008). Public finance and three branch model. Journal of Economics and Finance, 32(4), 334-339. http://dx.doi.org/10.1007/s12197-008-9044-4.
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), o Estado, por meio da função alocativa, visa suprir essa deficiência no mercado, ao complementar o que já é ofertado ou proporcionar à sociedade aquilo que o mercado não disponibiliza. A função alocativa engloba a maior parte dos custos públicos (Musgrave, 2008Musgrave, R. A. (2008). Public finance and three branch model. Journal of Economics and Finance, 32(4), 334-339. http://dx.doi.org/10.1007/s12197-008-9044-4.
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), mas, quando a iniciativa privada se consolida, o governo pode deixar de prestar os serviços, para que o setor privado os assuma (Musgrave, 1973Musgrave, R. A. (1973). Teoria das finanças públicas: Um estudo da economia governamental. Atlas.). Alguns autores citam como alocativos os custos com segurança (Jordaan, 2013Jordaan, J. (2013). Public financial performance management in South Africa: A conceptual approach [Doctoral dissertation, University of Pretoria].; Maciel, 2013Maciel, P. J. (2013). Finanças públicas no Brasil: Uma abordagem orientada para políticas públicas. Revista de Administração Pública, 47(5), 1213-1241. http://dx.doi.org/10.1590/S0034-76122013000500007.
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), justiça, fiscalização, soberania executiva (administração), legislativo, obras de infraestrutura, cultura e história (Jordaan, 2013Jordaan, J. (2013). Public financial performance management in South Africa: A conceptual approach [Doctoral dissertation, University of Pretoria].), desenvolvimento social (Fourie, 2009Fourie, D. (2009). Institutional mechanisms and good governance: A perspective on the South African public sector. Journal of Public Administration, 44(4), 1114-1123. http://hdl.handle.net/2263/12059
http://hdl.handle.net/2263/12059...
), educação e saúde (Costa & Gartner, 2017Costa, G. P. L., & Gartner, I. R. (2017). O efeito da função orçamentária alocativa na redução da desigualdade de renda no Brasil: Uma análise dos gastos em educação e saúde no período de 1995 a 2012. Revista de Administração Pública, 51(2), 264-293. http://dx.doi.org/10.1590/0034-7612155194.
http://dx.doi.org/10.1590/0034-761215519...
; Fourie, 2009Fourie, D. (2009). Institutional mechanisms and good governance: A perspective on the South African public sector. Journal of Public Administration, 44(4), 1114-1123. http://hdl.handle.net/2263/12059
http://hdl.handle.net/2263/12059...
; Maciel, 2013Maciel, P. J. (2013). Finanças públicas no Brasil: Uma abordagem orientada para políticas públicas. Revista de Administração Pública, 47(5), 1213-1241. http://dx.doi.org/10.1590/S0034-76122013000500007.
http://dx.doi.org/10.1590/S0034-76122013...
; Sabina, 2011Sabina, V. O. (2011). Public finance functions. Analele Universităţii “Constantin Brâncuşi” din Târgu Jiu, Seria Economie, 3, 221-231. https://www.utgjiu.ro/revista/ec/pdf/2011-03/28_OANA_SABINA_VEZURE.pdf
https://www.utgjiu.ro/revista/ec/pdf/201...
), previdência e trabalho (Maciel, 2013Maciel, P. J. (2013). Finanças públicas no Brasil: Uma abordagem orientada para políticas públicas. Revista de Administração Pública, 47(5), 1213-1241. http://dx.doi.org/10.1590/S0034-76122013000500007.
http://dx.doi.org/10.1590/S0034-76122013...
), defesa nacional e ordem pública (Sabina, 2011Sabina, V. O. (2011). Public finance functions. Analele Universităţii “Constantin Brâncuşi” din Târgu Jiu, Seria Economie, 3, 221-231. https://www.utgjiu.ro/revista/ec/pdf/2011-03/28_OANA_SABINA_VEZURE.pdf
https://www.utgjiu.ro/revista/ec/pdf/201...
).

A função distributiva do Estado se manifesta ao retirar parte dos rendimentos ou bens de várias pessoas ou das formas jurídicas que elas se organizam, a fim de redistribuir esses rendimentos segundo critérios de equidade e justiça social (Sabina, 2011Sabina, V. O. (2011). Public finance functions. Analele Universităţii “Constantin Brâncuşi” din Târgu Jiu, Seria Economie, 3, 221-231. https://www.utgjiu.ro/revista/ec/pdf/2011-03/28_OANA_SABINA_VEZURE.pdf
https://www.utgjiu.ro/revista/ec/pdf/201...
). Trata-se de políticas voltadas à distribuição de renda, de bens ou de incentivos fiscais (isenções tributárias) aos indivíduos (pessoas físicas ou jurídicas) que por algum motivo não conseguem competir no mercado por conta de sua situação vulnerável. São citados como serviços públicos típicos da função distributiva a previdência pública (Musgrave, 2008Musgrave, R. A. (2008). Public finance and three branch model. Journal of Economics and Finance, 32(4), 334-339. http://dx.doi.org/10.1007/s12197-008-9044-4.
http://dx.doi.org/10.1007/s12197-008-904...
), a assistência social (Costa & Gartner, 2017Costa, G. P. L., & Gartner, I. R. (2017). O efeito da função orçamentária alocativa na redução da desigualdade de renda no Brasil: Uma análise dos gastos em educação e saúde no período de 1995 a 2012. Revista de Administração Pública, 51(2), 264-293. http://dx.doi.org/10.1590/0034-7612155194.
http://dx.doi.org/10.1590/0034-761215519...
) e os serviços voltados ao seguro social (Musgrave, 1973Musgrave, R. A. (1973). Teoria das finanças públicas: Um estudo da economia governamental. Atlas.). Um exemplo mundial de função distributiva, que aumentou os custos em período de crise, é o auxílio governamental a pessoas e empresas que tiveram sua renda diminuída por conta da pandemia de Covid-19.

A função estabilizadora trata do papel do governo em manter o equilíbrio econômico de uma nação ou região. Para isso, o Estado age no controle da oferta e da demanda, em busca da redução dos efeitos negativos da inflação, tentando garantir o pleno emprego, o crescimento econômico (Giambiagi & Além, 2011Giambiagi, F., & Além, A. C. (2011). Finanças públicas: teoria e prática no Brasil (4. ed.). Elsevier.), a confiança jurídica e as boas relações internas e externas (Sabina, 2011Sabina, V. O. (2011). Public finance functions. Analele Universităţii “Constantin Brâncuşi” din Târgu Jiu, Seria Economie, 3, 221-231. https://www.utgjiu.ro/revista/ec/pdf/2011-03/28_OANA_SABINA_VEZURE.pdf
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). As políticas fiscal, monetária, cambial, comercial e de vendas são alguns dos mecanismos utilizados para manter a estabilidade da economia (Musgrave, 1973Musgrave, R. A. (1973). Teoria das finanças públicas: Um estudo da economia governamental. Atlas.). Portanto, durante a crise econômica, mesmo com queda de arrecadação os custos públicos podem aumentar e quando o mercado está aquecido tendem a diminuir (Riani, 2012Riani, F. (2012). Economia do Setor Público: uma abordagem introdutória. (5. ed.). LTC.). Os custos com administração do executivo, legislativo e Suprema Corte (Cloete, 1994Cloete, J. J. N. (1994). Public administration and management. Van Schaik.; Sabina, 2011Sabina, V. O. (2011). Public finance functions. Analele Universităţii “Constantin Brâncuşi” din Târgu Jiu, Seria Economie, 3, 221-231. https://www.utgjiu.ro/revista/ec/pdf/2011-03/28_OANA_SABINA_VEZURE.pdf
https://www.utgjiu.ro/revista/ec/pdf/201...
), Banco Central (Costa & Gartner, 2017Costa, G. P. L., & Gartner, I. R. (2017). O efeito da função orçamentária alocativa na redução da desigualdade de renda no Brasil: Uma análise dos gastos em educação e saúde no período de 1995 a 2012. Revista de Administração Pública, 51(2), 264-293. http://dx.doi.org/10.1590/0034-7612155194.
http://dx.doi.org/10.1590/0034-761215519...
) e manutenção dos poderes legislativo, judiciário e controlador (Jordaan, 2013Jordaan, J. (2013). Public financial performance management in South Africa: A conceptual approach [Doctoral dissertation, University of Pretoria].; Sabina, 2011Sabina, V. O. (2011). Public finance functions. Analele Universităţii “Constantin Brâncuşi” din Târgu Jiu, Seria Economie, 3, 221-231. https://www.utgjiu.ro/revista/ec/pdf/2011-03/28_OANA_SABINA_VEZURE.pdf
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), são apontados como estabilizadores.

Ao analisar o comportamento dos custos no setor público sob a ótica da TFP, cabe destacar que, para Musgrave (1959)Musgrave, R. A. (1959). The theory of public finance: A study in public economy. McGraw-Hill., todo custo público faz parte de uma função de governo e que uma mesma política pública pode envolver várias funções que se complementam, mas que não se sobrepõem. Deve-se observar que o equilíbrio orçamentário é algo consolidado na literatura (Edgeworth, 1897Edgeworth, F. Y. (1897). The pure theory of taxation. Economic Journal (London), 7(25), 46-70. http://dx.doi.org/10.2307/2956958.
http://dx.doi.org/10.2307/2956958...
; Musgrave, 1959Musgrave, R. A. (1959). The theory of public finance: A study in public economy. McGraw-Hill.; Robinson, 2015Robinson, M. (2015). Revisões de despesas na OCDE. In R. Boeri, F. Rocha & F. Rodopoulos (Eds.), Avaliação da qualidade do gasto público e mensuração da eficiência (pp. 107-160). Brasil: Ministério da Fazenda, Secretaria do Tesouro Nacional.; Vargas, 2012Vargas, N. C. (2012). Finanças públicas e evolução recente da noção de disciplina fiscal. Economia e Sociedade, 21(3), 643-666. http://dx.doi.org/10.1590/S0104-06182012000300007.
http://dx.doi.org/10.1590/S0104-06182012...
), o que supostamente levaria a um comportamento simétrico. Porém, o governo exerce múltiplas funções e o desequilíbrio pode ocorrer em partes e não necessariamente no todo (Joyce & Pattison, 2010Joyce, P. G., & Pattison, S. (2010). Public budgeting in 2020: Return to equilibrium, or continued mismatch between demands and resources? Public Administration Review, 70, S24-S32. http://dx.doi.org/10.1111/j.1540-6210.2010.02243.x.
http://dx.doi.org/10.1111/j.1540-6210.20...
; Kulmala et al., 2016Kulmala, H. I., Ojala, M., Ahoniemi, L., & Uusi-Rauva, E. (2016). Unit cost Behaviour in public sector outsourcing. International Journal of Public Sector Management, 19(2), 130-149. http://dx.doi.org/10.1108/09513550610650400.
http://dx.doi.org/10.1108/09513550610650...
; Mou et al., 2018Mou, H., Atkinson, M. M., & Tapp, S. (2018). Do balanced budget laws matter in recessions? Public Budgeting & Finance, 38(1), 28-46. http://dx.doi.org/10.1111/pbaf.12163.
http://dx.doi.org/10.1111/pbaf.12163...
) o que poderia levar a um comportamento assimétrico em contas específicas.

2.2 Comportamento dos custos no setor público

Os estudos contábeis sobre comportamento dos custos evoluíram da abordagem tradicional, que iniciou com Benston em 1966, para a abordagem contemporânea, que teve início com o estudo seminal de Anderson, Banker e Janakiraman, em 2003 (Reis & Borgert, 2018Reis, L. S., & Borgert, A. (2018). Análise das pesquisas em comportamento dos custos. Custos e Agronegócio, 14(1), 184-210. http://www.custoseagronegocioonline.com.br/quarenta%20e%20cinco.html
http://www.custoseagronegocioonline.com....
). Atualmente, a literatura classifica o comportamento dos custos em simétrico e assimétrico, e em caso de assimetria é caracterizado ainda pelo fenômeno cost stickiness, que engloba o efeito sticky (Anderson et al., 2003Anderson, M., Banker, R., & Janakiraman, S. (2003). Are selling, general, and administrative cost “sticky”? Journal of Accounting Research, 41(1), 47-63. http://dx.doi.org/10.1111/1475-679X.00095.
http://dx.doi.org/10.1111/1475-679X.0009...
) e anti-sticky (Weiss, 2010Weiss, D. (2010). Cost behavior and analysts’ earnings forecasts. The Accounting Review, 85(4), 1441-1471. http://dx.doi.org/10.2308/accr.2010.85.4.1441.
http://dx.doi.org/10.2308/accr.2010.85.4...
). A temática se desenvolveu a partir de observações do setor privado, no qual já está consolidada, mas no setor público ainda é incipiente e há dúvidas sobre sua aplicação, em razão das peculiaridades governamentais.

O comportamento dos custos é calculado com base na comparação de períodos temporais, medindo-se a relação entre custos e volume de atividades ou receitas. Considera-se comportamento simétrico se mantida a mesma proporção e direção da variação dos custos em relação a variação das receitas (exemplo: quando a receita aumenta 1% o custo aumenta 0,5%, quando a receita diminui 1% o custo diminui 0,5%). Considera-se comportamento assimétrico quando não é mantida a simetria.

A abordagem contemporânea, considerada a partir do estudo de Anderson et al. (2003)Anderson, M., Banker, R., & Janakiraman, S. (2003). Are selling, general, and administrative cost “sticky”? Journal of Accounting Research, 41(1), 47-63. http://dx.doi.org/10.1111/1475-679X.00095.
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, se caracteriza pelas contribuições teóricas em relação ao comportamento assimétrico. Anderson et al. (2003)Anderson, M., Banker, R., & Janakiraman, S. (2003). Are selling, general, and administrative cost “sticky”? Journal of Accounting Research, 41(1), 47-63. http://dx.doi.org/10.1111/1475-679X.00095.
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comprovaram que a proporção de variação dos custos, em relação a variação das receitas, aumenta quando as receitas aumentam, mas não diminuem na mesma proporção quando as receitas diminuem (chamou de sticky cost). Por exemplo, as receitas aumentam 1% e os custos aumentam 0,5%, porém, se as receitas diminuírem 1%, os custos não chegam a diminuir 0,5%. Anos depois, Weiss (2010)Weiss, D. (2010). Cost behavior and analysts’ earnings forecasts. The Accounting Review, 85(4), 1441-1471. http://dx.doi.org/10.2308/accr.2010.85.4.1441.
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comprovou que nem sempre quando as receitas diminuem os custos diminuem na mesma proporção que aumentaram, assim, a variação dos custos é menor quando as receitas aumentam do que quando elas diminuem (chamou de anti-sticky cost). Por exemplo, as receitas aumentam 1% e os custos aumentam 0,5%, porém, se as receitas diminuírem 1%, os custos diminuem mais do que 0,5%. A expressão sticky cost, em pesquisas no Brasil, foi traduzido para “custo grudento”, “custo rígido”, “custo viscoso” ou “custo pegajoso”.

Segundo Cohen et al. (2017), oCohen, S., Karatzimas, S., & Naoum, V. (2017). The sticky cost phenomenon at the local government level: Empirical evidence from Greece. Journal of Applied Accounting Research, 18(4), 445-463. http://dx.doi.org/10.1108/JAAR-03-2015-0019.
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fenômeno cost stickiness ainda não teve consistente comprovação no setor público, talvez pelo fato de que não se aplique a esse setor. Para Hosomi e Nagasawa (2018b), aHosomi, S., & Nagasawa, S. (2018b). Empirical study on asymmetric cost behavior: Analysis of the sticky costs of local public enterprises. Asia-Pacific Management Accounting Journal, 13(2), 55-82. https://ir.uitm.edu.my/id/eprint/29561 abordagem contemporânea desenvolvida por Anderson et al. (2003)Anderson, M., Banker, R., & Janakiraman, S. (2003). Are selling, general, and administrative cost “sticky”? Journal of Accounting Research, 41(1), 47-63. http://dx.doi.org/10.1111/1475-679X.00095.
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só pode ser testada em empresas públicas regidas pelas normas da contabilidade privada e que tenham fins lucrativos, pois a normatização contábil do setor público puro não possibilita esse tipo de comportamento nos custos.

A partir de 2017 surgiram os primeiros estudos no setor público associados à abordagem contemporânea, com o objetivo de testar o fenômeno cost stickiness. Entre 2003 e 2021, formam identificados apenas nove artigos publicados. Dentre tais estudos, apenas Cohen et al. (2017)Cohen, S., Karatzimas, S., & Naoum, V. (2017). The sticky cost phenomenon at the local government level: Empirical evidence from Greece. Journal of Applied Accounting Research, 18(4), 445-463. http://dx.doi.org/10.1108/JAAR-03-2015-0019.
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, Bradbury e Scott (2018)Bradbury, M. E., & Scott, T. (2018). Do managers forecast asymmetric cost behaviour? Australian Journal of Management, 43(4), 538-554. http://dx.doi.org/10.1177/0312896218773136.
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e Campagnoni et al. (2021)Campagnoni, M., Fabre, V. V., Borgert, A., & Rover, S. (2021). Cost Stickiness nos governos locais de Santa Catarina. Revista Catarinense Da Ciência Contábil, 20, e3148. testaram dados do setor público puro, que é o foco nesta pesquisa. O estudo de Wu et al. (2020)Wu, T. C., Young, C., Yu, C., & Hsu, H. (2020). Are governmental expenditures also sticky? Evidence from the operating expenditures of public schools. Applied Economics, 52(16), 1763-1776. http://dx.doi.org/10.1080/00036846.2019.1678731.
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foi aplicado em órgãos públicos locais com orçamento misto (parte público e parte privado), ao passo que os trabalhos de Hosomi e Nagasawa (2018aHosomi, S., & Nagasawa, S. (2018a). A study on the effect of amalgamation on the cost behavior of local public enterprises. Asia-Pacific Management Accounting Journal, 13(3), 109-130. https://ir.uitm.edu.my/id/eprint/29522/
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, 2018bHosomi, S., & Nagasawa, S. (2018b). Empirical study on asymmetric cost behavior: Analysis of the sticky costs of local public enterprises. Asia-Pacific Management Accounting Journal, 13(2), 55-82. https://ir.uitm.edu.my/id/eprint/29561 ), Nagasawa (2018Nagasawa, S. (2018). Asymmetric cost behavior in local public enterprises: Exploring the public interest and striving for efficiency. Journal of Management Control, 29(3-4), 225-273. http://dx.doi.org/10.1007/s00187-018-0269-x.
http://dx.doi.org/10.1007/s00187-018-026...
; 2019Nagasawa, S. (2019). Verification of asymmetric cost behavior in merged local public enterprises. Japan Federation of Management Related Academies, 3(2), 19-33. http://www.jfmra.org/doc/jjm/jjm_3-2_02.pdf
http://www.jfmra.org/doc/jjm/jjm_3-2_02....
) e Nagasawa e Nagasawa (2021)Nagasawa, S., & Nagasawa, M. (2021). Free riding, empire building, and cost management prior to and post municipal enterprise mergers in Japan. Asia-Pacific Journal of Accounting & Economics, 28(1), 94-116. http://dx.doi.org/10.1080/16081625.2020.1845001.
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foram aplicados às empresas públicas do Japão (que naquele país, por força legal, têm características típicas de empresas privadas). As limitações apresentadas pelos diversos autores revelam que o fenômeno ainda carece de comprovação consistente no setor público puro.

Ao testar o setor público puro, Cohen et al. (2017)Cohen, S., Karatzimas, S., & Naoum, V. (2017). The sticky cost phenomenon at the local government level: Empirical evidence from Greece. Journal of Applied Accounting Research, 18(4), 445-463. http://dx.doi.org/10.1108/JAAR-03-2015-0019.
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estudaram governos locais da Grécia e constataram comportamento sticky e anti-sticky, mas compararam dados de diferentes fontes e demonstrativos, com quebra de sequências temporais e sem padronização contábil, além disso, a receita transcende o orçamento executado. Segundo os autores, o estudo não pode ser visto como conclusivo para determinar o fenômeno cost stickiness, pois o conjunto de dados não permite tal análise. Nessa mesma linha, Bradbury e Scott (2018)Bradbury, M. E., & Scott, T. (2018). Do managers forecast asymmetric cost behaviour? Australian Journal of Management, 43(4), 538-554. http://dx.doi.org/10.1177/0312896218773136.
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analisaram governos locais da Nova Zelândia e encontraram comportamento sticky, bem como concluíram que os gerentes sabem disso e levam em conta a rigidez total dos custos quando realizam o planejamento. A principal limitação foi comparar custos previstos com executados, forçando a assimetria, uma vez que a base de dados causa viés nos resultados.

Campagnoni et al. (2021)Campagnoni, M., Fabre, V. V., Borgert, A., & Rover, S. (2021). Cost Stickiness nos governos locais de Santa Catarina. Revista Catarinense Da Ciência Contábil, 20, e3148. também testaram o setor público puro, no qual pesquisaram governos locais do Brasil e encontraram comportamento sticky, porém associaram com o efeito flypaper, o que limita a pesquisa, pois são fenômenos distintos. Os autores afirmam que seus resultados devem ser utilizados com a ponderação de que a abordagem de Anderson et al. (2003)Anderson, M., Banker, R., & Janakiraman, S. (2003). Are selling, general, and administrative cost “sticky”? Journal of Accounting Research, 41(1), 47-63. http://dx.doi.org/10.1111/1475-679X.00095.
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foi adaptada a fim de associar ao fenômeno flypaper.

Wu et al. (2020)Wu, T. C., Young, C., Yu, C., & Hsu, H. (2020). Are governmental expenditures also sticky? Evidence from the operating expenditures of public schools. Applied Economics, 52(16), 1763-1776. http://dx.doi.org/10.1080/00036846.2019.1678731.
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analisaram orçamento misto, nas escolas locais da cidade de Taipei, em Taiwan, sob a ótica da teoria das escolhas públicas e encontraram comportamento sticky para escolas com maior pressão por matrículas. A pesquisa se limita ao fundo de educação local, que recebe recursos (públicos e privados) de acordo com o número de alunos, os custos são realizados quando necessários e não há finalidade lucrativa. Para mensurar o comportamento dos custos, utilizaram o número de alunos, em vez da proxy receita, e os custos operacionais específicos (excluíram custos com pessoal, capital e outros com características constantes). Segundo os autores, é um resultado considerado estatisticamente fraco para o modelo de cost stickiness no setor público, visto que a amostra observou apenas o período de um mandato.

Nas pesquisas de Hosomi e Nagasawa (2018aHosomi, S., & Nagasawa, S. (2018a). A study on the effect of amalgamation on the cost behavior of local public enterprises. Asia-Pacific Management Accounting Journal, 13(3), 109-130. https://ir.uitm.edu.my/id/eprint/29522/
https://ir.uitm.edu.my/id/eprint/29522/...
, 2018bHosomi, S., & Nagasawa, S. (2018b). Empirical study on asymmetric cost behavior: Analysis of the sticky costs of local public enterprises. Asia-Pacific Management Accounting Journal, 13(2), 55-82. https://ir.uitm.edu.my/id/eprint/29561 ), Nagasawa (2018Nagasawa, S. (2018). Asymmetric cost behavior in local public enterprises: Exploring the public interest and striving for efficiency. Journal of Management Control, 29(3-4), 225-273. http://dx.doi.org/10.1007/s00187-018-0269-x.
http://dx.doi.org/10.1007/s00187-018-026...
; 2019Nagasawa, S. (2019). Verification of asymmetric cost behavior in merged local public enterprises. Japan Federation of Management Related Academies, 3(2), 19-33. http://www.jfmra.org/doc/jjm/jjm_3-2_02.pdf
http://www.jfmra.org/doc/jjm/jjm_3-2_02....
) e Nagasawa e Nagasawa (2021), aNagasawa, S., & Nagasawa, M. (2021). Free riding, empire building, and cost management prior to and post municipal enterprise mergers in Japan. Asia-Pacific Journal of Accounting & Economics, 28(1), 94-116. http://dx.doi.org/10.1080/16081625.2020.1845001.
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base de dados é de empresas públicas japonesas que têm autorização do governo para prestar serviços públicos, seguem as regras da contabilidade privada, buscam o lucro, são geridas por administradores privados e têm os custos operacionais subsidiados pelo governo, sendo consideradas empresas públicas na legislação daquele país. Segundo tais autores, não é possível aplicar a metodologia dos cost stickiness no serviço público puro, em razão do orçamento equilibrado, a diferente normatização da contabilidade pública e a finalidade não lucrativa do setor.

A literatura, ainda, carece de contribuições para reconhecimento do comportamento assimétrico no setor público, bem como o fenômeno cost stickiness gera dúvidas quanto a sua aplicação. Por fim, prevalece o princípio do equilíbrio orçamentário, no qual sucessivos períodos resultam em comportamento simétrico dos custos totais em relação às receitas totais.

3 Procedimentos metodológicos

A legislação brasileira adota a expressão “despesa orçamentária” como equivalente a todos os gastos autorizados nos planos orçamentários do governo. Assim, os custos totais abordados por Anderson et al. (2003)Anderson, M., Banker, R., & Janakiraman, S. (2003). Are selling, general, and administrative cost “sticky”? Journal of Accounting Research, 41(1), 47-63. http://dx.doi.org/10.1111/1475-679X.00095.
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, para efeitos desta pesquisa, são equiparados às despesas orçamentárias liquidadas, mencionadas por Machado e Holanda (2010)Machado, N., & Holanda, V. B. (2010). Diretrizes e modelo conceitual de custos para o setor público a partir da experiência no governo federal do Brasil. Revista de Administração Pública, 44(4), 791-820. http://dx.doi.org/10.1590/S0034-76122010000400003.
http://dx.doi.org/10.1590/S0034-76122010...
e utilizadas por Campagnoni et al. (2021)Campagnoni, M., Fabre, V. V., Borgert, A., & Rover, S. (2021). Cost Stickiness nos governos locais de Santa Catarina. Revista Catarinense Da Ciência Contábil, 20, e3148. . Fez-se a adaptação conceitual teórica dos custos, do setor privado para o setor público, para padronizar a terminologia desta pesquisa com a já utilizada em pesquisas internacionais que tratam da visão contemporânea do comportamento dos custos e da TFP.

No Brasil, os planos orçamentários são previamente aprovados pelo poder legislativo, as receitas são previstas e a partir delas os custos são fixados. A execução orçamentária tem ciclo anual, que coincide com o exercício financeiro e o ano civil. A legislação estabelece a obrigatoriedade de equilíbrio orçamentário no planejamento e na execução, existindo sanções para o caso de déficit orçamentário público. Os orçamentos e sua execução são contabilizados por todos os entes públicos brasileiros, a escrituração e os demonstrativos contábeis são padronizados seguindo um plano de contas único e classificações orçamentárias estabelecidas pelo governo federal (Brasil, 1988Brasil. (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/con...
).

A padronização da contabilidade pública brasileira permite a comparabilidade das contas públicas entre todos os níveis de governo, sem adaptações metodológicas, cujos custos são obrigatoriamente classificados em uma das 28 funções orçamentárias existentes (áreas de atuação do governo), que representa o maior agrupamento da finalidade do custo público (Portaria 42 - Brasil, 1999Brasil. (1999). Portaria 42, de 14 de abril de 1999. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. http://www.orcamentofederal.gov.br/orcamentos-anuais/orcamento-1999/Portaria_Ministerial_42_de_140499.pdf/
http://www.orcamentofederal.gov.br/orcam...
). Assim, sob a ótica da teoria das finanças públicas, com abordagem voltada às funções de governo, observam-se as receitas arrecadadas e os custos registrados como executados (liquidados) na contabilidade pública brasileira, de acordo com a classificação contábil funcional, em nível de função orçamentária.

Com abordagem predominantemente quantitativa e exploratória, o principal procedimento utilizado foi o levantamento documental com análise estatística robusta por meio de regressão de dados em painel, via software livre R (Apêndice A). Esta pesquisa utiliza apenas dados contábeis do setor público puro que, conforme Hosomi e Nagasawa (2018b)Hosomi, S., & Nagasawa, S. (2018b). Empirical study on asymmetric cost behavior: Analysis of the sticky costs of local public enterprises. Asia-Pacific Management Accounting Journal, 13(2), 55-82. https://ir.uitm.edu.my/id/eprint/29561 , é aquele que se caracteriza por receitas e custos exclusivamente públicos, finalidade não lucrativa e exigência de equilíbrio no planejamento e na execução orçamentária.

Para efeitos desta pesquisa foram utilizados os dados contábeis de 295 governos locais (municípios) que fazem parte do território de Santa Catarina, sul do Brasil, durante o lapso temporal de 2005 a 2020 (16 anos). Ao todo foram observadas 141.600 informações, coletadas manualmente (Apêndice B) do Relatório Resumido de Execução Orçamentária (RREO) de cada governo local, disponibilizado no Sistema de Informações Contábeis e Fiscais do Setor Público Brasileiro (Siconf) e atualizadas pela inflação do período.

Para cálculo do comportamento dos custos seguiu-se a fórmula padrão de Anderson et al. (2003)Anderson, M., Banker, R., & Janakiraman, S. (2003). Are selling, general, and administrative cost “sticky”? Journal of Accounting Research, 41(1), 47-63. http://dx.doi.org/10.1111/1475-679X.00095.
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, que capta a variação do Custo para cada 1% de variação da Receita, adaptando-a às contas contábeis do setor público (Equação 1).

log C u s t o s i , t C u s t o s i , t 1 = α + β 1 log Re c e i t a s i , t Re c e i t a s i , t 1 + β 2 d u m m y dim i n u i ç ã o * log Re c e i t a s i , t Re c e i t a s i , t 1 + μ i , t (1)

Em que:

Receitas: receita pública total arrecadada

Custos: custos públicos executados por função orçamentária

α: coeficiente angular constante

β1 : coeficiente que mensura o percentual de aumento dos custos com 1% de aumento das receitas

β2 : coeficiente que mensura o percentual de diminuição dos custos com 1% de redução das receitas

Dummydiminuição : assume valor 1 (receitai, t < receitai t-1 ), ou valor 0 (receitai, t >ou= receitai, t-1 )

i: governo observado

t: ano de referência

t-1: ano imediatamente anterior

μ: erro padrão

A Receita foi utilizada como variável independente e o custo como variável dependente. A fórmula utilizada é padrão do estudo teórico de Anderson et al. (2003)Anderson, M., Banker, R., & Janakiraman, S. (2003). Are selling, general, and administrative cost “sticky”? Journal of Accounting Research, 41(1), 47-63. http://dx.doi.org/10.1111/1475-679X.00095.
http://dx.doi.org/10.1111/1475-679X.0009...
e já está consolidada na literatura, as contas contábeis de receitas e custos foram adaptadas às do setor público. No caso dos Custos, foi adaptada a descrição genérica de acordo com as hipóteses de pesquisa, sendo rodadas 32 análises: 1 do custo geral, 3 dos custos agrupados por função de governo e 28 dos custos por contas de função orçamentária, cujos nomes das variáveis constam na análise dos resultados e no Apêndice B.

A literatura não apresenta associação direta entre as três funções da TFP (alocativa, distributiva e estabilizadora) e as 28 contas contábeis de custos por função orçamentária. Portanto, foi realizado um grupo focal com especialistas que definiram a melhor associação a ser feita, que foi utilizada nesta pesquisa.

Considerando que, diferente do que ocorre nas contas contábeis do setor privado, no setor público nem todos os custos das funções orçamentárias possuem valores registrados, foi considerado o valor 1 para as contas sem valores registrados no período (para que no cálculo da variação dos custos entre períodos o resultado fosse coerente). Isso ocorre porque nem sempre o ente público realiza ações correspondentes a todas as 28 funções em todos os anos, pois a Constituição da República Federativa do Brasil [CRFB] (1988) estabelece as competências de cada ente, e essas competências podem ser privativas ou concorrentes.

A análise do comportamento dos custos é de acordo com a abordagem contemporânea, que considera como resultados possíveis comportamento simétrico ou assimétrico. Analisa-se também a direção da variação e, em caso de assimetria, identifica-se o fenômeno cost stickiness (sticky ou anti-sticky).

A hipótese geral de pesquisa é que, mesmo ocorrendo comportamento simétrico na execução orçamentária total, existe comportamento assimétrico dos custos por contas de classificação funcional relacionado às características das funções de governo, definidas pela TFP. Para melhor direcionar as análises, a hipótese geral foi desmembrada em três sub-hipóteses que se complementam (H1, H2 e H3), conforme Tabela 1.

Tabela 1
Sub-hipóteses de pesquisa

As limitações desta pesquisa não interferem no resultado do comportamento dos custos governamentais aqui evidenciados, mas direcionam as interpretações. Portanto, cabe destacar que: i) a abordagem teórica da TFP foi utilizada por embasar as normas contábeis do Brasil e de vários países do mundo, mas as explicações do comportamento não se limitam a ela; ii) o lapso temporal dos dados empíricos, posterior à efetiva entrada em vigor da Lei Complementar 101 (2000), a qual impõem sanções ao orçamento desequilibrado, pode ter influenciado em baixos níveis de assimetria; iii) o recorte de dados contábeis foi utilizado por se entender que as contas de custos por função orçamentária representam a finalidade dos custos públicos e que a receita total é utilizada com frequência como proxi do volume de produção; e iv) por prudência foi considerado o custo total por função orçamentária, mas os resultados poderiam ser mais expressivos se fossem consideradas separadamente as fontes de recurso (própria e vinculada), o caráter discricionário dos custos, a possibilidade de ilusão fiscal, as contas analíticas ou por categoria econômica.

Em relação às funções da TFP, o governo local se caracteriza por ter como principal atribuição políticas alocativas. Portanto, caso este estudo seja replicado em outro nível governamental no Brasil (estadual ou federal), possivelmente a representatividade dos custos estabilizadores e distributivos seja maior.

4 Análise e discussão dos resultados

A TFP e as normas legais para o setor público, no Brasil, estabelecem que receitas e custos devem manter o equilíbrio no período. Porém, com base nos dados contábeis coletados, observa-se que os custos são em média 0,3% menores do que as receitas (a mediana demonstra que são 3,3% maiores), bem como os resultados são dispersos entre os governos locais. Ao todo foram observados 4.720 resultados orçamentários ao longo dos 16 anos; apenas 288 (6%) confirmaram o equilíbrio orçamentário que é pressuposto fundamental da TFP, e a maioria demonstra desequilíbrio de até 10%.

De acordo com a TFP, as políticas públicas devem ser planejadas e executadas para atender o interesse público e manter o bem-estar da população, conforme as funções inerentes do governo. Nesta direção, e apenas para oferecer uma visão geral em observância à TFP, a Figura 1 ilustra, proporcionalmente, a participação média anual dos custos (2005-2020) dos governos locais associados às funções de governo.

Figura 1
Representação dos custos públicos municipais por função de governo da TFP.

Os percentuais, correspondentes aos grupos de custos associados às funções de governo da TFP, apresentaram poucas oscilações anuais, cujos dados corroboram Musgrave (2008)Musgrave, R. A. (2008). Public finance and three branch model. Journal of Economics and Finance, 32(4), 334-339. http://dx.doi.org/10.1007/s12197-008-9044-4.
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, que afirma que a maior parte dos custos públicos é realizada para atender a função alocativa dos governos, que visa corrigir falhas econômicas no fornecimento de bens ou serviços. Além disso, Musgrave (1997)Musgrave, R. A. (1997). Reconsidering the fiscal role of government. The American Economic Review, 87(2), 156-159. http://www.jstor.org/stable/2950904
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afirma que a função estabilizadora e a distributiva precisam ser organizadas pelo poder central (federal) para atingir seus objetivos em toda a nação, mesmo que a execução seja feita em nível local. Assim, a principal função de governo em nível local é a alocativa.

Para a análise do comportamento dos custos, inicialmente foram realizados testes para definição do modelo estatístico mais adequado e identificados os coeficientes a serem aplicados na fórmula padrão de Anderson et al. (2003)Anderson, M., Banker, R., & Janakiraman, S. (2003). Are selling, general, and administrative cost “sticky”? Journal of Accounting Research, 41(1), 47-63. http://dx.doi.org/10.1111/1475-679X.00095.
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. Posteriormente, foram apurados os resultados do comportamento (abordagem contemporânea), para cada grupo de custos (modelos) definidos para esta pesquisa (1 custo total, 3 custos agrupados por função de governo e 28 custos por contas de função orçamentária) e analisados sob a ótica da TFP.

Para a análise geral da assimetria foi considerada a normalidade na distribuição das variáveis em decorrência do amplo conjunto de observações utilizadas (141.120 ao todo, sendo 4.395 para cada modelo de custos), o que faz que se caracterize a normalidade assintótica, respaldada pelo teorema do limite central, que remete à normalidade de distribuição.

Foram realizados alguns testes para os pressupostos do modelo, de modo a identificar a correlação serial (teste Durbin-Watson), heterocedasticidade (teste Breusch-Pagan), modelo de dados mais adequado (teste Hausman) e modelo de regressão sugerido (teste Breusch-Pagan Lagrange). Os testes identificaram que os resíduos não são autocorrelacionados (ausência de viés); que a variância dos erros de resíduos é heteroscedástica (não mantém a constância), exceto no modelo Distributiva e 22 Indústria, que são homoscedásticos (mantém a constância); que em todos os grupos de custos os dados são mais adequados para rodar em modelo estatístico aleatório; e que se justifica o uso de regressão de dados em painel em todos os modelos de comportamento desta pesquisa. Com base nos testes iniciais foi utilizado o modelo aleatório como parâmetro estatístico para cálculo do comportamento dos custos e a técnica de regressão de dados em painel, assim como na abordagem de Anderson et al. (2003)Anderson, M., Banker, R., & Janakiraman, S. (2003). Are selling, general, and administrative cost “sticky”? Journal of Accounting Research, 41(1), 47-63. http://dx.doi.org/10.1111/1475-679X.00095.
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. Na Tabela 2 apresentam-se os coeficientes ajustados para aplicação no cálculo de cada modelo e o resultado da significância pelo Teste T.

Tabela 2
Coeficientes da fórmula de comportamento dos custos

No p-valor, considerando-se os três coeficientes (α, β1, β2), observa-se que os modelos de custo Total, Alocativa, Distributiva, 06 Segurança Pública, 08 Assistência Social, 12 Educação, 15 Urbanismo, 16 Habitação e 22 Indústria, são os de melhor significância.

O comportamento dos custos no setor público foi medido com base na fórmula padrão de Anderson et al. (2003)Anderson, M., Banker, R., & Janakiraman, S. (2003). Are selling, general, and administrative cost “sticky”? Journal of Accounting Research, 41(1), 47-63. http://dx.doi.org/10.1111/1475-679X.00095.
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com adequações das contas às especificidades do governo. A Receita Total Arrecadada foi utilizada como base de comparação para todas as análises e os custos foram agrupados conforme proposto nos aspectos metodológicos desta pesquisa.

Na Tabela 3 são mostrados os resultados do comportamento dos custos governamentais, distribuídos conforme as hipóteses complementares H1, H2 e H3.

Tabela 3
Comportamento dos custos governamentais

A hipótese geral de pesquisa se confirmou, cujos custos públicos específicos são assimétricos. Em relação às sub-hipóteses: H1 foi rejeitada, contrariando o que se esperava com base na literatura da TFP e nas normas legais do setor público; H2 e H3 se confirmaram, com todos os modelos resultando em comportamento assimétrico, evidenciando que a abordagem contábil contemporânea (cost stickiness) também se aplica ao setor público puro, e um novo fenômeno foi identificado, diferente dos até então encontrados na literatura contábil sobre comportamento de custos, o qual foi aqui denominado reverse cost.

Estudos econômicos oferecem indícios de desequilíbrio orçamentário apenas durante períodos de crise econômica (Joyce & Pattison, 2010Joyce, P. G., & Pattison, S. (2010). Public budgeting in 2020: Return to equilibrium, or continued mismatch between demands and resources? Public Administration Review, 70, S24-S32. http://dx.doi.org/10.1111/j.1540-6210.2010.02243.x.
http://dx.doi.org/10.1111/j.1540-6210.20...
; Kulmala et al., 2016Kulmala, H. I., Ojala, M., Ahoniemi, L., & Uusi-Rauva, E. (2016). Unit cost Behaviour in public sector outsourcing. International Journal of Public Sector Management, 19(2), 130-149. http://dx.doi.org/10.1108/09513550610650400.
http://dx.doi.org/10.1108/09513550610650...
; Mou et al., 2018Mou, H., Atkinson, M. M., & Tapp, S. (2018). Do balanced budget laws matter in recessions? Public Budgeting & Finance, 38(1), 28-46. http://dx.doi.org/10.1111/pbaf.12163.
http://dx.doi.org/10.1111/pbaf.12163...
), mas, de acordo com esta pesquisa, o desequilíbrio ocorreu ao longo dos 16 anos pesquisados, contrariando o preceito da TFP e as normas jurídicas brasileiras. Esse talvez seja o principal motivo que levou à rejeição da H1, contrariando a literatura consolidada até o momento.

O comportamento assimétrico por função de governo da TFP (H2) resultou em efeito sticky para os custos associados às funções alocativa e distributiva (funções de governo que muitas vezes são reguladas por contratos e leis e são de difícil redução, mesmo em períodos de queda na arrecadação). Na função estabilizadora, no entanto, o efeito encontrado não condiz com nenhuma das possibilidades da literatura contemporânea, talvez por não ser comum no setor privado (origem da temática). Mas é algo que pode ocorrer com frequência no setor público, principalmente nos custos da função estabilizadora, e para efeitos desta pesquisa foi definido como reverse cost (custo reverso ou inverso).

Em relação ao comportamento assimétrico dos custos, Banker e Byzalov (2014)Banker, R. D., & Byzalov, D. (2014). Asymmetric cost behavior. Journal of Management Accounting Research, 26(2), 43-79. http://dx.doi.org/10.2308/jmar-50846.
http://dx.doi.org/10.2308/jmar-50846...
afirmam que o fenômeno cost stickiness é identificado em todas as categorias de custos e conjuntos de dados, sob o efeito sticky (Anderson et al., 2003Anderson, M., Banker, R., & Janakiraman, S. (2003). Are selling, general, and administrative cost “sticky”? Journal of Accounting Research, 41(1), 47-63. http://dx.doi.org/10.1111/1475-679X.00095.
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) ou anti-sticky (Weiss, 2010Weiss, D. (2010). Cost behavior and analysts’ earnings forecasts. The Accounting Review, 85(4), 1441-1471. http://dx.doi.org/10.2308/accr.2010.85.4.1441.
http://dx.doi.org/10.2308/accr.2010.85.4...
). Ambos os efeitos consideram que o custo aumenta quando a receita aumenta, mas esta pesquisa identificou que alguns custos públicos diminuem quando a receita aumenta (observar nota explicativa 5 da Tabela 2), isso se justifica pelas peculiaridades do setor e nesta pesquisa encontra aparo na literatura da TFP.

Segundo Musgrave (1959), aMusgrave, R. A. (1959). The theory of public finance: A study in public economy. McGraw-Hill. função do governo é atender a população ou promover o bem-estar, por meio de ações que geram custos que são financiados com receitas públicas. As estratégias políticas adotadas para exercer as funções de governo, por vezes podem aumentar custos enquanto as receitas diminuem (Musgrave & Musgrave, 1976Musgrave, R. A., & Musgrave, P. B. (1976). Public finance in theory and practice. McGraw-Hill.), principalmente ao exercer a função estabilizadora, que por característica visa devolver a estabilidade econômica à nação, a qual pode ser afetada por instabilidade social (Giambiagi & Além, 2011Giambiagi, F., & Além, A. C. (2011). Finanças públicas: teoria e prática no Brasil (4. ed.). Elsevier.), política ou jurídica (Sabina, 2011Sabina, V. O. (2011). Public finance functions. Analele Universităţii “Constantin Brâncuşi” din Târgu Jiu, Seria Economie, 3, 221-231. https://www.utgjiu.ro/revista/ec/pdf/2011-03/28_OANA_SABINA_VEZURE.pdf
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), e mesmo com frustração da receita, o governo precisa agir.

O fenômeno reverse cost, identificado inicialmente nos custos associados à função estabilizadora (H2) e posteriormente em outras contas contábeis (H3), se caracteriza pela diminuição na variação dos custos quando a variação da receita aumenta, e independe do ponto simétrico quando a receita diminui.

A H3 também se confirmou, com comportamento assimétrico para todas as contas contábeis específicas, onde são registrados os custos por finalidade (por áreas de atuação do governo brasileiro). As 28 contas foram apresentadas com identificação da função de governo a que pertencem. Nas contas de custos associadas à função alocativa foram 75% sticky, 27% reverse e 13% anti-sticky. Cabe destacar que em governos locais brasileiros (a maioria com menos de 100.000 habitantes), o poder discricionário é reduzido, já que suas obrigações legais comprometem grande parte da receita. Portanto, a redução dos custos em períodos de queda de arrecadação também é dificultada. Nas contas com função distributiva, 75% têm efeito anti-sticky e 25% sticky. De acordo com a TFP, as políticas distributivas são as primeiras a serem cortadas em épocas de crise, o que condiz com os resultados evidenciados, principalmente porque no Brasil a função distributiva não é atribuição dos governos locais. Nas contas com função estabilizadora, 45% das contas têm efeito anti-sticky, 33% reverse e 22% sticky. Como já mencionado, esses custos públicos se caracterizam por políticas que visam promover a estabilidade e, assim como os distributivos, também não são atribuições do governo local, apesar de não haver impedimento para que a exerçam.

Uma mesma função de governo pode envolver diversas áreas de atuação pública (Musgrave & Musgrave, 1976Musgrave, R. A., & Musgrave, P. B. (1976). Public finance in theory and practice. McGraw-Hill.). Além disso, no Brasil, a Constituição da República Federativa do Brasil (1988)Brasil. (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm
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estabelece algumas responsabilidades privativas ou concorrentes entre os entes públicos, que precisam ser observadas em pesquisas mais profundas. Outro importante fator é que o setor público é altamente regulado e nem sempre é possível alterar a política imediatamente. Além disso, como receitas e custos são registrados de maneira independente e, de acordo com a Lei Complementar 101 (2000), os relatórios de acompanhamento orçamentário serão bimestrais e os de gestão fiscal serão quadrimestrais (agrupados por contas sintéticas), não se percebe rapidamente a variação da receita e dos custos específicos, diante das 28 grandes áreas de atuação do governo.

Esta pesquisa evidenciou que a abordagem contábil contemporânea dos custos se aplica ao setor público puro, que os custos governamentais são assimétricos, que além do fenômeno cost stickiness existe o fenômeno reverse cost e que todos os resultados podem ser explicados pelas peculiaridades do setor que são amplamente discutidos pela TFP.

5 Conclusões

Esta pesquisa analisou de forma inédita o comportamento dos custos nos governos locais sob a ótica da teoria das finanças públicas. A hipótese geral de pesquisa, desmembrada em três sub-hipóteses que se complementam (H1, H2 e H3), resultaram na comprovação de que o comportamento dos custos nos governos locais brasileiros é assimétrico em todos os 32 modelos de custos propostos, os quais estão relacionados às características das funções de governo, definidas pela teoria das finanças públicas.

Assim, as conclusões desta pesquisa direcionam para três contribuições teóricas relevantes:

  1. I

    Para todas as hipóteses (H1, H2 e H3), que utilizaram a fórmula padrão de Anderson et al. (2003)Anderson, M., Banker, R., & Janakiraman, S. (2003). Are selling, general, and administrative cost “sticky”? Journal of Accounting Research, 41(1), 47-63. http://dx.doi.org/10.1111/1475-679X.00095.
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    , os resultados comprovaram que os custos governamentais são assimétricos. Esse achado contraria os estudos com amostras governamentais, que põem em dúvida a possibilidade de utilização da abordagem contemporânea nos custos do setor público (Cohen et al., 2017Cohen, S., Karatzimas, S., & Naoum, V. (2017). The sticky cost phenomenon at the local government level: Empirical evidence from Greece. Journal of Applied Accounting Research, 18(4), 445-463. http://dx.doi.org/10.1108/JAAR-03-2015-0019.
    http://dx.doi.org/10.1108/JAAR-03-2015-0...
    ) ou que afirmam que a mesma não se aplica ao setor público puro (Hosomi & Nagasawa, 2018aHosomi, S., & Nagasawa, S. (2018a). A study on the effect of amalgamation on the cost behavior of local public enterprises. Asia-Pacific Management Accounting Journal, 13(3), 109-130. https://ir.uitm.edu.my/id/eprint/29522/
    https://ir.uitm.edu.my/id/eprint/29522/...
    , 2018bHosomi, S., & Nagasawa, S. (2018b). Empirical study on asymmetric cost behavior: Analysis of the sticky costs of local public enterprises. Asia-Pacific Management Accounting Journal, 13(2), 55-82. https://ir.uitm.edu.my/id/eprint/29561 ; Nagasawa & Nagasawa, 2021Nagasawa, S., & Nagasawa, M. (2021). Free riding, empire building, and cost management prior to and post municipal enterprise mergers in Japan. Asia-Pacific Journal of Accounting & Economics, 28(1), 94-116. http://dx.doi.org/10.1080/16081625.2020.1845001.
    http://dx.doi.org/10.1080/16081625.2020....
    ). Considerando-se as fases das pesquisas sobre comportamento de custos destacadas por Malik (2012)Malik, M. (2012). A review and synthesis of ‘cost stickiness’ literature. SSRN Electronic Journal. http://dx.doi.org/10.2139/ssrn.2276760
    http://dx.doi.org/10.2139/ssrn.2276760...
    , pelo menos a primeira (evidenciação do fenômeno) foi realizada para o setor público puro brasileiro.

  2. II

    A hipótese H1, que supõe que o comportamento dos custos totais no setor público é simétrico, não se confirmou, uma vez que foi evidenciado comportamento assimétrico com efeito sticky. Além disso, expôs a fragilidade do equilíbrio orçamentário, consolidado na literatura da TFP e nas normas jurídicas de diversos países, até o momento.

  3. III

    As hipóteses H2 e H3, além de comprovarem que o comportamento é assimétrico e que precisa ser analisado de maneira peculiar no setor público, relevaram um fenômeno diferente do cost stickiness, aqui denominado reverse cost (custo reverso ou invertido). Tanto a literatura da abordagem tradicional quanto a da contemporânea, sobre comportamento dos custos, não consideram a possibilidade de o custo diminuir quando a receita aumenta, o que pode ser motivado pela origem da temática (direcionada para o setor privado). Ocorre que, ao analisar a H2, observou-se que a variação dos custos, associada à função de governo estabilizadora, diminui quando a receita aumenta e aumenta quando a receita diminui. Para a H3 observou-se comportamento semelhante, no qual as variações dos custos diminuem quando as receitas aumentam e têm variação positiva ou negativa quando as receitas diminuem.

Vale destacar que a identificação do fenômeno reverse cost se caracteriza pela diminuição da variação dos custos quando aumenta a variação da receita, independente do ponto simétrico esperado, o que foi comprovado pela análise dos governos locais abrangidos na presente pesquisa. Trata-se de um fenômeno comum no setor público e que pode ser generalizado ao setor público puro, mas que talvez possa ocorrer, também, no setor privado. Nesta pesquisa, é justificado pela TFP, uma vez que é função do governo agir nas falhas de mercado e promover o bem-estar (Musgrave, 1959Musgrave, R. A. (1959). The theory of public finance: A study in public economy. McGraw-Hill.), mesmo que para isso aumentem os custos em períodos de diminuição das receitas (Musgrave & Musgrave, 1976Musgrave, R. A., & Musgrave, P. B. (1976). Public finance in theory and practice. McGraw-Hill.). Além disso, no setor público brasileiro a contabilização da receita e do custo é independente, diferenciando-se do que ocorre no setor privado no qual o registro contábil de ambos é vinculado.

A análise e a discussão dos resultados contribuem para o aspecto teórico e prático ligado à gestão governamental, principalmente em relação à tomada de decisão, ao planejamento e ao monitoramento das contas públicas. Assim, esta pesquisa pode servir de base para observar o comportamento dos custos públicos com maior profundidade e sugerir diversos caminhos que podem ser trilhados em futuras pesquisas. Mas, de maneira geral, sugere-se a padronização nas interpretações das classificações de comportamento de custos, além de fatores explicativos e consequências do comportamento dos custos públicos.

Muito, ainda, se tem para avançar na temática de comportamento dos custos, e a literatura é escassa em relação a sua aplicação, particularmente, nos custos governamentais. Assim, mesmo se limitando a análise de dados contábeis de governos locais e a ótica da TFP, esta pesquisa apresentou resultados relevantes que podem ser replicados ou comparados com qualquer ente público no Brasil, sem adaptações metodológicas, visto que a norma contábil é padronizada para todo o setor público brasileiro. Pequenas adaptações podem ser necessárias, em contas contábeis, no caso de pesquisas em outros países. Além disso, pode servir de base para outras pesquisas nacionais e internacionais, cujos resultados podem ser diferentes em função dos contextos e particularidades.

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    Conflito de interesse: Os autores não possuem conflito de interesse a declarar.
  • Análise de plágio: A RBGN realiz1a análise de plágio em todos os seus artigos no momento da submissão e após a aprovação do manuscrito por meio da ferramenta iThenticate.

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Editor responsável: Prof. Joelson Sampaio
Revisores: Graciela Jones; João Vinicius Carvalho

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Dez 2022
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2022

Histórico

  • Recebido
    01 Nov 2021
  • Aceito
    02 Set 2022
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