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Endometriose de cicatriz cirúrgica: estudo retrospectivo de 72 casos

Scar endometriosis: a retrospective study of 72 patients

Resumos

OBJETIVO: avaliar a freqüência e fatores associados à endometriose de cicatriz cirúrgica. MÉTODOS: foi realizado estudo observacional, tipo coorte retrospectivo, a partir da revisão de prontuários de pacientes do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) com diagnóstico anatomopatológico de endometriose de cicatriz cirúrgica, no período de maio de 1978 a dezembro de 2003. RESULTADOS: foram encontrados 72 pacientes com diagnóstico de endometriose de cicatriz. A incidência de endometriose de cicatriz após cesariana foi significativamente maior do que após parto normal (0,2 e 0,06%, respectivamente; p<0,00001), com um risco relativo de 3,3. A idade das mulheres, no momento do diagnóstico, variou de 16 a 48 anos, com média de 30,8 anos. A localização da lesão variou conforme a cirurgia prévia: 46 cesarianas, uma histerectomia e uma abdominoplastia (48 lesões na parede abdominal); 19 partos normais com episiotomias, uma recidiva e duas perineoplastias (22 lesões perineais); duas mulheres sem história de cirurgia ginecológica prévia (uma lesão na cicatriz umbilical e uma na parede vaginal posterior). A dor foi o sintoma mais freqüente (80%), seguido de nódulo (79%), e, em mais de 40%, a dor e o nódulo sofreram modificações com o período menstrual. Outras queixas menos freqüentes foram: dispareunia, infertilidade secundária, dor pélvica, dismenorréia, secreção na cicatriz, menorragia e dor à evacuação. O intervalo de tempo médio entre a cirurgia e o início dos sintomas foi de 3,7 anos. O tamanho médio da lesão foi de 3,07 cm. A hipótese diagnóstica, baseada na avaliação clínica, foi correta em 71% dos casos. O tratamento de escolha em todos os casos foi a exérese cirúrgica. Em apenas uma ocorrência houve recidiva e nova intervenção. CONCLUSÕES: a endometriose de cicatriz cirúrgica é situação rara, originada, na maioria das vezes, a partir de procedimento cirúrgico obstétrico, com maior risco após parto abdominal. Apresenta quadro clínico altamente sugestivo, sendo raramente necessário exame complementar.

Endometriose; Endometriose; Cesárea; Cicatriz; Complicações pós-operatórias


PURPOSE: to identify the incidence and associated factors of surgical scar endometriosis. METHODS: a retrospective cohort observational study performed from the medical records of female patients attended at the Clinical Hospital of Univesidade Federal de Minas Gerais (UFMG) with histopathological diagnosis of scar endometriosis from May 1978 to December 2003. RESULTS: a total of 72 patients were included in the study. The incidence of scar endometriosis after cesarean section was significantly higher than after episiotomy (0.2% and 0.06%, respectively; p<0.00001) with relative risk of 3.3. The women’s age, when diagnosed, ranged from 16 to 48 years old, (mean=30.8 years old). The scar location varied according to the previous surgery: 46 scars after cesarean sections, one after hysterectomy and one after abdominal surgery (48 lesions in the abdominal wall); 19 scars after episiotomy, one because of relapse and two after pelvic floor surgeries (22 pelvic wounds); two women had not been submitted to previous gynecological surgery (one umbilical endometrioma and one lesion in the posterior vaginal wall). Pain was the most frequent symptom (80%), followed by a node (79%) and, in more than 40%, the pain and the node suffered modification with menstruation. Other less frequent complaints were: dyspareunia, secondary infertility, pelvic pain, dysmenorrhoea, scar secretion, menorrhagia pain when evacuating. The mean time observed between the surgery and the beginning of the symptoms was of 3.7 years. The average size of the endometriomas was 3.07 cm. The diagnosis based on clinic evaluation was correct in 71% of the cases. The choice of treatment in all the cases was the surgical excision. In only one incident there was relapse and new intervention. CONCLUSIONS: scar endometriosis is a rare situation originated, in most cases, after obstetrical surgical procedure, with higher risk after cesarean section. It is a highly suggestive clinical condition, with a rare necessity of complementary diagnostic procedures, and the best treatment choice is the surgical excision.

Endometriosis; Endometriosis; Cesarean section; Cicatrix; Postoperative complications


ARTIGOS ORIGINAIS

Endometriose de cicatriz cirúrgica: estudo retrospectivo de 72 casos

Scar endometriosis: a retrospective study of 72 patients

Nilo Sérgio NominatoI; Luis Felipe Victor Spyer PratesI; Isabela LauarII; Jaqueline MoraisII; Laura MaiaII; Selmo GeberIII

IPós-graduando do Programa Saúde da Mulher da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG Belo Horizonte (MG), Brasil

IIAcadêmico da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG – Belo Horizonte (MG), Brasil

IIIProfessor Adjunto do Departamento de Ginecologia, Obstetrícia e Ciências da Reprodução Humana da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas – UFMG – Belo Horizonte (MG), Brasil

Correspondência Correspondência: Nilo Sérgio Nominato Rua Caio Martins, 86 CEP 35010-080 – Governador Valadares/MG E-mail: nilonominato@webgv.com.br

RESUMO

OBJETIVO: avaliar a freqüência e fatores associados à endometriose de cicatriz cirúrgica.

MÉTODOS: foi realizado estudo observacional, tipo coorte retrospectivo, a partir da revisão de prontuários de pacientes do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) com diagnóstico anatomopatológico de endometriose de cicatriz cirúrgica, no período de maio de 1978 a dezembro de 2003.

RESULTADOS: foram encontrados 72 pacientes com diagnóstico de endometriose de cicatriz. A incidência de endometriose de cicatriz após cesariana foi significativamente maior do que após parto normal (0,2 e 0,06%, respectivamente; p<0,00001), com um risco relativo de 3,3. A idade das mulheres, no momento do diagnóstico, variou de 16 a 48 anos, com média de 30,8 anos. A localização da lesão variou conforme a cirurgia prévia: 46 cesarianas, uma histerectomia e uma abdominoplastia (48 lesões na parede abdominal); 19 partos normais com episiotomias, uma recidiva e duas perineoplastias (22 lesões perineais); duas mulheres sem história de cirurgia ginecológica prévia (uma lesão na cicatriz umbilical e uma na parede vaginal posterior). A dor foi o sintoma mais freqüente (80%), seguido de nódulo (79%), e, em mais de 40%, a dor e o nódulo sofreram modificações com o período menstrual. Outras queixas menos freqüentes foram: dispareunia, infertilidade secundária, dor pélvica, dismenorréia, secreção na cicatriz, menorragia e dor à evacuação. O intervalo de tempo médio entre a cirurgia e o início dos sintomas foi de 3,7 anos. O tamanho médio da lesão foi de 3,07 cm. A hipótese diagnóstica, baseada na avaliação clínica, foi correta em 71% dos casos. O tratamento de escolha em todos os casos foi a exérese cirúrgica. Em apenas uma ocorrência houve recidiva e nova intervenção.

CONCLUSÕES: a endometriose de cicatriz cirúrgica é situação rara, originada, na maioria das vezes, a partir de procedimento cirúrgico obstétrico, com maior risco após parto abdominal. Apresenta quadro clínico altamente sugestivo, sendo raramente necessário exame complementar.

Palavras-chaves: Endometriose/cirurgia, Endometriose/etiologia, Cesárea/efeitos adversos, Cicatriz/etiologia, Complicações pós-operatórias.

ABSTRACT

PURPOSE: to identify the incidence and associated factors of surgical scar endometriosis.

METHODS: a retrospective cohort observational study performed from the medical records of female patients attended at the Clinical Hospital of Univesidade Federal de Minas Gerais (UFMG) with histopathological diagnosis of scar endometriosis from May 1978 to December 2003.

RESULTS: a total of 72 patients were included in the study. The incidence of scar endometriosis after cesarean section was significantly higher than after episiotomy (0.2% and 0.06%, respectively; p<0.00001) with relative risk of 3.3. The women’s age, when diagnosed, ranged from 16 to 48 years old, (mean=30.8 years old). The scar location varied according to the previous surgery: 46 scars after cesarean sections, one after hysterectomy and one after abdominal surgery (48 lesions in the abdominal wall); 19 scars after episiotomy, one because of relapse and two after pelvic floor surgeries (22 pelvic wounds); two women had not been submitted to previous gynecological surgery (one umbilical endometrioma and one lesion in the posterior vaginal wall). Pain was the most frequent symptom (80%), followed by a node (79%) and, in more than 40%, the pain and the node suffered modification with menstruation. Other less frequent complaints were: dyspareunia, secondary infertility, pelvic pain, dysmenorrhoea, scar secretion, menorrhagia pain when evacuating. The mean time observed between the surgery and the beginning of the symptoms was of 3.7 years. The average size of the endometriomas was 3.07 cm. The diagnosis based on clinic evaluation was correct in 71% of the cases. The choice of treatment in all the cases was the surgical excision. In only one incident there was relapse and new intervention.

CONCLUSIONS: scar endometriosis is a rare situation originated, in most cases, after obstetrical surgical procedure, with higher risk after cesarean section. It is a highly suggestive clinical condition, with a rare necessity of complementary diagnostic procedures, and the best treatment choice is the surgical excision.

Keywords: Endometriosis/surgery, Endometriosis/etiology, Cesarean section/adverse effects, Cicatrix/etiology, Postoperative complications.

Introdução

A endometriose é conceituada como a presença de implantes de tecido endometrial fora da cavidade uterina, tendo sido encontrada em todos os locais anatomicamente próximos do útero, como por exemplo trompas, ovários e peritônio local (endometriose pélvica); mais raramente, é referida a implantes endometrióticos encontrados em locais remotos, como sistema nervoso central, tórax, trato urinário, trato gastrintestinal, extremidades e tecido celular cutâneo (endometriose extrapélvica)1.

Implantes endometrióticos extrapélvicos podem ocorrer em tecido celular subcutâneo de cicatrizes cirúrgicas ou adjacências, seguindo procedimentos obstétricos e ginecológicos, sendo mais comuns após procedimentos realizados durante a gestação. Foram descritos casos de endometriose em cicatriz após parto cesáreo2, em cicatriz de episiotomia após parto normal3 e após procedimentos que tiveram contato com tecido endometrial, como histerotomias realizadas na primeira metade da gestação4, histerectomias5, gravidezes ectópicas2 e salpingotripsias6.

Além destes, sua presença em outros sítios tem sido bem documentada como endometriose umbilical após esterilização puerperal7 ou após laparoscopias5, de parede abdominal após amniocentese8 e após apendicectomias9 e cirurgias de hérnia inguinal10. Mais ainda, a endometriose primária não relacionada a qualquer procedimento cirúrgico tem sido referenciada em locais como cicatriz umbilical, vulva, períneo e região inguinal11.

Os relatos da literatura indicam que a endometriose de cicatriz é raro acontecimento. As estimativas12 variam de uma pequena fração a 3,5%, sendo mais freqüentes após procedimentos obstétricos, principalmente na interrupção da gestação no segundo trimestre, após histerotomias13. Alguns autores relatam incidência de 1,08 a 3,5% após a interrupção da gestação no segundo trimestre e de 0,03 a 0,4% após parto cesáreo14. Outros autores sugerem um maior risco quando o parto cesáreo é realizado antes do trabalho de parto iniciado15. A incidência de endometriose em cicatriz de episiotomias é bem mais rara que em cicatriz de parede abdominal. Estudos recentes indicam que a verdadeira incidência de endometriose perineal seguindo episiotomia é maior do que se acreditava16.

A etiopatogênese da endometriose de cicatriz é mais bem explicada pela combinação de teorias. A mais prática e popular é a direta implantação do tecido endometrial nas cicatrizes cirúrgicas10. Durante a realização de um procedimento cirúrgico, o tecido endometrial é diretamente inoculado na ferida cirúrgica, permanecendo essas células endometriais viáveis, proliferando sob estímulo hormonal adequado (teoria do transporte celular) ou induzindo o tecido à sua volta a sofrer metaplasia e desenvolver a endometriose de cicatriz (teoria de metaplasia celômica). Alternativamente, o tecido endometrial poderia alcançar a cicatriz cirúrgica por via linfática ou via vascular, desenvolvendo posteriormente a endometriose de cicatriz10.

O objetivo do estudo foi identificar a incidência de endometriose de cicatriz cirúrgica e fazer a correlação com as informações clínicas e fatores de risco.

Métodos

Foi realizado um estudo observacional, tipo coorte retrospectivo, a partir da revisão de prontuários médicos com diagnóstico de endometriose de cicatriz cirúrgica, no Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), durante um período de 25 anos (entre maio de 1978 e dezembro de 2003). Em todos os casos, o diagnóstico foi confirmado por estudo anatomopatológico. Considerou-se o diagnóstico anatomopatológico de endometriose quando havia a identificação de glândulas endometriais características separadas por estroma endometrial dentro de tecido conectivo fibroso ou de músculo esquelético, áreas de hemorragia focal e áreas de endometriose crônica ativa com fibrose, observando-se infiltração de macrófagos e histiócitos carregados de pigmentos de hemossiderina. Para o diagnóstico de endometriose extrapélvica, foi considerado o local em que havia sido realizada a biópsia do material estudado.

Os prontuários médicos avaliados de mulheres com diagnóstico anatomopatológico de endometriose de cicatriz foram obtidos no Serviço de Arquivo Médico (Same) do Hospital das Clínicas. Foram avaliados os seguintes dados: idade das pacientes, localização da endometriose de cicatriz, cirurgia antecedente à doença, intervalo de tempo entre a cirurgia precedente e os sintomas, sintomas, características do tumor, exames complementares, tratamentos realizados e recorrência. Os dados analisados foram descritos em números absolutos e incidência, e comparados com a incidência observada nos demais estudos da literatura. Para comparação das incidências entre os diferentes tipos de parto, realizamos o teste do c2, tendo sido considerado significativo se p<0,05.

Resultados

Foram encontrados e avaliados os prontuários de 72 pacientes com diagnóstico de endometriose de cicatriz durante o período de maio de 1978 a dezembro de 2003. Nenhum foi excluído do estudo. A idade das participantes, no momento do diagnóstico, variou de 16 a 48 anos, com média de 30,8±5,8 anos.

A localização da endometriose de cicatriz variou conforme a cirurgia realizada previamente. Das 72 mulheres, 48 (66,6%) tinham lesão na cicatriz de parede abdominal, 22 (30,5%) apresentavam lesão em cicatriz perineal, uma tinha lesão em parede vaginal posterior (1,38%) e em uma (1,38%) a lesão era na cicatriz umbilical.

A distribuição das cirurgias realizadas antes do surgimento da endometriose de cicatriz foi: a endometriose de cicatriz ocorreu após parto cesáreo em 46 (63,8%); em 19 (26,3%), após parto normal com episiotomia; em duas (2,7%), após perineoplastia; em uma (1,38%), após histerectomia e em outra (1,38%), após abdominoplastia. Dois casos ocorreram sem que houvesse cirurgia prévia. Houve um caso de recidiva perineal.

No período de maio de 1978 a dezembro de 2003, foram realizados 18.083 partos por via abdominal e 35.287 por via vaginal no Hospital das Clínicas da UFMG. Os dados apresentados permitiram inferir que a incidência de endometriose em cicatriz após parto cesáreo foi de 0,2% e em cicatriz de episiotomia (após parto normal) foi de 0,06%. Quando comparamos as duas incidências, notamos que a freqüência de endometriose em cicatriz de parto cesáreo foi significativamente maior do que após parto normal (p<0,00001), com um risco relativo de 3,3 para o parto cesáreo.

A queixa mais comum foi dor na cicatriz, freqüente em 58 mulheres (80%), mas, destas, em apenas 32 (44%) a dor era cíclica. Nódulo na cicatriz cirúrgica foi encontrado em 57 casos (79%). Observamos que 30 (41,1%) descreveram aumento do nódulo durante o período menstrual. Outros sintomas surgiram com menos freqüência: quatro (5,4%) queixas de dor durante as relações sexuais, três (4,2%) de infertilidade secundária, e 2,8% de dor pélvica, dismenorréia e secreção na cicatriz cirúrgica. A menorragia e dor à evacuação estiveram presentes em 1,4%.

O intervalo de tempo entre a cirurgia e o surgimento dos sintomas variou de dois meses a 20 anos, com média de 3,7 anos. O tamanho da lesão variou em seu maior diâmetro de 0,3 a 8 cm, com média de 3,07 cm. Em nenhuma ocorrência foi realizado qualquer exame complementar diagnóstico.

A análise da hipótese diagnóstica foi feita considerando-se como base os achados obtidos no momento da anamnese e do exame físico. A confirmação ou não da hipótese diagnóstica foi feita após comparação com o resultado obtido pelo exame anatomopatológico, após a exérese do nódulo. Assim, a hipótese diagnóstica foi confirmada e considerada correta em 52 casos (71%), com um caso de recidiva. Outras hipóteses aventadas foram de granuloma de cicatriz, fibroma e corpo estranho, em três casos cada (4%). Outras hipóteses citadas, uma vez cada: cisto de Bartholin, hérnia inguinal e incisional, lesão verrucosa, cisto perineal e tumor dermóide. Em quatro casos de tumor de cicatriz, não houve hipótese diagnóstica aventada no momento do exame clínico.

Todas foram tratadas cirurgicamente com exérese da lesão. Em um caso, houve recidiva com necessidade de nova intervenção, que foi realizada sem posterior complicação.

Discussão

Este estudo avaliou a freqüência de endometriose de cicatriz em um período de 25 anos, o qual parece ser o período mais longo estudado e descrito até o momento. Mais ainda, o número de casos avaliados foi inferior apenas na comparação com uma publicação10. Esses fatos fortalecem a importância destes resultados.

Apesar da pequena freqüência de casos de endometriose de cicatriz, a importância de se realizar esta pesquisa está em identificar a real incidência e as formas clínicas, de modo a serem evitados erros diagnósticos e oferecer as melhores opções terapêuticas. Ademais, o melhor conhecimento da doença permitirá uma adequada prevenção, além de contribuir para as teorias relativas à gênese da endometriose.

O desenho desta pesquisa foi retrospectivo, uma vez que o critério de inclusão foi o diagnóstico prévio de endometriose de cicatriz. Todas as lâminas avaliadas tiveram o mesmo critério diagnóstico, tendo sido analisadas pelo mesmo serviço e de acordo com o descrito na literatura.

A média de idade das incluídas no estudo foi de 30,8 anos, semelhante ao encontrado por outros autores2,5,9, tendo sido afirmado4 que a endometriose de cicatriz seria uma doença que ocorre em pessoas relativamente jovens, em idade reprodutiva.

A localização da endometriose de cicatriz está diretamente relacionada com a cirurgia antecedente. Os dados desta pesquisa estão de acordo com as publicações que afirmam a existência dessa relação com os procedimentos cirúrgicos que violam a cavidade uterina, uma vez que, dos 72 casos estudados, apenas três não ocorreram posteriormente a procedimento com contato com tecido endometrial. Esse fato corrobora a teoria de que a endometriose seria diretamente inoculada na ferida cirúrgica, permanecendo essas células endometriais viáveis, proliferando sob estímulo hormonal adequado17.

A presença de alguns casos isolados de endometriose de cicatriz sem história de cirurgia prévia, isto é, de maneira espontânea faz aventar a possibilidade da teoria de metaplasia celômica e disseminação hematogênica ou linfática como fator etiológico10. Os resultados da presente investigação (2/72) e aqueles encontrados na literatura (35/357) são, entretanto, muito pequenos e ainda insuficientes para se provar qualquer uma dessas teorias.

A verdadeira incidência da endometriose extrapélvica é desconhecida, devido ao pequeno número de estudos com séries de ocorrências. Relatos de casos isolados podem ser observados, mas são insuficientes até mesmo para demonstrar incidência específica. Outro fator importante é a diferença entre os procedimentos cirúrgicos realizados nos diversos centros, principalmente por fatores culturais e legais. A histerotomia para interrupção da gestação é o exemplo mais importante, uma vez que ocorre apenas em países onde essa prática é permitida.

A incidência de endometriose de cicatriz pós-parto, neste estudo, foi calculada utilizando-se o número de casos diagnosticados e o número de partos realizados no mesmo serviço, no mesmo período. Esse cálculo é passível de críticas, uma vez que é impossível afirmar que todas as assistidas, que porventura tenham apresentado endometriose de cicatriz pós-parto, procuraram o mesmo serviço para o tratamento. Isso pode tornar a incidência desta pesquisa subestimada. A situação, entretanto, é inerente ao desenho do estudo realizado, sendo comum a todos os demais descritos. É importante ressaltar que apenas um número limitado de trabalhos descreveu a incidência de endometriose de cicatriz após o procedimento avaliado3,5,7,16.

A incidência observada de 0,06% de endometriose de cicatriz após parto vaginal é inferior à incidência citada em dois estudos descritos na literatura. O primeiro estudo3 relata incidência de 0,7%, entretanto, incluíram casos com apenas nove anos de acompanhamento e somente 15 casos. O outro estudo16 relatou a incidência de 0,2% num período de 13 anos, com 16 casos descritos. Como são apenas dois estudos e com tempo de análise limitado, sua comparação com a presente pesquisa fica comprometida.

Com relação à incidência de endometriose de cicatriz após cesárea, observou-se freqüência de 0,2%. Esses dados são semelhantes aos de outros autores, que variaram de 0,03 a 0,5%, sendo o número de casos descritos inferior (1 a 26 casos), assim como o período estudado, que variou de 3 a 10 anos5,7. A incidência aproximada, incluindo-se os dados observados pela presente investigação, seria de 0,2% (81/33.185), números próximos dos observados na literatura. As divergências podem ser explicadas por diversas razões, como a diferença no número de casos e de anos de estudo, as perdas de mulheres com a complicação e os diversos cuidados operatórios, principalmente no que concerne ao contato de células endometriais com o tecido subcutâneo.

Quando comparamos as incidências de endometriose de cicatriz após parto normal e após parto cesáreo, identificamos uma incidência significativamente maior após parto cesáreo, com risco relativo calculado de 3,3. Estes dados sugerem que o parto cesáreo determina um aumento no risco de ocorrência de endometriose de cicatriz. Este fato pode ser explicado pela maior manipulação e exposição do endométrio ao tecido subcutâneo.

O quadro clínico da endometriose de cicatriz observado foi de 80% das mulheres com dor e nódulo em cicatriz cirúrgica, tendo modificações cíclicas em 40%. Esses dados estão de acordo com os relatos da literatura2,5,7,9,10,17. O intervalo de tempo médio entre a cirurgia e o aparecimento dos sintomas neste estudo foi de 3,7 anos, também semelhante ao descrito na literatura, com média de 4,5 anos e variação de 45 dias a 20 anos2-4,9,10,17.

Todos os casos analisados no presente estudo foram provenientes de tratamentos cirúrgicos. Essa opção terapêutica está de acordo com a maioria dos autores, que sugerem que a completa excisão da lesão com boa margem de segurança, para evitar recorrência e afastar a possibilidade de doença maligna, é o tratamento de escolha para a endometriose de cicatriz cirúrgica. Como a lesão pode estar fortemente aderida aos tecidos vizinhos, uma porção de fáscia de músculos deve ser removida como margem de segurança6,15,18. No nosso entender, o uso de tratamento medicamentoso poderia ser reservado para os casos de grandes nódulos ou massas, para reduzir seu tamanho previamente à cirurgia e facilitar, assim, sua exérese, conforme previamente sugerido6.

Esta pesquisa contribuiu para determinar a incidência de endometriose de cicatriz cirúrgica, uma vez que apresentou o mais longo período de tempo estudado até o momento. Os dados clínicos observados podem ajudar a elucidar a gênese da endometriose de cicatriz, corroborando a teoria do transporte iatrogênico. Além disso, sugere-se que sejam tomados cuidados mais criteriosos durante procedimentos em que haja a manipulação da cavidade endometrial, de modo a reduzir a incidência da endometriose de cicatriz. Os resultados podem contribuir, também, para facilitar o diagnóstico clínico sem a necessidade de exames complementares; para orientar mais adequadamente o tratamento que, acredita-se, deve ser a excisão da lesão com margem de segurança; para permitir, ainda, a confirmação do diagnóstico pelo exame anatomopatológico, afastando-se a possibilidade de doença maligna.

Recebido: 15/02/2007

Aceito com modificações: 03/08/2007

Departamento de Ginecologia, Obstetrícia e Ciências da Reprodução Humana da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG – Belo Horizonte (MG), Brasil.

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  • Correspondência:

    Nilo Sérgio Nominato
    Rua Caio Martins, 86
    CEP 35010-080 – Governador Valadares/MG
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      01 Nov 2007
    • Data do Fascículo
      Ago 2007

    Histórico

    • Aceito
      03 Ago 2007
    • Recebido
      15 Fev 2007
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